SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 número1Fratura supracondiliana do úmero complicada de lesão vascularLuxação volar do trapezóide índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.21 no.1 Lisboa mar. 2013

 

CASO CLÍNICO

 

Luxação simples do cotovelo associada a lesão ligamentar interna e externa

 

Raquel CarvalhoI; Marco SarmentoI; Samuel MartinsI; Jacinto MonteiroI

I. Serviço de Ortopedia. Centro Hospitalar Lisboa Norte. Hospital de Santa Maria. Lisboa. Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

A luxação do cotovelo representa a segunda luxação mais frequente do membro superior. Classificada como luxação simples ou complexa de acordo com a ausência ou presença de fratura associada, respetivamente. Esta lesão é maioritariamente tratada com redução incruenta e mobilização precoce, com bons “outcomes”. Contudo, pode estar associada a algumas complicações, especialmente devido a períodos de imobilização prolongada, como uma limitação do arco de mobilidade, alterações degenerativas, calcificações heterotópicas ou mesmo défices neurológicos.

Este caso clínico relata um caso de luxação simples do cotovelo, com necessidade de cirurgia dada a instabilidade persistente após redução. Foi efetuada a reparação do complexo ligamentar interno e externo, com um bom resultado funcional e radiológico no follow up final.

Apesar da necessidade de intervenção cirúrgica no contexto de uma luxação simples do cotovelo ser rara, a presença de instabilidade persistente com necessidade de períodos de imobilização prolongada, é considerada uma indicação cirúrgica. A cirurgia permite assim, obter ótimos resultados clínicos evitando complicações de uma imobilização prolongada.

Palavras chave: Luxação, cotovelo, tratamento, cirurgia.

 

ABSTRACT

Dislocation of the elbow is the second most frequent dislocation of the upper limb. Classified as simple or complex dislocation according to the presence or absence of associated frature, respectively. This injury is most often treated with closed reduction and early mobilization with good "outcomes". However, it may be associated with complications, especially due to long immobilization periods, such as decreased range of motion, degenerative changes in the elbow joint, ectopic calcification or neurological deficits. This clinical case reports a case of simple dislocation of the elbow, requiring surgery due to persistent instability after reduction. It was made a repair of the internal and external ligamentous complex, with a favorable longterm functional outcomes. The need for surgical intervention in the context of a simple elbow dislocation is rare, although the presence of persistent instability requiring long periods of immobilization, is considered a surgical indication. The surgery can achieve excelent outcomes avoiding complications by a long period of immobilisation.

Key words: Dislocation, elbow, treatment, surgery.

 

INTRODUÇÃO

A luxação do cotovelo constitui a segunda luxação mais frequente do membro superior, logo após a luxação do ombro. Com pico de incidência entre os 5 e os 25 anos, e algumas séries a prolongarem este pico até aos 30 anos[1, 10].
O tratamento do cotovelo instável tem evoluído consideravelmente nos últimos anos, como o aumento do conhecimento dos estabilizadores anatómicos do cotovelo e da fisiopatologia da instabilidade[10]. Os principais objetivos do tratamento de um cotovelo instável consistem em restaurar a estabilidade funcional e movimento, para isto, há necessidade de uma avaliação da lesão de tecidos moles (luxações simples), ou a identificação dessas lesões em conjunto com fratura associada (luxação complexa)[1, 5, 8, 10].
As luxações simples representam cerca de 50 a 60% das luxações do cotovelo, a maioria delas estáveis após manipulação e redução. Contudo, a presença de instabilidade articular após manipulação e redução parecem estar relacionadas com um elevado grau de avulsão de partes moles do úmero distal, muitas das vezes com necessidade de correção cirúrgica[5, 8].
A estabilidade do cotovelo é promovida por estabilizadores estáticos e dinâmicos, na qual a articulação cubito umeral, a banda anterior do MCL e o complexo ligamentar lateral constituem os três principais estabilizadores estáticos, além dos estabilizadores estáticos secundários - capsula articular e a tacícula radial. Os grupos musculares peri-articulares contribuem como estabilizadores dinâmicos ao promover um aumento das forças compressivas ao nível da articulação[7, 10].
A luxação simples está frequentemente associada a uma diminuição do arco de mobilidade, alterações degenerativas, calcificações heterotópicas e défices neurológicos, sem correlação entre a sintomatologia, o grau de lesão e extensão da lesão ligamentar ou mesmo, o grau de instabilidade medial[4]. Maioritariamente, tratam-se de luxações posteriores ou postero-laterais, que resultam de uma combinação de uma força valgizante, compressão axial e supinação em rotação externa nas luxações postero-laterais ou, de uma força varizante com compressão axial nas luxações posteriores[7, 10]. Estas lesões cursam inicialmente com lesão do complexo ligamentar lateral (LCL), com um espectro de lesões estruturais ligamentares e/ou ósseas distribuídas de uma forma circular de lateral para medial, por vezes, terminando com lesão do ligamento colateral medial (MCL), ligamento que confere estabilidade em valgo do cotovelo a par da tacícula radial[1, 4, 10].
A lesão do complexo ligamentar externo (LCL) é frequentemente a primeira lesão a ocorrer na presença de uma luxação do cotovelo. O LCL constitui um importante estabilizador estático da articulação do cotovelo contribuindo ainda para a estabilidade rotatória. Contudo, existem algumas controvérsias relativamente ao envolvimento do MCL nas luxações do cotovelo, com alguns estudos a sugerirem a rotura da banda anterior do MCL na presença de luxações posteriores, enquanto outros sugerem a possibilidade do ligamento permanecer intacto nessas circunstâncias. Perante esta enorme variabilidade, é crucial um exame cuidado e o reconhecimento de potenciais fontes de instabilidade nas situações de luxação aguda[10].
O tratamento é maioritariamente conservador, com indicação para imobilização com aparelho gessado seguido de mobilização ativa precoce, dado o elevado risco de rigidez e limitação do arco de mobilidade. No caso de se tratar de uma luxação facilmente redutível e estável há quem defenda a não necessidade de imobilização. Contudo, a presença de instabilidade é critério para reparação ou reconstrução dos ligamentos lesados[6, 8, 10].
Os autores pretendem demonstrar com este caso clínico o resultado funcional após reparação do complexo ligamentar interno e externo na sequência de uma luxação simples do cotovelo com grande instabilidade.

 

CASO CLÍNICO

Doente do género masculino, 28 anos de idade, que sofreu queda acidental da qual resultou traumatismo do cotovelo direito com deformidade, edema e limitação funcional. Os exames radiográficos demonstravam uma luxação postero-lateral do cotovelo sem evidência de lesão fraturária associada (Figura 1). A luxação do cotovelo foi reduzida de imediato e imobilizada com tala gessada. Perante uma instabilidade residual ao exame clinico foi efetuado TC que revelou fratura arrancamento ósseo a nível proximal do complexo ligamentar interno e externo (LCL e MCL) (Figura 2). Em tempo eletivo, o doente foi intervencionado pelo autor sénior (JM), tendo-se procedido à reinserção umeral das estruturas ligamentares com suturas de ancoragem através de duas vias de abordagem, uma lateral e outra medial (Figura 3).

 

 

 

 

O doente iniciou mobilização ativa após 4 semanas de imobilização com tala gessada, com boa evolução clinica, funcional e radiográfica, com evidência de calcificações heterotópicas incipientes periarticulares aos 18 meses de pós-operatório.
No follow-up final o DASH foi de 0,8 pontos, com um score de Oxford de 47/48 pontos. O score funcional médio em 4 pontos possíveis, de acordo com o score Mayo, foi de 90/100. Sem queixas álgicas segundo o VAS (0) (Figura 4).

 

 

DISCUSSÃO

O tratamento da luxação simples do cotovelo após redução incruenta e imobilização por um curto período de tempo, consiste na mobilização ativa precoce de forma a evitar contratura em flexão, rigidez articular e limitação funcional. O tratamento cirúrgico está indicado nos casos de instabilidade remanescente, remoção de lesões osteocondrais ou estruturas dos tecidos moles que estejam presentes intra-articularmente[10].
No caso apresentado, perante uma instabilidade residual mesmo após a redução da luxação e imobilização, houve necessidade de reparação do complexo ligamentar interno e externo, conseguindo-se uma boa estabilidade do cotovelo permitindo assim, uma mobilização ativa precoce[2, 8].
A importância da mobilização precoce no resultado final foi referida por Mehlhoff et al. em 1988 e permanece atual[2, 7, 8]. Segundo ele, a imobilização por longos períodos, ou seja, por mais de três semanas, está associada a piores resultados. Contudo, um curto período de imobilização pode aumentar o risco de instabilidade subsequente. Anakwe et al, em 2011 sugerem que a instabilidade do cotovelo é rara no follow up a longo prazo, e que quaisquer sintomas que ocorram são frequentemente resultado de um pequeno desequilíbrio funcional. Embora haja uma elevada taxa de dor residual (62%) e rigidez (56%), os pacientes têm, geralmente, um elevado nível de satisfação e excelentes pontuações no resultado funcional após tratamento conservador e a mobilização precoce[2, 6].
Contudo, a luxação simples do cotovelo não é necessariamente uma lesão benigna, com um comportamento funcional satisfatório. Nos casos de luxações simples complicadas de lesão do complexo ligamentar, a presença de instabilidade residual, apesar de menos prevalente (8%), pode ocorrer[2], daí que o seu diagnóstico precoce é fundamental, de forma a proceder ao tratamento cirúrgico e evitar complicações a longo prazo, tais como instabilidade postero-lateral, ossificação heterotópica ou rigidez pós traumática[8]. Se à luxação se associa uma lesão osteoligamentar, além de ser mais rara, tem pior prognóstico[9].
A fixação com suturas de ancoragem ao nível do úmero tem sido utilizada como método de reparação ligamentar, pois simplifica a reconstrução ligamentar e reduz a morbilidade associada aos túneis transósseos. Hechtman et al. verificaram que as suturas de ancoragem no úmero têm uma força de fixação similar aos tuneis transósseos, com muitos bons resultados no follow up final[3].
Os resultados obtidos após tratamento conservador em luxações simples do cotovelo são, na sua maioria favoráveis. Na presença de lesão associada das estruturas ligamentares, esta não é inteiramente benigna apesar dos bons resultados obtidos[2, 5]. Apesar de não existirem provas suficientes de ensaios clínicos randomizados, para determinar qual o método de tratamento mais adequado nas luxações simples do cotovelo, as evidências apesar de fracas e inconclusivas, da comparação entre cirurgia e tratamento conservador, sugerem que a reparação cirúrgica ligamentar nas luxações simples do cotovelo melhora a função a longo prazo. Perante isto, pesquizas futuras devem-se focalizar nas questões relativas ao tratamento conservador, tais como a duração da imobilização[11].

 

CONCLUSÃO

A fratura arrancamento do complexo ligamentar externo e interno no contexto de uma luxação simples do cotovelo, é uma lesão muito rara. Dada a instabilidade articular existente há geralmente necessidade de reinserção e reparação do LCL e MCL, para se obter uma boa estabilidade.
O tratamento cirúrgico permite-nos iniciar mobilização ativa precoce com posterior melhoria dos resultados funcionais e menor risco de ossificação heterotópica.
O balanço entre uma redução anatómica, estabilidade e mobilização precoce constitui a chave para um bom resultado funcional nestas situações.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Stoneback JW, Owens BD, Sykes J, Athwal GS, Pointer L, Wolf JM. Incidence of Elbow Dislocations in the United States Population. JBJS. 2012 Fev 1; 94: 240-245

2. Anakwe RE, Middleton SD, Jenkins PJ, McQueen MM, Court-Brown CM. Patient-reported Outcomes After Simple Dislocation of the Elbow. JBJS. 2011; 93: 1220-1226        [ Links ]

3. Jones KJ, Osbahr DC, Schrumpf MA, Dines JS, Altchek DW. Ulnar Collateral Ligament Reconstruction in Throwing Athletes: A Review of Current Concepts. JBJS. 2012; 94: 49        [ Links ]

4. Eygendaal D, Verdegaal SH, Obermann WR, van Vugt AB, Pöll RG, Rozing PM. Posterolateral dislocation of the elbow joint. Relationship to medial instability. JBJS. 2000; 82 (4): 555-560        [ Links ]

5. de Haan J, Schep NW, Zengerink I, van Buijtenen J, Tuinebreijer WE, den Hartog D. Dislocation of the Elbow: A Retrospective Multicentre Study of 86 Patients. Open Orthopaedics Journal. 2010; 4: 76-79        [ Links ]

6. McCabe MP, Savoie FH 3rd, Magnunssen RA. Simple Elbow Dislocations: evaluation, management, and outcomes. Phys Sportsmed. 2012 Fev; 40 (1): 62-71

7. Alolabi B, Gray A, Ferreira LM, Johnson JA, Athwal GS, King GJ. Rehabilitation of the Medial- and Lateral Collateral Ligament-deficient Elbow: An In Vitro Biomechanical Study. J Hand Ther. 2012; 25 (4): 363-372        [ Links ]

8. Cohen MS, Hastings H 2nd. Acute Elbow Dislocations: evaluation and management. J Am Acad Orthop Surg. 1998; 6 (1): 15-23        [ Links ]

9. Mittlmeier T. Dislocation of the Adult Elbow Joint. Unfallchirurg. 2009; 109 (5): 487-505        [ Links ]

10. Orthopaedic Knowledge Update. 10th. Rosemont, Ilinois: American Academy of Orthopaedic Surgeons; 2011.         [ Links ]

11. Bucholz Robert W.. Rockwood and Green's Fractures in Adults. 7th. vol 1. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2010.

 

Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

Raquel Coelho Carvalho
Serviço de Ortopedia
Hospital de Santa Maria
Centro Hospitalar Lisboa Norte
Av. Professor Egas Moniz
1649-035 Lisboa
Portugal
raquel.c.carvalho.med@gmail.com

 

Data de Submissão: 2013-01-02

Data de Revisão: 2013-01-21

Data de Aceitação: 2013-03-01

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons