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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

Print version ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.20 no.3 Lisboa Sept. 2012

 

ARTIGO DE ENSINO

 

O papel do ortopedista nos acidentes de trabalho

 

Carlos DurãoI; Rui PintoII; Duarte NunoIII

I. Instituto Nacional de Medicina Legal. Portugal.
II. Serviço de Ortopedia.Hospital de São João. Porto.
III. Comissão Permanente para Informações e Pareceres (CPIP). Direção de Saúde do Exército Português. Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

O ortopedista em sua prática clínica é constantemente confrontado com a identificação, descrição, interpretação e valoração dos danos temporários e permanentes nas vítimas de acidentes de trabalho e doenças profissionais. A realização de um exame físico sumário, uma anamnese desatenta e a elaboração de um relatório pericial descuidado pode mesmo por em causa o valor médico legal da perícia. Este artigo tem por objetivo sensibilizar o ortopedista para as recomendações do INML na elaboração de relatórios no âmbito do direito do trabalho.

Palavras chave: acidentes de trabalho, perícia médico legal, nexo de causalidade, simulação, dissimulação.

 

ABSTRACT

The orthopedic surgeon in his clinical practice is constantly encountered in the identification, description, interpretation and evaluation of temporary and permanent damage in victims of work accidents and occupational diseases. The realization of a brief physical examination, a history drafting inattentive and careless with an expert report may even put in question the value of forensic expertise. This article aims to sensitize the orthopedist for to recommendations of the INML in reporting under the labor law.

Key words: Work accident, legal medicine.

 

INTRODUÇÃO

Os principais acidentes de trabalho em Portugal são as quedas [1]. A maioria destes acidentes traduz-se em lesões do foro ortopédico, que não raramente são subnotificadas, principalmente quando não obrigam a um afastamento do trabalho. A Doença de Kienbock por exemplo, pode estar relacionada a um evento traumático pregresso[2], que se não estiver documentado pode ser difícil diferenciá-lo  de outras etiologias isquémicas que contribuem para a necrose do semilunar tornando um desafio o diagnóstico diferencial entre o que é Doença Natural e o que é Acidente de Trabalho.

O acidente de trabalho é definido na Lei 98/2009[3], de 4 de Setembro como aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho, de ganho ou na morte. Também é considerado acidente de trabalho o ocorrido:

1. no trajeto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste;

2. na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para o empregador;

3. no local de trabalho e fora deste, quando no exercício do direito de reunião ou atividade de representante dos trabalhadores, nos termos previsto no Código do Trabalho;

4. no local de trabalho, quando em frequência de curso de formação profissional ou, fora do local de trabalho, quando exista autorização expressa da entidade empregadora para tal frequência;

5. no local do pagamento da retribuição, enquanto o trabalhador aí permanecer para tal efeito;

6. no local onde o trabalhador deva receber qualquer forma de assistência ou tratamento em virtude de anterior acidente e enquanto aí permanecer para tal efeito;

7. em atividade de procura de emprego durante o crédito de horas para tal concedido por lei aos trabalhadores com processo de cessação de contrato em curso;

8. Fora do local ou do tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços e determinados pelo empregador ou por ele consentidos.

 É considerado local de trabalho todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controle do empregador. Tempo de trabalho, além do período normal de trabalho é o que procede seu início, em ações de preparação ou relacionadas, o período que lhe segue assim como as interrupções habituais ou forçadas.

 

AVALIAÇÃO DOS DANOS TEMPORÁRIOS E PERMANENTES EM DIREITO DO TRABALHO

Os acidentes de trabalho acabam por ter alguma repercussão na capacidade de ganho, pelo que a reparação não pode deixar de traduzir-se numa compensação em dinheiro, por se tratar de danos nas pessoas em relação às quais não é possível, em regra, reconstituição natural e, por outro, a necessidade de conferir certo grau de certeza aos interesses em causa, torna indispensável uma definição normativa e criteriosa na avaliação do dano[4].

O acidente de trabalho pode determinar incapacidades temporárias ou permanentes para o trabalho. A incapacidade temporária pode ser absoluta ou parcial, já a incapacidade permanente pode ser: parcial, absoluta para o trabalho habitual ou absoluta para todo e qualquer tipo de trabalho. Portanto é importante o conhecimento
de algumas definições[5].

Danos temporários

Incapacidade Temporária Profissional Absoluta (ITPA):

É o período no qual o sinistrado esteve totalmente impedido de realizar sua atividade profissional habitual. Faz parte o período do internamento hospitalar, do repouso absoluto sem prejuízo dasespecificidades da profissão em causa. É descrito em dias de incapacidade, tendo por base os registos hospitalares, ou se estes não existirem, pela estimativa com um quadro clínico semelhante. Lembrar que podem existir vários períodos de ITPA, como nos casos de agravamentos, complicações, reinternamentos para extração de material de osteossíntese.

Incapacidade Temporária Profissional Parcial (ITPP):

É o período em que o sinistrado passa a ter pelo menos 50% da capacidade necessária para desenvolver sua atividade profissional habitual, mesmo com limitações. É descrito em número de dias e taxas de incapacidade determinados mediante observação dos registos clínicos, do exame físico, da história e das exigências da sua profissão habitual. Existem vários períodos de ITPP, devendo ser a primeira taxa fixada no decurso do primeiro exame médico pelo menos no dobro do coeficiente previsível numa futura situação de incapacidade permanente, sem ultrapassar o coeficiente 1, e sendo reduzida gradualmente, até à alta definitiva com estabilização da situação clínica.

A incapacidade temporária será convertida em permanente após 18 meses consecutivos, cabendo recurso a um exame pericial para avaliação do referido grau de incapacidade. Nos casos em que se verifique a continuidade dos tratamentos ao sinistrado, este período pode ser prorrogado pelo Ministério Público, até 30 meses a pedido da entidade responsável.

Danos permanentes

A incapacidade permanente é a perda da capacidade de trabalho em resultado de uma ou mais disfunções, como sequela final da lesão inicial, obtida após a consolidação do quadro clínico eportanto serão avaliadas as sequelas deixadas pelo acidente, sendo a disfunção total designada por incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho. Existem diferentes graus de incapacidade permanente:

- Incapacidade permanente parcial (IPP)

- Incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH)

- Incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA)

Estas incapacidades devem ser determinadas tendo em consideração a globalidade das sequelas, de uma forma tridimensional, ou seja não apenas a lesão per si mas também a função e a situação, portanto a interação do sinistrado com suas sequelas e o meio em que vive e suas repercussões nas atividades profissionais. A quantificação destas sequelas é expressa pela Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais (TNI- Anexo 1 do Dec.Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro).

A TNI é meramente indicativa e não tem caráter vinculatico, o que permite que o médico ao avaliar o sinistrado possa aumentar ou diminuir o valor da incapacidade global, desde que obviamente, justitique e fundamente as suas razões, indicando o sentido e a medida do desvio em relação ao coeficiente em princípio aplicável à situação em causa. Parafraseando o Professor Oliveira e Sá, mais vale um bom perito e uma má tabela do que uma boa tabela é um mau perito, essa afirmação expressa o esforço que o médico imbuído em suas funções periciais deve realizar para ser o mais justo e ao mesmo tempo imparcial, na avaliação de um sinistrado, não limitando-se apenas ao enquadramento numérico das tabelas, que carecem sempre de atualizações. Para uma correta utilização da TNI devem ser observadas algumas instruções gerais:

A cada sequela corresponde um coeficiente expresso em porcentagem, que pretende traduzir a proporção da perda de capacidade de trabalho resultante da disfunção. Os coeficientes ou intervalos de variação correspondem a percentagens de desvalorização, que constituem o elemento de base para o cálculo da incapacidade total.

Na pontuação a atribuir a cada sequela, segundo o critério clínico, deve o médico enquanto perito ter em conta a sua intensidade e gravidade, do ponto de vista funcional, bem como a idade e a profissão habitual do sinistrado.

Cada sequela deve ser valorada apenas uma vez, mesmo que a sua sintomatologia se encontre descrita em vários capítulos. Não se valorarão as sequelas que estejam incluídas ou derivem de outra, ainda que descritas de forma independente.

No caso de sequelas múltiplas recorre-se à utilização da Regra da Capacidade Restante, também conhecida como Regra de Balthazard, para obtenção do coeficiente global de incapacidade: calculando-se o primeiro coeficiente por referência à capacidade do indivíduo anterior ao acidente ou doença profissional e os demais à capacidade restante, fazendo-se a dedução sucessiva do coeficiente ou coeficientes já tomados em conta no mesmo cálculo.

Em determinadas situações identificadas nas instruções específicas de alguns capítulos da TNI, a obtenção do coeficiente global de incapacidade relativo a tais situações resulta da adição aritmética dos valores parciais das  incapacidades como por exemplo as anquiloses dos dedos das mãos.

Na determinação do valor final da incapacidade devem, ainda, ser consideradas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo e número:

Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com a multiplicação do fator 1.5, se o sinistrado não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou se tiver mais de 50 anos à data da consolidação.

A incapacidade será igualmente corrigida com a multiplicação do fator 1,5 quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico, que afete de forma relevante o desempenho do posto de trabalho, não acumulável ao posto anterior.

Quando a função for substituída, no todo ou em parte, por órtese, prótese ou outra intervenção conduzida no sentido dediminuir a incapacidade, deve promover-se a revisão da mesma logo que atinja a estabilidade clínica. 

É de notar que a TNI não propõe redução da incapacidade permanente até 15% no caso de aplicação de próteses, podendo antes haver redução das taxas de acordo com as instruções específicas de cada capítulo. O coeficiente de bonificação aplica-se à incapacidade global ou final, segundo a fórmula: IG+(Igx0,5).

A tabela não contempla todas as patologias, e nem poderia conter pois assim perderia a sua praticidade. Para as disfunções não descritas na TNI, estas devem ser avaliadas por outra disfunção análoga, o que justifica a aplicação da TNI apenas por médicos.

Nos casos onde se atribui a IPAH, deve se levar em consideração a capacidade funcional residual para outra profissão compatível com esta incapacidade, de acordo com a idade, qualificações profissionais e escolares e a sua possibilidade de integração profissional. Devendo-se ainda avaliar a IPP para outra profissão compatível com esta incapacidade. 

 

ESTADO ANTERIOR

O estado anterior não é apenas aquele se observa anos, meses ou dias anteriores ao acidente em causa, mas o que se observa imediatamente antes do acidente, ou seja no momento do evento. È bem verdade que existem indivíduos com maior predisposição para sofrerem determinados transtornos, o que merece atenção para sua avaliação no campo psíquico durante a imputabilidade médico legal.

Quando existe uma incapacidade por acidente de trabalho anterior, o cálculo da incapacidade global relativa ao acidente em avaliação, não é feito relativamente à capacidade integral do sinistrado (100%) mas sim em relação à capacidade restante tendo em conta a IPP anterior. No entanto se existir agravamento do estado anterior na sequência do novo acidente, ou quando o estado anterior agravar as lesões ou sequelas devidas ao acidente em causa, a incapacidade será avaliada como se tudo resultasse deste último, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido indemnização em capital. No caso da incapacidade anterior resultar de outra etiologia que não acidente de trabalho, o cálculo da incapacidade global é feito relativamente à capacidade integral do indivíduo, ou seja os 100%.

 

DEPENDÊNCIAS

As dependências podem ser temporárias, como o uso de muletas durante uma entorse com lesão ligamentar, ou permanentes, e variam entre ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares, ajudas técnicas, adaptação do domicílio, até a ajuda de terceira pessoa como nos casos dos grandes handicaps[5].

 

NEXO DE CAUSALIDADE

Estabelecer o nexo de causalidade é um dos momemtos mais nobres e árduos da perícia médico legal que envolve vários elementos como o diagnóstico, a dúvida científica, os múltiplos tratamentos, as complicações, o estado anterior e até mesmo o segredo médico. Muitas vezes, a ação do médico será apenas provar a possibilidade de uma lesão ou doença ser produzida pelo trabalho, aceitando a probabilidade de uma alegação[6]. O estabelecimento da causalidade é de competência do jurista. O estabelecimento da imputabilidade médica e a análise do nexo que a fundamenta é tarefa do médico enquanto perito.

Segundo Muller e Cordonnier são sete os principais critérios para a afirmação do nexo de causalidade[7]:

1. Natureza adequada do traumatismo para produzir as lesões evidenciadas.

2. Certeza diagnóstica.

3. Exclusão da pré existência do dano.

4, Adequação da região atingida e a sede da lesão.

5. Adequação temporal

6. Encadeamento anátomo-clínico ou seja a continuidade evolutiva.

7. Exclusão de causa estranha.

Com base nestes sete princípios o médico poderá chegar a um nexo de causalidade que pode ser certo ou hipotético, direto ou indireto, exclusivo ou parcial. Não é função do médico perito julgar, muito menos especular, a dúvida é lícita e deve ser exposta de forma clara e argumentada sempre que não for possível afirmar o nexo inequivocamente[7].

 

SIMULAÇÃO E EXAGERO

É a luta desonesta pela vida que, em todos os tempos, faz concorrência à luta honesta, suplantando-a muitas vezes. É faltar com a verdade, usar de fingimento de falsidade em sua acepção jurídica, é uma declaração fictícia da vontade de uma ou ambas as partes, visando fugir de determinado imperativo local.

São várias as classificações para as simulações propostas por consagrados autores da medicina legal, como Gisbert Calabuig, Simonin, Léon Gallez entre outros, mas mais importante do que classificar, é observar, identificar e compreender as diversas formas de apresentação e os seus motivos e contextos[8].

Nas doenças e lesões provocadas, o simulador apresenta-se ao exame com uma doença ou lesão autêntica provocada por meios extrinsecos. Na maioria dos casos, trata-se de lesões de pequena gravidade, mas suficientes para determinarem incapacidade temporária para o trabalho, como uma lombalgia de esforço ou cervicalgias em doentes com patologias discais. Noutros casos, não tão frequentes, as lesões podem ser revestidas de sequelas com incapacidade permanentes, são exemplos aqueles indivíduos que apresentam determinado segmento corporal coberto por seguro de acidentes pessoais e que motivados pelo volumoso prêmio, provocam lesões graves, por vezes, a própria amputação.

No Rio de Janeiro, por ocasião das festividades do Carnaval, o Comando do Corpo de Bombeiros daquele Estado brasileiro determinou que fossem internados no hospital da corporação os militares que necessitassem de baixas médicas, no sentido de controlar as licenças médicas, isto porque muitos bombeiros, que também desfilam em escolas de samba, ao saberem que estavam escalados para o serviço durante o carnaval, provocavam traumatismos nos dedos ou simulavam conjuntivite com recurso a líquidos irritantes a conjuntiva a fim de obterem licenças fraudulentas[9,10].

Na simulação de estados mórbidos, o simulador se apresenta referindo queixas fictícias, ou imitando perturbações objetivas com repercussão na sua vida pessoal e laboral. O simulador escolhe sintomas difíceis de controlar, mas fáceis de imitar ou exagerar por tempo indeterminado. São exemplos as cervicalgias, tendinites e cefaléias.

Os motivos da simulação são os mais variados, em direito do trabalho, a simulação busca a obtenção de indemnizações e outros benefícios, como prolongamento do período de incapacidade, pensão de invalidez, reforma antecipada entre outros.

 

DISSIMULAÇÃO

Na dissimulação ao contrário do que acontece na simulação, o indivíduo oculta o estado mórbido de que realmente sofre, com vista a obter determinado proveito, por exemplo o ingresso no Exército de um indivíduo com volumosa hérnia discal, ou situações patológicas que inviabilizariam um seguro de vida, como um indivíduo com metástases ósseas por cancro de pulmão em estadio terminal.

 

DIAGNÓSTICO DA SIMULAÇÃO

É necessário ter em mente que ainda não existem processos de diagnósticos nem tão pouco nenhum elemento patognomónico da simulação. Para diagnosticar uma simulação é preciso ter experiência, paciência, atenção e observação. Segundo Chavigny, a simulação não se advinha mas se identifica[6]. O perito deve se manter sempre imparcial, isento mesmo diante uma história puramente fictícia, lembremos-nos que a simulação pode ser sintoma de estado mórbido mental, independente, por completo, da vontade do indivíduo em exame.

O exame pericial começa sempre por uma cuidada análise das peças processuais, processos clínicos, exames complementares, de forma a contextualiza-lo.O exame direto deve ser minucioso, dando se atenção para o motivo do exame, os antecedentes pessoais, a personalidade prévia, as queixas, o exame físico atento, a repetição de manobras e o confronto dos vários resultados e reações do indivíduo.

Ficam no passado as manobras de pesquisa da dor[6,11,12], que citamos aqui apenas como registo histórico: 

Sinal de Mankoff: consiste em se deixar em repouso o sinistrado durante alguns minutos, depois de prévia contagem do seu pulso radial. Em seguida, rapidamente, comprime-se a região dolorosa ou alegada tal, e contase de novo a frequência cardíaca. Aumentada esta, presume-se pela existência da dor. Observadas midríase ou miose pupilar com tal manobra, descreve-se o sinal de Levi.

Sinal de Imbert: na hipótese de estar a região dolorosa numa perna ou num braço, deixa-se o sinistrado em repouso, conta-se a frequência cardíaca e depois faz-se com que ele se apoie na perna ofendida, ou sustente o peso no braço lesionado. O aumento da frequência cardíaca indicará a realidade da dor.

Basta reparar que um simples esforço físico de subir as escadas ou mesmo a reação emocional ao exame, podem falsear estas manobras, que ilustram a incansável busca em quantificar e documentar fenómenos tão subjetivos como a dor.

 

EXAMES COMPLEMENTARES

Os exames complementares de diagnóstico são importantes para documentação das lesões. Se por um lado a evolução das fraturas é bem documentada nas radiografias e TACs. Lesões tendinosas em IRM. Exames neurofisiológicos podem ser necessários para documentar queixas mais inespecíficas como as compressões nervosas observadas no túnel cárpico. Infelizmente determinadas patologias como tendinites ou fibromialgias não são bem documentadas nestes exames, incluindo as ecografias, carecendo ainda de um exame complementar de diagnóstico reconhecido.

Método de termografia infravermelha

Tem ganhado expressão, a termografia cutânea por termografia infravermelha. É um método relativamente novo em perícia médica que tem contribuido na avaliação neuromusculoesquelética de doentes com dores crónicas, é auxiliar valioso no estudo da dor, em relação a sua identificação etiológica e seguimento, especialmente em doenças dos tecidos moles onde o método está mais indicado[13].

O exame é feito com o doente em pé e despido. Durante o exame o doente não deve tocar em nenhuma superfície. As imagens termográficas são obtidas em diversas incidências. A temperatura da sala deve ser mantida constante em 20ºC e umidade do ar em 55%, com o cuidado de ter a sala isolada e com controle da velocidade do ar por anemômetro digital evitando a convecção forçada[13,14].

É utilizada sensibilidade térmica de 0,1ºC por tom de cor, utilizando se escala colorimétrica, onde as cores vão da mais quente para a mais fria, segundo programa específico. As cores indicam indiretamente o grau de distribuição da perfusão sanguínea cutânea local.

Concorre para o diagnóstico termográfico das alterações, a intensidade, tamanho, forma, distribuição e margem, além da diferença térmica entre os pontos dolorosos e presença de assimetria térmica comparado com o lado oposto segundo critérios de Brioschi et al[15]. Uma diferença de pelo menos 0,3ºC entre a área de interesse e seu ponto simétrico é considerada como assimetria térmica.

Avaliam-se não só os sinais inflamatórios, mas também disfunção do sistema neurovegetativo vasomotor relacionada às neuropatias, vasculopatias e síndromes dolorosas miofasciais. A termografia cutânea é um método útil no apoio a avaliação pericial (Figura 1) [16]. Por se tratar de um método não invasivo e com promissora e expressiva sensibilidade diagnóstica, merece mais atenção e mais investimento para sua validação e aplicação em Portugal.

 

 

 

EXAMES DE REVISÃO

Estes exames têm lugar sempre que se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de alteração das sequelas por uma qualquer circunstância (melhoria, recaída, recidiva, agravamento, intervenção cirúrgica ou aplicação de prótese ou órtese)[5]. A revisão pode ser requerida uma vez em cada ano civil (nº 3 do artigo 70º da Lei 9872009).

 

JUNTAS MÉDICAS

São constituidas por três médicos peritos. Reúne-se para dar parecer sobre a avaliação efetuada ao sinistrado, quando requerida pela parte ou partes que não se conformam com o resultado da avaliação médica do exame singular ou de revisão[5].

 

CONCLUSÕES

A consciencialização e a formação dos trabalhadores é o melhor caminho para prevenir acidentes, além do uso dos equipamentos de segurança coletiva e individual, que minimizam as lesões quando estes ocorrem. A ingestão de bebidas alcoólicas, a fadiga e o cansaço contribuem com o aumento dos acidentes. Os custos, quer para os trabalhadores quer para as empresas, são elevadíssimos. O ortopedista é parte integrante neste processo, na medida que atende, que avalia e acompanha o sinistrado em sua recuperação. O preenchimento correto dos relatórios é mais do que um dever profissional, é sem dúvida um exercício da cidadania. 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Prevenir acidentes de trabalho[homepage on the Internet]. Available from: http://www.min-saude.pt/portal/conteudos/enciclopedia+da+saude/ministeriosaude/prevencao/AcidentesTrabalho.htm.         [ Links ]

2. Beckenbaugh RD, Shives TC, Dobyns JH, Linscheid RL. Kienböck's disease: the natural history of Kienböck's disease and consideration of lunate fractures. Clin Orthop. 1980; 149: 98-106        [ Links ]

3. Lei n.º 98/2009. Diário da República. 2009 Sep 4; 1 (172)

4. Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais. Coimbra: Almedina; 2005.         [ Links ]

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8. Santos JC. Simulação e Dissimulação em Clínica Forense. Aspectos práticos da avaliação do dano corporal em Direito Civil. Biblioteca Seguros; 2008.         [ Links ]

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10. Durão CH. LER- Lesões por esforços repetitivos, DORT- Distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho e AMERT- Afecções músculo esqueléticas relacionadas ao trabalho. Rio de Janeiro; 2006.         [ Links ]

11. França GV. Medicina Legal. 9ª. Guanabara Koogan; 2011.         [ Links ]

12. Trombetta ED. Manuali di Medicina Legale Militare. Milano; 1908.         [ Links ]

13. Brioschi ML, Portela PC, Colman D. Infrared thermal imaging in patients with chronic pain in upper limbs. J Korean Med Therm. 2002; 2 (1): 73        [ Links ]

14. Brioschi ML, Yeng LT, Pastor EHP, Colman D, Silva FMRM, Teixeira MJ. Documentação da síndrome dolorosa miofascial por imagem infravermelha. Acta Fisiatr. 2007; 14 (11): 41-48        [ Links ]

15. Brioschi ML. Índice termográfico para síndrome fibromiálgica. São Paulo; 2008.         [ Links ]

16. Rosenblum J, Liebeskind M. Thermography and the legal field. In Lee MHM, Cohen JM, editors. Rehabilitation Medicine and Thermography. 2008.

 

Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

Carlos Durão
Alameda dos Oceanos
Rotunda das Oliveiras, 4 Bloco C, Apto
5 Frente
Parque das Nações
Lisboa
Portugal
drcarlosdurao@hotmail.com

 

Data de Submissão: 2012-03-06

Data de Revisão: 2012-05-03

Data de Aceitação: 2012-05-03

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