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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.21 no.1 Lisboa mar. 2013

 

CASO CLÍNICO

 

Fractura do calcâneo Artrodese subastragalina com osteotomia varizante do calcâneo

 

Hugo CardosoI; Portela da CostaI

I. Serviço de Ortopedia e Traumatologia. Centro Hospitalar do Oeste C.H.O. Unidade de Torres Vedras.Torres Vedras. Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Apresentamos o caso clínico de um doente do sexo masculino, 50 anos de idade, trabalhador da construção civil em Angola, onde sofreu queda em altura de que resultou fractura intra-articular bilateral dos calcâneos. Foi submetido a tratamento conservador. Passados dois anos, após regresso a Portugal o doente é observado na consulta externa do nosso serviço. Apresentava dor no médio e retropé, deformidade em valgo e perda total do arco plantar interno. Fazia marcha com duas canadianas, com perímetro limitado a quinhentos metros por dor, apresentava um Score A.O.F.A.S. pré-operatório de 26. A radiografia dos pés em carga mostrava perda de altura do calcâneo, redução do ângulo de Böhler e desvio em valgo do retropé com deformidade residual de tipo IV.  Devido à idade, à notável limitação funcional, incapacidade laboral e intensidade das queixas álgicas - foi submetido a uma osteotomia varizante do calcâneo associada a uma artrodese subastragalina com parafusos de compressão. Obteve-se a reposição do arco plantar interno com um pé plantígrado.O doente recuperou a capacidade de fazer marcha sem auxiliares, com Score A.O.F.A.S. pós-operatório de 69. Regressou ao mercado de trabalho embora agora com tarefas de menor intensidade física.

O tratamento cirúrgico poderia eventualmente ter sido a primeira opção num doente activo e na plenitude das suas aptidões sociais e laborais. Actualmente os critérios para tratamento conservador são: (1) fracturas tipo I de Sanders, (2) fractura não deslocada ou com deslocamento inferior a dois milímetros, (3) sem afecção da superfície articular, (4) sem apresentar desvios em varo ou em valgo.

Palavras chave: Calcâneo, artrodese subastragalina, osteotomia, varização.

 

ABSTRACT

We present the clinical case of a male patient, 50 years old, construction worker in Angola where he suffered a fall from a height with bilateral intra-articular fracture of the calcaneus, subjected to conservative treatment. Two years later he returned to Portugal, we observed the patient in our service, he had severe pain in the foot, with retro and medium valgus deformity, total loss of internal plantar arch. Was able to walk only with the help of crutches with perimeter limited to five hundred yards by pain, featured a preoperative AOFAS Score 26. The radiograph of the feet in charge showed loss of height of the calcaneus, reducing of the Böhler angle and hind foot with valgus deviation and residual deformity type IV. Because of his age, the remarkable functional and labour limitation, the intensity of pain complaints, underwent a calcaneal varus osteotomy combined with a subtalar arthrodesis with compression screws. We obtained internal plantar arch replacement with a foot able to do charge, the patient regained the ability to walk without crutches with postoperative A.O.F.A.S. Score 69. He returned to work, now with minor physical intensity tasks.

The surgical treatment could possibly have been the first option in this particular patient, currently the criteria for conservative treatment in the calcaneus fracture are the Sanders type I fractures non displaced fracture or fracture with displacement less than 2 mm, without damage of joint surface, without deviations in valgus or varus position.

Key words: Calcaneus, arthrodesis subatalar, osteothomy, varus.

 

INTRODUÇÃO

O tratamento eficaz das fracturas do calcâneo continua a ser um dos maiores desafios para o cirurgião ortopédico, Malgaine foi o primeiro a descrever as fracturas do calcâneo em 1843, contudo estas fracturas apenas se diagnosticaram de forma regular após a introdução da radiografia simples em finais do decénio de 1890[1, 13].As fracturas do calcâneo são as mais frequentes nos ossos do tarso e actualmente constituem aproximadamente 2% de todas as fracturas [2, 13].
As fracturas intra-articulares deslocadas representam 60% a 75% de todas as fracturas do calcâneo e são responsáveis por 90% das complicações[2, 13].
Dez por cento dos doentes com fractura do calcâneo têm fracturas associadas na coluna vertebral e 26% apresenta outras lesões nos membros inferiores[2, 13].
Aproximadamente 90% das fracturas do calcâneo ocorrem em jovens do sexo masculino, na plenitude das suas capacidades físicas e laborais[ 13].
Após esta lesão os doentes podem permanecer totalmente incapacitados até três anos e, parcialmente incapacitados durante cinco anos como tal, as implicações económicas deste tipo de fractura são consideráveis[1, 13].
Historicamente as fracturas do calcâneo foram consideradas fracturas de mau prognóstico quase sempre tratadas conservadoramente[2, 13].
Actualmente, os critérios para tratamento conservador são: (1) fractura tipo I de Sanders; (2) fractura não deslocada ou com deslocamento inferior a dois milímetros; (3) sem afecção da superfície articular; (4) sem desvio em varo ou valgo[2, 13].
As deformidades residuais do calcâneo classificam-se em cinco tipos[ 3].
O tipo I apresenta artrose mas sem desalinhamento do retropé, o tratamento indicado é a artrodese subastragalina[3].
No tipo II com deformidade, em varo ou valgo e no tipo III que apresenta perda de altura, ou desvio dorsal do astrágalo é necessário efectuar uma artrodese com um certo grau de distracção[3].
No tipo IV que também apresenta um desvio lateral do calcâneo com grande valgo do retropé, abaulamento da faceta posterior e conflito com o maléolo externo requer uma osteotomia do calcâneo[3].
A osteotomia deve ser realizada preferencialmente ao nível onde ocorreu a fractura[3].
No tipo V, o mais raro e difícil de reconstruir cirurgicamente além de uma, externa e interna também é necessário uma abordagem anterior - devido à inclinação externa do astrágalo[3].

 

CASO CLÍNICO

Apresentamos o caso clínico de um doente do sexo masculino, 50 anos de idade, trabalhador da construção civil em Angola, onde sofreu uma queda em altura.
Da queda resultou uma fractura intra-articular bilateral do calcâneo, o doente foi submetido a tratamento conservador.
Passados dois anos regressa a Portugal, recorre à consulta externa do nosso serviço com dor severa a nível dos calcâneos e dificuldade na marcha.
O paciente referia dor no médio e retropé, apresentava deformidade em valgo com perda total do arco plantar interno.
Caminhava com duas canadianas num perímetro de 500 metros, limitado pela dor, tinha um Score AOFAS pré-operatório de 26.
A radiografia dos pés em carga mostrava perda de altura do calcâneo, diminuição do ângulo de Böhler e desvio em valgo do retropé com deformidade residual de tipo IV(Figura 1).

 

 

.Devido à idade, à notável limitação funcional, laboral e intensidade das queixas álgicas - realizou-se uma osteotomia varizante do calcâneo associada a artrodese subastragalina com parafusos de compressão(Figura 2).

 

 

Obteve-se a reposição do arco plantar interno, com um pé plantígrado (Figura 3).

 

 

 Aos três meses obteve-se a artrodese (Figura 4), um mês depois o paciente caminhava sem limitações, com um Score A.O.F.A.S. de 69.

 

 

Mantinha contudo queixas álgicas intermitentes no mediopé, secundárias a alterações degenerativas prévias.

 

DISCUSSÃO

O tratamento cirúrgico na fractura do calcâneo está normalmente indicado na fractura intra-articular com deslocamento e que afecte a faceta posterior[1, 13].
O objectivo do tratamento cirúrgico é o restauro anatómico das superfícies articulares e o restabelecimento do funcionamento articular indolor[1, 13].
Contudo ainda hoje encontramos fracturas intra-articulares do calcâneo com criterios para tratamento cirúrgico em que a opção acaba por ser o tratamento conservador - seja pelo desconhecimento das técnicas de estabilização e redução ou por medo das complicações do tratamento cirúrgico[2, 13].
O tratamento conservador da fractura do calcâneo com desvio resulta muitas vezes em consolidação viciosa e nas complicações daí resultantes:
1) artropatía pos-traumática das articulações subastragalina e calcaneo-cuboideia;
2) diminuição da dorsi-flexão do tornozelo devido à dorsi-flexão relativa do astrágalo;
3) compressão dos tendões peroneais pelo alargamento do calcáneo;
4) irritação do nervo tibial posterior e safeno externo;
5) marcha difícil pelo varo do retropé[2, 4, 13]
Já em 1921 Cotton descrevia as consequências da fractura do calcâneo:
As modificações na face lateral do calcáneo têm influência na mobilidade da articulação subtalar e nos tendões peroneais[ 5].
Cotton propôs: exostosectomia lateral com osteotomía extra-articular, associada a secção de esporão plantar e manipulação articular forçada da subtalar[6].
Foi já em 1977 que Kalamchi e Evans, propõem uma alteração à artrodese subtalar de Gallie utilizando o osso da exostosectomia para posterior interposição[8].Braly e Col propuseram como alternativa à artrodese subtalar, uma exostosectomia externa com tenolise dos peroneais[9].Varios autores descreveram diversas modificações à artrodese subtalar de Gallie, com resultados variáveis em relação à consolidação em varo e ao risco de pseudartrose[4, 10].
Romash descreveu uma complexa osteotomia do calcâneo através da linha primária de fractura, com translação do fragmento da tuberosidade abaixo do sustentaculum tali internamente – permitindo o restauro da altura do calcâneo e correção do desvio en varo[4].
A classificação da consolidação viciosa do calcâneo basada em imagens tomográficas foi descrita por Stephens e Sanders, fornece propostas de tratamento para cada tipo[ 10].
A classificação da consolidação viciosa do calcâneo, baseada em imagens tomográficas, foi descrita por, e oferece propostas de tratamento para cada tipo.
O tipo I apresenta uma artrose mas sem desalinhamento do retropé, o tratamento indicado é a artrodese subastragalina.
No tipo II com deformidade em varo ou valgo e, no tipo III que apresenta perda de altura ou desvio dorsal do astrágalo é necessário efectuar uma artrodese com certo grau de distracção[10].
O tipo IV com um desvio lateral do calcâneo, grande valgo do retropé, abaulamento da faceta posterior e conflito com o maléolo externo requer uma osteotomia do calcâneo[10].
A osteotomia deve ser realizada preferencialmente ao nível onde ocorreu a fractura[10, 13].
No tipo V, o mais raro e difícil de reconstruir cirurgicamente, além de uma abordagem externa e interna, também é necessário uma via anterior devido à inclinação externa do astrágalo[10].
Mais recentemente, Clare e Col, documentaram os resultados do seu tratamento a médio e longo prazo[11].
Obtiveram consolidação em posição neutra ou valgo ligeiro em 93,3% e todos em posição plantígrada[11]
A artrodese subtalar é utilizada nas alterações degenerativas primárias ou secundárias da articulação subtalar[10].
A associação de osteotomia de translação do calcâneo e estiramiento do tendão de Aquiles nas sequelas de fracturas do calcâneo permite:
1) corrigir consolidações viciosas do calcáneo;
2) pés esteticamente favoráveis;
3) pés menos dolorosos;
4) utilização de calçado normal[10, 13].
A artrodese primária como opcção no tratamento das fracturas do calcâneo e não nas sequelas recebeu um importante impulso com o desenvolvimento do Sistema Vira®[12].
Este sistema permite a reconstrução da morfologia do calcáneo, devolvendo a funcionalidade ao sistema calcâneo-aquíles-plantar[12].
Permite em simultaneo fixa-lo ao corpo do astrágalo para conseguir a artrodese da articulação subastragalina[12].
O conceito cirúrgico é mínimamente invasivo, não necessita de enxerto na maioria dos casos, utiliza-se para a artrodese o osso resultante da fresagem para a colocação do implante[12].
Este sistema tem sido aplicado em doentes com fracturas intra-articulares graves do calcáneo, constitui um novo conceito na cirugía do calcáneo.
Permite uma artrodese com reduzida agressividade, alta eficacia, reduzindo o período de recuperação de um modo relevante[12].
A correcção das deformidades resultantes da fractura do calcâneo representa muitas vezes a possibilidade de:
1) Recuperar um pé indolor;
2) corrigir a morfologia do pé;
3) de caminhar com um calçado convencional[13].
A correcção da deformidade e estabilização peri calcaneana numa mesma intervenção cirúrgica representa um ganho temporal na recuperação funcional do pé com sequelas de fractura do calcâneo[13]

O alargamento da indicação de tratamento conservador nas fracturas do calcâneo implica:
1) Aumento da morbilidade;
2) absentismo;
3) atraso da recuperação funcional[2,13].
Actualmente, os critérios para tratamento conservador são:
1) Fractura tipo I de Sanders;
2) fractura não deslocada;
3) fractura com deslocamento inferior a 2 milímetros;
3) fractura sem lesão da superfície articular;
4) fractura sem desvio em varo ou valgo[2, 13].
O tratamento cirúrgico poderia ter sido a primera opção neste caso particular, tratando-se de um homem activo socioprofissionalmente, poderia ter-se encurtado o período de incapacidade e dor.
O paciente recuperou a capacidade de caminhar autónomamente, regressou ao mercado de trabalho mas com más funções mais burocráticas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2. Fitzgibbons Timothy C., Mcmullen Scott T., Mormino Mattew A. Fracturas e luxações do calcâneo. In Rockwood e Grenn, editors. Fracturas e luxações do calcâneo. São Paulo, Brasil: Editorial Manole SA; 2006. p. : 2133-2179.

3. Zwipp H, Rammelt S. Subtalar arthrodesis with calcaneal osteotomy. Orthopade. 2006 Apr; 35 (4): 387-398

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5. Cotton EJ. Old Os Calcis Fractures. Ann Surg. 1921; 74: 294-303        [ Links ]

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12. López Olivia, Muñoz F, Sánchez Lorente T, López Hernández G, Rodríguez Macías MªJ, Forriol F. Desenho e desenvolvimento de um sistema de osteossíntese para a reconstrução-artrodese mínimamente invasiva de fracturas intra-articulares do calcâneo. Rev Ortop Traumatol (Madr). 2007; 51: 94-101

13. Coughlin Michael J., Mann Roger A., Saltzman Charles L.. Surgery of the foot and ankle. Morby. 2011; 38: 1703-1751        [ Links ]

 

Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

Correspondência:
Hugo Cardoso
Rua Dr. Ricardo Belo
2560 - 324 Torres Vedras
Portugal
hugo32lx@gmail.com

 

Data de Submissão: 2012-10-11

Data de Revisão: 2012-12-30

Data de Aceitação: 2013-01-21

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