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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

Print version ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.23 no.4 Lisboa Dec. 2015

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Piomiosite pélvica em idade pediátrica: uma série de casos clínicos

 

André BahuteI; Cristina AlvesI; Inês BalacóI; Pedro Sá CardosoI; Tah Pu LingI; Gabriel MatosI

I. Serviço de Ortopedia Pediátrica do Hospital Pediátrico - Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE. Coimbra.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Objetivos: A piomiosite é uma infeção rara do músculo estriado, frequentemente secundária à disseminação hematogénea de êmbolos sépticos e geralmente acompanhada de abcesso intramuscular. A apresentação clínica é inespecífica e o diagnóstico é muitas vezes tardio. Apresentamos 5 casos de crianças com o diagnóstico de piomiosite pélvica e revemos o conhecimento atual sobre esta patologia.

Material e Métodos: Apresentamos os casos clínicos de 5 crianças diagnosticadas com piomiosite pélvica entre 2012 e 2014. A maioria dos doentes era do sexo feminino e a idade média era de 11 anos. Os músculos atingidos foram o iliopsoas em 3 casos, o obturador interno e o piriforme num caso cada. Todos os casos foram confirmados com imagiologia dirigida e tratados com antibioterapia endovenosa até à melhoria dos marcadores inflamatórios seguido de um ciclo de antibioterapia oral. Foram colhidas hemoculturas previamente à instituição da antibioterapia, mas em apenas um caso foi isolado o agente microbiano (Staphylococcus aureus).

Resultados: Nenhum dos achados clínicos ou laboratoriais foi específico para piomiosite. O diagnóstico foi possível utilizando ressonância magnética em 3 casos, tomografia computorizada e ecografia em 1 caso cada. Apenas num caso foi possível identificar o agente microbiológico. O tratamento foi exclusivamente com antibioterapia endovenosa e oral em todos os doentes, durante 5 a 6 semanas.

Conclusão: O diagnóstico precoce da piomiosite é raro e difícil. A RMN permite a identificação precisa das alterações musculares e a sua extensão. A antibioterapia administrada antes do rebate sistémico tem frequentemente sucesso e a taxa de complicações é baixa.

Palavras chave: Piomiosite, Abcesso muscular, Infeção pélvica, Crianças, Staphylococcus aureus.

 

ABSTRACT

Objective: Pyomyositis is a rare infection of the striated muscle and which generally results from hematogenous spread of septic emboli and usually presents with muscular abscesses. Clinical presentation is uncharacteristic and late diagnosis is frequent. We present 5 cases of pelvic pyomyositis in pediatric patients and review the current knowledge on this entity.

Methods: We review 5 patients with an average age of 11 years old who were diagnosed with and treated for pelvic pyomyositis between 2012 and 2014. The site of infection was the iliopsoas in 3 cases and the obturator internus and piriformis in one each. In all cases the diagnosis was confirmed through imaging studies and intravenous antibiotic therapy was pursued until improvement of inflammatory markers and, afterwards, replaced for oral compounds. Blood cultures were conducted before the administration of antibiotics, but only in one case were we able to identify the offending microbe (Staphylococcus aureus).

Results: None of the clinical or laboratorial findings were specific for pyomyositis. In three cases, the diagnosis was confirmed with pelvic MRI. The remaining 2 cases were confirmed with pelvic ultrasound and pelvic CT respectively. All patients were treated with intravenous and oral antibiotics exclusively for a length of 5 to 6 weeks.

Conclusions: Early diagnosis of pyomyositis is rare and difficult. The use of MRI allows a precise assessment of the location of the lesion in the muscle and its extent. Early antibiotic therapy is usually successful and long term complication rates are low.

Key words: Pyomyositis, muscle abscess, pelvic infection, children, Staphylococcus aureus.

 

INTRODUÇÃO

A piomiosite é uma infeção bacteriana rara do músculo estriado. Foi inicialmente descrita por Scriba em 1885 em doentes que residiam em áreas tropicais, pelo que é também conhecida como Piomiosite tropical1. Na literatura, aparece ainda designada como miosite purulenta, miosite bacteriana, miosite supurativa e abcesso piogénico. Em regiões tropicais, as piomiosites podem ser responsáveis por 4% dos internamentos hospitalares2. Em 1971, Levin et al descreveram o primeiro caso que ocorreu em climas temperados3 e nas últimas duas décadas verificou-se um aumento da incidência de piomiosites nestas regiões. Clinicamente, as variantes tropical e não-tropical são semelhantes4.

Em regiões tropicais, 33 a 40% dos casos atinge a população pediátrica. A doença é mais frequente na primeira e segunda décadas de vida, com um ligeiro predomínio do sexo masculino de 2:1 a 3:14-6. O caso publicado de piomiosite mais precoce ocorreu num recém-nascido com 6 dias7.

A prevalência em adultos em regiões não tropicais está associada a estados de imunodeficiência, como os causados por infeções víricas, neoplasias, diabetes mellitus, lúpus eritematoso sistémico, leucemia e consumo de drogas intravenosas, mas existem poucos dados relativos à população pediátrica8-10. Mignemi et al propõem que a incidência da piomiosite tem aumentado como consequência da utilização mais frequente de imagiologia mais sensível, e que uma grande proporção dos casos são erradamente diagnosticados e tratados como se fossem artrites sépticas11.

A história natural da piomiosite inclui 3 fases12:

  • a fase inicial, invasiva, com a duração de 10 a 21 dias, caracteriza-se por um início insidioso de dor difusa e incapacitante, acompanhada por vezes de febre e anorexia e edema localizado. Apenas 2% dos doentes são diagnosticados nesta fase.
  • na fase seguinte, purulenta ou supurativa, as queixas são mais intensas. Durante esta fase, desenvolve-se uma coleção de pus intramuscular. O músculo envolvido é doloroso à palpação e a pele adjacente pode apresentar rubor. A maioria dos doentes recorre aos cuidados médicos nesta fase13.
  • a fase final caracteriza-se por dor intensa na área atingida. O doente apresenta febre elevada e pode desenvolver choque séptico. A infeção pode estender-se à superfície óssea adjacente e pode ocorrer osteomielite concomitante e bacteriemia14.

Segundo Miyake15, as infeções musculares são secundárias a uma embolização séptica em leito de lesão muscular e segundo alguns autores poderá ocorrer na sequência de contusão muscular ou necrose muscular após esforço físico intenso5.

Apresentamos uma série de 5 casos de piomiosite pélvica em doentes pediátricos, diagnosticados e tratados na nossa instituição e pela mesma equipa médica, num período de 3 anos.


 

MATERIAL E MÉTODOS

Pesquisaram-se os casos de piomiosite pélvica em idade pediátrica, internados na nossa instituição, no período compreendido entre 2012 a 2014. Identificaram-se 5 casos. Descrevemos os aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos relacionados com cada doente.

 

RESULTADOS: DESCRIÇÃO DOS CASOS CLÍNICOS

Caso A

Menina de 11 anos, previamente saudável, recorreu ao Serviço de Urgência (SU) por dor localizada à região inguinal esquerda e claudicação após esforço na aula de Educação Física. Apresentava-se apirética e sem outros sinais ou sintomas. Foi medicada com anti-inflamatório e teve alta para o domicílio.

Regressou ao SU dois dias depois, febril (temperatura máxima 39ºC) e posição de conforto com anca flectida a 30º. O exame físico demonstrava dor à palpação do hipocôndrio esquerdo, dor à extensão e rotação externa da anca esquerda e ausência de queixas à mobilização passiva da anca direita. O exame radiográfico da bacia era normal. Analiticamente, apresentava leucocitose de 19.100/ mL, com predomínio de neutrófilos, proteína C reativa (PCR) de 20,1 mg/dL. Realizou ecografia da anca esquerda (Figura 1) que revelou a presença de lesão abcedada no psoas esquerdo. Foi internada no Serviço de Ortopedia e instituída antibioterapia endovenosa empírica com flucloxacilina 2g 8/8 horas.

 

 

Ao 6º dia de internamento, a menina encontrava-se assintomática e verificou-se diminuição dos marcadores inflamatórios: PCR 1,7 mg/dL e velocidade de sedimentação (VS) 94 mm/1ª h. As hemoculturas colhidas à entrada não revelaram nenhuma agente microbiológico. Teve alta para o domicílio com indicação de manter antibioterapia oral com flucloxacilina 500 mg 8/8 horas durante 5 semanas.

Em consulta de seguimento dois meses depois, estava assintomática, com exame físico normal.

Caso B

Lactente do sexo feminino de 22 meses, trazida ao SU por recusa em andar e aparente dor na anca esquerda de início súbito, sem outras queixas e sem história de traumatismo. Teve um pico febril de 38,2ºC. O exame objectivo revelou dor à mobilização passiva da anca esquerda. A ecografia da anca afectada não demonstrou derrame articular e a radiografia da bacia não apresentava alterações osteoarticulares relevantes. Analiticamente, apresentava leucocitose com neutrofilia (16.000 células/mL) e elevação da VS (85 m/1ª h) e PCR (3,3 mg/dL). Foram colhidas hemoculturas que não permitiram isolar nenhum agente microbiológico.

Foi internada no Serviço de Ortopedia Pediátrica, onde iniciou antibioterapia endovenosa com flucloxacilina 650 mg 8/8h e gentamicina. Realizou cintigrafia óssea que demonstrou área de hipercaptação na região pélvica esquerda e RMN que identificou abcesso do psoas esquerdo (Figura 2).

 

 

Registou melhoria clinica e laboratorial progressiva, tendo tido alta ao 20º dia de internamento apirética e a tolerar marcha com carga e mobilização activa e passiva da anca esquerda sem queixas. Foi medicada com amoxicilina e ácido clavulânico oral durante duas semanas.

Nas consultas de revisão de 1 e 3 meses, encontrava-se apirética, assintomática e a deambular autonomamente.

Caso C

Adolescente do sexo feminino, 15 anos, recorreu ao SU por quadro de coxalgia direita com 7 meses de evolução e agravamento recente, associada a dor noturna. Negava história de traumatismo. Ao exame objetivo, constatava-se marcha de Trendelenburg, dor à palpação da articulação sacroilíaca direita e à mobilização passiva da anca direita. Tinha efetuado TC lombossagrada que permitiu ver imagem lítica no ilíaco direito em contiguidade com a articulação sacroilíaca direita, com continuidade para escavação pélvica. Analiticamente, apresentava PCR de 1,4 mg/dL.

A doente foi posteriormente seguida em consulta externa. Realizou RMN pélvica (Figura 3) 28 dias após o episódio de urgência que revelou imagem compatível com osteomielite sacroilíaca direita pelo que foi iniciada terapêutica com flucloxacilina 1 g 8/8 horas durante 6 semanas.

 

 

Após antibioterapia, apresentava-se com melhoria parcial da queixas (sem despertares nocturnos e sem claudicação), mas ainda com limitação importante das atividades da vida diária.

Cinco meses após o episódio de urgência, foi submetida a biópsia aspirativa guiada por TC da lesão na articulação sacroilíaca direita. Não foi isolada nenhuma bactéria neste doente.

Caso D

Adolescente do sexo feminino, 15 anos, recorreu ao SU por lombalgia esquerda com irradiação para a face externa da coxa ipsilateral, de início súbito, sem história de traumatismo e que não cedia aos anti-inflamatórios orais. Sem história de febre ou infeções recentes. Sem alterações do exame neurológico sumário. Ao exame físico, não apresentava alterações cutâneas, adenomegalias, dor à palpação abdominal, Sem alterações significativas na radiografia convencional lombar. Analiticamente, apresentava leucocitose de 15.650/mL e predomínio de neutrófilos, VS de 31 mm/1ªh e PCR 6,1 mg/dL. Iniciou antibioterapia empírica com flucloxacilina 2 g EV 8/8 h.

Realizou TC da coluna lombar e bacia no dia seguinte que revelou espessamento e heterogeneidade do musculo piriforme esquerdo, que pode traduzir processo inflamatório ou infecioso, compatível com abcesso do piriforme esquerdo (Figura 4). As hemoculturas realizadas não isolaram nenhum agente infecioso.

 

 

Foi internada no Serviço de Ortopedia e ao 4º dia de internamento, registou-se melhoria clínica e analítica, com diminuição dos valores de PCR e VS. Teve alta ao 6º dia de internamento, sem queixas álgicas e a fazer marcha com canadianas e medicada com amoxicilina + ácido clavulâmico oral.

A doente residia em França e não regressou para consulta de seguimento.

Caso E

Adolescente do sexo masculino, 12 anos, recorreu ao SU por coxalgia bilateral em repouso e incapacidade de marcha com dois dias de evolução, após aula de educação física, sem história de traumatismo.

Apresentava rinorreia, odinofagia e febre. Sem outros sintomas acompanhantes. Tinha antecedentes de Perturbação de Hiperactividade e Distúrbio de Atenção de tipo combinado. Analiticamente verificou-se leucocitose com 5.680 leucócitos/mL, predomínio de neutrófilos, PCR 5,9 mg/dL, CK 63 (normal). Não eram aparentes alterações ecográficas ao nível das ancas ou coxas e as radiografias convencionais da bacia não apresentavam alterações significativas.

O doente foi reavaliado no dia seguinte e constatada elevação dos marcadores inflamatórios (PCR 15,7 mg/dL, VS 66 mm/1ªh), pelo que foi internado e iniciou antibioterapia endovenosa empírica com flucloxacilina 650 mg 8/8 horas.

Realizou cintigrafia óssea ao 2º dia de internamento que foi sugestiva de artrite séptica da anca esquerda.

A RMN evidenciou alterações músculo obturador interno, com marcado hipersinal nas sequências STIR e realce difuso após contraste, identificando-se no interior a presença de pelo menos três áreas de aspecto mais organizado, a maior com cerca 30 x 10 mm, com realce periférico, compatível com natureza infeciosa. A hemocultura colhida previamente à instituição de antibioterapia foi positiva para Staphylococcus aureus.

Durante o internamento verificou-se melhoria clínica e analítica progressiva e o doente teve alta para o domicílio ao 9º dia de internamento com amoxicilina+ ácido clavulânico oral durante 6 semanas.

Em consulta de reavaliação às 6 semanas, apresentava-se assintomático, sem limitação da mobilidade das ancas ou alteração do padrão de marcha.

 

DISCUSSÃO

O diagnóstico de piomiosite é frequentemente tardio devido à apresentação clínica inespecífica. Na literatura, os doentes tardam entre 3 a 4 dias a procurar ajuda médica e o diagnóstico demora cerca de 10 dias após o início dos sintomas16. A maioria dos nossos doentes recorreu aos cuidados hospitalares com 1 a 2 dias de manifestações clínicas, o que poderá traduzir a facilidade de acesso aos cuidados de saúde ou uma atitude mais interventiva por parte dos pais.

Na nossa série, não foi possível identificar o traumatismo prévio como possível causa da doença e em apenas dois doentes foi possível estabelecer uma relação temporal entre o esforço físico e início de sintomatologia.

Os doentes podem apresentar febre, claudicação, limitação da mobilidade da anca e coxalgia, pelo que é frequentemente confundido com artrite séptica, osteomielite ou apendicite. As três localizações mais frequentes na idade pediátrica são o quadricípite femoral, os músculos glúteos e o iliopsoas. Outras localizações possíveis são a parede torácica, gastrocnémio e solear, músculos paravertebrais, infraespinhoso, subescapular, bicípite braquial, tricípite braquial e músculos do antebraço. Em casos em que há atingimento do músculo piriforme ou obturadores, pode-se encontrar ciatalgia por compressão e irritação do nervo ciático17-19. A piomiosite é geralmente unifocal, mas em 15 a 43% dos casos pode manifestar-se em mais de uma localização16.

O estudo analítico é frequentemente pouco específico e, em geral, sobreponível ao da artrite séptica11. Ocorre leucocitose em 50 a 60% dos casos e a PCR e a VS estão geralmente elevados16,17,20. Os níveis de cínase de creatinina sérica são geralmente normais, o que sugere que em casos diagnosticados precocemente, o abcesso desenvolve-se entre as fibras, sem causar lesão celular dos miócitos21. Entre 31 a 60% dos doentes com piomiosite têm hemoculturas positivas22.

O organismo etiopatogénico mais comum é o Staphylococus aureus, responsável por 50 a 85% dos casos nos EUA e mais de 90% dos casos nos trópicos17,19. As estirpes que sintetizam a toxina pvl (Panton Valedine leukocidin) estão associadas a maior incidência de destruição leucocitária, necrose tecidual, coleções subperiósticas e piomiosite e laboratorialmente observam-se valores mais elevados de VS e PCR e de hemoculturas positivas16,23. García et al concluíram que as estirpes de S. aureus pvl-positivas são prevalentes nos casos de piomiosite na Amazónia24 e Pannaraj et al demonstrou que também o eram nos EUA6. Nos nossos casos, conseguimos isolar S. aureus em apenas um doente, mas não foi possível identificar a expressão da toxina pvl.

Os outros agentes mais comuns são o Estreptococo beta-hemolítico do grupo A, Escherichia coli e Enterococcus. Em indivíduos imunodeprimidos, foram identificados outros agentes, como Mycobacterium tuberculosis, Mycobacterium avium complex, Salmonella Typhi, Streptococcus pneumoniae, Neisseria gonorrhoeae, Bacteroides fragilis, Fusobacterium e fungos25-28.

A piomiosite pode estar associada a complicações graves, como trombose venosa profunda, embolismo pulmonar séptico, síndrome compartimental e síndrome de choque tóxico. A infeção por Streptococcus beta-hemolítico do grupo A pode desencadear uma rápida deterioração clínica, pelo que deve ser abordado rápida e agressivamente, com desbridamento de todos os focos de infeção.

O diagnóstico desta patologia é facilitado pela utilização de exames imagiológicos: a radiografia convencional permite excluir uma osteomielite, mas tem pouco valor diagnóstico excepto nos casos raros de envolvimento ósseo ou de gás nos tecidos moles associados a infecção por organismos anaeróbios.

A cintigrafia pode detectar envolvimento ósseo, mas este exame apresenta uma baixa especificidade e comporta elevadas doses de radiação para a criança. A ecografia é uma técnica amplamente disponível, sem efeitos deletérios significativos, mas fraca sensibilidade, sobretudo nas fases iniciais da doença. Os achados ecográficos incluem textura ecóica heterogénea dos músculos com ou sem áreas hipoecogénicas representando coleções líquidas ou abcessos intramusculares13.

A TC tem uma maior resolução espacial e, tal como a ecografia, consegue identificar coleções abcedadas. A RMN permite uma elevada resolução espacial e a utilização de contraste de gadolínio permite a distinção entre coleções abcedadas, processo inflamatórios, artrites sépticas e osteomielites5. Nas sequências T2 e STIR, a imagem mostra hipersinal e realce de tecidos moles pós-contraste com gadolínio18,29.

A selecção do tratamento depende da fase da evolução da patologia. Nas fases mais precoces, a antibioterapia é empírica, devendo cobrir S. aureus e Streptococcus beta-hemolítico do grupo A. Nas fases seguintes, a drenagem percutânea ou incisão cirúrgica e drenagem devem ser realizadas em combinação com antibioterapia com 2 fármacos de largo espectro. Na nossa série, o tratamento foi farmacológico, verificando-se uma rápida melhoria clínica, estando de acordo com o estudo de Miller et al que demonstraram bons resultados com a terapêutica exclusiva com antibióticos num pequeno grupo de doentes com abcesso identificado, mas sem rebate sistémico30.

A antibioterapia empírica varia conforme a distribuição epidemiológica e padrões de sensibilidade locais. Dada a prevalência do S. aureus e, sobretudo, de MRSA, é defensável a utilização inicial de vancomicina ou clindamicina. A antibioterapia dirigida deve ser implementada após a obtenção dos resultados de sensibilidade a antibióticos. Após a melhoria clínica e analítica, pode efectuar-se uma transição para antibioterapia oral e tratamento em ambulatório. A duração do tratamento varia entre 3 a 6 semanas29,31.

O prognóstico é geralmente positivo se o tratamento for o adequado e precoce. Nos casos em que há atingimento sistémico, os resultados podem ser maus, com dor residual e claudicação, sequelar ao desenvolvimento de coxartrose secundária20.

 

CONCLUSÃO

A piomiosite pélvica é uma doença com uma incidência crescente na população pediátrica em climas temperados e deve ser suspeitada em doentes previamente saudáveis com quadro de dor referida à anca ou articulação sacroilíaca, com febre, leucocitose e elevação da VS e PCR. A RMN é o exame imagiológico preferencial para visualização e caracterização definitiva da lesão. A nossa experiência demonstra que a suspeita clínica e o diagnóstico e tratamento precoces são importantes e permitem uma evolução favorável e um bom prognóstico.

 

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Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

André Bahute
Serviço de Ortopedia Pediátrica do Hospital Pediátrico - Centro hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE
Avenida Afonso Romão
3000-602 Coimbra
Telefone: 239480355
ortopedia.pediatrica.hpc@gmail.com

 

Data de Submissão: 2015-05-12

Data de Revisão: 2016-03-07

Data de Aceitação: 2016-03-25

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