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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.20 no.3 Lisboa set. 2012

 

CASO CLÍNICO

 

Fractura da apófise coracoide associada a luxação acrómio-clavicular

 

Ricardo AidoI; Marco SousaI; Ricardo SousaI; Daniel FreitasI; Joaquim RamosI; José LourençoI

I. Departamento de Ortopedia e Traumatologia. Centro Hospitalar do Porto. Hospital Santo António. Porto. Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

A fractura da apófise coracoide associada a luxação acrómio-clavicular constitui uma lesão muito pouco frequente e raras vezes descrita na literatura.

Os autores apresentam um caso clínico de um doente do sexo masculino, de 33 anos de idade, com traumatismo de alta energia do membro superior direito, cujo estudo clínico e imagiológico realizado revelou fractura da apófise coracoide com luxação acrómio-clavicular concomitante.

O procedimento cirúrgico consistiu na redução aberta e fixação da coracoide com parafuso canulado 3.5 mm associada a transfixação da articulação acrómio-clavicular com 2 fios de Kirschner.

A abordagem cirúrgica preconizada com tenotomia do subescapular permitiu uma correcta visualização e redução da fractura da apófise coracoide.

O tratamento realizado permitiu a obtenção de um bom resultado funcional.

Palavras chave: Coracoide, acrómio-clavicular, fractura, luxação.

 

ABSTRACT

The frature of the coracoid process associated with acromioclavicular dislocation is a very rare injury and seldom reported in the literature.

The authors present a case report of a 33 years old male patient, which suffered a high-energy trauma of the right upper limb. The clinical and imaging exam performed revealed frature of coracoid process with concurrently dislocation of the acromioclavicular joint.

The surgical procedure consisted in open reduction and coracoid fixation with 3.5 mm cannulated screw associated with acromioclavicular joint transfixation by two Kirschner wires.

The recommended surgical treatment with tenotomy of the subscapularis allowed a better visualization and reduction of the coracoid frature.

The choosen treatment allowed to obtain a good outcome.

Key words: Coracoid, acromioclavicular joint, frature, dislocation.

 

INTRODUÇÃO

As fracturas isoladas da apófise coracoide são lesões pouco comuns. Quando associadas a luxações acrómio-clavicular constituem lesões raras e são escassos os casos publicados.

O objectivo do trabalho é apresentar um caso clínico e rever a literatura publicada.

Da literatura revista constata-se que a luxação acrómio-clavicular com fractura da apófise coracoide concomitante é um acontecimento pouco frequente. A maioria dos artigos descreve um caso singular [1,2,3] , sendo que Bernard descreve uma série de 4 casos clínicos a maioria deles em adolescentes[4]. 

Urist descreve numa série de 41 luxações acrómio-claviculares 2 fracturas da coracoide associadas[5] e Jacobs noutra série de 116 luxações apenas uma fractura da coracoide associada[6].

 

CASO CLÍNICO

Doente de 33 anos de idade do sexo masculino vitima de acidente de trabalho com queda de cerca de 3 metros de altura com traumatismo do ombro direito do qual resultou dor e edema sobre a região acrómio-clavicular ipsilateral.

Ao exame objectivo apresentava deformidade sobre a articulação acrómio-clavicular com dor à palpação da articulação supra-citada e da apófise coracoide.

Arco de mobilidade gleno-umeral com dor acima dos 90º de abdução e 60º de elevação anterior.

Não apresentava alterações ao exame neuro-vascular do membro superior direito. O estudo imagiológico realizado (Rx e TAC) revelou luxação acrómio-clavicular (GIII na classificação de Rockwood [7]) com fractura concomitante da apófise coracoide pela base da mesma (GIII na classificação de Eyres[8]) (Figura 1)

 

Figura 1

 

Realizada exploração cirúrgica com tenotomia do subescapular (Figura 2) o que permitiu confirmar fractura com desvio da base da apófise coracoide (proximal aos ligamentos coraco-claviculares e com integridade dos mesmos). Efectuou-se redução aberta e fixação da coracoide com parafuso canulado 3.5 mm e transfixação da articulação acrómio-clavicular com 2 fios de Kirschner (Figura 2). 

 

Figura 2

 

Imobilizado com suspensor braquial durante 6 semanas (período em que foi permitido o uso do cotovelo, punho e mão). Após as 6 semanas retirou os fios de Kirschner e iniciou programa de reabilitação funcional para ganho de mobilidade e reforço muscular.

Seis meses após a cirurgia apresenta bom resultado funcional, arco de mobilidade gleno-umeral completo (com dor residual nos extremos de mobilidade), sem dor à palpação da articulação acrómio-clavicular, apresentando apenas deformidade discreta e bem tolerada, tendo retomado a actividade laboral.

O estudo imagiológico demonstra subluxação acrómio-clavicular e correcta consolidação da fractura da coracoide (Figura 3).

 

Figura 3

 

 

DISCUSSÃO

Mecanismo de lesão

O mecanismo da lesão permanece sobre discussão sendo que na maioria dos casos acontece após acidentes desportivos, motorizados ou traumatismos directos de alta energia da região acrómio-clavicular [4]

A coracoide constitui ponto de ancoragem dos ligamentos estabilizadores da clavícula (conoide e trapezóide). Nos adolescentes, os ligamentos coraco-claviculares são mais resistentes que a placa epifisária não fundida (situada junto da base da apófise e cujo encerramento se dá entre os 15 e os 18 anos de idade) pelo que a fractura da apófise coracoide corresponde a uma avulsão provocada pela luxação acrómio-clavicular com ligamentos conoide e trapezóide intactos o que pode explicar a maior ocorrência desta lesão combinada nas primeiras décadas de vida [4,9]

Nos adultos jovens (tal como no caso apresentado) a tracção súbita e intensa exercida por esses mesmos ligamentos aquando da luxação acrómio-clavicular concomitante associado às forças combinadas do tendão conjunto e do tendão do peitoral minor, aquando de uma contracção simultânea súbita e violenta parecem estar envolvidos no mecanismo de fractura da apófise coracoide [2]

Devido à protecção oferecida pela clavícula o trauma directo da apófise coracoide é um mecanismo de lesão pouco comum.

Diagnóstico

Na presença de luxação acrómio-clavicular resultante de um traumatismo de alta energia do ombro a fractura da apófise coracoide deve ser tida em consideração (sobretudo em doentes nas entre a 2ª e a 4ª décadas de vida).

Sendo a luxação acrómio-clavicular mais frequente, a fractura da apófise coracoide é subvalorizada e poderá ser  negligenciada face à maior atenção dada à articulação acrómio-clavicular.

A clínica sugestiva com deformidade sobre a articulação acrómio-clavicular associada a dor sobre o ombro que limita as mobilidades da articulação gleno-umeral deve ser complementada com Rx e TAC para correcta caracterização da lesão, avaliação do desvio dos fragmentos ósseos e elaboração do plano cirúrgico[10].

Tratamento

Estão descritas várias formas de tratamento cirúrgico sendo a mais consensual a redução aberta da fractura da coracoide e sua fixação com parafuso associada ou não a transfixação acrómio-clavicular. [2,3,11]

O tratamento cirúrgico produz bons resultados, no entanto a literatura publicada revela que o tratamento conservador (que pode ser realizado com suspensor braquial ou cruzado posterior entre 3 a 6 semanas) obtêm igualmente bons resultados funcionais, sendo que esteticamente o resultado é inferior nos casos tratados conservadoramente pela deformidade resultante da luxação acrómio-clavicular [4,9].

No caso apresentado a existência de desvio da apófise coracoide obrigou ao tratamento cirúrgico e simultâneo das duas lesões diagnosticadas.

A opção por uma abordagem cirúrgica com tenotomia do subescapular permitiu uma correcta visualização e redução da fractura da apófise coracoide tendo contribuído para o bom resultado funcional deste caso revestido de particular interesse pela raridade clínica que representa.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Smith DW. Coracoid fracture associated with acromioclavicular dislocation. Clin. Orth. 1975; 108: 165        [ Links ]

2. Jian L, Wei S, Guo-dong L, Quan L, Zheng-dong C. Fracture of the coracoid associated with acromioclavicular dislocation: a case report. Ortho Surg. 2010; 2: 165-167        [ Links ]

3. Lasada NA, Murrey DG. Fracture separation of the coracoid process associated with acromioclavicular dislocation. Clin. Orthop. 1978; 134: 222        [ Links ]

4. Bernard TN, Brunet ME, Haddad RJ Jr. Fracture coracoid process in acromioclavicular Dislocations. Clin. Orthop. 1983; 175: 227-231        [ Links ]

5. Urist M. Complete dislocations of the acromioclavicular joint. The nature of the traumatic lesion and effective methods of treatment with analysis of 41 cases. J. Bone Joint Surg. 1946; 28A: 813        [ Links ]

6. Jacobs B, Wade P. Acromioclavicular joint injury. An end study. J. Bone Joint Surg. 1966; 48A: 475        [ Links ]

7. Rockwood and Greens?s Fractures in Adults. 6th. Philadelphia: Lippincott Wiliams & Wilkins; 2006.         [ Links ]

8. Eyres K, Brooks A, Stanley D. Fracture of the coracoide process. J Bone Joint Surg. 1995; 77B: 425-428        [ Links ]

9. Combalia A, Arandes J, Alemany X, Ramon R. Acromioclavicular dislocation with epiphyseal separation of the coracoide process: report of a case and review of the literature. J. Trauma. 1995; 1995 (5): 812-815        [ Links ]

10. Protass J, Stampfli V, Osmer C. Coracoid process fracture diagnosis in acromioclavicular separation. Radiology. 1975; 116: 61-64        [ Links ]

11. Zettas P, Muchnic D. Fractures of the coracoid process base in acute acromioclavicular separation. Orthop. Rev. 1976; 51 (11): 77        [ Links ]

 

Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

Ricardo Aido
Serviço de Ortopedia
Hospital de Santo António
Largo Professor Abel Salazar
4099-001 Porto
Portugal
ricardofilipeaido@gmail.com

 

Data de Submissão: 2012-04-08

Data de Revisão: 2012-07-01

Data de Aceitação: 2012-07-01

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