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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

Print version ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.22 no.1 Lisboa Mar. 2014

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Via anterior directa na artroplastia da anca - Técnica cirúrgica e resultados preliminares

 

Daniel SaraivaI; André SarmentoI; David SáI; Francisco AlmeidaI; André CostaI; Rolando FreitasI

I. Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho. Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

A abordagem anterior directa constitui uma alternativa às clássicas abordagens transmusculares para a realização de artroplastia total da anca.

Apresenta-se um estudo retrospectivo que avalia os resultados de 35 artroplastias totais da anca realizadas por via anterior directa , divididos entre 25 coxartroses primárias e 10 fracturas do colo do fémur.

O tempo de seguimento médio no grupo das coxartroses primárias foi de 13,5 meses (6-24 meses) e no grupo das fracturas do colo do foi de 14,2 meses (7-21 meses). Verificou-se uma melhoria significativa na avaliação pelos scores funcionais entre o pré-operatório e o primeiro mês pós-operatório no grupo das coxartroses primárias, com uma melhoria ligeira do primeiro mês pós-operatório para os 6 meses pós-operatórios. No grupo das fracturas verificou-se uma melhoria evidente do primeiro mês pós-operatório para os 6 meses pós-operatórios.

Este estudo vem confirmar a abordagem anterior directa como um procedimento seguro para todos os pacientes, com colocação precisa dos componentes e baixas taxas de complicações. Nesta abordagem intermuscular, o doente tem que recuperar apenas do procedimento cirúrgico, mas não da abordagem, o que permite uma recuperação precoce sem restrição de movimentos ou permissão de carga, com benefícios distintos para outcomes directamente focados nos pacientes.

Palavras chave: Anca, artroplastia, anterior, técnica, resultados.

 

ABSTRACT

The anterior direct approach is an alternative to the classic transmuscular approaches to perform total hip arthroplasties.

We present a retrospective study that studies the results of 35 patients who received the direct anterior approach for total arthroplasties of the hip, divided in 25 primary arthrosis and 10 femoral neck fractures.

The mean follow-up time in the group of primary arthrosis was 13,5 months (6-24months) and in the group of femoral neck fractures was 14,2 months (7-21 months).

This study confirms the anterior directa approach as a safe procedure for all patients, with precise component placement e low complication rates. In this intermuscular approach, the patient recovers from the surgical procedure and not from the approach, which allows for a quicker recovery without movement restriction or permisson to bear load, with distinct benefits on the ouctcomes directly focused on patients.

Key words: Hip, arthroplasty, anterior, technique, results.

 

INTRODUÇÃO

A artroplastia total da anca é um procedimento validado e reprodutível no tratamento da coxartrose primária, com bons resultados no alívio da dor e na melhoria da função1,2. É também uma opção validada no tratamento da fractura do colo femoral, com vantagens em relação a outras opções (redução e fixação interna, hemiartroplastia bipolar ou hemiartroplastia unipolar) tais como na função, no impacto na qualidade de vida e na necessidade de uma segunda cirurgia3-5.

No entanto, a via de abordagem para a realização deste procedimento é ainda hoje motivo de debate, com implicações directas na recuperação pós-operatória precoce e tardia, na dor pós operatória, na estabilidade da marcha e na taxa de luxações6-10. A cirurgia minimamente invasiva é atraente para o cirurgião ortopédico pois tem como principais objectivos uma menor lesão dos tecidos moles, da perda sanguínea, da dor pós operatória e do período de internamento, acelerando a recuperação11-14. A abordagem anterior directa (AAD) foi descrita primeiro por Judet em 194715. Consiste numa abordagem verdadeiramente intermuscular e internervosa, usando a abordagem mais distal da abordagem de Smith Petersen sem destacamento muscular, em que a incisão expondo o tensor da fáscia lata permite a retracção medial dos músculos inervados pelo nervo femoral e a retracção lateral do nervo glúteo superior14,16-18.

A grande vantagem apontada é a menor agressão cirúrgica, o que condiciona menos dor após cirurgia e uma recuperação mais rápida da capacidade de marcha19-24. Há menos perda de sangue e a reabilitação é mais rápida; a cicatriz é menor e o tempo de internamento é encurtado, o que é importante neste procedimento cada vez mais frequente em doentes jovens e activos11, 19, 22. Como desvantagens estão descritas na literatura, entre outras, a relativamente longa curva de aprendizagem24-26, fracturas periprotésicas intra-operatórias20, fracturas trocantéricas e perfurações femorais26.

O presente estudo faz a revisão das primeiras 35 artroplastias totais da anca implantadas pela via anterior directa pela mesma equipa cirúrgica no mesmo centro.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Avaliaram-se retrospectivamente 35 doentes submetidos a artroplastia total da anca por AAD pela mesma equipa cirúrgica no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho entre Junho de 2011 e Janeiro de 2013, divididos entre 25 coxartroses primárias e 10 fracturas do colo do fémur. Todos os doentes aceitaram fazer parte deste estudo. Das 25 coxartroses primárias, 16 (64%) eram do sexo feminino e 9 (36%) eram do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 61 e 73 anos de idade. A média de idades neste grupo foi de 67,4 anos. Das 10 fracturas do colo do fémur, 7 (70%) eram do sexo feminino e 3 (30%) eram do sexo masculino, com idades compreendidas entre 68 e 80 anos de idade. A média de idades neste grupo foi de 72,8 anos.

O tempo de seguimento médio no grupo das coxartroses primárias foi de 13,5 meses (6-24 meses) e no grupo das fracturas do colo do foi de 14,2 meses (7-21 meses).

Utilizaram-se como métodos de avaliação no grupo das coxartroses primárias o Harris Hip Score (HHS) e o Western Ontario and McMaster Universities Arthritis Indez (WOMAC) no pré-operatório, 1 e 6 meses pós-operatórios. Nas fracturas do colo do fémur, os métodos de avaliação foram os mesmo excepto os scores no pré-operatório. Foram ainda registados a duração do tempo cirúrgico, complicações intraoperatórias como fracturas femorais ou acetabulares, lesão nervosa, complicações cardiorrespiratórias, perda de sangue no intra-operatório e no pós-operatório, episódios tromboembólicos e tempo de internamento.

A análise estatística foi realizada através do teste de chi-quadrado e teste paramétrico de wilcoxon (software SPSS 13).

Os componentes utilizados foram os mesmos que são usados nas artroplastias efectuadas habitualmente no nosso serviço (acetábulos Stryker Trident® e Biomet Exceed® e hastes Stryker ABG II® e Biomet Exceed®). Todos os doentes receberam profilaxia antibiótica EV durante 48h e profilaxia de TVP (enoxaparina 40mg/SC 1id) nos dois meses pós-operatórios.

 

DESCRIÇÃO SUMÁRIA DO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO

Planeamento pré-operatório

O planeamento pré-operatório ajuda na selecção de implantes de estilo e tamanho adequados para a patologia da anca do paciente. A realização de radiografias da bacia e perfil da anca pré-operatórias permite seleccionar a haste femoral adequada, comprimento do colo, tamanho do componente acetabular ou a localização correcta da osteotomia.

Posicionamento

O doente é colocado em decúbito dorsal numa mesa ortopédica que permite a extensão selectiva ou simultânea dos membros inferiores, com atenção ao paralelismo da bacia em relação à mesa operatória. Efectua-se a desinfecção bilateral dos membros inferiores, deixando a espinha ilíaca anterio-superior (EIAS) sempre acessível e palpável. Nesta preparação é importante deixar o membro operado livre para mobilização para permitir a melhor exposição femoral possível.

Exposição Acetabular

A EIAS é a principal referência para a incisão. O ponto mais proximal é marcado 2-3cm posterior e 1-2cm distalmente relação à EIAS e estende-se distalmente numa linha imaginária em direcção à cabeça do perónio em cerca de 6-9cm (Figura 1). Esta localização mostra-nos a parte mais superficial do intervalo entre o músculo sartorius (S) e o músculo tensor da fáscia lata (TFL). O ramo lateral do nervo femurocutâneo lateral (RLFCL) inerva uma área de pele localizada anterolateralmente na coxa superior e está protegido nesta abordagem.

 

 

A dissecção anatómica e a vista intra-operatória mostram as três marcas anatómicas que identificam o tensor: músculo vermelho coberto pela sua fáscia (tensor), uma fáscia mais forte e branca (banda iliotibial) que cobre o glúteo médio e pelo menos um vaso perfurante na zona mais posterior do tensor. O intervalo da AAD pode ser atingido através de dissecção romba com o dedo do cirurgião.

A fáscia do TFL é aberta no seu ponto médio de medial para lateral; disseca-se a fáscia das fibras musculares e a cápsula articular pode ser palpada com o dedo do cirurgião.

O primeiro retractor é colocado lateral ou superiormente ao colo femoral e o segundo retractor é colocado na área do grande trocanter, após afastamento cuidadoso das partes moles com o dedo do cirurgião. Os ramos ascendentes da artéria circunflexa lateral são identificados e coagulados nesta fase.

De seguida abre-se a fáscia entre o TFL e o músculo recto femoral (RF), que se encontra profundamente ao S. Esta fáscia é formada principalmente pela camada profunda da banda ilioinguinal e uma vez aberta permite a visualização da gordura pré-capsular. A anca é flectida e palpa-se um “soft spot”, proximalmente ao músculo vasto lateral (VL). A dissecção romba permite identificar o local adequado para a colocação do retractor medial, afastando o S e o RF. Após libertar a forte fáscia inferiormente ao RF, pode-se usar uma Cobb para preparar o espaço à volta do acetábulo; nesta fase a anca está flectida. De seguida coloca-se o quarto retractor, à volta do rebordo ventral acetabular (Figura 2). É possível a colocação de uma fonte de luz neste rectractor, para permitir a melhor visualização acetabular. As lesões do nervo femoral ou do feixe vascular podem ser evitadas se o retractor for colocado perpendicularmente à banda ilioinguinal e inferiormente ao músculo psoas-ilíaco.

 

 

Preparação da cápsula

Se necessário, a porção reflectida do RF pode ser aberta na sua inserção capsular. A capsulotomia é realizada ao longo do colo femoral. A porção entre as 11h e as 15h é removida (porção ventrolateral). De seguida procede-se à limpeza cuidadosa da zona conhecida como “sela” entre o grande trocanter e o colo pois é o ponto de partida para a osteotomia do colo femoral.

Osteotomia e cabeça femoral

Após remoção do retractor supero-lateral, coloca-se um retractor intracapsularmente, de forma a proteger a ponta do grande trocanter durante a osteotomia. A osteotomia baseia-se no planeamento pré-operatório e a sela é o seu ponto de partido. A remoção da cabeça femoral é facilitada pela tracção gentil mas constante do membro inferior. A remoção prévia de osteófitos acetabulares anteriores pode ser necessária para a remoção da cabeça femoral.

Exposição acetabular

O retractor ventral é mantido em posição; todos os outros são retirados. Coloca-se um retractor no meio do acetábulo, orientado medialmente, indo ao longo do rebordo acetabular até o posicionar definitivamente sobre o ligamento transverso. Coloca-se outro retractor lateralmente ao acetábulo. Nesta fase, antes de iniciar a preparação acetabular, deve-se retirar o remanescente do labrum acetabular.

Preparação acetabular

Inicia-se por abrir a cápsula dorsal no meio do acetábulo e pela colocação de um retractor acetabular próprio no rebordo dorsal do acetábulo. Na preparação acetabular pode ser mais fácil inserir inicialmente o reamer e depois conectá-lo ao punho com duplo offset, mas tal geralmente não é necessário. Depois de provar, procede-se à impacção do componente definitivo com impactor curvo apropriado, com atenção à orientação dos orifícios para parafusos, se necessário (Figura 3). Por último coloca-se o liner escolhido.

 

 

Preparação da cápsula dorsolateral

Esta fase é o início da preparação femoral. Coloca-se um retractor na face lateral do grande trocanter e, de seguida, o elevador do fémur, entre a cápsula e os rotadores externos. O flap de cápsula lateral é fixo com um clamp, e por electrocauterização separa-se a camada de tecido gordo entre a cápsula e o grupo dorsal de músculos (piriforme, obturador, gemelli).

Posicionamento e orientação femoral

Removem-se todos os retractores e coloca-se a perna numa “posição de 4” (Figura 4), colocando um retractor medialmente e um lateralmente ao fémur, apresentando o calcar, ainda coberto por tecido capsular. Colocando dois retractores para melhor exposição do calcar, remove-se o restante tecido capsular. Na nossa experiência, a libertação da cápsula dorsal e medial permite uma rotação externa mais eficaz, o que em alguns doentes permite uma excelente orientação do fémur mesmo sem ser colocado na “posição de 4”.

 

 

Exposição femoral

Inicia-se por baixar a perneira do membro a ser operado 30º-40º. Coloca-se o elevador do fémur posteriormente ao grande trocanter mas à frente do glúteo médio. A colocação de um gancho de osso na zona do calcar permite a elevação gradual e firme do fémur (poderão ser necessárias libertações adicionais, nomeadamente posteriormente, para permitir a exposição femoral adequada). A tracção do gancho de osso deve ser sempre combinada com o elevador do fémur para permitir um movimento combinado, minimizando as forças sobre o grande trocanter. A perna a ser operada é depois colocada na rotação externa máxima, em extensão. Coloca-se de seguida um retractor na zona do calcar, proximalmente ao tendão do psoas ilíaco.

Abertura e preparação do canal femoral

A abertura do canal femoral inicia-se com um instrumento curvo (por exemplo uma cureta curva). O osso cortical que se observa lateralmente é o córtex do colo e tem que ser removido para que se consiga atingir eficazmente a porção lateral do trocanter.

A preparação do canal femoral é iniciada com a raspa mais pequeno, montado no punho com duplo offset, alinhando-a perfeitamente com o canal e usando o martelo apenas para o último centímetro de introdução. Na introdução manual, a raspa tem tendência a ficar numa posição em varo; movimentos oscilatórios permitem colocar o punho numa posição perfeitamente alinhada com o canal mora. O punho da raspa deve estar sempre medial ao elevador do fémur.

Colocação do implante e encerramento

A haste definitiva é introduzida manualmente, com impacção gentil no canal. Após colocação da cabeça definitiva, a anca é reduzida. Após colocação de dreno, a fáscia é encerrada com sutura contínua com fio absorvível, e a pele com agrafes.

 

RESULTADOS

O tempo cirúrgico médio foi de 73,8 min no grupo das coxartroses (66-116) e de 68,6min no grupo das fracturas (67-109). O sangramento operatório médio foi de 297,4cc no grupo das coxartroses (200-487) e de 285,1cc no grupo das fracturas (215-337). A drenagem pós-operatória foi de 260cc (160-420cc) no grupo das coxartroses primárias e 247cc (180-400) no grupo das fracturas. A estadia hospitalar foi de 4,2 dias (3-8) no grupo das coxartroses e 5,7 dias (4-9) no grupo das fracturas.

Verificou-se uma melhoria significativa na avaliação pelos scores funcionais entre o pré-operatório e o primeiro mês pós-operatório com uma evolução de 48,2 (42-60) para 86,2 (80-100) (p<0,001) no HHS e de 46,2 (40-60) para 88,4 (87-98) (p<0,001) no score de WOMAC no grupo das coxartroses primárias (Gráfico 1). Verificou-se uma melhoria ligeira do primeiro mês pós-operatório para os 6 meses pós-operatórios (86,2 para 90,8 no HHS e 88,4 para 92,2 no WOMAC).

 

 

No grupo das fracturas verificou-se uma melhoria no HHS médio de 84,4 no primeiro mês pós-operatório (80-92) para 92,6 (88-96) ao 6º mês pós-operatório (p<0,001), assim como uma melhoria no WOMAC médio de 86,8 no primeiro mês pós-operatório (80-94) para 94,2 aos 6 meses pós-operatório (88-96) (p<0,001) (Gráfico 2).

 

 

O ângulo de inclinação acetabular médio obtido foi de 46,4º (38-65) com um ângulo componente cefálico diáfise de 136º (128-152) no grupo das coxartroses, enquanto no grupo das fracturas os resultados foram, respectivamente, 44,4º (38-60) e 130º (126-148).

Registaram-se como complicações uma fractura do calcar, uma luxação anterior (por má orientação acetabular e com necessidade de revisão), uma neuropraxia do nervo femorocutâneo lateral e uma complicação infecciosa profunda com necessidade de extracção de componentes. Não se registaram perfurações femorais, hematomas, complicações cardiorrespiratórias ou qualquer episódio tromboembólico (Tabela 1).

 

 

 

DISCUSSÃO

Este estudo, apesar das suas limitações (estudo retrospectivo e série relativamente baixa), confirma os bons resultados obtidos com a AAD para a realização de artroplastia total da anca no tratamento tanto da coxartrose primária como nas fracturas do colo do fémur. Não sendo um objectivo do estudo a comparação entre diferentes abordagens, confirma-se a franca melhoria nos scores funcionais utilizados quando se compara a avaliação pré-operatória e o primeiro mês pós-operatório no grupo das coxartroses primárias, com melhoria ligeira na avaliação aos seis meses pós-operatório. No grupo das fracturas do colo do fémur, os resultados mostram scores mais baixos no primeiro mês pós-operatório, o que nos parece relacionado com a natureza subjectiva dos scores utilizados, em doentes autónomos e sem queixas previamente à fractura; no entanto, na avaliação aos 6 meses, os resultados neste grupo aproximam-se do grupo das coxartroses primárias (p<0,001).

Estes resultados estão de acordo com diferentes séries que têm vindo a ser publicadas. Siguier et al15 reportaram numa série de 1037 artroplastias totais da anca por AAD que todos os pacientes eram capazes de carga total no espaço de dois dias pós operatórios e que a maioria dos pacientes era capaz de descontinuar o uso de canadianas entre os 8 dias e 3 semanas de cirurgia. Mayr et al16 concluiram que a AAD promove uma melhoria na marcha em comparação com a abordagem anterolateral, avaliando diferentes parâmetros de marcha (cadência, tempo de passada, amplitude da passada, velocidade na marcha, flexão da anca no apoio do pé e máxima flexão da anca). Alecci et al19, em 2011, comparando a AAD com a abordagem lateral directa, observaram melhores resultados peri-operatórios com a AAD. Nakata et al22 compararam a AAD e a mini-abordagem posterior num dos poucos artigos comparando dois procedimentos minimamente invasivos diferentes, e reportaram uma recuperação mais rápida na função da anca e na capacidade de marcha com a AAD. Klausmeier et al23 compararam a AAD com a abordagem anterolateral e com um grupo de controlo não operado com foco na recuperação de curto prazo da força e amplitude de movimento da anca, concluindo que a AAD foi associada a uma melhoria na velocidade da marcha e na capacidade de flexão às 6 semanas. Num interessante estudo, Bergin et al25 compararam 29 doentes submetidos a artroplastia total da anca por AAD com 29 doentes operados por via posterior, observando que marcadores de inflamação, creatina cinase sérica, proteína C-reactiva, interleucina-6, interleucina-1 e factor de necrose tumoral alfa eram em geral mais baixos no grupo da AAD no pós- operatório e que os níveis séricos de creatina cinase indicaram que a abordagem AAD causa significativamente menos lesão muscular do que a abordagem posterior. As vantagens observadas na recuperação inicial dos doentes têm tendência a esbater-se com o tempo, tal como observou Barret et al29, quando compararam a AAD com a abordagem posterolateral, confirmando os melhores resultados no pós-operatório imediato mas não encontrando diferenças significativas na comparação em fases mais tardias da recuperação.

Como todas as abordagens, não está isenta de complicações. Na nossa série foram registadas 2 fracturas trocantéricas (5,7%), registadas durante os primeiros procedimentos, com provável relação com a curva de aprendizagem; Schneider et al17 relataram 3% de fracturas femorais no peri e pós-operatório. Registaram-se 1 hematomas (2,8%) e 1 infecção profunda (2,8%), com necessidade de extracção dos compoentes. Não se detectaram luxações ou episódios tromboembólicos. Keggi et al18 relatam numa série de mais de 3.000 cirurgias 0,2% de infecções e episódios tromboembólicos em 0,7% das próteses primarias. Registou-se um caso de neuropraxia do nervo femorocutâneo lateral (2,8%). Bhargava et al26 chamaram a atenção para o risco de lesão deste nervo nesta abordagem. Não se registou qualquer episódio de luxação de prótese, o que está de acordo com a literatura, que aponta taxas muito baixas de luxação. Siguier et al15 observaram uma taxa de luxaçãoo de 0,96% (10 de 1037 ancas), observando que preservando o potencial muscular pode contribuir para a estabilização dinâmica da anca.

A AAD é uma abordagem universal, mas principalmente no início da curva de aprendizagem, será útil identificar doentes com melhor perfil para esta abordagem. Pacientes muito musculados poderão ser mais difíceis de operar. Um índice de Massa Corporal (IMC) elevado não constitui uma contraindicação relativa; de facto, a AAD explora uma área com menor camada muscular quando comparada com as abordagens lateral ou posterior. Ancas varas poderão ser mais difíceis de operar e um ângulo cervicodiafisário maior torna a cirurgia mais fácil. Um colo femoral longo cria uma distância maior entre o fémur e o acetábulo; nesses pacientes, os instrumentos podem ser introduzidos mais facilmente. Uma pélvis larga (que se afasta lateralmente do centro de rotação da anca) poderá ser mais difícil de operar, pela dificuldade na preparação femoral (o que é minimizado pelo uso de instrumento com offset adequado).

A AAD é uma técnica talvez tecnicamente mais exigente que outras abordagens devido à menor exposição, e em doentes obesos ou muito musculados, colo femoral curto ou protusão acetabular podem surgir problemas particulares, pelo que o treino do cirurgião é fundamental10, 11, 13, 14, 24, 30. Permite cirurgias de revisão, tal como Mast et al27 relatam numa série de 51 doentes, apontando vantagens tais como a melhor exposição acetabular.

 

CONCLUSÃO

A AAD constitui um procedimento seguro para todos os pacientes, com colocação precisa dos componentes e baixas taxas de complicações. Nesta abordagem intermuscular, o doente tem que recuperar apenas do procedimento cirúrgico, mas não da abordagem, o que permite uma recuperação precoce sem restrição de movimentos ou permissão de carga, com benefícios distintos para outcomes directamente focados nos pacientes.

 

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Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

Rua de Gondezende, 1264
Olival
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Data de Submissão: 2013-09-11

Data de Revisão: 2014-03-03

Data de Aceitação: 2014-03-03

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