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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.23 no.3 Lisboa set. 2015

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Tratamento do Síndrome do Túnel Cárpico: Anestesia Geral versus Local?

 

Diogo Santos RoblesI; Sofia EstevesI; Miguel LiçaI; Daniel LopesI; Sara LimaI; Carlos SousaI

I. Serviço de Ortopedia do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, EPE.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Objectivo: O Síndrome do Túnel Cárpico (STC) é a neuropatia compressiva mais comum do membro superior, estando o tratamento cirúrgico indicado para os casos que não respondem ao tratamento conservador.
O objectivo do presente estudo foi comparar os resultados cirúrgicos e custos associados a cada técnica anestésica em doentes com STC submetidos a descompressão nervosa sob anestesia geral versus anestesia local.
Material e Métodos: Foram randomizados aleatoriamente 60 doentes quando ao tipo de anestesia a realizar: local versus geral.
Os dois grupos foram avaliados pós-operatoriamente quanto à dor, através da aplicação da Escala Visual Analógica (VAS), força muscular (escala de força muscular do Medical Research Council), capacidade funcional (questionário Quickdash), incidência e tipo de complicações e grau de satisfação com o resultado da cirurgia. Adicionalmente, foi feita uma comparação dos custos hospitalares.
Resultados: Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre grupos (p>0,05) na dor (VAS médio de 2,8 vs. 2,7), força muscular (4,2 vs. 4) e capacidade funcional (Quickdash: 41,28 vs. 42,5).
Na avaliação dos custos em função do tipo de anestesia, verificaram-se diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos (p<0,01), com custos 56% superiores no grupo submetido a anestesia geral.
Conclusão: No estudo realizado, os resultados do tratamento do STC foram sobreponíveis, independentemente do tipo de anestesia utilizada. No entanto, pelos elevados custos inerentes ao tratamento sob anestesia geral, os autores recomendam que a patologia seja tratada em unidade de ambulatório com anestesia local.

Palavras chave: Síndrome do Túnel Cárpico, tratamento cirúrgico, anestesia local, anestesia geral, custos associados.

 

ABSTRACT

Aim: Carpal tunnel syndrome (CTS) is the most common compressive neuropathy of the upper limb, and surgical treatment is reserved for cases not responding to conservative treatment. The aim of this study was to compare the surgical outcomes and costs associated with each anaesthetic technique in patients undergoing CTS nerve decompression under general versus local anaesthesia.

Material and methods: A group of 60 patients was randomized with regard to the type of anaesthesia to be performed: local versus general. Both groups were postoperatively evaluated in regard to pain, through the application of the Visual Analogue Scale (VAS), muscle strength (muscle strength scale of the Medical Research Council), functional capacity (Quickdash questionnaire), incidence and type of complications and degree of satisfaction with surgical outcome of. Additionally, a comparison of hospital costs was made.

Results: There were no statistically significant differences between groups (p> 0.05) in pain (mean VAS 2.8 vs. 2.7), muscle strength (4.2 vs. 4) and functional capacity (Quickdash: 41.28 vs. 42.5) measurements. In regard to cost assessment, there were statistically significant differences between the two groups (p <0.01), with costs 56% higher in the general anaesthesia group.

Conclusion: In this study, the CTS surgical treatment results were similar, regardless of the type of anaesthesia used. However, because of the higher treatment cost under general anaesthesia, the authors recommend that the pathology be treated on an outpatient unit with local anaesthesia

Key words: Carpal tunnel syndrome, surgical treatment, local anaesthesia, general anaesthesia, treatment cost.

 

INTRODUÇÃO

O Síndrome do Túnel Cárpico (STC) é a neuropatia compressiva mais comum do membro superior (90% de todas as neuropatias por compressão)1,2.

Esta patologia é mais frequente no sexo feminino3,4 e está associada a trabalhos que envolvam movimentos repetitivos do punho5,6, bem como a outros fatores como a diabetes e obesidade7.

O tratamento conservador inclui a modificação da actividade, imobilização noturna do punho, fisioterapia, infiltração com corticóide ou medicação oral, como antinflamatórios, corticóides ou diuréticos8. O tratamento cirúrgico está indicado nos casos que não respondem ao tratamento conservador, bem como naqueles que apresentam atrofia tenar ou evidências electromiográficas de desinervação9-11.

Apesar da aparente simplicidade do procedimento, as diversas variações anatómicas na região exigem uma libertação cirúrgica cuidada e cautelosa, independentemente da técnica cirúrgica utilizada. A cirurgia está associada a bons resultados com rápida recuperação e retorno ao trabalho. No entanto, a recorrência dos sintomas após a cirurgia varia entre 0.3 a 12%12,13, estando frequentemente associada à libertação incompleta do canal do carpo14.

O objectivo do presente estudo foi comparar os resultados cirúrgicos e custos associados a cada técnica anestésica em doentes com STC submetidos a descompressão nervosa sob anestesia geral versus anestesia local.

 

MÉTODOS

Foram seleccionados 60 doentes (4 homens e 56 mulheres) com diagnóstico de síndrome do túnel cárpico idiopático refratário ao tratamento conservador, sem cirurgia prévia à mão contra-lateral pela mesma patologia, propostos para descompressão cirúrgica do nervo mediano no punho. Estes foram divididos pré-operatoriamente em 2 grupos, por randomização aleatória, quanto ao tipo de anestesia a realizar: local (Grupo L) versus geral (Grupo G). Com base na ordem de inscrição cirúrgica foi atribuído um número a cada doente por um avaliador independente, sendo que os doentes pares foram orientados para descompressão cirúrgica do nervo mediano sob anestesia local e os doentes ímpares orientados para o mesmo procedimento cirúrgico sob anestesia geral.

Foram excluídos doentes com recidiva de síndrome do túnel cárpico, tendo sido definida como recidiva a recorrência clínica da sintomatologia após um período sintomático resolvido com tratamento conservador ou cirúrgico. Foram também excluídos doentes com outras patologias concomitantes da mão afectada que pudessem alterar os resultados clínicos e todos doentes com comorbilidades que pudessem alterar o tempo anestésico ou de recobro (segundo a classificação da American Society of Anesthesiologists todos eram ASA I ou II).

Todos os doentes apresentavam dor e parestesias da mão no território do nervo mediano e alterações eletromiográficas sugestivas de STC. O sinal de Phallen e Tinnel foi positivo em 100% e 40% dos casos, respetivamente.

O tempo médio dos sintomas até à cirurgia foi de 4.2 meses.

A idade média da população do estudo foi de 52 ± 12 anos.

Os dois grupos eram homogéneos quanto ao número de doentes (n=30), mão dominante, taxa de complicações e tempo médio de seguimento (p>0,05) (Tabela 1).

 

 

Todos os doentes foram intervencionados pelo mesmo cirurgião recorrendo à mesma técnica cirúrgica.

Foi feita uma incisão palmar longitudinal, distal à prega plantar de flexão do punho, centrada no bordo cubital do 4º dedo em flexão, com cerca de 1,5 a 2,5 cm, seguida da disseção por planos até abordagem do canal cárpico e descompressão do mesmo pela secção do ligamento transverso do carpo. Todas as cirurgias foram feitas com garrote insuflado a 250 mmHg.

Os dois grupos foram avaliados presencialmente aos 6 meses de pós-operatório, por um avaliador independente e os processos clínicos foram revistos. Foi avaliada a dor, através da aplicação da Escala Visual Analógica (VAS), força muscular (escala de força muscular do Medical Research Council), capacidade funcional (questionário Quickdash), incidência e tipo de complicações e grau de satisfação com o resultado da cirurgia. Adicionalmente, em cada um dos grupos, foi feita uma comparação dos custos hospitalares.

 

RESULTADOS

Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas (p>0,05) na dor (VAS médio de 2,8 versus 2,7) (Gráfico 1), força muscular (média de 4,2 versus 4) (Gráfico 2) e capacidade funcional (Quickdash médio de 41,28 versus 42,5) (Gráfico 3) em ambos os grupos.

 

 

 

 

O tempo médio de utilização do bloco operatório foi de 30 minutos para o L e de 45 minutos para o grupo G. A diferença ficou a dever-se ao tempo anestésico, pois o tempo cirúrgico não variou entre grupos (média de 21 minutos). Observou-se uma tendência para maior permanência no recobro para o grupo submetido a anestesia geral (Grupo L: 1 hora vs. Grupo G: 3 horas). Essa diferença pode ser explicada pelo maior período de vigilância necessário no pós-operatório em doentes submetidos a anestesia geral, com utilização de fármacos com semivida mais longa e com potenciais efeitos adversos, nomeadamente náuseas, previamente à alta para o domicilio.

Como complicações de salientar 4 recidivas/persistência dos sintomas (duas em cada um dos grupos) e uma lesão parcial axonal no grupo submetido a anestesia local.

À data da avaliação, a maioria dos doentes encontrava-se satisfeito com o resultado da cirurgia (Gráfico 4) e, quando questionados se voltariam a ser operados, obteve-se uma resposta positiva em 82% dos casos (Gráfico 5), não se observando diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos (p>0,05).

 

 

 

Na avaliação detalhada dos custos em função do tipo de anestesia (Tabela 2), verificaram-se diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos (p<0,01) (Gráfico 6), estando o grupo submetido a anestesia local associado a gastos médios de 88,58 euros e o grupo submetido a anestesia geral de 200,78 euros (Tabela 3).

 

Tabela 2

 

 

 


 

DISCUSSÃO

O STC resulta da compressão do nervo mediano ao nível do punho e o seu diagnóstico é maioritariamente clínico, baseado na história clínica e exame físico, e confirmado por estudos electrofisiológicos.11

Na casuística deste trabalho e em concordância com o que está descrito na literatura, verificou-se um claro atingimento preferencial do sexo feminino.

A libertação cirúrgica do nervo mediano permanece o “Gold Standard” para o tratamento do STC, estando demonstrado ser a modalidade terapêutica com melhores resultados, permitindo uma cessação a longo prazo da sintomatologia. O tratamento conservador permanece, no entanto, uma atitude valida numa primeira fase9-11.

Uma vez que se trata de um procedimento relativamente simples, na maioria das vezes, é realizado em regime de ambulatório15. No estudo realizado, os resultados do tratamento do síndrome do túnel cárpico parecem ser sobreponíveis, independentemente do tipo de anestesia utilizada, numa população saudável. No entanto, pelos elevados custos inerentes ao tratamento sob anestesia geral, os autores recomendam que a patologia seja tratada em unidade de ambulatório com anestesia local.

 

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Conflito de interesse:

Nada a declarar

 

Endereço para correspondência

Diogo Santos Robles
Serviço de Ortopedia
Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, EPE.
Avenida do Hospital Padre Americo, nº210
4560-454 Penafiel
diogorobles@gmail.com

 

Data de Submissão: 2015-11-19

Data de Revisão: 2016-01-08

Data de Aceitação: 2016-02-04

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