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versão impressa ISSN 1646-107X

Motri. vol.14 no.1 Ribeira de Pena maio 2018

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Uma Análise Transversal e Integradora do Exercício Físico: Estudo com Praticantes Desportivos

 

A Transversal and Integrative Analysis of Exercise: A Study with Physical Activity Practitioners

 

 

Rita Morais1; A. Rui Gomes1

1 Escola de Psicologia da Universidade do Minho, Braga, Portugal

Correspondência para

 

 


RESUMO

Este estudo foi realizado junto de praticantes de exercício físico (EF), tendo como principais objetivos: (a) compreender a importância dos fatores psicológicos na fase de adoção e manutenção do comportamento de EF; e (b) analisar o comportamento de EF tendo por base uma perspetiva conceptual integradora de diferentes fatores envolvidos neste comportamento, principalmente ao nível psicológico. Foram incluídos no estudo quinze participantes com diferentes níveis de experiência de EF (cinco com 1 mês, cinco com 6 meses e cinco com 12 ou mais meses de prática), sendo sete do sexo masculino e oito do sexo feminino, com uma média de idades de 37.3 anos. Os dados foram recolhidos tendo por base o guião de entrevista “Avaliação Psicológica no EF: Guiões de Entrevista para os Praticantes e para os Monitores (APEF-PM) - versão praticantes”. Os principais resultados evidenciaram que o comportamento de EF foi explicado por fatores individuais (e.g., psicológicos), contextuais (e.g., local de prática) e culturais (estereótipos) que, por sua vez, apresentaram alterações ao longo do tempo de prática de EF. Concluindo, a utilização de uma perspetiva qualitativa que integre diferentes abordagens conceptuais revelou-se fundamental para a compreensão dos fatores envolvidos no comportamento de EF.

Palavras-chave: Exercício Físico; Fatores Psicológicos; Adoção e Manutenção de Exercício Físico


ABSTRACT

This study was done with individuals that practiced exercise and had two main objectives: (a) understand the importance of psychological factors in the process of adoption and maintenance of exercise behavior; and (b) analyze exercise behavior by assuming an integrative conceptual perspective of different factors involved in exercise, especially the ones related with the psychological domain. Fifteen participants (seven males and eight females) with different levels of experience in exercise were selected for this study (five at one month, five at six months and five with 12 or more months of exercise practice). The participants had a mean age of 37.3 years old. Data were collected based on the interview guide “Psychological Assessment in Exercise: Interview Guides for Practitioners and Instructors - Version for Practitioners”. The main results showed that the exercise was explained by individual factors (e.g., psychological), contextual factors (e.g., local of practice), and cultural factors (e.g., stereotypes) that, in turn, changed across the time of exercise practice of participants. In conclusion, the use of a qualitative perspective that integrates different conceptual approaches proved to be crucial to understand the factors involved in exercise behavior.

Keywords: Exercise; Psychological Factors; Adoption and Maintenance of Exercise


 

 

INTRODUÇÃO

A atividade física em geral, e a prática de exercício físico (EF) em particular, são consideradas indicadores de um estilo de vida saudável. No entanto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta para o facto de mais de 60% da população mundial se encontrar fisicamente inativa ou ativa de forma insuficiente (OMS, 2010). Dados mais recentes provenientes da União Europeia indicam que a percentagem de pessoas que não faz exercício tem vindo a aumentar, situando-se em 42%. Um dado preocupante a salientar em relação ao nosso país, prende-se com o facto de 64% da população ter respondido que nunca tinha feito EF, sendo o terceiro país da Europa (média europeia de 41%) com uma maior percentagem de inatividade, logo atrás da Bulgária e Malta (Comissão Europeia, 2014). Estes valores são tão mais significativos dado o facto da inatividade física representar a principal causa para problemas de saúde, como a baixa qualidade de vida, as doenças e incapacidades de diversa ordem e até mesmo a morte (Brehm, 2004). De facto, ter estilos de vida sedentários representa o quarto maior risco de mortalidade mundial (6%) e é o quinto fator associado a incapacitação no mundo pós-industrializado (Jenkins, 2007).

Tendo por base estes indicadores, torna-se importante estudar os fatores que promovem a adoção e a manutenção do comportamento de EF, ajudando assim a população a assumir estilos de vida mais saudáveis. Convém clarificar que o comportamento de EF foi entendido, neste estudo, como uma atividade organizada, destinada a manter ou aumentar a condição física. Neste sentido, procurou-se neste estudo analisar a importância dos fatores envolvidos no início e na manutenção da prática regular de EF (dando particular relevância aos fatores psicológicos), efetuando esta análise através de uma perspetiva qualitativa integradora de diferentes abordagens conceptuais nesta área. Mais especificamente, este estudo incluiu participantes com diferentes tempos de prática de EF, tendo partido para a análise do comportamento de EF considerando um conjunto alargado de modelos conceptuais: (a) a Teoria do Comportamento Planeado, que defende que a intenção de prática de EF é explicada pelas atitudes, pelas normas subjetivas e pela perceção de controle das pessoas face ao comportamento em causa (Ajzen, 2001); (b) a Teoria Sociocognitiva, que destaca o conceito de autoeficácia como um indicador fundamental para avaliar a perceção das pessoas acerca da sua capacidade para assumir um dado comportamento (Bandura, 1997); (c) a Teoria de Autodeterminação, que preconiza o entendimento da motivação num continuum desde a ausência de regulação (i.e., amotivação) até à motivação intrínseca (Deci & Ryan, 2000); (d) o modelo Modelo Transteórico, que propõe a importância de conceitos como a balança decisional e os prós e contras face à mudança de um determinado comportamento (Biddle & Mutrie, 2008); e o (e) modelo de Ação para a Saúde, que defende que a intenção acerca de um dado comportamento se manifesta através de estratégias de planeamento da ação (e.g., quando, onde e como assumir o comportamento em causa) e o planeamento acerca do modo como ultrapassar as barreiras ao comportamento desejado, desde a fase pré-intencional até à pós-intencional (Schwarzer, 2008).

Apesar do interesse concetual destes modelos, os dados existentes não são muito animadores quando se trata de explicar o comportamento efetivo de EF a partir do contributo isolado de cada uma destas propostas. De facto, e considerando a Teoria Comportamento Planeado (que é um dos modelos mais referenciados neste domínio), os resultados têm vindo a demonstrar que a relação entre a intenção de praticar EF e o comportamento efetivo de EF é na ordem dos 45% de variância explicada para a intenção de prática de EF, mas estes valores reduzem-se significativamente para 20% quando se trata de explicar o comportamento efetivo de EF (ver Hagger, Chatzisarantis, & Biddle, 2002). Estudos mais recentes têm vindo igualmente a obter uma menor percentagem de variância explicada da prática de EF relativamente à intenção de prática de EF (ver Gomes, Gonçalves, Maddux, & Carneiro, 2017; Gucciardi & Jackson, 2015). A este fenómeno de baixa relação entre intenção e o comportamento efetivo de EF designou-se por “intention-behaviour gap” (Armitage, 2005; Courneya, 1995), existindo um interesse na literatura em analisar que outros fatores podem ajudar a explicar a relação entre a intenção das pessoas praticarem EF e o comportamento efetivo de EF.

Foi a partir desta necessidade que foi formulado o primeiro objetivo deste estudo, traduzindo-se pela opção de integração dos principais contributos fornecidos pelos modelos descritos anteriormente para explicar a prática de EF. Mais concretamente, foram selecionadas variáveis psicológicas relacionadas com a Teoria do Comportamento Planeado (e.g., intenção, atitudes, perceção de controle e normas subjetivas), com a Teoria Sociocognitiva (e.g., autoeficácia), com o Modelo Transteórico (e.g., benefícios e custos), com a Teoria da Autodeterminação (e.g., motivação) e com o Modelo de Ação para a Saúde (e.g., planeamento e perceção de eficácia na concretização dos objetivos).

No entanto, convém referir que esta tentativa de compreensão da prática de EF deve admitir que outros fatores, além dos psicológicos, podem influenciar este comportamento. Tal como referem Maddux e Dawson (2014), o entendimento deste fenómeno passa pela consideração dos eventos situacionais, das circunstâncias ambientais e dos processos cognitivos, emocionais e comportamentais que interagem e se influenciam mutuamente no assumir da prática de EF. Esta ideia é corroborada por Biddle e Mutrie (2008), realçando-se a existência de um conjunto alargado de fatores que influenciam a prática de exercício, nomeadamente fatores pessoais/demográficos (e.g., idade, sexo, raça e nível socioeconómico), sociais (e.g., apoio social e influência social), ambientais (e.g., acessibilidades e existência de estacionamento no local de prática, perceção de tráfego até local de prática e o próprio contexto físico da prática) e psicológicos (e.g., motivação, atitudes).

Considerando todas estas indicações da literatura, privilegiou-se neste estudo a análise dos fatores psicológicos implicados na prática de EF, mas atendendo sempre à relevância dos fatores pessoais, sociais, situacionais, educacionais e culturais, uma vez que estas dimensões são igualmente relevantes no entendimento do comportamento de EF.

Para além desta dificuldade em explicar o comportamento efetivo de EF, acresce ainda o facto dos fatores psicológicos envolvidos no início da prática de EF tenderem a sofrer alterações ao longo do tempo de atividade de EF (Milne, Rodgers, Hall, & Wilson, 2008; Nigg, Borrelli, Maddock, & Dishman, 2008; Parschau et al., 2012; Williams & French, 2011). Dito por outras palavras, é igualmente desafiador para a investigação compreender os fatores psicológicos promotores do comportamento efetivo de EF mas também analisar a mudança ou estabilidade dos mesmos, ao longo do tempo de prática de EF, sendo este segundo objetivo deste estudo.

A partir desta ideia, foram selecionados participantes com diferentes tempos de prática de EF, seguindo as indicações conceptuais do Modelo Transteórico (Prochaska & Clemente, 1992). Mais concretamente, foram selecionados participantes no início da prática de EF, ou seja, na fase adoção da ação (1 mês), participantes na fase intermédia de ação (6 meses) e participantes na fase de manutenção do comportamento de EF (mais de 6 meses). Esta inclusão de participantes com diferentes tempos de pática de EF na fase da ação, justifica-se pelo facto da investigação demostrar que no período compreendido entre os primeiros três e seis meses de prática de EF existir uma elevada taxa de abandono desta atividade, sendo de admitir que os fatores psicológicos possam exercer uma influência importante nesta situação (ver Marcus et al., 2000; Weinberg & Gould, 2008).

A análise destes dois objetivos foi efetuada através da adoção de uma metodologia qualitativa, efetuando-se entrevistas a praticantes de EF com tempos de prática distintos. As abordagens qualitativas, sendo escassas nesta área, foram opção neste estudo pelo facto de nos ajudarem a aprofundar a complexidade e a subjetividade do fenómeno em estudo (Armitage, 2005).

Em síntese, o objetivo central deste estudo foi compreender o comportamento de EF numa perspetiva conceptual integradora bem como as suas alterações ao longo do tempo, traduzindo-se em dois objetivos específicos:

(a) Compreender o comportamento de EF numa perspetiva conceptual integradora.

(b) Compreender a importância dos fatores psicológicos na fase de adoção e manutenção do comportamento de EF.

 

MÉTODO

Participantes

A Participaram neste estudo 15 praticantes de EF, com uma média de idades de 37.3 anos, sendo sete do sexo masculino e oito do sexo feminino, com diferentes tempos de prática regular de EF: cinco praticantes com um mês de prática (iniciantes), cinco praticantes com seis meses de prática (intermédios) e cinco praticantes com 12 ou mais meses de prática (experientes), cumprindo-se assim indicações sobre a estabilização do comportamento de EF propostos pelo Modelo Transteórico (Prochaska & Clemente, 1992). Todos os praticantes experientes descreveram um passado anterior de prática de EF, apenas interrompido por acontecimentos de vida significativos (ex: doença, gravidez, mudança de local de emprego) mas que foram ultrapassados, traduzindo-se sempre no regresso à prática desportiva.

O tipo de amostragem foi intencional, uma vez que houve critérios de inclusão definidos à partida, nomeadamente: (a) no grupo de iniciantes, não apresentar hábitos de EF anterior à realização da entrevista há pelo menos um ano; (b) ter a inscrição em academias desportivas privadas com cartão livre-trânsito; (c) idade superior a 20 anos; (d) existência de um equilíbrio entre participantes de ambos os sexos; (e) existência de tempos de prática distintos, seguindo neste caso os pressupostos do Modelo Transteórico, nomeadamente praticantes na fase da ação (e.g., até seis meses) e praticantes na fase de manutenção (e.g., 12 meses ou mais meses). No entanto, de forma a diferenciar melhor os praticantes na fase de ação, os grupos foram divididos em dois: um mês (praticantes iniciais de EF) e seis meses (praticantes intermédios de EF), a que juntaram os praticantes experientes com 12 ou mais meses (Prochaska et al., 1994); e (f) o comportamento de EF deveria dizer respeito a uma atividade planeada, estruturada e repetitiva com o objetivo de manter ou aumentar a condição física, seguindo-se as recomendações do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) e do American College of Sports Medicine (ACSM). Mais especificamente, o comportamento de EF deveria implicar a prática de pelo menos trinta minutos de EF, pelo menos cinco dias por semana com atividades de intensidade moderada, ou pelo menos 20 minutos de EF por dia, no mínimo três dias por semana de atividades vigorosas, ou ambas as formas (ver Department of Health, Physical Activity, Health Improvement and Prevention, 2004).

De forma a garantir o anonimato dos participantes e a facilitar a descrição dos resultados, adotou-se a seguinte terminologia ao longo deste estudo: praticantes iniciantes com um mês de EF (fase inicial da ação) são identificados de M1-P1 (mês um, praticante um) a M1-P5 (mês um, praticante cinco); praticantes intermédios com seis meses de EF (fase consolidada de ação) são identificados de M6-P1 (mês seis, praticante um) a M6-P5 (mês seis, praticante cinco) e praticantes experientes com 12 ou mais meses de EF (fase de manutenção) são identificados de M12-P1 (mês 12, praticante um) a M12-P5 (mês 12, praticante cinco) (ver Tabela 1 para uma descrição mais pormenorizada dos participantes).

Instrumentos

A recolha de dados foi realizada recorrendo ao guião de entrevista semiestruturada “Avaliação Psicológica no EF: Guiões de Entrevista para os Praticantes e para os Monitores (APEF-PM) versão praticantes” proposto por Gomes (2013). A entrevista incluiu questões previamente estabelecidas e de resposta aberta, de forma a que o participante pudesse responder livremente dentro do tema em causa, com exceção da questão sobre a intenção de prática de EF, sendo respondida usando uma cotação quantitativa de 1 (“Baixa certeza de prática de EF”) a 10 (“Elevada certeza de prática de EF”). O guião de entrevista incluiu questões distribuídas por oito domínios: (a) informação pessoal e desportiva, (b) motivação, (c) atitudes, (d) normas subjetivas, (e) perceção de controlo e intenção, (f) barreiras e benefícios dos praticantes, (g) experiência emocional, e (h) perceção das condições do local da prática.

Procedimento

Antes de dar início ao estudo de terreno, o plano de investigação foi aprovado pela Comissão de Ética da universidade a que pertencem os autores deste trabalho (CEUM 033/2014), tendo sido definidos um conjunto de passos para a recolha e tratamento de dados que especificamos a seguir.

Em primeiro lugar, e previamente à recolha efetiva dos dados, a primeira autora deste trabalho realizou três entrevistas piloto a praticantes com os diferentes tempos de prática anteriormente descritos, de modo a possibilitar uma maior familiarização com a técnica de entrevista e com o guião de entrevista. Além disso, estas entrevistas permitiram analisar a adequabilidade das questões previstas e dos domínios avaliados para os participantes, efetuando-se pequenos reajustamentos nas questões colocadas.

De seguida, iniciámos a segunda fase do estudo, contactando academias desportivas que se disponibilizassem para nos receber e que nos permitissem abordar os seus clientes para participar neste estudo. Após esta autorização, efetuamos uma análise dos processos individuais de cada participante, de forma a subdividir os três grupos de tempos de prática (repare-se que apenas tivemos acesso ao tempo de prático, género e contacto dos participantes). Os entrevistados foram convidados a participar no estudo através de contacto telefónico e informados do propósito deste estudo. Os que aceitaram participar, foram então constituídos como parte integrante deste estudo.

Na terceira fase, demos início à recolha de dados. As entrevistas decorreram no local habitual de prática de exercício, de forma a garantir o conforto, a relação de confiança e a conciliação com as atividades desportivas do entrevistado. Após a autorização e o preenchimento do consentimento informado por cada entrevistado, as entrevistas foram filmadas e gravadas com um aparelho áudio digital que permitiu a passagem e o arquivo direto dos dados no computador. Foi garantida a confidencialidade e o anonimato dos dados sobre qualquer parte da entrevista.

Tratamento dos Dados

As entrevistas tiveram, no total, uma duração média de 58.4 minutos e foram gravadas e arquivadas no computador e, posteriormente, transcritas em textos em Word. Cada ficheiro foi importado no programa de análise de dados qualitativos NVivo8 (QSR International). A redação integral de cada entrevista foi, também, enviada a cada entrevistado, de forma a ser apreciada, lida e corrigida em expressões, ideias ou termos mais adequados e próximos da realidade de cada participante (member check) (Creswell, 2012; Culver, Gilbert, & Sparkes, 2012). As quinze entrevistas com os praticantes dos três grupos decorreram durante um período de sete meses de intervalo.

O processo de recolha de dados finalizou a partir do momento em que a introdução de nova informação não pareceu produzir uma mudança significativa na análise dos dados (Strauss & Corbin, 2008), nomeadamente na componente psicológica, dada a sua centralidade nos objetivos deste estudo. Optou-se por um design de investigação qualitativo, transversal, com recurso a metodologia da Grounded Theory, em função da natureza do objeto e questões de investigação em estudo. Esta metodologia qualitativa é adaptada às situações em que os modelos conceptuais se mostram inexistentes ou insuficientes (Armitage, 2005) para explicar o fenómeno em estudo, motivo este que impulsionou a escolha desta metodologia nesta investigação (Charmaz, 2006).

Procurou-se cumprir os pressupostos básicos da investigação qualitativa, nomeadamente: (a) a necessidade de estabelecer a confiança na relação entre o investigador e o participante (Ritchie & Lewis, 2003); e (b) a necessidade de existir um processo interativo desde a recolha dos dados, a sua análise e o seu constante confronto com a literatura a fim de alcançar a saturação teórica, respeitando a entrada de novos elementos que reforçam e que contrastam os dados (Weed, 2009). Este último autor defende que, durante este processo interativo, os modelos conceptuais são um ponto de partida para confrontar e questionar os dados.

O sistema de análise seguiu a lógica dos estudos de Côté, Salmela Baria e Russel (1993), organizando os textos das entrevistas em fragmentos com significado próprio, designadas por Unidades de Significado. Na segunda etapa, compararam-se e agruparam-se as unidades de significado, segundo características comuns, em áreas mais gerais de informação, designadas por Propriedades (Gomes & Cruz, 2006). Na fase seguinte, de interpretação dos dados, estas propriedades foram agrupadas de acordo com as suas especificidades em comum em Categorias (Strauss & Corbin, 2008) e estas, por sua vez, foram agregadas em conceitos mais abstratos, chamados Componentes, que corresponderam a um nível superior de organização. Finalmente, as componentes foram reunidas em Domínios gerais de informação, representando o estádio final da codificação (Gould, Eklund, & Jackson, 1993).

Toda a análise final, descritiva e axial e o sistema de categorização foi submetida a uma comissão de peritos no sentido de verificar a estrutura de análise e codificação dos dados (Miles & Huberman, 1994; Patton, 2002).

 

RESULTADOS

Os dados resultantes das quinze entrevistas permitiram a definição de 2427 unidades de significado (US), 47 propriedades, 15 categorias, oito componentes e três domínios (ver Tabela 2).

Domínio 1: Fatores Individuais

Os fatores individuais dividiram-se em quatro componentes: educacional, pessoal, desportiva e psicológica.

A componente educacional emergiu como um fator associado ao significado de EF, nomeadamente a relação da família com o EF e o estado de saúde de familiares próximos dos praticantes (“e.g., o meu pai nunca praticou EF e sofre de hipertensão”). Este fator não surgiu como influência da prática atual de EF (normas subjetivas) mas sim como a explicação dada pelos praticantes face ao significado geral do que representa o EF.

Relativamente à componente pessoal, a única categoria emergente em diferentes momentos das entrevistas foi a idade. Esta categoria nos praticantes na fase de ação relacionou-se essencialmente com as razões para iniciar a prática de EF, nomeadamente a vontade de combater o envelhecimento associado à perda de capacidades físicas e motoras, à comparação com um estado de saúde ou condição física anterior à prática de EF e à própria insatisfação com a aparência física. Por outro lado, o fator idade relacionou-se com a possibilidade da prática de EF rejuvenescer e contribuir igualmente para a manutenção da prática, sobretudo nos participantes intermédios e experientes.

Na componente desportiva, todos os entrevistados apresentaram passado desportivo e experiências anteriores de EF (à exceção do P9 que revelou experiências anteriores de atividade física informal). O passado desportivo foi um fator referido pela maioria como um contributo para a adoção, tendo os praticantes reconhecido a diferença entre a experiência anterior de prática e após ter abandonado essa prática.

No que concerne à componente dos fatores psicológicos, a Tabela 3 fornece exemplos de US distribuídas pelas categorias atitudes, intenção, perceção de controle, normas subjetivas, barreiras, benefícios, motivação, experiência emocional, objetivos e personalidade. Numa análise destes dados devem ser destacados os seguintes aspetos:

(a) Atitudes: os praticantes evidenciaram uma atitude positiva face à prática de EF, sendo, no entanto, de referir que os praticantes iniciantes referenciaram mais desvantagens acerca da prática de EF do que os praticantes experientes. Além disso, quando questionados sobre o significado do EF, os praticantes experientes revelaram uma dimensão afetiva de comprometimento face ao EF (e.g., “é libertador”; “é relaxante”; “faz parte de mim”; “é um vício”). Já os praticantes iniciantes e intermédios evidenciaram uma atitude mais instrumental face ao EF (e.g., “uma questão de saúde”; “reabilitação da postura”; “uma necessidade”; “uma compensação de uma vida sedentária”).

(b) Intenção: os praticantes apresentaram elevada intenção para a continuidade da prática nos próximos três meses (valor mínimo igual a um e valor máximo igual a dez): valores médios para os três grupos de 9.4 pontos; média para praticantes com 1 mês de 8.6; média para praticantes de 6 meses de 9.8 e média para praticantes de 12 ou mais meses de 9.8 pontos.

(c) Perceção controle: os praticantes manifestaram uma perceção de controle essencialmente interna. No entanto, os praticantes iniciantes demonstraram maior sensibilidade aos fatores externos, à influência social e à opinião dos outros face à prática.

(d) Normas subjetivas: os praticantes reconheceram a importância da opinião de pessoas significativas face à prática de EF. Contudo, os praticantes iniciantes e intermédios revelaram maior sujeição à norma e influência social, uma vez que nos primeiros treinos é frequente a necessidade de companhia de um amigo ou familiar. De igual modo, os praticantes intermédios conferiram um grande relevo ao papel educativo, relacional e motivador do instrutor.

(e) Barreiras e benefícios: os praticantes realçaram o peso dos benefícios face às barreiras e identificaram estratégias para a adoção e manutenção da prática de EF. No entanto, os praticantes iniciantes revelaram maior indecisão face aos possíveis benefícios do EF (decisão equilibrada) e assinalaram mais barreiras a esta atividade (e.g., “em termos profissionais as barreiras são enormes!”). Já os praticantes intermédios apontaram mais benefícios sociais e os praticantes experientes revelaram maior autonomia e determinação na prática de EF, evidenciado pela instalação do hábito desta atividade (e.g., “A minha prioridade é o ginásio”).

(f) Motivação: os praticantes iniciantes manifestaram motivação extrínseca (e.g., amigos, preço, saúde e aparência física), os praticantes intermédios revelaram motivação extrínseca (e.g., modalidades, staff, socialização e determinação) e intrínseca (e.g., gosto), e os praticantes experientes revelaram motivos essencialmente intrínsecos (e.g., prazer, gosto, hábito interiorizado).

(g) Experiência emocional: os praticantes reconheceram a diferença dos estados emocionais antes, durante e após a prática de EF, assumindo que se sentem melhor quando fazem esta atividade, relativamente aos momentos em que não podem fazer EF. O estado emocional mais frequente antes da prática de EF foi a fadiga, durante esta atividade foi a sensação de concentração e após a mesma foi o relaxamento.

(h) Objetivos: os praticantes identificaram os objetivos que os levaram a iniciar e a manter a prática de EF. Neste sentido, os praticantes iniciantes e praticantes intermédios apresentaram objetivos instrumentais e os praticantes experientes evidenciaram objetivos mais abrangentes ao seu bem-estar geral.

(i) Personalidade: algumas características pessoais foram enunciadas pelos praticantes como fortemente relacionadas com a tendência para a manutenção na prática de EF, sendo o aspeto mais evidente a determinação pessoal face à importância de praticar EF.

Domínio 2: Fatores contextuais

No que diz respeito aos fatores contextuais, nomeadamente na componente local da prática, os aspetos negativos mais relevantes foram a falta de recursos (e.g., espaço, climatização, material) referida principalmente pelos praticantes intermédios. O aspeto positivo mais relevante para todos os praticantes foi o ambiente familiar acolhedor do local de prática de EF. Contudo, os praticantes iniciantes referiram aspetos positivos relacionados com descontos, facilidades de pagamentos, pouca burocracia na inscrição e localização do local de prática; os praticantes intermédios revelaram maior satisfação com as instalações, as modalidades e o staff e os praticantes experientes assinalaram maior satisfação com o staff.

No que se refere à componente relacional com os profissionais de exercício, com o staff e com outros praticantes, houve maior percentagem de codificação no papel relacional com os profissionais de EF. No entanto, é de salientar uma maior importância desta dimensão relacional para os praticantes intermédios.

Domínio 3: Fatores Culturais

Os fatores culturais, nomeadamente a importância das diferenças interculturais (e.g., “Cresci num país em que éramos obrigados a praticar uma atividade física ou desportos”) e formação de estereótipos (e.g., “Eu antes também dizia que os rapazes de desporto tinham a mania que eram bons”) emergiram no discurso dos praticantes, principalmente quando se remeteram para os aspetos relacionados ao início da prática de EF.

Numa análise integradora de todos os dados obtidos no estudo, a Figura 1 apresenta uma distribuição da codificação realizada, efetuando uma divisão entre os participantes iniciantes (1 mês de prática) e os praticantes intermédios e experientes. Esta opção em ilustrar esta informação pela divisão em dois grupos de participantes (em vez de três), deveu-se ao facto das diferenças encontradas serem mais percetíveis entre estas duas fases de prática de EF, refletindo assim melhor as etapas da mudança propostas no modelo transteórico (Prochaska & Clemente, 1992).

De um modo geral, verificou-se que na fase de adoção da ação (participantes iniciantes) são relevantes os fatores contextuais da avaliação do local de prática de EF, os fatores culturais e educacionais bem como a idade e a prática desportiva anterior. Por sua vez, nas fases de consolidação da ação da prática de EF (participantes intermédios e experientes) emergiram sobretudo os fatores relacionais, ou seja, o papel do instrutor, os momentos de convívio e a socialização no contexto de prática com os profissionais e com os outros praticantes e staff.

No que diz respeito aos fatores psicológicos, foi possível verificar semelhanças entre os praticantes, nomeadamente ao nível: (a) da elevada intenção de prática que, no entanto, aumentou consoante o tempo de prática; (b) da perceção de controlo interno; (c) do reconhecimento de benefícios relacionados com o EF; (d) da identificação da experiência emocional antes, durante e após a prática de EF, e (e) do facto de a maioria dos participantes (n = 9) ter referido aspetos da personalidade para justificar o seu comportamento de prática. No entanto, algumas diferenças devem ser salientadas, nomeadamente: (a) os praticantes iniciantes referiram maior influência social e sujeição à normas sociais; (b) os praticantes iniciantes expressaram uma atitude instrumental, objetivos instrumentais, uma motivação extrínseca, uma expectativa na obtenção de resultados e na balança decisional demonstraram indecisão sobre a perceção de barreiras em relação aos benefícios; (c) os praticantes intermédios e experientes revelaram uma atitude mais afetiva, objetivos experienciais (e.g., bem-estar geral), motivação intrínseca, uma maior expectativa de eficácia, menor identificação de barreiras e mais estratégias para lidar com as barreiras à prática de EF (ver Figura 1).

 

DISCUSSÃO

Este estudo procurou compreender o comportamento de EF e as suas alterações, ao longo do tempo, numa perspetiva conceptual integradora.

Começando pelo primeiro objetivo de integração conceptual, verificou-se que o comportamento de EF é melhor explicado considerando a relação entre os fatores individuais/psicológicos, contextuais e culturais.

Relativamente aos fatores individuais, devem ser destacados aspetos relacionados com a educação, a idade e o passado desportivo. Estes aspetos tiveram um papel evidente nos participantes deste estudo, sobretudo na compreensão do processo de ação face ao EF. Estes dados corroboram a Teoria da Aprendizagem Social de Bandura (1977) bem como as investigações de Araújo, Calmeiro e Palmeira (2005) e Wang (2011), que demonstraram o impacto positivo das experiências anteriores e do passado desportivo no comportamento de EF.

No que se refere aos fatores psicológicos, os dados obtidos neste estudo reforçam a importância das dimensões relacionadas com a Teoria do Comportamento Planeado (e.g., intenção, atitudes, normas subjetivas e perceção de controlo; Ajzen, 1991), a Teoria da Autodeterminação (evoluindo desde a motivação extrínseca até à intrínseca; Deci & Ryan, 2000), o Modelo Transteórico (benefícios e custos do EF; Prochaska & Clemente,1992), o Modelo de Ação para a Saúde (planeamento e perceção de eficácia na concretização dos objetivos, Schwarzer, 2008) bem como a importância das experiencias emocionais e da personalidade, que têm vindo a ser salientadas na literatura (ver Ingledew, Markland, & Sheppard, 2004; Mohiyeddini, Pauli, & Bauer, 2009).

Para além destes fatores individuais e psicológicos, deve ser destacada a influência dos fatores contextuais (e.g., o ambiente social existente no local de prática, o papel dos profissionais e os momentos de convívio), que emergiram como fortes indicadores na fase de manutenção e se relacionaram com os benefícios interpessoais, percebidos pelos praticantes. Neste sentido, Cronin, Brady e Hult (2000) realçaram a pertinência dos aspetos relacionais dos serviços prestados pelos profissionais de EF como antecedentes da formação do valor percebido (significado) nesta atividade e da satisfação (motivação) com a prática desportiva.

No último grupo de fatores, designados por culturais (e.g., os estereótipos e as diferenças interculturais), estes emergiram sobretudo nos praticantes da fase de ação. Num estudo de Calmeiro e Matos (2004), é reconhecido que o ambiente sociocultural não é, muitas vezes, propício à prática de EF, uma vez que a organização da própria atividade profissional e os avanços da tecnologia exigem cada vez menos atividade física e promovem longos períodos de inatividade (ex: permanecer sentado durante várias horas seguidas). Em síntese, este estudo confirma a relevância de uma perspetiva conceptual integradora como forma de compreender os fatores envolvidos na prática de EF.

No que se refere ao segundo objetivo do estudo, são de destacar cinco aspetos. Em primeiro lugar, considerando os construtos da Teoria do Comportamento Planeado (Ajzen, 1991), verificou-se que os praticantes evidenciaram uma elevada intenção e uma perceção de controlo interna nas fases de ação e manutenção. Curiosamente, a investigação tem vindo a atribuir um papel relevante a estas duas dimensões, tanto na explicação da intenção de prática de EF, como do próprio comportamento de EF (ver Armitage (2005; Gomes, Morais, & Carneiro, 2017). Contudo, observaram-se diferenças ao nível da valorização das normas subjetivas, sobretudo na fase de ação, bem como maior relevância das atitudes afetivas na fase de manutenção de prática de EF. Estes dados sugerem assim que as dimensões principais desta teoria devem ser consideradas numa perspetiva temporal, podendo sofrer alterações em função do tempo de prática de EF. Este aspeto poderá ajudar a perceber a razão pela qual este modelo é melhor a explicar a intenção de prática de EF do que o comportamento de EF, devendo introduzir-se o fator “tempo de experiência na prática de EF” como possível responsável pela predição do comportamento de EF (Hagger et al., 2002).

Em segundo lugar, relativamente às dimensões do Modelo Transteórico (Prochaska & DiClemente, 1992), verificou-se que os praticantes na fase de ação, evidenciaram menos estratégias para gerir as barreiras (ex: conciliação do trabalho com a atividade desportiva) e, consequentemente, maior equilíbrio na balança decisional, enquanto que na fase de manutenção os praticantes atribuíram elevada importância às estratégias de gestão de barreiras percebidas. Relativamente à identificação de benefícios da prática, foi semelhante em ambas as fases do comportamento de EF. A literatura evidencia as diferenças da fase de ação e de manutenção, referindo a necessidade de ultrapassar barreiras para se iniciar um comportamento (autoeficácia de ação) e para o manter será necessário o praticante sentir-se confiante em gerir novas barreiras à prática de EF (autoeficácia de manutenção) (Voils et al., 2014). Por outro lado, a literatura tem vindo a evidenciar que a balança decisional (i.e., valor dos benefícios versus valor das barreiras) discrimina praticantes em diferentes etapas da participação desportiva (Jordan, Nigg, Norman, Rossi & Benisovich, 2002) e ajuda igualmente a compreender as razões pelas quais as pessoas se mantêm ou abandonam o EF (Gomes & Capelão, 2013).

Em terceiro lugar, no que se refere à Teoria da Autodeterminação (Deci & Ryan, 2000), verificou-se uma diferença nos motivos de prática desportiva entre os praticantes iniciantes e os que se encontram na fase de manutenção de prática de EF. Mais concretamente, nos participantes iniciantes foi possível encontrar sobretudo uma motivação tipicamente “regulada externamente” (valorizando a influência de amigos e dos próprios profissionais da academia) e uma “regulação introjetada” (sentimento de obrigação face ao EF), enquanto que nos praticantes intermédios e, sobretudo, experientes as formas de motivação foram tipicamente de regulação identificada (benefícios e necessidade da prática de EF) e de motivação intrínseca (gozo, prazer e sentimentos de bem-estar inerentes à prática de EF). Ou seja, tal como proposto no modelo, assistimos a uma transição entre formas mais controladas de prática de EF para formas mais autónomas de prática de EF (Ryan & Deci, 2017). Deste modo, à medida que o tempo de prática aumentou, pareceu aumentar a motivação intrínseca, ou seja, o gosto pela prática, podendo a regularidade dos treinos contribuir para automatizar o comportamento, criando um hábito. Estes dados estão de acordo com as indicações de Pridgeon e Grogan (2012) ao referirem que a incorporação do EF na organização diária do praticante promove a criação de rotinas de EF, tornando este comportamento controlado por processos automáticos que se vão tornando cada vez mais difíceis de quebrar. Mas ainda mais significativo, é o facto da investigação sugerir que as formas mais autónomas de regulação motivacional estarem associadas a melhor saúde e bem-estar nas pessoas (Ng et al., 2012).

Em quarto lugar, no que se refere ao Modelo de Ação para a Saúde (Schwarzer, 2008), verificou-se que o planeamento emergiu de forma mais evidente na fase de manutenção da prática, nomeadamente, o planeamento ao nível da gestão de barreiras da prática de EF (Voils et al., 2014). O planeamento tem vindo a ser relacionado com a prática de EF (Gellert, Ziegelmann, Lippke, &Schwarzer, 2012), desenvolvendo-se após a formação de uma atitude positiva face ao EF, incluindo-se assim numa fase volitiva da prática desportiva (Hagger & Chatzisarantis, 2014). No nosso estudo, a importância do planeamento relacionou-se sobretudo com o modo como os praticantes lidam com os obstáculos à prática de EF (ex: atrasos no trabalho, conciliação com atividades familiar, etc.), sendo mais evidente em praticantes na fase de manutenção. Neste caso, talvez uma das explicações esteja relacionada com a maior experiência destes praticantes, levando-os a antecipar melhor os problemas e a planear mis eficazmente as estratégias para lidar com as dificuldades. Relacionado com esta dimensão está outra emergente, a formulação de objetivos, que se apresentou de uma forma instrumental na fase de ação (e.g., perda de peso) e experiencial (bem-estar geral) na fase de manutenção. Este resultado parece estar relacionado com a motivação intrínseca, anteriormente referida. Acrescente-se ainda outras dimensões, como a expectativa de concretização de resultados que emergiu de forma evidente nos praticantes na fase de ação, enquanto a autoeficácia (expectativa de eficácia) emergiu mais nos praticantes na fase de manutenção. A autoeficácia reduzida e as expetativas de resultados frustradas foram consideradas impedimentos para a continuidade da prática. A corroborar estes dados deve ser referido o estudo de Parschau e os colaboradores (2012) que assinalaram a importância do reforço da autoeficácia de forma a encorajar a fase da manutenção da prática de EF e a prevenir o abandono.

Finalmente, no que diz respeito à experiência emocional não se verificaram diferenças entre a fase da ação e a fase de manutenção. Contudo, os estados emocionais positivos foram predominantes após a prática de EF. Estes dados são corroborados nos estudos de Carels, Berger e Darby (2006), no qual se evidenciou que a resposta afetiva positiva face ao EF contribui para a sua adoção. Do mesmo modo, a resposta afetiva positiva tem sido associada à perceção de controlo (ou autoeficácia), às atitudes e à intenção e, simultaneamente, tem sido definida como um preditor da manutenção da prática de EF (Bagozzi, Moore, & Leone, 2004; Kwan & Bryan, 2010). Por exemplo, a experiência subjetiva de bem-estar inerente à prática de EF foi identificada como uma variável mediadora da relação entre a intenção de prática de EF e o próprio comportamento de EF (ver Gomes et al., 2017).

Em suma, apesar destas semelhanças e diferenças entre a fase de ação e de manutenção emergentes neste estudo, West e colaboradores (2011) postulam que ainda existe escassez de estudos ao nível dos processos psicológicos e comportamentais envolvidos no processo de ação e manutenção da prática de EF.

 

CONCLUSÕES

Os Como forma de sumariar os resultados obtidos, destacam-se os seguintes aspetos principais decorrentes das quinze entrevistas realizadas:

(a) Os praticantes na fase de ação valorizaram fatores como a cultura, a educação, a idade, a intenção, a influência social e sujeição à norma subjetiva, uma perceção de controlo interno, uma identificação de benefícios superior ao peso das barreiras, motivos mais extrínsecos, objetivos instrumentais, uma expectativa positiva de concretização de resultados, experiências emocionais positivas e determinação pessoal na necessidade de realizar EF.

(b) Os praticantes na fase de manutenção atribuíram maior importância à idade, ao contexto relacional, à intenção de prática de EF, à perceção de controlo interno, às estratégias de planeamento face às barreiras, à motivação intrínseca (prazer), aos objetivos experienciais (bem-estar geral), à expetativa de eficácia, às experiências emocionais positivas e à determinação pessoal.

Apesar da extensão e riqueza dos resultados obtidos, podem assinalar-se algumas limitações a este estudo, nomeadamente: (a) a própria natureza qualitativa do estudo não permite a generalização por se tratar de uma amostra restrita a praticantes de academias desportivas privadas e também devido ao seu reduzido tamanho, sendo assim mais difícil a transposição dos resultados obtidos para a generalidade dos praticantes de exercício físico; (b) relativamente à análise dos fatores culturais, educacionais e demográficos, não se atingiu a saturação teórica, comparativamente aos fatores psicológicos que foram exaustivamente analisados e saturados; e (c) o facto dos entrevistados serem praticantes inscritos em academias desportivas privadas não permitiu controlar os treinos ou outras atividades de EF exercidas fora das instalações.

Refletindo sobre o contributo conceptual deste estudo para a compreensão do fenómeno, mostrou ser uma mais-valia a integração de constructos oriundos de diferentes modelos psicológicos. Maddux e Dawson (2014), defende a interação entre dimensões situacionais, ambientais, cognitivas, emocionais e comportamentais , uma vez que estas se influenciam mutuamente e permitem uma compreensão mais aprofundada do comportamento.

Relativamente à intervenção, revela-se interessante a criação de programas de promoção, prevenção e de automatização de EF, ajustados ao padrão de comportamento e às necessidades do praticante em causa. Este processo deverá ser abordado e sensibilizado durante o percurso formativo de todos os intervenientes (staff), principalmente dos profissionais de EF, de forma a consciencializar sobre a profundidade e complexidade desta tomada de decisão de adoção e manutenção de um comportamento saudável. Esta necessidade de ajustamento das estratégias de intervenção dos profissionais de EF ao tipo de praticante é confirmada pelos resultados obtidos, verificando-se que a atividade desportiva é percecionada de formas distintas, seja como um estilo de vida (M1-P1), um mal necessário (M6-P1), um refúgio (M6-P2), ou até mesmo, um vício (M12-P5).

 

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Agradecimentos:
Nada a declarar
Conflito de Interesses:
Nada a declarar.
Financiamento:
Este estudo foi apoiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (SFRH / BD / 71369 / 2010)

Artigo recebido a 07.12.2015; Aceite a 19.06.2017

 

 

Correspondência para: Universidade do Minho, Escola de Psicologia, Campus de Gualtar, 4710-057-Braga, Portugal E-mail: rgomes@psi.uminho.pt

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