SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.13 número2Correlations between the simulated military tasks performance and physical fitness tests at high altitudeRelações entre imagem corporal e perfil somatotípico em mulheres jovens índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Motricidade

versão impressa ISSN 1646-107X

Motri. vol.13 no.2 Ribeira de Pena jun. 2017

https://doi.org/10.6063/motricidade.7895 

ARTIGO ORIGINAL

 

Comparação de variáveis cinemáticas da marcha em esteira e em solo de indivíduos com doença de Parkinson

 

Life Comparison of kinematic variables of gait on a treadmill and on soil of individuals with Parkinson's disease

 

 

Késia Maísa Amaral-Felipe1,*; Patrícia de Aguiar Yamada1; Maira Peloggia Cursino1; Bárbara Fernandes Rodrigues2; Camilla Zamfolini Hallal3; Flávia Roberta Faganello-Navega2

1 Universidade Estadual Paulista, UNESP, Rio Claro, SP, Brasil
2 Universidade Estadual Paulista, UNESP, Marília, SP, Brasil
3 Universidade Federal de Uberlândia, UFU, Uberlândia, MG, Brasil

 

 


RESUMO

A esteira ergométrica vem sendo utilizada para análise da marcha em muitos estudos, porém, torna-se necessário verificar se a marcha em esteira pode reproduzir de modo similar a marcha em solo. O objetivo do presente estudo foi comparar as variáveis cinemáticas da marcha em esteira e em solo em pacientes com Doença de Parkinson. A amostra foi constituída por sete indivíduos de ambos os gêneros, com diagnóstico de Parkinsonismo idiopático que realizassem marcha independente. Foi realizada avaliação biomecânica da marcha em solo com velocidade de preferência por cinco vezes consecutivas. Os participantes caminharam em um circuito para garantir uma marcha contínua. A análise da marcha em esteira foi realizada por 30 minutos após protocolo de familiarização. Não foram encontradas diferenças significativas nas variáveis analisadas entre a marcha em solo e em esteira dos participantes. A marcha em solo é semelhante, em relação às variáveis cinemáticas analisadas, à marcha em esteira após período de familiarização.

Palavras-chaves: Doença de Parkinson, marcha, solo, esteira ergométrica.


ABSTRACT

The treadmill has been used for gait analysis in many studies, however, it is necessary to check whether the treadmill gait can reproduce similarly to gait on soil. The aim of this study was to compare gait kinematic variables on a treadmill and on soil in patients with Parkinson's disease. The sample consisted of seven individuals of both genders, diagnosed with idiopathic Parkinsonism who performed independent walking. Gait biomechanical analysis on soil with preferred speed for five consecutive times was performed. Participants walked on a circuit to ensure continuous walk. Gait analysis on the treadmill was realized for 30 minutes after familiarization protocol. No significant differences were found on the variables between gait on soil and on the treadmill of the participants. The gait in soil is similar, in relation to the kinematic variables analyzed, to the treadmill gait after familiarization period.

Keywords: Parkinson's disease, gait, soil, treadmill.


 

 

INTRODUÇÃO

A doença de Parkinson (DP) é uma doença neurodegenerativa que está entre as que mais acarretam distúrbios do movimento em todo o mundo (Rodriguez, Roemmich, Cam, Fregly, & Hass, 2013). Os principais comprometimentos motores são tremor, rigidez muscular, bradicinesia, além de alterações posturais e no equilíbrio (Morris, 2000).

A combinação dos comprometimentos motores da DP resulta em modificações nas variáveis espaço-temporais da marcha, como o aumento na cadência, diminuição do comprimento do passo e aumento progressivo da velocidade resultante da anteriorização do centro de massa, causado pela típica postura em flexão de tronco (Dias, Fraga, Cacho, & Oberg, 2005; Morris, 2000; Perry, 2005). Além dessas alterações, estudos revelam que com a progressão da doença ocorre encurtamento na largura do passo, os calcanhares tendem a arrastarem-se no chão durante o caminhar, há diminuição da dissociação das cinturas pélvica e escapular, reduzindo assim o balanço dos braços e a rotação do tronco, o que dificulta a mudança de direção durante a marcha fazendo com que os pacientes realizem esse movimento com maior rigidez (Coelho, Patrizzi, & Oliveira, 2006; Ferraz & Borges, 2002; Gonçalves, Leite, & Pereira, 2011; Melnick, 2004).

Sendo a marcha um aspecto fundamental para garantir a independência de um indivíduo, durante suas atividades de vida diária, a análise da marcha torna-se importante para compreender as variáveis presentes na locomoção e assim fundamentar o tratamento de doenças que comprometem o aparelho locomotor (Melnick, 2004; Rubinstein & Giladi, 2002; Winter, 1976).

Muitas são as formas de reabilitação para aprimorar a funcionalidade da marcha. Uma dessas formas é o treino de marcha em esteira, que vem sendo muito utilizada pela repetição contínua da prática do andar, favorecendo a aprendizagem motora da marcha. Esse conceito foi alcançado por meio de estudos feitos com animais, onde os padrões de marcha próximos ao normal foram atingidos através do treino em esteira (Leon, Hodgson, Roy, & Edgerton, 1998).

Segundo Williams, Peterson, e Earhart (2013) o treino da marcha em esteira é vantajoso, pois proporciona melhora na velocidade, na largura e no comprimento de passo, e tem a vantagem de ser acessível na maioria das clínicas de fisioterapia. Entretanto, como a meta final dos pacientes é andar no solo, é de suma importância que a estratégia do controle motor utilizada durante cada modalidade seja similar, possibilitando que o aprendizado adquirido no treino de marcha em esteira seja transferido para a marcha no solo (Williams, Peterson, & Earhart, 2013).

Além de seu uso para treinamento, a esteira vem sendo utilizada como ferramenta para a análise da marcha em muitos estudos, pela possibilidade da utilização de um ambiente controlado e avaliação de maior número de passos em um espaço reduzido (Mendes, 2009; Lee & Hidler, 2008). Porém, pesquisadores levantaram o questionamento se a marcha em esteira pode reproduzir de modo similar à marcha em solo, para que a avaliação da marcha seja considerada fidedigna (Lee & Hidler, 2008; Riley, Paolini, Della Croce, Paylo, & Kerrigan, 2007).

Diversos estudos foram realizados a fim de comparar a marcha em esteira e solo em diferentes populações, porém os resultados ainda não são conclusivos. Riley et al. (2007), sugerem que as características cinemáticas da marcha em esteira em velocidade confortável auto selecionada são muito semelhantes às do solo em adultos jovens após observarem 12 ciclos da marcha.

Por outro lado, Wass, Taylor e Matsas (2005) após observarem a marcha em esteira a cada 2 minutos totalizando 14 minutos em velocidade confortável e compararem com a marcha em solo, chegaram à conclusão que não há similaridades das variáveis cinemáticas de angulação de joelho e cadência nas duas situações em idosos saudáveis. Estudo de Watt et al. (2010) também em idosos saudáveis, relatam que na esteira os participantes mostraram maior cadência, menor comprimento e tempo de passo, e, redução na maioria dos ângulos articulares quando comparados com a marcha em solo. Os autores acreditam que para a esteira se tornar uma ferramenta adequada para fins de análise de marcha em idosos saudáveis, os indivíduos devem ser devidamente habituados à esteira. Em indivíduos hemiparéticos as variáveis espaço-temporais da marcha mostraram maior cadência, menor comprimento e tempo de passo no membro inferior parético na esteira quando comparadas ao solo após analisarem 5 ciclos de marcha.(Mendes, 2009).

Em relação a indivíduos com DP, apenas três estudos foram realizados a fim de verificar se há diferenças nos padrões de marcha em esteira e solo. Dois desses estudos foram realizados por Frenkel-Toledo et al. (2005a,b). Um apresenta a comparação de 2 minutos de caminhada no solo e na esteira, e revela que durante a caminhada na esteira, tanto nos indivíduos com DP quanto nos saudáveis ocorre redução da variabilidade do tempo de passada e de balanço. Os autores sugerem, portanto, que durante a marcha em esteira os indivíduos com DP são capazes de realizar um padrão de marcha mais estável (Frenkel-Toledo et al., 2005a). No outro estudo os autores analisaram a variabilidade do tempo de passada e a variabilidade do tempo de balanço em indivíduos saudáveis e com DP em diferentes velocidades na esteira e em solo. Em ambos os grupos houve uma significativa associação entre a velocidade de marcha e a variabilidade do tempo de passada. Velocidades mais elevadas foram associadas com menores valores de variabilidade temporal da passada em esteira e em solo, entretanto a variabilidade do tempo de balanço não se alterou em resposta às alterações nas velocidades de marcha nas duas situações em ambos os grupos (Frenkel-Toledo et al., 2005b).

O terceiro estudo foi realizado por Bello, Sanchez, e Olmo (2008), no qual os autores compararam indivíduos com DP em diferentes estágios de severidade da doença. Os autores encontraram que pacientes com DP, no estágio 3 da escala de Hoehn e Yarh (H&Y), apresentaram diminuição da cadência e aumento no comprimento do passo após 20 minutos de marcha em esteira em comparação com a marcha no solo. Já, indivíduos no estágio moderado da DP (H&Y 2-2,5) as características da marcha são similares nas duas situações.

É importante salientar que a marcha em esteira não é uma tarefa familiar para muitos indivíduos, e há relatos na literatura que após um tempo para adaptação, os dados referentes às variáveis espaço-temporais e angulares envolvidas na marcha em esteira, podem se tornar semelhante à marcha no solo (Riley et al., 2007). Dessa maneira, novos estudos devem ser realizados com o intuito de verificar se indivíduos com DP podem desempenhar na esteira um padrão de marcha semelhante ao realizado em solo após um período de adaptação da marcha em esteira.

Devido à escassez de estudos sobre diferenças e semelhanças da marcha em esteira e solo para indivíduos com necessidades especiais, o presente estudo teve o objetivo de comparar as variáveis cinemáticas, em esteira e solo, em indivíduos com DP, após período de adaptação da marcha em esteira. Os resultados deste estudo podem ampliar o conhecimento sobre o processo de adaptação de sujeitos com DP à esteira, além de fornecer subsídios para guiar a transferência do treinamento de marcha na esteira para o solo.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo de caráter transversal e descritivo

Amostra

Foram entrevistados para participar do estudo 40 indivíduos com DP, porém 26 indivíduos não se encaixavam nos critérios de elegibilidade, seis não quiseram participar e um não completou o protocolo de participação durante a pesquisa.

Portanto, participaram do estudo sete indivíduos do gênero masculino e feminino, com diagnóstico de doença de Parkinson idiopática, classificados nos estágios de 1 a 3 da escala de Hoehn e Yahr nos quais é possível a realização de marcha independente (Hoehn & Yahr, 1967). Os critérios de elegibilidade incluíam a realização de marcha independente sem o uso de dispositivos auxiliares, não estar em fase de adaptação farmacológica, não apresentar dor, fratura, ou lesão grave em tecidos moles nos seis meses pregressos ao estudo, não apresentar histórico de alterações cognitivas e demais comprometimentos neurológicos, bem como alterações cardiovasculares ou respiratórias não controladas, e, ser capaz de compreender as instruções verbais. Todos os participantes realizaram as avaliações na fase “on” dos medicamentos para DP.

O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp-Marília (0981/2014). Todos os voluntários foram informados sobre os procedimentos, bem como do fato desses não afetarem negativamente sua saúde. Foram esclarecidos também quanto ao sigilo das informações coletadas e o sigilo das identidades dos mesmos. Após terem lido e concordado, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de acordo com a resolução 196/96 e suas complementares do Conselho Nacional de Saúde.

A caracterização dos sujeitos do estudo está expressa na Tabela 1.

 

 

Viabilidade do projeto

Para o desenvolvimento do projeto foi utilizada a infraestrutura das dependências do Centro de Estudos de Educação e Saúde (CEES), da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, UNESP, campus Marília, o qual oferece infraestrutura e equipamentos adequados para a execução do projeto.

Instrumentos

Para a coleta de dados foram utilizados o teste de caminhada de 10 metros para verificar a velocidade de marcha usual, duas câmeras Sony® com frequência de amostragem de 60Hz para obtenção dos dados cinemáticos, marcadores fotorreflexivos, uma esteira ergométrica Modelo Máster – Inbramed® e um circuito para análise da marcha em solo. Os dados foram processados utilizando o programa Peak Motus Motion Measurement System, versão 9.0 e as análises estatísticas realizadas no programa PASW statistics 18.0® (SPSS).

Procedimentos

Os procedimentos de coleta de dados foram realizados em dois dias consecutivos, no mesmo horário e de forma individual. Antes da chegada do participante as câmeras eram posicionadas lateralmente e posteriormente à área de coleta em solo (figura 1). No primeiro dia o participante foi orientado detalhadamente sobre os objetivos e procedimentos do estudo, sendo, em seguida, verificada a pressão arterial. A coleta de dados foi iniciada pela avaliação cinemática da marcha em solo. Os dados cinemáticos foram coletados durante toda a avaliação da marcha, sendo que a câmera posicionada lateralmente à área da coleta foi utilizada para obtenção dos dados de comprimento de passo, enquanto a câmera posicionada posteriormente foi utilizada para obtenção dos dados de largura de passo. As câmeras eram acionadas pelos avaliadores de modo sincronizado. A calibração do ambiente foi realizada antes do início de cada coleta bem como a fixação dos marcadores fotorreflexivos.  Os marcadores fotorreflexivos foram fixados nos seguintes pontos anatômicos no hemicorpo direito: trocanter maior, face lateral da linha articular do joelho, maléolo lateral, base do terceiro metatarso e calcâneo; no hemicorpo esquerdo: maléolo medial, base do terceiro metatarso e calcâneo.

 

 

A avaliação da marcha em solo foi realizada em um circuito que possibilitou marcha contínua, sem interrupções, como ilustra a Figura 1. Estudos apontam que alterações nos parâmetros da marcha são mais facilmente identificadas em situações de marcha contínua do que em marcha realizada em espaço restrito, pois esta última causa alterações no ritmo locomotor (Kang & Dingwell, 2008; Paterson, Lythgo, & Hill, 2009). Além disto, existe uma dependência entre os ciclos da marcha, ou seja, a maneira com que o indivíduo executa um passo é afetada pelos passos anteriores e, deste modo, contínuas interrupções durante a avaliação da marcha podem trazer efeitos adversos na análise do padrão de marcha (Dingwell, Cusumano, Cavanagh, & Sternad, 2001; Paterson et al., 2009). Os participantes caminharam no circuito em velocidade de preferência por cinco vezes consecutivas para a familiarização com o circuito e depois mais cinco vezes para a avaliação da marcha.

Após a análise cinemática realizada em solo, os participantes foram submetidos ao teste de caminhada de 10 metros, no qual o participante devia caminhar por uma distância de 10 metros em linha reta em sua velocidade de preferência enquanto o tempo era cronometrado. O teste foi realizado por três vezes e então, calculou-se o resultado através da média dos valores obtidos durante as três tentativas. Para eliminar o componente de aceleração e desaceleração foram desconsiderados os primeiros e últimos 1,2 metros do percurso (Watson, 2002).

Ainda no primeiro dia foi realizado o protocolo de familiarização de marcha em esteira proposto por Bello, Sanchez e Olmo (2008), com duração de 20 minutos. Durante a familiarização, o participante caminhava na mesma velocidade do Teste de caminhada de 10 metros.

No segundo dia, o participante foi submetido à avaliação cinemática da marcha em esteira. Antes do início da coleta dos dados cinemáticos as câmeras foram posicionadas lateralmente e posteriormente à esteira, e semelhante à análise da marcha em solo, a câmera posicionada lateralmente foi utilizada para obtenção dos dados de comprimento de passo enquanto a câmera posicionada posteriormente foi utilizada para obtenção dos dados de largura de passo. Também foi realizada a calibração do ambiente bem como a fixação dos marcadores fotorreflexivos nos mesmos pontos anatômicos do dia anterior. Os pacientes caminharam na esteira em velocidade de preferência por 30 minutos e a captura dos dados cinemáticos através das câmeras foi realizada a cada cinco minutos.

Todos os procedimentos na esteira foram realizados com o uso de um cinto de segurança conectado a um cabo de aço fixado à uma estrutura metálica de suporte para evitar quedas.

Processamento e análise dos dados

Para análise dos dados cinemáticos referentes ao comprimento, largura e variabilidade do comprimento de passo foram considerados os 40 passos iniciais da marcha em solo e em cada minuto filmado na esteira, os quais foram mensurados e analisados de modo bidimensional através do programa Peak Motus Motion Measurement System, versão 9.0, que permite registrar o posicionamento e deslocamento dos segmentos corporais, a partir da marcação dos pontos articulares e posterior análise dos dados, sendo em seguida, realizada a média dos 40 passos coletados em cada momento.

Os dados referentes ao comprimento de passo foram normalizados de acordo com o comprimento do membro inferior direito de cada voluntário medido a partir do trocanter maior até o maléolo lateral.

A comparação dos dados cinemáticos coletados em solo e em esteira foi apresentada em valores de média e desvio-padrão. Em adição foi realizado o cálculo da variabilidade do comprimento de passo (Dingwell et al., 2001; Dingwell & Marin, 2006).

A normalidade dos dados foi confirmada pelo teste de Shapiro-Wilk. Em seguida a análise estatística foi realizada pelo teste ANOVA One Way com Post Hoc de Bonferroni por meio do software PASW statistics 18.0® (SPSS). Em todos os testes estatísticos foi adotado o nível de significância de p<0,05.

 

RESULTADOS

A análise estatística apontou que não houve diferença significativa entre as condições de marcha analisadas para o comprimento de passo (F= 0.027, p= 0.873), para variabilidade de comprimento de passo (F= 0.839, p= 0.378) e para largura de passo (F= 0.750, p= 0.403), como mostrado na Tabela 2.

 

 

Os valores de média e desvios-padrão de comprimento de passo, variabilidade de comprimento de passo e largura de passo em solo e nos 1º, 5º, 10º, 15º, 20º, 25º e 30º minutos na esteira estão representados nas figuras 2, 3 e 4 respectivamente.

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Estudos que avaliam os mecanismos de marcha com o uso da esteira apresentam, rotineiramente, como limitações, o fato da marcha em esteira possivelmente causar mudanças nos padrões de marcha em relação ao solo (Lee & Hidler, 2008; Riley et al., 2007). Estas limitações podem ser ainda mais evidentes em indivíduos com alterações de mobilidade, como na DP. Assim, o presente estudo objetivou comparar variáveis cinemáticas, em esteira e solo, em indivíduos com DP após período de familiarização.

Os resultados apontaram que não houve diferença significativa do comprimento de passo, variabilidade do comprimento de passo e largura de passo quando comparamos a marcha em solo e a marcha em esteira após período de familiarização. Ou seja, andar na esteira é semelhante, segundo as variáveis analisadas, a andar em solo em pacientes com DP.

No estudo de Frenkel-Toledo et al. (2005a) os indivíduos com DP apresentaram diferenças na marcha em esteira e solo quando analisados os parâmetros temporais, como o tempo de balanço e tempo de passada, porém, assim como em nosso estudo, também não encontraram diferença no comprimento do passo.

Uma possível explicação para não ocorrência de diferenças nas variáveis cinemáticas, apesar da marcha em esteira não ser uma tarefa familiar aos participantes, deve-se ao fato que de acordo com o estudo de Sousa, 2012, indivíduos com DP quando submetidos a uma estimulação sensorial externa adequada, podem gerar um padrão de marcha normal. Isso acontece porque apesar dessa população apresentar prejuízos nas projeções pálido-corticais internas, a esteira age como uma pista externa que capacita o córtex pré-motor e a área motora suplementar, que permanecem intactas nessa população, a compensar os déficits dos gânglios da base. Desse modo o ritmo constante fornecido pela esteira torna a movimentação dos sujeitos na esteira mais fácil (Filippin, 2009; Sousa, 2012).

De acordo com o estudo realizado por Bello et al. (2008), as alterações ou similaridades entre a marcha em esteira e em solo dependem do estágio da doença de acordo com a escala de Hoehn e Yarh. Os autores apresentam dados que mostram diferenças significativas no comprimento do passo na esteira dos voluntários que se encontram no estágio 3 da escala, enquanto os que se encontram entre 2 – 2,5 (estágio moderado) não apresentam diferenças significativas nos parâmetros cinemáticos da marcha em solo e em esteira. Isso pode-se dever  ao fato da DP gerar um quadro motor hipocinético que se apresenta de modo mais pronunciado nas fases mais avançadas da doença, já que a DP é uma doença neurodegenerativa crônica e progressiva (Barbosa & Sallem, 2005). Os achados do presente estudo corroboram o estudo de Bello et al. (2008) já que a maioria da amostra se encontrava no estágio moderado da doença (2 – 2,5 H&Y). Entretanto, no nosso estudo a amostra selecionada estava entre os estágios de 1 a 3 da escala de Hoehn e Yahr nos quais é possível a realização de marcha independente.

Assim como proposto por Bello et al. (2008), o presente estudo realizou um protocolo de familiarização de 20 minutos na esteira no dia anterior à avaliação de 30 minutos. Possivelmente, o protocolo de familiarização utilizado neste estudo, foi suficiente para adaptação dos pacientes com DP, pois assim como no estudo de Taylor et al. (1996) nossos resultados mostram que após um período de adaptação é possível que haja semelhanças das variáveis espaciais da marcha em solo e em esteira.

Apesar dos achados do estudo serem promissores mostrando que há similaridade entre a marcha em solo e em esteira, o estudo apresenta limitações, uma vez que nós avaliamos apenas comprimento de passo,  variabilidade do comprimento de passo e largura de passo. Para que a an álise cinemática da marcha seja mais abrangente, é necessário analisar também variáveis temporais, e, variação angular do quadril, joelho e tornozelo. Porém, o comprimento de passo continua sendo uma das variáveis mais utilizadas em razão das representações dos ajustes da marcha que essa variável permite analisar, além disso, segundo Kirkwood et al. (2011) esta variável apresenta maior capacidade discriminatória quando comparada às demais utilizadas para avaliar o risco de quedas em idosos. Já a variabilidade do comprimento de passo é uma importante medida de falhas nos mecanismos neurais de controle da marcha e o aumento da mesma é um fator predisponente à quedas pois indica redução da estabilidade. Quanto à largura de passo, esta reflete um distúrbio de equilíbrio durante a marcha, e, seu aumento indica uma compensação gerada a partir de uma instabilidade médio-lateral (Kirkwood et al., 2011; Sousa, 2012).

Em nosso estudo, os indivíduos com DP ao realizarem a marcha em esteira apresentaram valores cinemáticos semelhantes a marcha em solo, apresentando assim a mesma estabilidade nas duas situações, ou seja, a esteira pode ser considerada como um instrumento que permite uma avaliação fidedigna de parâmetros cinemáticos da marcha. Mesmo assim, torna-se necessária a realização de mais estudos que avaliem a marcha em solo e em esteira de indivíduos com DP abordando os diversos parâmetros cinemáticos da marcha, haja vista a grande aplicabilidade da esteira como instrumento de avaliação da marcha.

 

CONCLUSÃO

Podemos concluir que a marcha em solo é semelhante, em relação ao comprimento de passo, variabilidade do comprimento de passo e largura de passo, à marcha em esteira após período de familiarização nos indivíduos com DP.

 

REFERÊNCIAS

Barbosa, E. R., & Sallem, F. A. S. (2005). Doença de Parkinson – Diagnóstico. Revista Neurociências, 13(3),158-165.         [ Links ]

Bello, O., Sanchez, J. A., & Olmo, M. F. (2008). Treadmill walking in Parkinson’s disease patients: Adaptation and generalization effect. Movement Disorders, 23(9), 1243-1249. doi: 10.1002/mds.-22069.         [ Links ]

Coelho, M. S., Patrizzi, L. J., & Oliveira, A. P. R. (2006). Impacto das alterações motoras nas atividades de vida diária na Doença de Parkinson. Revista Neurociências, 14(4), 178-181.         [ Links ]

Dias, N. P., Fraga, D. A., Cacho, E. W. A., & Oberg, T. D. (2005). Treino de marcha com pistas visuais no paciente com Doença de Parkinson.  Fisioterapia em Movimento, 8(4), 43-51.         [ Links ]

Dingwell, J. B., Cusumano, J. P., Cavanagh, P. R., & Sternad, D. (2001). Local dynamic stability versus kinematic variability of continuous overground and treadmill walking. Journal of Biomechanical Engineering, 123(1), 27-32. doi: 10.1115/1.1336798.         [ Links ]

Dingwell, J. B., & Marin, L. C. (2006). Kinematic variability and local dynamic stability of upper body motions when walking at different speeds. Journal of Biomechanics, 39(3), 444-452. doi: 10.1016/j.-2004-12.014.         [ Links ]

Ferraz, H. B., & Borges, V. (2002). Doença de Parkinson. Revista Brasileira de Medicina, 59(4), 207-219.         [ Links ]

Filippin, N. T. (2009). Caracterização da coordenação dos membros inferiores e avaliação dos efeitos de um treino da marcha em esteira com aumento de carga em sujeitos com doença de Parkinson (Tese Doutorado em Fisioterapia). Universidade Federal de São Carlos. < https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/5109>         [ Links ]

Frenkel-Toledo, S., Giladi, N., Peretz. C., Herman, T., Gruendlinger, L., & Hausdorff, J. M. (2005a). Treadmill walking as an external pacemaker to improve gait rhythm and stability in Parkinson's disease. Movement Disorders, 20(9), 1109-1114. doi: 10.1002/mds.-20507.         [ Links ]

Frenkel-Toledo, S., Giladi, N., Peretz, C., Herman, T., Gruendlinger, L., & Hausdorff, J. M. (2005b). Effect of gait speed on gait rhythmicity in Parkinson's disease: variability of stride time and swing time respond differently. Journal Neuroengineering Rehabilitation, 2(23). doi:  10.1186/1743-0003-2-23.         [ Links ]

Gonçalves, G. B., Leite, M. A. A., & Pereira, J. S.(2011). Influência das distintas modalidades de reabilitação sobre as disfunções motoras decorrentes da Doença de Parkinson. Revista Brasileira de Neurologia, 47(2), 22-30.         [ Links ]

Hoehn, M. M., & Yahr, M. D. (1967). Parkinsonism: onset, progression, and mortality. Neurology, 17(5),427–442.         [ Links ]

Kang, H. G., & Dingwell, J. B. (2008). Effects of walking speed, strength and range of motion on gait stability in healthy older adults. Journal of Biomechanics, 41(14), 2899-2905. doi: 10.1016/j.-2008-08.002.         [ Links ]

Kirkwood, R. N, Souza-Moreira, B., Vallone, M. L., Mingoti, S. A, Dias, R. C., & Sampaio, R. F. (2011). Step length appears to be a strong discriminant gait parameter for elderly females highly concerned about falls: a cross-sectional observational study. Physiotherapy, 97(2), 126-131. doi: 10.1016/j.-2010-08.007.         [ Links ]

Lee, S. J., & Hidler, J. (2008). Biomechanics of overground vs. Treadmill walking in healthy individuals. Journal of Applied Physiology, 104(3), 747-755. doi:10.1152/japplphysiol.01380-2006.         [ Links ]

Leon, R. D., Hodgson, J. A., Roy, R. R., & Edgerton, V. R. (1998).  Locomotor capacity attributable to step training versus spontaneous recovery after spinalization in adult cats. Journal of Neurophysiology, 79(3), 1329–1340.         [ Links ]

Melnick, M. E. (2004). Distúrbios dos gânglios da base: distúrbios metabólicos, hereditários e genéticos em adultos. In: Umphred, D. A. (Ed.), Fisioterapia neurológica (4ª ed., pp. 696-733) São Paulo: Manole.         [ Links ]

Mendes, L. A. (2009). Estudo comparativo da marcha de indivíduos hemiparéticos no solo e na esteira. Programa de pós-graduação em fisioterapia. Centro de Ciências da Saúde - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. <http://repositorio.ufrn.br:8080/jspui/handle/123456789/16670>         [ Links ]

Morris, M. E. (2000). Movement disorders in people with Parkinson disease: a model for physical therapy. Physical Therapy, 80(6), 578-597.         [ Links ]

Paterson, K. L., Lythgo, N. D., & Hill, K.D. (2009). Gait variability in younger and older adult women is altered by overground walking protocol. Age and ageing, 38(6), 745-748. doi: 10.1093/ageing/afp-159.         [ Links ]

Perry, J. (2005). Análise de Marcha: Marcha Normal. São Paulo: Manole.         [ Links ]

Riley, P. O., Paolini, G., Della Croce, U., Paylo, K. W., & Kerrigan, D. C. (2007). A kinematic and kinetic comparison of overground and treadmill walking in healthy subjects. Gait & Posture, 26(1), 17–24. doi:10.1016/j.2006-07.003.         [ Links ]

Rodriguez, K. L., Roemmich, R. T., Cam, B., Fregly, B. J., & Hass, C. J. (2013). Persons with Parkinson’s disease exhibit decreased neuromuscular complexity during gait. Clinical Neurophysiology, 124(7), 1390-1397. doi: 10.1016/j.-2013-02.006.         [ Links ]

Rubinstein, T., & Giladi, N. (2002). The power of cueing to circumvent dopamine deficits: a review of physical therapy treatment of gait disturbances in Parkinson's Disease. Movement Disorders, 17(6), 1148-60. doi:10.1002/mds.-10259.         [ Links ]

Sousa, A. V. C. (2012). Efeitos do treino em esteira na marcha com dupla tarefa de indivíduos com doença de Parkinson: ensaio clínico controlado randomizado (Dissertação de Mestrado em Movimento e Saúde). Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.         [ Links ]

Taylor, N. F., Evans, O. M., & Goldie, P. A. (1996). Angular movements of the lumbar spine and pelvis can be reliably measured after 4 minutes of treadmill walking. Clinical Biomechanics, 11(8), 484-486.         [ Links ]

Wass, E., Taylor, N. F., & Matsas, A. (2005). Familiarization to treadmill walking in unimpaired older people. Gait & Posture, 21(1), 72-79. doi: 10.1016/j.-2004-01.003.         [ Links ]

Watson, M. J. (2002). Refining the ten-metre walking test for use with neurologically impaired people. Physiotherapy, 88(7), 386-397.         [ Links ]

Watt, J. R., Franz, J. R., Jackson, K., Dicharry, J., Riley, P. O., & Kerrigan, D. C. (2010). A three-dimensional kinematic and kinetic comparison of overground and treadmill walking in healthy elderly subjects. Clinical Biomechanics, 25(5), 444-449. doi: 10.1016/j.-2009-09.002.         [ Links ]

Williams, A. J., Peterson, D. S., & Earhart, G. M. (2013). Gait coordination in Parkinson disease: effects of step length and cadence manipulations. Gait & Posture, 38(2), 340–344. doi: 10.1016/j.-2012-12.         [ Links ]009.

Winter, D. A. (1976) The locomotion laboratory as a clinical assessment system. Medical Progress Through Technology, 4(3), 95-106.         [ Links ]

 

Agradecimentos:
Nada a declarar
Conflito de Interesses:
Nada a declarar.
Financiamento:
Nada a declarar

Artigo recebido a 30.12.2015; Aceite a 18.12. 2016

 

 

*Autor correspondente: Universidade Estadual Paulista, Departamento de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Avenida Hygino Muzzi Filho, 737, CEP 17525-000, Marília, SP, Brasil. E-mail: kesinha.m.a@gmail.com

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons