SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 número3Caracterização das alterações vertebrais em crianças com Paralisia CerebralFixação transpedicular percutânea em fraturas toraco-lombares índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.21 no.3 Lisboa set. 2013

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Há alguma diferença entre as próteses de disco cervicais?

 

Vânia OliveiraI; Marta MassadaI; Luís CostaI; Daniel FreitasI; Paulo CostaII; Seabra LopesII

I. I.C.B.A.S. - Universidade do Porto. Porto. Portugal.
II. Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Centro Hospitalar do Porto. Hospital de Santo António. Porto. Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Objetivo: A artroplastia cervical na patologia degenerativa surgiu como alternativa à artrodese anterior com o objetivo de eliminar a “doença do nível adjacente”. As próteses de disco apresentam diferentes materiais, design, técnica e mobilidade. Os autores avaliaram dor, disfunção e complicações para comparar a eficácia de diferentes próteses de disco.
Material e Métodos: Foram analisadas retrospectivamente as próteses de disco cervical realizadas entre 2004 e 2010, com o total de 26 próteses em 22 doentes.
Os resultados de 5 próteses Baguera® foram comparados com 14 próteses Prestige®, 4 PCM® e 3 Bryan®.
Foi utilizada a escala visual analógica da dor (VAS), Neck Disability Index (NDI) e inquirido o grau de satisfação. Imagiologicamente foi determinada estabilidade, mobilidade e alterações degenerativas.
Resultados: O follow-up das 5 próteses Baguera® foi 20.2±13.7 meses e nas restantes 21 próteses foi 55.2±15.8 meses (p=0.02).
A avaliação da dor não foi diferente. O grupo Baguera® apresenta superioridade na mobilidade (p=0.045), NDI pós-operatório (p=0.009) e melhoria do NDI global (p=0.01). Comparando doentes com disfunção nula/ligeira e severa/completa, a prótese Baguera® tem vantagem sobre as restantes 3 (p=0.04).
Ocorreram complicações em 4 (9.5%) doentes do grupo misto, com 2 reintervenções e 2 doentes com ossificação heterotrópica e perda total de mobilidade da prótese.
Conclusão: A prótese de disco Baguera® apresenta superioridade em mobilidade e função, e apesar de diferente follow-up não apresenta complicações enquanto as restantes 3 próteses apresentam complicações e perda de mobilidade.
Estudos a longo prazo vão determinar se as vantagens teóricas continuam a traduzir benefícios clínicos.

Palavras chave: Artroplastia cervical, discopatia degenerativa, hernia discal, doença do nível adjacente, prótese de disco cervical, Bryan®, PCM®, Prestige®, Baguera®.

 

ABSTRACT

Aim: cervical arthroplasty in degenerative disc disease has emerged as an alternative to anterior arthrodesis in order to eliminate the "adjacent level disease".

The prosthetic discs have different materials, design, technique and mobility.

The authors proposed to evaluate pain, dysfunction and associated complications in order to compare the effectiveness of different disc prostheses.

Material and Methods: cervical disc prostheses performed from 2004 to 2010 were retrospectively reviewed in a total of 22 patients with 26 implants. 

The five Baguera® patients results were compared to 14 Prestige®, 4 PCM® and 3 Bryan® prostheses.

The visual analogue pain scale (VAS) and Neck Disability Index (NDI) were used. Static and dynamic radiographs were evaluated to determine mobility and degenerative changes.

Results: The average follow-up of 5 Baguera® prostheses was 20.2±13.7 months and the remaining 21 implants was 55.2±15.8 months (p=0.02).

The assessment of pain was not significantly different. The Baguera® disc presents significant superiority in functional mobility (p=0.045), postoperative NDI (p=0.009) and overall NDI improvement (p=0.01). Comparing patients with null/mild dysfunction to severe/complete disability, Baguera® prosthesis has significant advantage over the other three prostheses (p=0.04).

Complications occurred in 4 (9.5%) patients of the mix group, requiring 2 re-interventions, and 2 patients presented heterotopic ossification grade II/III with total loss of prosthesis mobility.

Conclusion: The Baguera® disc presents superior mobility and function, and despite the different followup there were no complications. The other 3 prosthesis had complications and loss of mobility. Long-term results will determine whether the theoretical advantages still translate into clinical benefits.

Key words: Cervical arthroplasty, degenerative discopathy, disc herniation, adjacent level disease, cervical disc prosthesis, Bryan®, PCM®, Prestige®, Baguera®.

 

INTRODUÇÃO

A artroplastia cervical na discopatia degenerativa surgiu como uma alternative à artrodese cervical anterior visando eliminar a "doença do nível adjacente" que assombra as elevadas taxas de fusão da artrodese, superiores a 90% [1, 2]. Admite-se que os níveis adjacentes à fusão estão sujeitos a um aumento da pressão intradiscal que associado à mobilidade levam a um stress biomecânico e doença do disco adjacente. O estudo de longo-prazo de Hilibrand et al[2] engloba 374 doentes submetidos a artrodese cervical anterior e verificam uma incidência da doença do nível adjacente simtomática em 2,9% por ano durante os primeiros 10 anos pós-fusão, e 2/3 destes requerem nova operação. Identificam ainda os níveis C5-C6 e C6-C7 tendo um risco 4,6 vezes maior.
Cummins[3] encorajou a artroplastia cervical desde que foi desenvolvida em 1991 uma vez que paralelamente à descompressão neurológica preserva mobilidade e estabilidade segmentar o que evita a precipitação de alterações degenerativas e novas intervenções cirúrgicas.
Os resultados clínicos da artroplastia cervical são comparáveis à artrodese cervical acrescentando a vantagem da preservação da função dinâmica, menor stress biomecânico no nível adjacente, não necessita enxerto ósseo e permite mobilidade imediata com retorno precoce a atividades e baixa taxa de complicações[4]. Estas vantagens são ainda mais importantes nos doentes jovens.
As próteses de disco apresentam diferentes materiais, design, técnica cirúrgica e mobilidade[5].
Os autores propuseram-se comparar a eficácia de diferentes próteses de disco cervical avaliando a dor, disfunção e complicações.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Retrospectivamente foram avaliadas as próteses de disco cervical realizadas no Serviço de Ortopedia entre 2004 e 2010 com um total de 26 implantes em 22 doentes. Todos os doentes apresentaram discopatia com hérnia discal (HD) em um ou 2 níveis conforme imagens de ressonância magnética.
Os resultados de 5 póteses Baguera® realizadas entre 2008 e 2010 foram comparadas com os resultados de 14 Prestige®, 4 PCM® e 3 Bryan® realizadas desde 2004.
Em todos os doentes foi avaliada a dor e disfunção através da escala visual analógica (VAS) e Neck Disability Index (NDI) e foi inquirido o grau de satisfação. As radiografias pré e pós-operatórias estáticas e dinâmicas foram avaliadas por um observador cego independente para determinar mobilidade, estabilidade e alterações degenerativas.
Os resultados foram analizados com SPSS® 19 Statistics software, e o Chi-Square, Mann-Whitney e t-Student Test foram aplicados para comparar as variáveis dos 2 grupos. O nível de significância estatística foi definido como p<0.05.

 

RESULTADOS

Todos os 22 doentes assumem resultados satisfatórios (bom ou excelente).
O gráfico 1 mostra a distribuição anatómica. A artroplastia cervical realizou-se em 2 níveis em 4 doentes com a prótese Prestige®.

 

 

As 5 próteses Baguera® foram em doentes do sexo feminino com idade média de 32.2±9.5 anos e follow-up médio 20.2±13.7 meses (12-33 meses). O VAS médio diminuiu de 7.6/10 para 1.4/10, o NDI pré-operatório foi em média 70% melhorando para 9.2% no follow-up final o que corresponde à alteração de disfunção severa para ligeira, e apresentou mobilidade total média de 8.28º (Fig.1). Este grupo não apresentou nenhuma complicação nem “doença do nível adjacente”.

 

 

Entre os restantes 17 doentes com próteses Prestige®, PCM® e Bryan® 16 (94.1%) foram do sexo feminino, com idade média 42.8±6.7 anos. Os 21 implantes apresentam follow-up médio de 55.2±15.8 meses (20-69 meses). Neste grupo o VAS médio pré-operatório diminuiu de 7.7/10 para 2.9/10 no follow-up final: 7.9 para 1.9  Prestige®; 7.75 para 5.25 PCM® e 7.33 para 1.33 Bryan®. O NDI médio inicial foi 54% melhorando para 23.3% no pós-operatório: 52.9% para 19.2% Prestige®; 58.6% para 43.7% PCM® e 50.9% para 7.7% Bryan®. A melhoria no NDI corresponde a uma alteração modesta de disfunção severa para moderada. A mobilidade funcional total foi em média 5.4º: 3.64º Prestige® (Fig.2); 5º  PCM® e 7.67º Bryan®. Foram registadas complicações em 4 (9.5%) doentes: 2 casos com Prestige® apresentaram mielopatia cervical persistente e necessitaram de reintervenção com extração da prótese e artrodese cervical anterior; e 2 doentes com Prestige® apresentaram ossificação heterotrópica grau II/III e perda total de mobilidade no nível da prótese.

 

 

O follow-up do grupo misto foi significativamente maior (p=0.02), no entanto, as complicações registadas ocorreram em média aos 16.3±4.3 meses (9-20 meses), período em que não foram registadas complicações no grupo Baguera®. A taxa de complicações não foi significativamente diferente entre os grupos (p=0.53).
Os grupos não se verificam ser significativamente diferentes quanto à idade, sexo e níveis de distribuição (p>0.05).
Este estudo compara a prótese Baguera® com outras 3 próteses de disco cervical e o grupo Baguera® apresenta significativa superioridade de mobilidade (Gráfico 2) e função (Gráfico 3). Ao comparar doentes com disfunção final nula/ligeira e severa/completa, as próteses Baguera® apresentam vantagem sobre as restantes 3 (Gráfico 4). A avaliação da dor não foi significativamente diferente (Gráfico 5)

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

A artroplastia cervical é uma opção dinâmica na discopatia degenerativa, uma técnica recente e dependente da experiência, e visa eliminar sintomas, manter a mobilidade intervertebral e diminuir o stress no nível adjacente de forma a evitar as complicações e limitações associadas à artrodese cervical. Existem diversas próteses de disco, com diferentes materiais e variações no design, cinemática e princípios de integração e fixação[4, 5].
Verificou-se perda de mobilidade nas próteses Prestige®, Bryan® e PCM®, em média aos 4.6 anos de follow-up.
A rotação axial da prótese Bryan® não é constritiva e tem sido reportado um movimento anormal no centro de rotação associado a dor com origem nas articulações facetárias que se relaciona com o posicionamento da prótese (4, 6, 7). Apenas apresenta uma medida de altura e a técnica de inserção é complexa, exigindo preparação das plataformas vertebrais e posicionamento da prótese precisos. Na literatura, doentes submetidos a artroplastia com prótese Bryan® apresentam perda focal de lordose no segmento tratado[5].
A prótese Prestige® é semiconstrictiva, tipo ball-and-socket o que permite uma grande translação com a rotação, flexão-extensão e mesmo graus reduzidos de lateralização devido à sua configuração[4].
As plataformas da prótese PCM® estão desenhadas para ajustar à curvatura das plataformas vertebrais e maximizar a carga lateralmente. Trata-se de um implante tipo press fit que não necessita fixação e baseia-se na mobilidade em delta limitada pelas articulações facetarias em vez da rotação angular das próteses ball-and-socket. No entanto, este tipo de movimento poderá causar maior stress nas articulações facetarias[4].
A prótese Baguera® apresenta uma forma anatómica, permite inserção fácil e ajuste adequado entre as plataformas vertebrais, tecnicamente simples e menos agressiva, o que pode reduzir perdas sanguíneas, fibrose e aderências. Segue o princípio ball-and-socket com rotações e translação antero-posterior e medial-lateral. O design da face inferior e o revestimento com polietileno proporcionam deformação elástica, absorção do choque e vibrações.
Neste estudo, a prótese de disco Baguera® apresenta superioridade na mobilidade e função comparativamente com as outras 3 próteses de disco juntas.
Apesar do follow-up diferente, não se registaram complicações na prótese Baguera® com 20.2 meses de follow-up médio e no grupo misto ocorreram 9.5% de complicações em média aos 16.3 meses. Não se verificou doença do disco adjacente em ambos os grupos e apenas 2 doentes desenvolveram ossificação heterotrópica grau II/III no grupo misto, provavelmente mais relacionado com características individuais.
A artroplastia cervical tenta repor o disco biomecanicamente e manter a mobilidade fisiológica o mais aproximada possível. Na literatura, os resultados são comparáveis com artrodese, em geral com bons resultados clínicos e reduzidas taxas de complicações associadas[3-7]. Atualmente decorrem investigações na discopatia degenerativa para regeneração do disco recorrendo às Stem Cells.
Os resultados deste estudo são favoráveis para conduzir a otimização da artroplastia cervical e apenas com estudos a longo prazo será possível determinar se as vantagens teóricas da prótese de disco Baguera® continuam a traduzir benefícios clínicos.

 

CONCLUSÃO

As próteses de disco cervical são efetivas e recomendadas para doentes selecionados, respeitando as indicações. A prótese Baguera® apresenta vantagens teóricas e mostra-se superior em mobilidade e função, mas o follow-up ainda é limitado para estabelecer orientações. As restantes 3 próteses avaliadas perderam mobilidade.
São necessários mais estudos para analisar as diferenças entre próteses, com nível único ou múltiplo, e comparar resultados a longo prazo.

Agradecimentos:

Os autores agradecem aos técnicos de radiologia do Departamento de Radiologia do C.H.Porto pelo empenho e trabalho em equipa

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Goffin J, Geusens E, Vantomme N, Quintens E, Waerzeggers Y, Depreitere B. Long-term follow-up after interbody fusion of the cervical spine. J Spinal Disord Tech. 2004; 17 (2): 79-85        [ Links ]

2. Hilibrand AS, Carlson GD, Palumbo MA, Jones PK, Bohlman HH. Radiculopathy and myelopathy at segments adjacent to the site of a previous anterior cervical arthrodesis. J Bone Joint Surg Am. 1999; 81 (4): 519-528        [ Links ]

3. Cummins BH, Robertson JT, Gill SS. Surgical experience with an implanted artificial cervical joint. J Neurosurg. 1998; 88 (6): 943-948        [ Links ]

4. Sekhon LH, Ball JR. Artificial cervical disc replacement: principles, types and techniques. Neurol India. 2005; 53 (4): 445-450        [ Links ]

5. Mehren C, Mayer HM. Artificial cervical disc replacement - an update. Neurol India. 2005; 53 (4): 440-444        [ Links ]

6. Lemaire JP, Skalli W, Lavaste F, Templier A, Mendes F, Diop A. Intervertebral disc prosthesis. Results and prospects for the year 2000. Clin Orthop Relat Res. 1997; (337): 64-76        [ Links ]

7. Bertagnoli R, Duggal N, Pickett GE, Wigfield CC, Gill SS, Karg A. Cervical total disc replacement, part two: clinical results. Orthop Clin North Am. 2005; 36 (3): 355-362        [ Links ]

 

Conflito de interesse:

Nada a Declarar.

 

Endereço para correspondência

Vânia Oliveira
Centro Hospitalar do Porto
Hospital Santo António
Largo Prof. Abel Salazar
4099-001 Porto
Portugal
vaniacoliveira@gmail.com

 

Data de Submissão: 2013-05-13

Data de Revisão: 2013-09-15

Data de Aceitação: 2013-09-15

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons