SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.23 número1Hallux flexus após fratura dos ossos da perna: Caso raro de encarceramento do tendão do flexor hallucis longus índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.23 no.1 Lisboa mar. 2015

 

CASO CLÍNICO

 

Hallux valgus pós-traumático. Uma causa infrequente de hallux valgus tratada por uma associação infrequente de técnicas cirúrgicas

 

Miguel FloraI; Paulo CarvalhoI; Pedro DinizI; Rui DomingosI

I. Unidade de Cirurgia do Pé e Tornozelo. Serviço de Ortopedia II. Hospital Ortopédico de Santana. Parede.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

O hallux valgus é uma das patologias mais frequentes do antepé, tendo uma prevalência maior no sexo feminino quando comparada com o sexo masculino e que aumenta com a idade. O aparecimento desta deformidade é fortemente condicionado por factores extrínsecos e intrínsecos. O hallux valgus pós-traumático é raro e desenvolve-se habitualmente de uma forma gradual após traumatismo directo do primeiro raio, embora possa também decorrer do traumatismo de outras regiões do pé. Os autores descrevem o caso de uma doente de 68 anos que recorreu à consulta externa por dor e hallux valgus progressivo no pé esquerdo após traumatismo directo (queda de objecto pesado) do primeiro cuneiforme e da primeira articulação cuneo-metatársica. A doente foi tratada por uma associação pouco frequente de técnicas, que incluíram uma abordagem cirúrgica proximal do primeiro raio por via aberta e uma abordagem distal por via percutânea. Pretende-se com este caso clínico lembrar que o trauma pode ser uma causa de hallux valgus bem como realçar a importância da primeira articulação cuneo-metatársica na génese desta patologia. Os autores referem também a associação de técnicas cirúrgicas com abordagens mais clássicas, por via aberta com outras que preconizam uma abordagem por via percutânea, como uma mais-valia no tratamento desta patologia.

Palavras chave: Hallux valgus, trauma, artrodese primeira articulação cuneo-metatarsica, cirurgia percutânea pé.

 

INTRODUÇÃO

O hallux valgus é uma das patologias mais frequentes do antepé e tem como origem um desvio em varo do 1º metatarsico e o valgo do hallux, que determinam o aparecimento duma exostose dolorosa medial com maior ou menor compromisso local das partes moles (bunion). O hallux valgus condiciona limitação funcional traduzida por dor, alterações do padrão de marcha, equilíbrio e quedas nos mais idosos1-6.

Tem uma prevalência maior no sexo feminino (30%) quando comparada com o sexo masculino (13%) e aumenta com a idade1. Os factores etiológicos intrínsecos mais importantes para o desenvolvimento desta patologia parecem ser uma história familiar de hallux valgus e as alterações estruturais do primeiro raio, nomeadamente um primeiro metatarso longo, alterações da superfície articular distal, metatarsus adductus e hipermobilidade da articulação cuneo-metatarsica7. O calçado moderno, com caixa de dedos muito estreita e salto alto, assume-se como o factor extrínseco mais importante, particularmente no sexo feminino8,9.

O hallux valgus pós-traumático é raro e desenvolve-se habitualmente de uma forma gradual após traumatismo directo do primeiro raio a vários níveis, nomeadamente na articulação cuneo-metatársica, metatarso e articulação metatarso-falângica10-13.

 

CASO CLÍNICO

Doente do sexo feminino com 68 anos, muito activa, que há cerca de três anos sofreu um acidente numa das suas frequentes viagens, traduzido pela queda de um objecto pesado sobre o mediopé esquerdo.

Não recorreu na altura a nenhum hospital. Após uma melhoria inicial nas primeiras semanas, referiu posteriormente persistência de dor e alteração gradual da anatomia do pé com agravamento progressivo das queixas o que a levou a recorrer à consulta externa do nosso hospital. Ao exame objectivo (Figura 1) era independente na marcha com carga total e tinha dor à palpação dorsal proximal do primeiro raio à esquerda, hallux valgus bilateral (++ à esquerda), pé cavo bilateral (+ à esquerda), sem hipermobilidade cuneo-metatarsica (CMT), com Teste de Root e Hicks negativo. A radiografia inicial (Figura 2) mostrava alterações degenerativas marcadas, com deformidade da primeira articulação cuneo-metatarsica e do primeiro cuneiforme, hallux valgus severo e ligeira quebra da linha de Meary (Pé Cavo). Mediram-se os ângulos intermetatársico (IMT), ângulo articular distal do primeiro metatársico (DMAA), ângulo metatarso-falângico do primeiro raio ou ângulo do hallux valgus (HV) e ângulo interfalângico do primeiro dedo (IF), tendo sido obtidos os valores de 16º para o IMT, 10º para o DMAA, 45º para o HV e 15º para o IF (Figura 3).

 

 

 

 

Foram efectuadas artrodese da articulação CMT por via aberta e buniectomia, osteotomia de Akin e tenotomia do aductor do hallux por via percutânea.

Dois meses após a cirurgia, a doente estava contente com o resultado, sem dor e independente na marcha com carga total. Em termos radiológicos a melhoria foi grande com reposição da linha de Meary (Figura 4) e redução do IMT para 7º, HV para 14º, e IF para 10º (Figura 5). O DMAA, que estava dentro da normalidade no início não sofreu alterações. Os bons resultados clínicos e radiológicos mantiveram-se aos 12 meses (Figuras 6-8), com nova diminuição ligeira do IMT e do HV para 6º e 12º, respectivamente (Figura 7).

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

O tratamento conservador do hallux valgus tem geralmente maus resultados14 e existem vários algoritmos de tratamento cirúrgico, de acordo com os ângulos medidos (IMT, DMAA, HV e IF) que conjugam procedimentos de partes moles com osteotomias a vários níveis que habitualmente vão sendo mais proximais à medida que a deformidade aumenta, actuando-se assim mais perto do apex da deformidade. A articulação CMT está frequentemente implicada na génese do hallux valgus juvenil, mas também é importante no adulto.

A artrodese CMT não está reservada apenas para os casos de hipermobilidade desta articulação, sendo uma arma terapêutica muito eficaz no tratamento das formas mais graves de hallux valgus, particularmente quando acompanhada de alterações degenerativas importantes (artrose) a este nível15,16.

O traumatismo directo do primeiro raio pode ser causa de hallux valgus, embora pouco frequente. Os traumatismos de outras regiões do pé, particularmente as formas menos graves de lesão da articulação de Lisfranc12 e fracturas dos raios menores10 podem igualmente condicionar o aparecimento desta patologia, embora tal seja ainda menos frequente.

A cirurgia do pé por via percutânea não é uma técnica, é uma via de abordagem através da qual podem ser executadas várias técnicas17,18 e que podem ser combinadas com vias cirúrgicas clássicas abertas. Na opinião dos autores, a execução paralela de técnicas por via percutânea permite diminuir o tempo de garrote, bem como a dimensão e o número de incisões na pele de uma região que por si já tem uma vascularização difícil.

 

CONCLUSÕES

O trauma do primeiro raio é uma causa de hallux valgus que, embora infrequente, não deve ser esquecida. A avaliação inicial do doente com hallux valgus deve incluir a primeira articulação cuneo-metatarsica, mesmo no adulto. A artrodese da primeira articulação cuneo-metatarsica é uma opção válida de tratamento, particularmente nos casos mais severos, mesmo na ausência de hipermobilidade.

A cirurgia por via percutânea do pé é, na opinião dos autores, uma opção terapêutica que pode ser conjugada com abordagens cirúrgicas mais clássicas com claro benefício para os doentes.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Nix S. Prevalence of hallux valgus in the general population: a systematic review and metaanalysis. Journal of Foot and Ankle Research. 2010; 3: 21        [ Links ]

2. Benvenuti F, Ferrucci L, Guralnik JM, Gangemi S, Baroni A. Foot pain and disability in older persons: an epidemiologic survey. J Am Geriatr Soc. 1995; 43: 479-484        [ Links ]

3. Menz HB, Lord SR. Gait instability in older people with hallux valgus. Foot Ankle 2005. 2005; 26: 483-489        [ Links ]

4. Menz HB, Lord SR. The contribution of foot problems to mobility impairment and falls in community-dwelling older people. J Am Geriatr Soc. 2001; 49: 1651-1656        [ Links ]

5. Koski K, Luukinen H, Laippala P, Kivela SL. Physiological factors and medications as predictors of injurious falls by elderly people: a prospective population-based study. Age Ageing. 1996; 25: 29-38        [ Links ]

6. Tinetti ME, Speechley M, Ginter SF. Risk factors for falls among elderly persons living in the community. N Engl J Med. 1988; 319: 1701-1707        [ Links ]

7. Coughlin MJ, Jones CP. Hallux valgus: demographics, etiology, and radiographic assessment. Foot Ankle Int. 2007 Jul; 28 (7): 759-777

8. Lam SL, Hodgson AR. A comparison of foot forms among the non-shoe and shoewearing Chinese population. J Bone Joint Surg Am. 1958; 40-A: 1058-1062        [ Links ]

9. Kato S, Watanabe S. The etiology of hallux valgus in Japan. Clin Orthop. 1981; 157: 78-81        [ Links ]

10. Lui TH. Case Report - Acute traumatic hallux valgus. The Foot. 2013; 23 (2-3): 104-106        [ Links ]

11. Fabeck LG, Zekhnini C, Farrokh D, Descamps PY, Delincé PE. Traumatic hal- lux valgus following rupture of the medial collateral ligament of the first metatarsophalangeal joint: a case report. Journal of Foot and Ankle Surgery. 2002; 41: 125-128        [ Links ]

12. Bohay DR, Johnson KD, Manoli A. The traumatic bunion. Foot and Ankle International. 1996; 17: 383-387        [ Links ]

13. Ganel A, Israeli A, Horoszowski H. Posttraumatic development of hallux valgus. Orthopaedic Review. 1987; 16: 667-670        [ Links ]

14. Torkki M, Malmivaara A, Seitsalo S. Surgery vs orthosis vs watchful waiting for hallux valgus: a randomized controlled trial. JAMA. 2001; 285 (19): 2474-2480        [ Links ]

15. Gregory AM, Daniel Y, Amber T. First Metatarsal-Cuneiform Arthrodesis for the Treatment of First Ray Pathology: A Technical Guide. JFAS Techniques Guide. 2009; 48 (5): 593-601        [ Links ]

16. DiDomenico LA, Wargo-Dorsey M. Lapidus Bunionectomy: First Metatarsal?Cuneiform Arthrodesis. McGlamry?s Comprehensive Textbook of Foot and Ankle Surgery. 4th; p. 322-.         [ Links ]

17. Nicola M, Umile GL, Andrea M, Vincenzo D. Hallux valgus: effectiveness and safety of minimally invasive surgery. A systematic review. British Medical Bulletin. 2011; 97: 149-167        [ Links ]

18. Bauer T. Percutaneus Forefoot Surgery. Orthopaedics & Traumatology: Surgery and Research. 2014; 100: 191-204        [ Links ]

 

Conflito de interesse:

Nada a declarar

 

Endereço para correspondência

Miguel Flora
Calçada da Boa-Hora, nº82, 3º andar
1300-096 Lisboa
Portugal
miguelflora100@gmail.com

 

Data de Submissão: 2015-02-20

Data de Revisão: 2015-03-15

Data de Aceitação: 2015-03-15

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons