SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 número3Disestesia peri-incisional após reconstrução do ligamento cruzado anterior: Comparação entre dois diferentes tipos de enxertoAmputação do 3º raio digital da mão por condrossarcoma da falange proximal do 3º dedo índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.21 no.3 Lisboa set. 2013

 

CASO CLÍNICO

 

Fratura do côndilo medial do úmero na criança

 

João Pedro OliveiraI, II; Thiago AguiarI, II; Pedro AmaralI, II; Inês BalacóI, II; Cristina AlvesI, II; Gabriel MatosI, II

I. Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE. Coimbra. Portugal.
II. Serviço de Ortopedia. Hospital Pediátrico de Coimbra. Coimbra. Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

As fraturas do côndilo medial do úmero constituem 1% do total de fraturas do cotovelo em crianças. É frequente o seu diagnóstico tardio, uma vez que passam muitas vezes despercebidas ou são confundidas com fraturas do epicôndilo medial. É apresentado um caso de fratura do côndilo medial do úmero, Kilfoyle tipo III, num menino de 9 anos de idade após acidente em veículo motorizado. De urgência foi submetido a redução aberta, transposição anterior do nervo ulnar e fixação com fios de Kirschner. Manteve imobilização gessada que foi retirada, conjuntamente com os fios de Kirschner, às 5 semanas de pós-operatório. A fratura manteve-se anatomicamente reduzida e aos 4 meses de pós-operatório, já com a fratura consolidada, o doente tinha uma mobilidade simétrica e sem limitação do cotovelo, apresentando um Mayo Elbow Performance Score de 100% e um Quick-Dash Score de 0%. Apesar de ser uma lesão traumática grave e rara em idade pediátrica, o diagnóstico precoce e a redução anatómica das fraturas do côndilo umeral medial permitem preservar a biomecânica e função do cotovelo.

Palavras chave: Fratura, côndilo medial do úmero, criança.

 

ABSTRACT

Fractures of the medial condyle of the humerus are 1% of all elbow fractures in children. Its diagnosis is sometimes delayed, since they are often unnoticed or mistaken by fractures of the medial epicondyle. We report a case of medial condyle fracture of the humerus, Kilfoyle type III, on a 9 years old boy. On the first hours after the accident, he was submitted to an open reduction, anterior transposition of the ulnar nerve and fixation with Kirschner wires. The elbow immobilized in a cast for 5 weeks, after which both cast and Kirschner wires were removed. The fracture remained anatomically reduced and at a 4 months follow-up, with the fracture already united, the patient showed symmetrical elbow mobility without limitation, a Mayo Elbow Performance Score of 100% and a Quick Dash Score of 0%. Despite being a rare and severe traumatic injury in a child, the early diagnosis and anatomic reduction of medial humeral condyle fractures allow the preservation of the correct biomechanics and function of the elbow.

Key words: Fracture, humerus medial condyle, children.

 

INTRODUÇÃO

Descrita inicialmente por Granger em 1818, a fratura do côndilo medial do úmero em idade pediátrica é uma lesão rara, constituindo menos de 1% de todas as fraturas do cotovelo. O traço de fratura estende-se através da metáfise medial e separa-a, conjuntamento com o epicôndilo, do resto do úmero. Por definição, o traço de fratura envolve a superfície articular da tróclea.

As fraturas do côndilo medial não devem ser confundidas com fraturas do epicôndilo medial, que também envolvem a coluna medial mas são extraarticulares. Ambas as fraturas são de difícil diagnóstico em crianças jovens, especialmente antes do núcleo de ossificação secundário se ter formado[1,2,3,4,5]. O recurso a outros meios auxiliares de diagnóstico, como a artrografia, ecografia e ressonância magnética podem ser fundamentais para a realização do diagnóstico.

Em 1965, Kilfoyle classificou as fraturas do côndilo medial do úmero em três tipos, de acordo com o grau de afastamento do fragmento ósseo[6] (Figura 1).

 

 

Sendo lesões Salter-Harris tipo IV, as fraturas do côndilo medial instáveis ou com afastamento dos topos ósseos, requerem redução aberta e fixação interna. É importante uma redução anatómica dos fragmentos ósseos, de forma a preservar a cartilagem de crescimento e prevenir a limitação funcional por incongruência articular. O tratamento conservador está reservado para fraturas estáveis, não cominutivas e com mínima diastase dos topos ósseos.

 

CASO CLÍNICO

Menino de 9 anos de idade referenciado ao Serviço de Urgência após acidente em veículo motorizado do qual resultou traumatismo do cotovelo que foi alvo de tentativa de redução por familiar não médico. Apresentava deformidade e edema acentuado do cotovelo, sem alterações neurovasculares associadas. Radiologicamente, observou-se uma fratura do côndilo medial do úmero, com desvio e sem luxação do cotovelo, Kilfoyle tipo III (Figura 2).

 

 

De urgência, foi submetido a redução aberta, transposição anterior do nervo ulnar e fixação com fios de kirschner (Figura 3).

 

 

Manteve uma imobilização gessada braqui-palmar, que foi retirada às 5 semanas de pós-operatório conjuntamente com os fios de Kirschner (Figura 4).

 

 

Aos 4 meses de pós-operatório o doente encontravase totalmente assintomático, com a fratura consolidada em posição anatómica e com uma mobilidade simétrica dos cotovelos (Figura 5). Segundo o Mayo Elbow Performance Score apresentava um total de 100% e a classificação do Quick-Dash Score foi de 0%.

 

Figura 5

 

DISCUSSÃO

Apesar de rara em idade pediátrica, a hipótese diagnóstica de fratura do côndilo medial do úmero deve ser colocada em casos de lesão da coluna medial do úmero. O diagnóstico tardio pode levar a complicações, que variam desde a não-união do fragmento ósseo à necrose avascular da tróclea associada a uma deformidade com cubitus varus, impotência e limitação funcional[1,3,8,9].

Dor, edema e equimose sobre a face medial do cotovelo, associadas a impotência funcional com posição típica do cotovelo a 90ºde flexão, fazem parte da constelação de sinais e sintomas que acompanham este tipo de fraturas. Com menos frequência, é descrita a luxação do cotovelo ou alterações neurovasculares, especialmente por compressão do nervo ulnar[1,2,4,5,7,10,11,12].

O conhecimento da idade em que os diferentes centros epifisários do cotovelo ossificam e se tornam radiologicamente visíveis é importante para a compreensão e descrição deste tipo de fraturas: o epicôndilo medial está presente aos 5 anos e a tróclea só está completamente ossificada pelo 9º Figura 5. Arco de mobilidade do cotovelo aos 4 meses de pós-operatório. ano de idade, dificultando o diagnóstico de fratura do côndilo medial, pelo facto do traço de fratura ser primariamente através da cartilagem[3,4,7]. Neste sentido, em caso de suspeita, diagnóstico deve ser confirmado por ecografia, artrografia, tomografia computadorizada ou ressonância magnética.

Nas fraturas sem desvio ou com desvio mínimo, Kilfoyle tipo I, o tratamento conservador é consensual. Já as fraturas Kilfoyle tipo II com desvio e as tipo III devem ser anatomicamente reduzidas e estabilizadas. Neste tipo de fraturas, a redução aberta é necessária, dado que o edema associado é geralmente importante e, por outro lado, é absolutamente necessário proteger o nervo ulnar. A fixação pode ser realizada com 2 fios de Kirschner, paralelos ou perpendiculares, se possível no segmento metafisário.

Sendo as fraturas do côndilo medial do úmero intra-articulares, Salter-Harris tipo IV, o diagnóstico precoce é extremamente importante, de forma a se obterem bons resultados e se evitarem complicações, sendo o tipo de tratamento adaptado à personalidade da fratura[1,4,7].

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Bensahel H, Csukonyi Z, Badelon O. Fractures of the medial condyle of the humerus in children. J Pediatr Orthop. 1986; 6 (4): 430-433        [ Links ]

2. Chacha PB. Fracture of the medical condyle of the humerus with rotational displacement. Report of two cases. J Bone Joint Surg Am. 1970 Oct; 52 (7): 1453-1458

3. Fahey JJ, O'Brien ET. Fracture-separation of the medial humeral condyle in a child confused with fracture of the medial epicondyle. J Bone Joint Surg Am. 1971 Sep; 53 (6): 1102-1104

4. Fowles JV, Kassab MT. Displaced fractures of the medial humeral condyle in children. J Bone Joint Surg Am. 1980 Oct; 62 (7): 1159-1163

5. Ghawabi MH. Fracture of the medial condyle of the humerus. J Bone Joint Surg Am. 1975 Jun; 57 (5): 677-680

6. Kilfoyle RM. Fractures of the medial condyle and epicondyle of the elbow in children. Clin Orthop Relat Res. 1965; 41: 43-50        [ Links ]

7. Leet AI, Young C, Hoffer MM. Medial condyle fractures of the humerus in children. J Pediatr Orthop.. 2002; 22 (1): 2-7        [ Links ]

8. Hanspal RS. Injury to the medial condyle in a child reviewed after 18 years. J Bone Jt Surg Br. 1985; 67: 638-639        [ Links ]

9. Song KS. Late diagnosis of medial condyle fracture of the humerus with rotational displacement in a child. J Orthopaed Traumatol. 2011; 12: 219-222        [ Links ]

10. Behrman MJ, Shelton ML. Fracture of the medial condyle of the humerus in an elderly patient. J Orthop Trauma. 1990; 4 (1): 98-101        [ Links ]

11. Mirsky EC, Karas EH, Weiner LS. Lateral condyle fractures in children: evaluation of classification and treatment. J Orthop Trauma. 1997; 11 (2): 117-120        [ Links ]

12. Papavasiliou V, Nenopoulos S, Venturis T. Fractures of the medial condyle of the humerus in childhood.. J Pediatr Orthop.. 1987; 7 (4): 421-423        [ Links ]

13. Ip D, Tsang WL. Medial humeral epicondylar fracture in children and adolescents. J Orthop Surg (Hong Kong). 2007 Aug; 15 (2): 170-173

14. Haxhija EQ, Mayr JM, Grechenig W. Treatment of medial epicondylar apophyseal avulsion injury in children. Oper Orthop Traumatol. 2006 Jun; 18 (2): 120-134

15. Walsh JJ. Medial Humeral Condyle Frature. Medscape reference. 2012 Apr;

 

Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

João Pedro Oliveira
Serviço de Ortopedia
Hospitais da Universidade de Coimbra
Praceta Mota Pinto
3000-075 Coimbra
Portugal
dr.jpoliveira@gmail.com

 

Data de Submissão: 2013-04-02

Data de Revisão: 2013-09-15

Data de Aceitação: 2013-09-15

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons