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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

Print version ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.23 no.4 Lisboa Dec. 2015

 

CASO CLÍNICO

 

Tumor Tenossinovial de Células Gigantes extra-articular do joelho: caso clínico

 

Diogo Santos RoblesI; Sofia EstevesI; Hélder NogueiraI; Daniel LopesI; Nuno FerreiraII; Jorge MendesII

I. Serviço de Ortopedia do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, EPE.
II. Serviço de Ortopedia do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, EPE.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Os Tumores Tenossinoviais de Células Gigantes, também conhecidos como Tumores de Células Gigantes das Bainhas Tendinosas, são lesões proliferativas benignas, de etiologia indeterminada e crescimento lento, que se originam do tecido sinovial das bainhas tendinosas, articulações, bursas e tecidos fibrosos adjacentes a tendões, geralmente no esqueleto apendicular.

Correspondem a 1.6% dos total de tumores de tecidos moles e são mais frequentemente observados em idades compreendidas entre os 30-50 anos, apresentando maior prevalência no sexo feminino.

São uma entidade clínica conhecida, cuja hipótese diagnóstica se coloca habitualmente nos doentes que apresentam tumefação de reduzidas dimensões a nível da face volar dos dedos da mão, pelo facto de 85% destes tumores se apresentarem nesta localização. Por outro lado, nas grandes articulações, a sua incidência é estimada em 12%, podendo nestas assumir grandes dimensões.

Embora sejam lesões benignas, apresentam uma elevada taxa de recidiva, pelo que o seu tratamento deve sempre contemplar a sua exérese cirúrgica completa, sem fragmentação da lesão.

Apresenta-se o caso clínico de um doente do sexo masculino, de 53 anos de idade, observado por suspeita de lesão meniscal, cuja Ressonância Magnética Nuclear demonstrou um tumor nodular, de grandes dimensões, extra-articular, a nível da gordura de Hoffa. A biópsia demonstrou ser um Tumor Tenossinovial de Células Gigantes e o doente foi submetido a exérese cirúrgica por via aberta do tumor, com resolução das queixas álgicas.

Palavras chave: Tumor tenossinovial de células gigantes, extra-articular, joelho, bainha tendinosa, diagnóstico diferencial, tratamento cirúrgico.

 

ABSTRACT

Giant tenosynovial cell tumours, also known as giant cell tumours of the tendon sheath, are benign proliferative lesions of uncertain aetiology and slow growth, arising from the synovial tissue of tendon sheaths, joints, bursae and tendon surrounding fibrous tissue, usually in the appendicular skeleton.

They amount to 1.6% of all soft tissue tumours and generally in the 30-50 years of age range, with a higher prevalence in women.

They are a known entity whose diagnosis usually arises in patients with small swellings within the volar side of the fingers, given that 85% of these tumours are located at this level. At the level of large joints, its estimated incidence is 12% and, in these locations they can assume larger dimensions.

Although a benign tumour, it has a high recurrence rate, so treatment should always contemplate a complete surgical excision without lesion fragmentation.

We present a case report of a 53 years old male patient, with a suspected meniscal injury, whose magnetic resonance presented with a large dimension nodular tumour, nodular, extra-articular, within Hoffa´s fat. The needle aspiration biopsy showed a Giant Tenosynovial Cell Tumour, and patient underwent open surgical excision of the tumour, with resolution of the pain complaints.

Key words: Giant tenosynovial cell tumour, extra-articular, Knee, tendon sheath, differential diagnosis, surgical treatment.

 

INTRODUÇÃO

Os Tumores Tenossinoviais de Células Gigantes (TTCG), originalmente descritos por Jaffe et al1,2 em 1941, são lesões proliferativas benignas, de etiologia indeterminada e crescimento lento, com origem no tecido sinovial das bainhas tendinosas, articulações, bursas e tecidos fibrosos adjacentes aos tendões1,2.

São tumores raros, correspondendo a aproximadamente 1.6% do total de tumores de tecidos moles1, sendo mais frequentemente observados em idades entre os 30-50 anos, com maior prevalência no sexo feminino (2:1)3,4,5.

São atualmente classificados como “Tumores Fibrohistocíticos” benignos, segundo o Sistema de Classificação de Tumores Ósseos e de Tecidos Moles da Organização Mundial de Saúde6 e subdividem-se de acordo com a sua localização (tecidos moles ou intra-articulares) e padrão de crescimento (nodular ou difuso)2.

Caracterizam-se histologicamente por apresentarem hiperplasia das células sinoviais, células gigantes multinucleadas, macrófagos, fibroblastos, células espumosas e depósitos intra e extracelulares com quantidades variáveis de lípidos e hemossiderina7. Dada a sua origem sinovial comum, a variante nodular peri-articular ou das bainhas tendinosas, é considerada a forma extra-articular da Sinovite Vilonodular Pigmentada. No entanto, embora demonstrem características histológicas semelhantes, apresentam comportamentos biológicos e clínicos distintos entre eles3,4. As variantes nodulares são geralmente indolentes e de melhor prognóstico, já as variantes difusas, são localmente agressivas, apresentando taxas mais elevadas de recidiva2.

Os autores pretendem apresentar um caso clínico raro de um Tumor Tenossinovial de Células Gigantes extra-articular de localização atípica, a nível da Gordura de Hoffa, nodular, de grandes dimensões, que correspondeu a um achado imagiológico no decorrer da avaliação de um doente por suspeita de lesão meniscal, apresentar a opção terapêutica tomada e fazer uma revisão bibliográfica do tema.

 

CASO CLÍNICO

Apresenta-se o caso de um doente do sexo masculino, 53 anos de idade, sem antecedentes patológicos de relevo, observado por gonalgia moderada à esquerda, de ritmo mecânico, com 13 meses de evolução, sem história traumática associada.

Ao exame físico do joelho esquerdo, o doente demonstrava dor à palpação do pólo inferior da rótula e face anterolateral do joelho, sem massas palpáveis. Os testes de instabilidade ligamentar eram negativos e as manobras de stresse meniscal eram positivas para o compartimento lateral. Embora apresentasse flexão completa e indolor, a extensão estava limitada em 10º, e, se forçada, despertava dor a nível do pólo inferior da rótula e face anterolateral do joelho.

As radiografias realizadas não apresentavam alterações. Dada a hipótese diagnóstica de eventual lesão do corno anterior do menisco externo associada a tendinite do tendão rotuliano, o doente realizou uma Ressonância Magnética Nuclear (RMN) que revelou uma massa bem circunscrita, lobulada, com 5x3,9x2,8cm, globalmente heterogénea, hipointensa em T1 e T2, hiperintensa em T2 após supressão de gordura e administração de contraste. A massa encontrava-se a nível da gordura de Hoffa, em contacto com o polo inferior da rótula, insinuando-se na tróclea femoral e estendendo-se até à face anterolateral da tíbia, em contacto direto com o tendão rotuliano (Figura 1).

 

 

Foi realizada uma biópsia aspirativa por agulha fina ecoguiada que revelou tratar-se de uma lesão compatível com um Tumor Tenossinovial de Células Gigantes (Figura 2).

 

 

Dada a localização, optou-se pela exérese cirúrgica da lesão por via aberta, através de uma abordagem paramediana externa, centrada no tendão rotuliano.

Procedeu-se à exérese cirúrgica completa da lesão, sem violação da sua cápsula (Figura 3). Intra-operatóriamente, após exérese da lesão, verificou-se que era possível realizar extensão completa do joelho, sem áreas aparentes de conflito. O exame histopatológico confirmou o diagnóstico (Figura 4).

 

 

 

Aos com 12 meses de pós-operatório, o doente encontrava-se clinicamente assintomático, com arco de mobilidade completo, sem evidência clínica de recidiva.

 

DISCUSSÃO

A mão é a localização anatómica mais frequente (85% dos casos) para os Tumores Tenossinoviais de Células Gigantes, sendo que nesta localização se apresentam geralmente como lesões nodulares, a nível das bainhas tendinosas da face palmar dos dedos1,6.

São raramente observados em grandes articulações (12%), apresentando-se nestas localizações mais frequentemente no seu subtipo intra-articular1,6.

Clinicamente, os TTCG apresentam-se geralmente como lesões monoarticulares com tamanho de até 2cm de diâmetro1, de crescimento lento (meses a anos), indolores ou pouco dolorosos. Se localizados nas grandes articulações, podem assumir grandes dimensões1 (até 8cm), o que poderá levar ao desenvolvimento de sinais e sintomas mecânicos inespecíficos como a sensação de bloqueio ou limitação do arco de mobilidade, mimetizando lesões intra-articulares comuns1,8.

A radiografia simples não é útil no diagnóstico, embora em 10 a 20% dos casos possa ser observada erosão óssea8.

A RMN é considerado o Gold Standard imagiológico para o seu diagnóstico, demonstrando lesões circunscritas hipointensas em T1 e T2, devido aos depósitos de hemossiderina, com maior captação em T2 após administração de contraste de gadolínio, dada a rica vascularização destes tumores8,9.

Dada a sua clínica inespecífica e localizações anatómicas preferenciais, o diagnóstico diferencial de um TTCG enquanto nódulo solitário peri-articular ou tendinoso, deverá incluir quistos sinoviais, lipomas, fibromas das bainhas tendinosas, granulomas, tumores desmóides, granulomas e sarcomas de tecidos moles5,9.

O estabelecimento do diagnóstico diferencial com os sarcomas de tecidos moles é de vital importância, dadas as implicações clínicas, prognósticas e de abordagem terapêutica que estes últimos acarretam. Clinicamente, os sarcomas de tecidos moles estão mais frequentemente associados a dor e por vezes a sintomas neurológicos, contrariamente aos  TTCG5,7. Imagiologicamente, a erosão do osso adjacente é frequente e podem também apresentar calcificações dos tecidos moles. A RMN (lesão circunscrita hipointensa em T1 e T2, com maior captação em T2 após contraste) ajuda a diferenciar os TTCG dos sarcomas de tecidos moles8,9, mas o diagnóstico definitivo é histopatológico, com a confirmação dos depósitos de hemossiderina típica dos TTCG e ausência de anaplasia e mitoses atípicas características dos sarcomas de tecidos moles5,7.

Embora sejam tumores benignos, os TTCG apresentam uma elevada taxa de recidiva, de 10-20%2, com alguns autores a referirem taxas de até 44% para as variantes mais agressivas como a Sinovite Vilonodular Difusa1, sendo a exérese incompleta da lesão o principal fator de risco de recidiva descrito4,5.

O tratamento deste tumor consiste na sua exérese cirúrgica adequada. A técnica a utilizar (via aberta, microcirurgia, artroscopia) depende da sua localização (intra vs. extra-articular) mas deverá sempre permitir uma exérese completa, sem que ocorra fragmentação da lesão no decorrer da cirurgia, no sentido de se evitar a recidiva1,5, pelo que a utilização de shavers no tratamento de tumores intra-articulares está contraindicada, dado o risco de disseminação1,5.

Está descrita na literatura a utilização de radioterapia co-adjuvante no pós-operatório, para os casos de possível ressecção incompleta, envolvimento ósseo ou perante a ocorrência de recidiva10.

No caso clínico apresentado, o tumor foi uma descoberta incidental aquando da avaliação de um doente por gonalgia, inicialmente interpretada como uma possível patologia meniscal. A RMN realizada levantou a hipótese diagnóstica de TTCG, que depois se veio a confirmar por exame histopatológico.

Dada a natureza extra-articular da lesão observada, assumiu-se ser um TTCG da bainha do tendão rotuliano que, dado o seu tamanho, causava um conflito de espaço, limitando a extensão completa do joelho.

 

CONCLUSÃO

Em conclusão, os autores reportam um caso de TTCG extra-articular do joelho, salientando a ocorrência desta patologia em localizações atípicas, e apresentam esta lesão como um diagnóstico diferencial raro, mas que, dada a sintomatologia inespecífica e implicações terapêuticas, deve merecer consideração aquando da avaliação clínica de uma gonalgia. A sua exérese completa sem violação da cápsula é recomendada, dada a elevada taxa de recidiva, com a expectativa de resolução das queixas álgicas e de recuperação do arco de movimento.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Sun C, Sheng W, Yu H, Han J. Giant cell tumor of the tendon sheath: A rare case in the left Knee of a 15 year-old boy. Oncol Lett. 2012 Mar; 3 (3): 718-720

2. Somerhousen NS, Fletcher CD. Diffuse-type giant cell tumor: clinicopathologic and immunohistochemical analysis of 50 cases with extraarticular disease. Am J Surg Pathol. 2000 Apr; 24 (4): 479-492

3. Lee JH, Wang SI. A tenosynovial giant cell tumor arising from femoral attachment of the anterior cruciate ligament. Clin Orthop Surg. 2014 Jun; 6 (2): 242-244

4. Weiss SW, Goldblum JR. Enzinger and Weiss's soft tissue tumors. 4th. Philadelphia: Mosby; 2001.         [ Links ]

5. Monaghan H, Salter DM, Al-Nafussi A. A Giant cell tumour of tendon sheath (localised nodular tenosynovitis): clinicopathological features of 71 cases. J Clin Pathol. 2001 May; 54 (5): 404-407

6. Fletcher CDM, Bridge JA, Hogendoorn P, Mrtyrnd F. World Health Organization Classification of Tumors, Pathology and Genetics of Tumors of Soft Tissue and Bone. 4th. Lyon: IARC; 2013.         [ Links ]

7. Gibbons CL, Khawaja HA, Cole AS, Cooke PH, Athanasou NA. Giant-cell tumour of the tendon sheath in the foot and ankle. J Bone Joint Surg Br. 2002 Sep; 84 (7): 1000-1003

8. Darwish FM, Haddad WH. Giant cell tumour of tendon sheath: experience with 52 cases. Singapore Med J. 2008 Nov; 49 (11): 879-882

9. Kim HS, Kwon JW, Ahn JH, Chang MJ, Cho EY. Localized tenosynovial giant cell tumor in both knee joints. Skeletal Radiol. 2010 Sep; 39 (9): 923-926

10. Lucas DR. Tenodynovial giant cell tumor: case report and review. Arch Pathol Lab Med. 2012 Aug; 136 (8): 901-906

 

Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

Diogo Santos Robles
Serviço de Ortopedia
Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, EPE.
Avenida do Hospital Padre Americo, nº210
4560-454 Penafiel
diogorobles@gmail.com

 

Data de Submissão: 2015-11-25

Data de Revisão: 2016-01-08

Data de Aceitação: 2016-03-25

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