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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.23 no.4 Lisboa dez. 2015

 

ARTIGO ESPECIAL

 

Interpretação das lesões ortopédicas dos ocupantes dos veículos na reconstrução forense dos acidentes de viação

 

Carlos Henriques DurãoI, II, III; Francisco Manuel LucasIV, V

I. Delegação Centro do Instituto Nacional de Medicina Legal.
II. Serviço de Ortopedia. Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE. Coimbra. Portugal.
III. Gabinete Médico-Legal de Torres Vedras. Portugal.
IV. Gabinete Médico Legal de Vila Franca de Xira.
V. Serviço de Ortopedia. Hospital de Vila Franca de Xira.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Os acidentes de viação são a principal causa de morte violenta. As sequelas que daí resultam na população jovem e economicamente ativa em países desenvolvidos podem ser comparados com países em guerra. Apenas uma pequena percentagem dos acidentes são originados por falhas do veículo ou por condições adversas1,2. A grande maioria dos acidentes são causados por imprudência, negligência, imperícia de condutores ou peões, consumo de álcool e outras substâncias estupefacientes, o que torna a reconstrução dos acidentes um ponto fulcral, na investigação e prevenção de novos acidentes. A identificação do condutor é determinante para esclarecer as causas do acidente. Não raras vezes e por inúmeras razões (consumo de álcool, estupefacientes, falta de habilitação), podem surgir dúvidas, dentre os ocupantes do veículo quem de fato era o condutor e se usava ou não o cinto se segurança. O exame do veículo pode revelar determinados danos relacionados com o impacto da vítima com as estruturas internas do veículo. A colheita de amostras e manchas de sangue fornece material biológico para estudo do DNA que serve de comparação entre o local e o contacto com a vítima.

Palavras chave: lesões por acidentes de viação, reconstrução dos acidentes, medicina legal, traumatologia forense, dano corporal.

 

ABSTRACT

Road Traffic accidents are the leading cause of violent death and a major cause of death and sequelae in young and economically active population in developed and developing countries.

Numbers that can only be compared to wars, which exemplifies the consequences of these lesions in economic and social terms. In 2002, about 1.2 million people died in traffic accidents, and in 2020, it is estimated that this number will double according to the World Health Organization (WHO). Only a small percentage of these are generated by vehicle faults or adverse conditions.

The vast majority of accidents are caused by carelessness, negligence or malpractice of drivers or pedestrians, which makes the reconstruction of accidents a key step in the investigation and prevention of further accidents.


Key words: injuries from road traffic accidents, reconstruction of accidents, legal medicine, forensic traumatology, body damage.

 

INTRODUÇÃO

Os acidentes de viação são a principal causa de morte violenta. As sequelas que daí resultam na população jovem e economicamente ativa em países desenvolvidos podem ser comparados com países em guerra. Apenas uma pequena percentagem dos acidentes são originados por falhas do veículo ou por condições adversas1,2. A grande maioria dos acidentes são causados por imprudência, negligência, imperícia de condutores ou peões, consumo de álcool e outras substâncias estupefacientes, o que torna a reconstrução dos acidentes um ponto fulcral, na investigação e prevenção de novos acidentes.

A identificação do condutor é determinante para esclarecer as causas do acidente. Não raras vezes e por inúmeras razões (consumo de álcool, estupefacientes, falta de habilitação), podem surgir dúvidas, dentre os ocupantes do veículo quem de fato era o condutor e se usava ou não o cinto se segurança. O exame do veículo pode revelar determinados danos relacionados com o impacto da vítima com as estruturas internas do veículo. A colheita de amostras e manchas de sangue fornece material biológico para estudo do DNA que serve de comparação entre o local e o contacto com a vítima.

 

A COLISÃO DO VEÍCULO E A INTERAÇÃO COM OS SEUS OCUPANTES

Quando o veículo, de forma ativa ou passiva, participa na colisão ou evento da mesma natureza por ordem dos acontecimentos, ocorre a interação do veículo propriamente dita com outro veículo ou obstáculo, através de uma colisão, abalroamento. Este contacto na desaceleração ou aceleração numa determinada direção, proporcionalmente à sua massa e velocidade, conforme as leis da física, pela variação da quantidade de movimento.

Após a colisão do veículo, segue-se a colisão dos seus ocupantes com o veículo. Conforme as leis de Newton, os estados primitivos de repouso ou de movimento dos ocupantes do veículo são os mesmos do veículo. Assim, se o veículo estiver parado, os ocupantes também estarão, e se estiver em movimento numa determinada direção, seus ocupantes também, com a mesma velocidade do veículo em relação a Terra.

Se, por algum motivo, como nos acidentes de viação, os parâmetros cinemáticos do veículo são alterados segundo o princípio da inércia, os ocupantes tendem a manter-se na mesma situação que se encontravam em repouso ou movimento. Sendo assim, se um um veículo desacelera tal como acontece na colisão frontal, a velocidade do veículo vai sendo gradativamente reduzida e pode chegar a zero num tempo demasiado curto. Os ocupantes tenderão a continuar em movimento retilínio, deslocando-se dos assentos onde se posicionam, animados com a velocidade original do veículo, até encontrarem uma resistência que reduza sua velocidade. O embate dos passageiros contra partes rígidas do veículo provoca lesões e às vezes até a ejeção da vítima.

A intensidade do impacto é inversamente proporcional à desaceleração a que o corpo foi projetado e não deve ser confundida com a desaceleração do veículo. Para se fazer uma avaliação quantitativa de grandeza humana, considera-se um passageiro de 70kg sem nenhuma restrição, tendo por base uma colisão frontal a 54km/h, contra uma barreira fixa. Testes demonstram que em cerca de 0,1 segundo o veículo é desacelerado pelo impacto com a barreira fixa. O passageiro continua a deslocar-se para a frente com velocidade de 54km/h até atingir o tablier, o volante ou o teto durante a colisão, o que ocorre em 0,05 segundos após o início da colisão, submetendo-o a uma força que pode chegar a 21000 newtons, ou seja, trinta vezes maior que o seu próprio peso3.

O primeiro acidente mortal da história do automóvel foi em 31de Agosto de 1869 na Irlanda, onde após uma curva, uma das ocupantes, a escritora Mary Ward, teria caído do automóvel, sendo atingida por uma das rodas na região cervical. Desde então vários equipamentos de segurança foram desenvolvidos, cintos de segurança, air bags, proteção para cabeça, carrocerias ou cages com deformação progressiva.

A primeira patente do cinto de segurança foi atribuída em 1903 ao francês M. Gustave-Desiré. Inicialmente era um dispositivo primitivo, que apesar da contenção do ocupante, permitia a flexão para frente e o impacto contra o pára-brisas. Embora tivesse sido provada a sua eficácia, foram necessários vários anos para que fosse vencida uma verdadeira batalha contra o lobby da indústria automobilística e a resistência de uma geração de condutores. Os cintos de segurança foram evoluindo para o uso de cintos mais eficazes com três ou quatro pontos, tornando-se obrigatórios3.

Nos casos mortais a autópsia médico legal é obrigatória e permite um conhecimento da biomecânica das lesões e permite desenvolver novos equipamentos.

A autópsia tem como objetivos determinar: a causa mortis; se a morte foi causada pela lesão traumática do acidente; a sua extensão, pesquisar a influência de substâncias exógenas no exame toxicológico; detetar a existência de eventual crime; fornece informações elementares que dão origem à ações cíveis ou penais e em alguns casos estabelecer a identidade das vítimas1.

As principais forças que atuam produzindo lesões sistémicas, são de ação contundente por esmagamento, compressão, aceleração e desaceleração4. Essas forças submetem o osso a ações de tensão, compressão, dobragem, cisalhamento e torção e atuam isoladamente ou associadas num curto espaço de tempo. O osso é uma estrutura viscoelástica e anisotrópica ou seja, apresenta diferentes respostas consoante a velocidade (viscoelasticidade) e direção da força aplicada (anisotropia), variando a sua deformação elástica, plástica e o seu ponto de ruptura, produzindo determinados padrões de fraturas5-10.

Os traumatismos de baixa energia normalmente provocam um traço de fratura transversal, por angulação ou em espiral e por torção. Traumatismos de moderada energia combinam forças de compressão e angulação e originam fraturas oblíquas transversas ou fragmentos em asa de borboleta, identificando a direção e sentido da força. Traumatismos de alta energia tendem a ser mais complexos e podem resultar diversos padrões, em regra com grande cominuição. Todos estes elementos podem variar consoante a distribuição das forças e a constituição óssea, como por exemplo na osteoporose, onde traumatismos de baixa energia produzem padrões de fratura com maior complexidade9,10.

As lesões dos ocupantes do veículo durante os acidentes de viação geralmente são produzidas: traumatismos oriundos da projeção destes contra as estruturas anteriores do automóvel; pela violação do habitáculo do veículo por parte de outro veículo ou elementos da via; projeção e embate dos ocupantes traseiros contra os bancos e os ocupantes da frente; ejeção dos ocupantes para fora do veículo; colapso da carroceria com esmagamento dos ocupantes1,12-14.

 

ESTEREODINÂMICA: CORRELAÇÃO ENTRE AS POSIÇÕES RELATIVAS DE EMBATE E AS LESÕES

É necessário ter em mente as diversas variáveis envolvidas na produção dos acidentes de viação. Do ponto de vista meramente físico, dois postulados são observados para análise dos veículos, o princípio da causalidade, segundo o qual todo o efeito tem causa proporcional. O princípio da uniformidade da natureza, onde as mesmas causas produzem os mesmos efeitos nas mesmas circunstâncias. Estes princípios não podem ser aplicados da mesma forma na interação do corpo humano durante o acidente, sem considerar as múltiplas particularidades que tornam cada corpo humano em um indivíduo, o que pode explicar, porque alguns sobrevivem a determinados acidentes aparentemente fatais e outros morrem noutros acidentes aparentemente simples3.

Os efeitos da colisão dependem do ponto de aplicação das forças, se o impacto foi total ou parcial, se foi concêntrico ou excêntrico, da velocidade e da massa dos veículos entre outros elementos exaustivamente estudados pela física dos acidentes.

De uma forma didática podemos agrupar os acidentes da seguinte forma: impactos frontais; impactos laterais; impactos por capotamentos e impactos traseiros (rear impact)1.

 

IMPACTO FRONTAL

É o tipo mais descrito nos livros de texto por ser de fácil compreensão. Quando ocorre a colisão frontal, os ocupantes são projetados com a mesma velocidade do veículo. Sem o uso do cinto de segurança, os joelhos do condutor irão embater contra o tablier à semelhante do passageiro, após o embate inicial com os joelhos, o corpo projeta-se para diante, recebendo um segundo impacto contra o volante e um terceiro impacto junto ao pára-brisas. (Figuras 1 e 2)

 

 

 

Fraturas dos ossos do pé e do tornozelo são comuns.

Normalmente resultam do primeiro impacto frontal, por falência do habitáculo (habitáculo amassado), ou por forças axiais. Os pés do condutor podem ficar presos entre os pedais, atingindo mais o pé direito que o esquerdo. Marcas impressas no sapato ou no pé, podem mesmo identificar o condutor. O mecanismo de lesão do pé e tornozelo ocorre por forças de compressão axial combinadas com uma rápida dorso-flexão, supinação ou pronação14. (Figuras 3 e 4)

 

 

 

Fraturas do colo do astrágalo ocorrem quando violentas forças contra a sola do pé, promovem uma dorso flexão, com o impacto do colo do astrágalo contra a face anterior do tornozelo. Estas fraturas são de alta energia e são conhecidas por “aviator fracture” por lembrarem as fraturas presentes nos pilotos da Primeira Grande Guerra. A energia pode ser tanta que pode deslocar o fragmento posterior do astrágalo eromper a pele resultando fratura exposta. A necrose avascular é uma sequela frequente nestas lesões9,10,11.

Lesões do joelho resultam regra geral do impacto primário contra o tablier - “dashboard fractures” (figura 5 e 6). A forma do tablier, a posição do ocupante, o peso e uso ou não do cinto de segurança são fatores determinantes. Normalmente o embate acontece com o joelho fletido. Impactos com o joelho em hiperextensão acontecem quando o ocupante não usa o cinto e acaba por ser projetado numa posição de levante, provocando lesões do complexo ligamentar posterior (figura 7).

 

 

 

 

O embate do joelho fletido contra o tablier pode produzir fraturas da rótula por impacto direto. Habitualmente são fraturas cominutivas. Quando a força é transmitida ao longo do eixo femoral, pode provocar fraturas proximais do fémur ou fraturas com afundamento do acetábulo15 (figuras 8 a 13).

 

 

 

 

 

 

 

O fémur resiste mais as forças de compressão que de cisalhamento. Porém, devido à sua curvatura anatómica, fraturas diafisárias segmentares ou cominutivas podem ocorrer. Devemos prestar especial atenção às lesões ligamentares. As lesões do ligamento cruzado posterior frequentemente passam despercebidas ou não são diagnosticadas no exame primário. Nos politraumatismos a associação com lesões do ligamento cruzado anterior é frequente15,16,17.

Uma outra lesão característica do condutor é a luxação do polegar ou a lesão do ligamento colateral ulnar “lesão de Stener”. Ocorre sobretudo quando o condutor segura o volante durante o embate10 e forças súbitas do polegar em valgo se associam a hiperextensão da articulação metacarpofalageana.

As fraturas expostas podem “distrair” a atenção das equipas de urgência e lesões potencialmente mortais tais como lesões torácicas ou abdominais podem passar despercebidas. Por esta razão, todo o doente vítima de acidente de viação deve ser rigorosamente observado pelo cirurgião de trauma, conforme é preconizado pelo ATLS (figura 14)

 

 

A coluna cervical durante o impacto com o pára-brisas “whiplash”, é submetida a um violento mecanismo de extensão e flexão. Os passageiros do banco de trás, incluindo crianças e animais, podem ser violentamente projetados para frente, contra os bancos e demais passageiros, espelho retrovisor e pára-brisas. Por vezes ocorrem ejeções. Se os ocupantes usarem cinto de segurança sem air bag, os joelhos vão colidir contra o tablier, mas o cinto de três pontos promoverá uma contenção do tórax. Contudo, a violenta flexão da coluna cervical, ocasiona por vezes fraturas ou lesões ligamentares, normalmente nos segmentos de C6/C7 e C7/T1.

Nos casos mortais, a dissociação atlanto-occipital é frequente. Nos veículos sem contenção para a cabeça durante o recuo da cabeça, podem ocorrer fraturas do processo odontóide a nível de C218,19.

O traumatismo da cabeça contra o pára-brisas produz essencialmente lesões contundentes. A constituição do vidro permite a quebra sem produzir superfícies demasiadamente cortantes, amortece o impacto, mas provoca lesões com feridas do couro cabeludo, face e outras escoriações20,21.

O tórax do condutor pode ir de encontro ao volante, principalmente quando não usa o cinto de três pontos. Promove fraturas de costelas e fraturas transversas do corpo do esterno. Podem ainda estar associadas às contusões pulmonares lacerações da aorta, rupturas cardíacas e lesões abdominais com lacerações do fígado e do baço.

O uso do cinto de segurança reduz o risco de morte em mais de 45% dos impactos. Contusões cardíacas e pulmonares com pequeno hemotórax, ou fraturas de costelas, podem levar a morte, numa população mais idosa por descompensação cardíaca, ao passo que grandes contusões torácicas podem ocorrer sem fraturas de costelas nos indivíduos mais jovens.

O cinto de segurança permite identificar uma escoriação ou equimose oblíqua e linear que identifica a posição do ocupante dentro do veículo. Escoriações no pescoço ou clavícula à esquerda, por vezes com fratura, sugere tratar-se do condutor ou do assento localizado atrás e estão presentes no condutor lesões nos membros inferiores associadas com o tablier22.

A flexão súbita com a contenção do cinto de segurança provoca fraturas toraco-lombares através de um mecanismo de flexão/distração do corpo vertebral. As fraturas L2/L3/L4 são as mais frequentes e são típicas do cinto de segurança. Estas fraturas foram descritas pela primeira vez em 1948 pelo radiologista britânico George Quentin Chance. Conhecidas como fraturas de Chance, devem alertar-nos para eventuais lesões viscerais, da bexiga ou vasculares que podem estar associadas pela ação contundente do cinto. Essa é a razão pela qual o cinto deve estar ajustado à crista ilíaca abaixo do abdómen com especial atenção nas gestantes9,10.

 

IMPACTO LATERAL

É o segundo tipo mais comum nos acidentes mortais depois dos impactos frontais. Este tipo de acidente geralmente acontece nos cruzamentos quando o veículo é colhido por outro lateralmente. Ao contrário dos impactos frontais, não existe muita absorção de energia pelo habitáculo. O impacto rapidamente é transmitido aos ocupantes. Lacerações em formas de cubos são provocadas pela fragmentação do vidro dependendo da projeção, sendo mais acentuada nos passageiros junto às janelas. Os vidros laterais não são laminados como no para-brisas e estilhaçam com padrão típico. (figuras 15 e 16)

 

 

 

As fraturas das costelas são mais frequentes nos impactos laterais. As lacerações do fígado, baço ou renais são mais marcadas no lado do impacto1. Traumatismos laterais promovem um mecanismo rotacional na coluna cervical, na medida que o centro de gravidade da cabeça não coincide com a articulação atlanto occipital. Quanto mais lateralmente o trauma atingir a vítima, maior a torção sobre a coluna cervical, motivada pelo movimento oscilatório para o lado em que atua a força. Esta é a razão que torna os traumatismos laterais mais graves que os antero-posteriores.

O ombro e a anaca são mais vulneráveis aos impactos diretos. Poupam mais os joelhos, pela posição adotada pelos ocupantes. Quando a vítima permanece com um dos membros para fora do habitáculo, podem ocorrer esmagamentos ou amputações (figuras 17 e 18)

 

 

 

 

CAPOTAMENTOS

Não existe nenhuma lesão específica. O que é possível observar, principalmente nas vítimas que não se encontram presas pelo cinto de segurança, são múltiplas escoriações e traumatismos produzidos pelo impacto contra o teto ou regiões salientes do veículo à semelhança do já descrito (figura 19). No caso dos veículos com teto de abrir, ejeções ou esmagamentos são possíveis. Acidentes com tratores no meio rural, provocam a morte por mecanismos de compressão do tórax, abdómen ou esmagamento do crânio. Nas vítimas que sobrevivem, deve ser dada especial atenção ao exame da coluna e bacia1,2.

 

 

 

COLISÕES COM IMPACTO TRASEIRO

As colisões com impacto traseiro “síndrome de whiplash”, são responsáveis por diversas ações em sede do direito civil. Muito se tem escrito sobre estas lesões e tem sido muito questionada a sua real existência. O que é real, é que consoante a velocidade e a aceleração imposta pelo veículo no momento do impacto, provoca uma hiperextensão do pescoço, capaz de produzir lesões ligamentares e discais. No passado, assentos sem o encosto para a cabeça, permitiam a hiperextensão e provocavam fraturas do processo odontoide, que ainda hoje são observadas nos acidentes com estes veículos2.

 

CONCLUSÕES

Os acidentes de viação estão entre os mais frequentes e também entre os mais fatais. São responsáveis por ações em direito do trabalho, direito penal e direito civil. Sobrecarregam Seguradoras, Tribunais, tratamentos e indenizações de sequelas.

Os equipamentos de segurança (cintos ou air bags) embora possam provocar lesões, diminuem significativamente os casos mortais e minimizam reduzem a sua gravidade. É importante e obrigatório o uso do cinto por todos os ocupantes, incluindo os ocupantes dos bancos traseiros. As crianças devem ser transportadas obrigatoriamente nos bancos de trás em cadeiras específicas para o seu peso. Animais de estimações devem estar atrelados a cintos específicos. A biomecânica do trauma é importante para observar lesões pouco evidentes.

Os fatores humanos são os principais responsáveis pelos acidentes de viação. O consumo de álcool e substâncias estupefacientes estão na origem da maioria dos acidentes. O cansaço, o sono e atitudes negligentes nomeadamente o excesso de velocidade e a inobservância das regras e dos equipamentos de segurança, contribuem para aumentar o número de acidentes. A prevenção de novos acidentes também inclui uma investigação legal sobre eventuais responsáveis e nestes casos algumas lesões poderiam ajudar nas investigações. Habitualmente são perdidas  por incúria das equipes hospitalares ou pela falta de documentação e coordenação das equipas médicas e forenses23. A documentação das fraturas através de TAC permite a reconstrução tridimensional das lesões. O diagnóstico imagiológico também pode ser impresso em moldes 3D e usado diretamente em reproduções simuladas, onde as aplicações forenses são já uma realidade24.

 

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Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

Carlos Henrique Durão
Estrada Nacional no1, Povos
2600-009 Vila Franca de Xira
drcarlosdurao@hotmail.com

 

Data de Submissão: 2014-04-11

Data de Revisão: 2015-02-02

Data de Aceitação: 2016-03-25

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