SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.20 issue3Variante sólida de quisto ósseo aneurismáticoOsteoporose transitória da gravidez author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

Print version ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.20 no.3 Lisboa Sept. 2012

 

CASO CLÍNICO

 

Osteomielite da sínfise púbica

 

André PinhoI; Vitorino VeludoI; Joana FreitasI; Manuel CarvalhoI; Francisco SerdouraI; Rui PintoI

I. Serviço de Ortopedia.Hospital de São João. Porto.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

A osteomielite da sínfise púbica é uma entidade rara. O diagnóstico é, com frequência, atrasado e não raramente confundido com outras entidades não infeciosas. Os autores apresentam o caso clínico de um homem com febre e dor abdominal baixa irradiada para a coxa esquerda interpretado inicialmente como uma hidrosadenite. Com a persistência do quadro de infeção identificou-se uma destruição da sínfi se púbica. Foi submetido a desbridamento com ressecção das plataformas articulares. Após desbridamento inicial recidiva da infeção com necessidade de fasciotomias dos compartimentos anterior e medial da coxa direita e revisão do desbridamento da sinfi se. Devemos estar atentos para a possibilidade da existência de uma osteomielite da sínfi se nos quadros de persistência de dor na região pré púbica. O diagnóstico precoce e orientação terapêutica correta permite controlar a doença de forma eficaz.

Palavras chave: Osteomielite, sínfise púbica, desbridamento.

 

ABSTRACT

Osteomyelitis of the symphysis pubis is a rare pathology. The diagnosis is often made at a late stage and not infrequently confused with other non infectious diseases. The authors present the clinical case of a man with fever, lower abdominal pain spreading to the left thigh diagnosed initially as Hidradenitis Suppurativa. The result of the persisting infection was a destruction of the symphysis pubis. Debridement was carried out with resection of articular platforms. After initial debridement there was a recurrence of the infection necessitating fasciotomies of anterior and medial compartments of the right thigh and revision of debridement of the symphysis. We must be alert to the possibility of the existence of an osteomyelitis of the symphysis in the event of persisting pain in the pre-pubic region. Early diagnosis and correct therapeutic procedure can control the disease effectively.

Key words: Osteomyelites, synphises, dedridment.

 

INTRODUÇÃO

A osteomielite da sínfise púbica é uma entidade rara, encontrada em certos grupos - casos de toxicodependentes, doentes sujeitos a procedimentos urológicos ou com patologia neoplásica pélvica e atletas. O diagnóstico é com frequência atrasado e não raramente confundido com outras entidades não infeciosas [1,2].

 

CASO CLÍNICO

Homem, 44 anos, caucasiano, mecânico com um quadro de febre, dor abdominal baixa e cruralgia esquerda arrastada. Realizou consultas e exames auxiliares sem identificação da causa etiológica para a dor. Após 8 semanas foi tratado como hidrosadenite da coxa esquerda tendo sido submetido a drenagem cirúrgica e antibioterapia endovenosa com amoxicilina mais ácido clavulânico. Duas semanas após a drenagem da hidrosadenite apresentou recidiva da dor e fistulização purulenta a nível do local inicial do abcesso inguinal e também sinais de hidrosadenite contralateral (Figura 1). Após avaliação complementar identificou-se marcadores inflamatórios elevados: leucocitose com neutrofi lia e trombocitose acompanhado de valores de PCR na ordem dor 190,4 mg/l (n<3). O estudo imagiológico simples evidenciou um alargamento da sínfise púbica com rarefação da face sinfisial do corpo do púbis esquerdo (Figura 2) e uma fixação eletiva num cintilograma ósseo a nível da sinfise, já evidenciado num exame previamente efetuado pelo doente. O doente foi submetido a desbridamento sinfi sial com ressecção das plataformas articulares e drenagem dos abcessos associados. Iniciou terapêutica endovenosa com vancomicina e meronem, mas ao 10º dia pós desbridamento apresentou recidiva da infeção com alastramento para o membro inferior direito com extensa/severa infeção partes moles e subida dos marcadores infl amatórios (PCR 285,7 mg/l). Realizou ressonância magnética da pelve e coxa visualizando-se além da destruição da sínfise um extenso infiltrado de material purulento a nível dos músculos da raiz da coxa com extensão aos compartimentos anterior e medial da coxa direita (Figura 3). Houve necessidade de fasciotomias dos compartimentos da coxa e revisão do desbridamento sinfisial (Figura 4). Foi isolado desde o primeiro procedimento cirúrgico, e consequentes colheita de microbiologia dos exsudados, uma espécie de Streptococcus spp sensível a meronem, vancomicina, linezolide, levofloxacina, rifampicina. Foram realizados pensos da sínfise e das fasciotomias em dias alternados sob sedação, com encerramento em 2ª intenção e terapêutica endovenosa durante 6 semanas e posteriormente oral com levofl oxacina e rifampicina até aos 3 meses.

 

 

 

 

Figura 4

 

 

DISCUSSÃO

A dor abdominal baixa, na sínfise púbica e coxa, coloca problemas de diagnóstico diferencial. A osteomielite da sínfise púbica é uma possibilidade que devemos ter presente quando existem sinais de inflamatórios associados. Em termos genéricos o quadro ocorre com febre (74%), dor púbica (68%), dor na marcha com claudicação (59%), dor à mobilização da anca (45%) e dor na coxa (41%). A chave para o diagnóstico é um alto índice de suspeição e a presença de fatores de risco[1].

Os valores laboratoriais de infeção estão extremamente elevados na osteomielite e só ligeiramente nos casos de osteíte. A cintigrafi a em 3 fases é positiva nas 3 fases da osteomielite e na osteite pode ser positiva na fase tardia[2,3]. Dado o agravamento do quadro clínico foi necessário o estudo por Ressonância Magnética para avaliação da extensão da infeção para os tecidos contínuos como se veio a confirmar com progressão para a coxa.

O isolamento do micro- quer por biopsia quer intraoperatóriamente permite o diagnóstico definitivo[1,2]. O agente mais frequentemente envolvido é o Estafilococus Aureus sendo o Streptococcus, identificado no nosso caso, dos mais frequentes. A existência de febre e a presença de uma deterioração clínica favorece a presença de um processo de infeção e enfatiza a necessidade de um estudo cultural repetido (hemocultura, biopsia aspirativa ou colheita intraoperatória[2].

As "guidelines" recomendam antibioterapia dirigida endovenosa pelo menos 6 semanas, mas um gesto cirúrgico, para desbridamento, pode ser necessário nos doentes que não respondem á antibioterapia ou em caso de complicação séptica[2,4]. Numa revisão de 100 doentes com osteomielite da sínfise 55 % requereu desbridamento cirúrgico[5]. A ressecção das plataformas articulares é a técnica recomendada para tratamento cirúrgico neste tipo de infeção[7,8]. Não raramente só o encerramento por 2ª intenção permite controlar a infeção como o ocorrido no nosso caso clínico. Existem relatos de ocorrência de dor numa forma tardia a nível sinfi sial ou posteriormente na sacroilíaca quando ocorre uma instabilidade tardia do anel pélvico dado a perda de integridade do anel anterior de suporte. No nosso caso ainda não se evidenciou qualquer sinal clínico ou radiológico de instabilidade tardia[9].

 

CONCLUSÃO

Devemos estar atentos para a possibilidade da existência de uma osteomielite da sínfise nos quadros de persistência de dor na região pré púbica. A distinção entre osteite e a osteomielite deve estar presente entre nós quando estudamos um doente. O diagnóstico precoce e orientação terapêutica correta permite controlar a doença de forma eficaz.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Sexton DJ, Heskestad L, Lambeth WR, McCallum R, Levin LS, Corey GR. Postoperative pubic osteomyelitis misdiagnosis as osteitis púbis: report of four cases and review. Clin infect Dis. 1993 Oct; 17 (4): 695-700

2. Meirovitz A, Gotsman I, Lilling M, Bogot N, Fridlender Z, Wolf D. Osteomyelitis of the púbis after strenuous exercise. A case report and review of the literature. JBJS Am. 2004 May; 86-A (5): 1057-1060

3. Pauli S, Willemsen P, Declerck K, Chappel R, Vanderveken M. Br J Sports Med. Br J Sports Med. 2002; 36: 71-73        [ Links ]

4. Ross JJ, Hu LT. Septic arthritis of the pubic symphysis: review of 100 cases. Medicine (Baltimore). 2003 Sep; 82 (5): 340-345

5. Knoeller SM, UHL M, Herget GW. Osteitis or osteomyelitis of the púbis? A diagnostic and therapeutic challenge: report of 9 cases and review of the literature. Acta Orthop Belg. 2006 Oct; 72 (5): 541-548

6. Rosenthal RE, Spickard WA, Markham Rd, Rhamy RK. Osteomyelitis of the symphysis pubis: a separate disease from osteitis pubis. Report of three cases and review of the literature. JBJS Am. 1982 Jan; 64 (1): 123-128

7. Smith EL, Martin RP, Matzkin E, Moyer ML. Osteomyelitis of the pubic symphysis. Orthopedics. 2003 Dec; 26 (12): 1233-1235

8. Mehin Ramin, Meek Robert, Obrien Peter, Blachut Piotr. Surgery for osteitis pubis. J Can Chir. 2006 Jun; 49 (3): 170-176

9. Moore RS Jr, Matta JM. Late posterior instability of the pelvis after resection of the symphisis pubis for the treatment of osteitis pubis. A report of two cases. JBJS Am. 1998; 80: 1043-1048        [ Links ]

 

Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

Centro Hospitalar São João, EPE
Alameda Profº Hernâni Monteiro
4200 - 319 Porto
Portugal
arpcinco@hotmail.com

 

Data de Submissão: 2012-03-10

Data de Revisão: 2012-07-18

Data de Aceitação: 2012-03-10

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License