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Motricidade

versão impressa ISSN 1646-107X

Motri. vol.13 no.1 Ribeira de Pena mar. 2017

 

ARTIGO ORIGINAL

 

O corpo na Performance Musical: Perceções, Saberes e Convicções

 

The Body in Musical Performance: Perceptions, knowledge and beliefs

 

 

Levi Leonido 1,2,3,*; Beatriz Licursi4; Mário Cardoso5; Elsa Morgado1,3,6

1 Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal
2 Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes, CITAR, Universidade Católica Portuguesa, Escola das Artes, Porto, Portugal
3 Centro de Estudos em Letras, CEL, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal. Universidade de Évora, Évora, Portugal
4 Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil
5 Instituto Politécnico de Bragança, Bragança, Portugal
6 Centro de Estudos Filosóficos e Humanísticos, CEFH, Universidade Católica Portuguesa, Braga, Portugal.

 

 


RESUMO

O estudo que se apresenta inscreve-se no processo de reflexão sobre a relação, relevância e intervenção do corpo na performance musical. Considerando que todo o processo performativo exige e reclama uma participação unificada do instrumento, mente e do corpo, revela-se a necessidade de aprofundar a reflexão acerca dos percepções, saberes e convicções do corpo docente, discente e profissional da área da música. Dada a acção de complementaridade existente entre a dimensão corporal e performativa é fundamental considerar a qualidade que essa relação assume nos processos de aprendizagem. Face aos objetivos do estudo, optámos, assim, por uma concepção metodológica que possibilita uma articulação de abordagens qualitativas e quantitativas, fundamentais para compreender, descrever e interpretar as diferentes representações/percepções dos participantes. Deste modo, foi utilizado como instrumento de recolha de dados a inquirição por questionário (Questionário I e II), dirigido ao corpo docente e discente da área da música da Universidade Federal do Rio de Janeiro e investigadores da Associação Brasileira de Performance Musical. Os resultados obtidos evidenciam que a coordenação diferenciada e os movimentos corporais assumem condição essencial para o músico e respetiva performance.

Palavras-chave: Corpo, Coordenação Motora, Movimento Corporal, Performance Musical


ABSTRACT

The present study is part of a process of reflection on the relation, relevance and intervention of the body in the musical performance. Considering that the entire performative process demands a unified participation of the instrument, mind and body, it is necessary to deepen the reflection about the perceptions, knowledge and convictions of the faculty, student and professional in the field of music. Given the complementarity between body and performative dimension, it is fundamental to consider the quality that this relationship assumes in the learning processes. Given the objectives of the study, we opted for a methodological conception that allows the articulation of qualitative and quantitative approaches, fundamental to understand, describe and interpret the different representations / perceptions of the participants. In this way, the questionnaire survey (Questionnaire I and II) was directed to the faculty and students of the area of music of the Federal University of Rio de Janeiro and researchers of the Brazilian Association of Musical Performance. The obtained results show that the differentiated coordination and the body movements assume an essential condition for the musician and his performance.

Keywords: Body, Motor Coordination, Body Movement, Musical Performance


 

 

INTRODUÇÃO

A performance musical exige processos físicos e mentais do instrumentista (Domeneci, 2013). Estas demandas são postas em prática, tanto a curto como a longo prazo. Objetivando atingir o nível de expert, o músico vê-se obrigado a manter um alto nível de foco mental e físico ao longo dos anos. A execução de uma obra musical reclama a participação unificada do corpo, instrumento e mente, ligando intimamente a perceção corporal à perceção musical. Neste particular, Gardner (1994) refere a existência de uma inteligência corporal que abrange o controlo dos movimentos e a capacidade de manusear objetos (instrumento musical) com habilidade. Em propósitos funcionais ou expressivos, a habilidade de utilização do corpo existe integrada à habilidade de manipulação de objetos. Contudo, o corpo não é apenas essencial para esta manipulação física do instrumento musical, mas também se mostra vital na germinação de ideias expressivas (Davidson & Correia, 2002). Como recipiente do senso do Eu do indivíduo, onde carrega sentimentos, aspirações e a entidade humana, este corpo especial, que se modifica perpetuamente, influencia pensamentos, comportamentos e relações humanas (Licursi, 2016). A aquisição desta consciência corporal, essencial à prática instrumental necessita uma profunda reflexão e observação cuidada do corpo e seus movimentos durante o ato performativo (Gainza, 1988). O corpo assume-se como um agente que reage, movimenta e faz movimentar. Este entendimento do papel do corpo é essencial à expressão artística (Pinto, 2001).

Kuehn (2012) apresenta uma interessante visão sobre esta relação corpo-performance. Para o autor a performance já existe na elaboração dos elementos extramusicais da reprodução musical, da qual fazem parte a gestualidade, a mímica e a destreza técnica, ou seja, o virtuosismo. Esta perspetiva coloca todos estes elementos pertencentes à corporalidade, ou seja, ao ato de fazer musica.

Ao reconhecermos a relevância da integração corpo-mente-instrumento à performance musical estaremos destacando que movimentos geram som através do qual o virtuosismo e a técnica apurada se manifestarão artisticamente. A música estimula sensorialmente o artista para uma resposta corporal e podemos então observar que os gestos corporais são reconhecidamente uma importante base do fazer musical.

Diante dessa constatação está claro o quanto o corpo do artista requisita intensamente a coordenação motora diferenciada, a expressão facial e a respiração que estão intimamente conectados à imaginação criativa do intérprete gerando toda essa partitura corporal e orgânica. Gestos físicos na performance artística comunicam a expressão musical que afeta tanto o músico quanto o público em geral pois são ativadas as inteligências interpessoais, intrapessoais e corporal-cinestésica.

Nos últimos anos, os gestos musicais e movimento do corpo em música têm sido objeto de uma extensa pesquisa interdisciplinar. Contribuições de vários campos, como musicologia, psicologia cognitiva, neurologia e ciência da computação têm trazido novas ideias e perspetivas, dando origem a novos paradigmas para a compreensão do gesto e da música. Em particular, os novos insights de pesquisa na cognição da música inspiraram novos pontos de vista e exigiu um repensar da relação entre o ser humano corpo e experiência musical. Dentro desse quadro teórico, perceção musical é consubstanciado estreitamente com a experiência corporal e multimodal (Peretz & Zatorre, 2005). O gesto pode ser potencialmente uma ponte entre o movimento e significado ignorando o limite entre o mundo físico e experiências vivenciadas (Honing, Cate, Peretz, & Threhub, 2015). Em geral, na cognição incorporada pela música, poderíamos dizer que gestos são um veículo para a construção de um significado musical. Este significa não só que a perceção da música é incorporada, mas que isso é também multimodal no sentido de que nós a percebemos usando vários sentidos através do som, mas também com a ajuda de imagens visuais e sensações de movimento.

Storolli (2011) em seus estudos sobre o corpo na prática musical, valoriza o conceito de mente incorporada a filosofia, a educação e a sociologia, através do qual pode-se reconhecer o corpo como um sistema contínuo de construção do conhecimento, onde não há hierarquia nem ruturas entre mente, espírito e corpo. Para a autora, a cognição encontra-se interligada aos processos corporais, onde o movimento do corpo é concebido como um dos fatores fundamentais para os processos mentais (Storolli, 2011). Complementando sua reflexão, declara que a experiência através da música não se restringe à audição, mas atinge e causa reações por todo o corpo. A performance musical depende em grande parte da atuação do corpo. De acordo com Levitin (2010), Jauset (2013) e Domenici (2013) a performance no ideal do Werktreue é concebida como um ato que parte do abstrato em direção ao concreto. Assenta-se na separação entre mente e corpo e encerra uma relação conflituosa entre o corpo idealizado, concebido como um canal livre para a transmissão de um ideal abstrato, e o corpo real, o qual precisa ser disciplinado de acordo com o ideal dessa prática. Buscando a negação da corporeidade, esse processo implica na ocultação da associação entre som e movimento. A corporeidade é vista como um subproduto da ação performática, onde tudo o que extrapola o absolutamente necessário à realização da obra deve ser evitado, ocultado ou desconsiderado, fazendo com que o performer solape a sua própria presença física na condição de mediador imperfeito. A negação da corporeidade na performance desloca a autoridade para fora do corpo, buscando coibir a ameaça que este representa à autoridade do compositor/obra.

O presente estudo aborda questões sobre a integração corpo-mente instrumento na arte musical investigando as ações, representações e pensamentos, valorizado o depoimento dos variados intérpretes, professores e alunos, que nos permitam distintas alumiações sobre o tema da pesquisa além de possivelmente trazer novas formas de percepção sobre o assunto.

Face a todos estes indicadores, temos como objetivo aprofundar a reflexão acerca dos percepções, saberes e convicções do corpo docente, discente e profissional da área da música sobre o papel do corpo (coordenação motora diferenciada e os movimentos corporais) no processo de execução musical. Deste modo, o presente estudo considerou as seguintes hipóteses: (1) uma coordenação motora diferenciada é condição essencial para músicos; (2) os movimentos corporais são componentes importantes para a performance musical.

 

MÉTODO

Amostra

Foi utilizada uma amostra de conveniência constituída por discentes da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (n=500), com idades compreendidas entre ao 18 e 25 anos, pertencentes aos cursos de graduação-bacharelato e licenciatura. Docentes (n=92) que ministram disciplinas da área da Música da mesma instituição de Ensino Superior e artistas e investigadores vinculados à Associação Brasileira de Performance Musical – ABRAPEM (n=147). A amplitude e diversidade dos participantes, justifica-se pela convicção da obtenção de dados úteis e pertinentes para a compreensão dos modos de entendimento das ações e formação.

O presente estudo foi aprovado pelo Conselho de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Brasil.

Instrumentos

O tipo de instrumento utilizado na recolha de dados foi um inquérito por questionário (Questionário I e II). No primeiro caso (Questionário I), este é composto por trinta questões fechadas (afirmações), tendo sido selecionado o modelo de escala de graduação de Likert (Freixo, 2011; Tuckman, 2000), com campos de marcação organizados a partir de cinco opções graduadas. O coeficiente de consistência interna foi calculado utilizando o valor do Alpha de Cronbach, tendo-se obtido o valor de 0,742, o que revela uma boa consistência interna (Tabachnick & Fidell, 1996; Truckman, 2000). O Questionário II (de opinião) é constituído por dez questões abertas. O procedimento de análise teve por base o Discurso do Sujeito Coletivo (Lefèvre & Lefèvre, 2005). Ambos os questionários foram aplicados à totalidade dos participantes deste estudo.

Procedimento

Inicialmente foi contactado os responsáveis da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho) e a Associação Brasileira de Performance Musical com o intuito de os informar e solicitar autorização para a realização do estudo. Após informados de todos os objetivos do estudo, foi obtido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e Documento Comprobatório do Consentimento da Instituição Coparticipante, sendo garantido a todos os participantes o princípio de confidencialidade. Os questionários (I e II) foram aplicados de forma individual e validados pelo investigador responsável.

Análise estatística

Para o tratamento estatístico dos dados foi utilizado o software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), especificamente a versão 22.0. Para o cálculo da consistência interna recorremos ao Alpha de Cronbach. O nível de significância (p) foi de 5% (p < 0.05).

 

RESULTADOS

A Tabela 1 e 2 apresentam a análise descritiva referente às hipóteses 1 e 2 que norteiam este estudo. Pela sua leitura é visível uma concordância de todos os participantes de que a coordenação diferenciada e os movimentos corporais assumem condição fundamental para o músico e respetiva performance.

Na Tabela 2 são apresentados os valores de p referentes à análise intergrupo. Os resultados revelam que não existem diferenças significativas intergrupo para a hipótese 2. Entretanto, existiram algumas diferenças significativas entre os alunos e os docentes/profissionais na hipótese 1.

Quanto à coordenação motora diferenciada

O estudo de opinião (Questionário II) permitiu constatar que para a além da importância que a coordenação motora pode assumir no ato performativo (DSC 1 e 2), levanta questões sobre a relação (músico – instrumento) e experiência musical corporificada (DSC 3).

Discurso Sujeito Coletivo (DSC) 1. Ideia central (IC): o desenvolvimento da coordenação motora é muito importante para a performance musical.

O desenvolvimento da coordenação motora é muito importante para os músicos para a perceção das expressões musicais, corporais, bem como das habilidades de tocar um instrumento. Requisita sim uma habilidade especial adquirida após muito treinamento.

Discurso Sujeito Coletivo (DSC) 2. Ideia central (IC): a coordenação motora como fator de ajuda no processo de execução da música em sua forma definida e específica.

A música, porém, não se limita a partituras e composições, há de se considerar canções e até mesmo improvisos - que são tanto qualquer música quanto nenhuma. Diferentes recursos exigem diferentes níveis de coordenação.

Discurso Sujeito Coletivo (DSC) 3. Ideia central (IC): a experiência musical corporificada envolve a consideração do corpo e da mente.

No caso de nós pianistas, temos a vantagem de estar sempre trabalhando esta questão em nossas obras musicais, que requerem (de maneira geral) habilidades por vezes opostas das duas mãos, e pés. O mesmo acontece com bateristas, percussionistas, organistas e outros instrumentos que se lida com mais de uma voz, ou seja, talvez os instrumentos melódicos e cantores devessem se ater a essa questão, observar se há alguma lacuna nesse lado do seu preparo técnico/artístico e buscar soluções compensatórias (se for o caso).

Quanto aos movimentos corporais

Em relação à importância dos movimentos corporais no ato performativo musical, os resultados exibem os seguintes indicadores:

Discurso Sujeito Coletivo (DSC) 4. Ideia central (IC): a performance musical é alicerçada por movimentos corporais integrados à Música.

O alicerce da performance musical não são somente movimentos corporais integrados, é a capacidade de dominá-los e domá-los ao formato que se deseja para cada tipo de situação ou movimento de uma música. Além de se levar em conta a técnica o conhecimento e a prática.

Discurso Sujeito Coletivo (DSC) 5. Ideia central (IC): os movimentos corporais e as representações mentais.

Tomemos como exemplo um músico multi-instrumentista: ele pode tocar uma mesma peça em diferentes instrumentos. Cada instrumento exigirá dele uma atividade corporal peculiar, específica. Por outro lado, o referido artista pode realizar alguns movimentos corporais de forma universal naquela peça, não importando o instrumento musical que ele esteja tocando. Mas o importante é que todos os movimentos que o artista realiza decorrem da representação mental que ele criou para si mesmo da obra em questão

 

DISCUSSÃO

Verifica-se entre os grupos uma certa oscilação quanto a ideia de que não existe performance musical sem uma coordenação motora diferenciada. Ocorre uma discrepância importante entre as perceções dos alunos e dos profissionais (taxa mais elevada). Uma vez que um sistema motor refinado se afigura como imprescindível para a performance musical, causa estranheza esta perceção dos alunos em relação ao virtuosismo gestual (Kuehn 2012), posto que a performance não se limita à audição, mas atinge e causa reação em todo corpo que através de gestos e expressões faciais estabelece um processo comunicacional. A afirmação de que uma coordenação motora apropriada à performance musical pode ser produto de outras atividades motoras.

Como observado a maioria dos respondentes apontaram o desenvolvimento da coordenação motora como muito importante para a performance musical (ver DSC 1). Contudo existem escolas que pregam o trabalho da coordenação motora separada do trabalho artístico. Outras escolas pregam a necessidade de nunca se separar a questão motora do musical. Existem ainda outras que tentam conciliar estas duas escolas antagônicas. Acreditamos que não pode haver um alto grau de excelência musical sem uma coordenação muito bem trabalhada, da mesma forma que apenas a questão motora trabalhada, sem um aporte mais abrangente em outras questões também apresentará resultados inferiores.

O DSC 2 revela que a coordenação motora ajuda no processo da execução da música em sua forma definida e específica. A música como arte temporária envolve um movimento no espaço e no tempo. Ela está ligada à forma como a experiência é constituída. A dinâmica implícita em todo tipo de experiência está ligada com a realidade como ela é apresentada para nós: não podemos esquecer que somos corpos e nós interagimos com outros corpos em movimento. É por isso que para um estudo da experiência do músico deve considerar seu corpo no contexto da prática da música que ele executa.

A caracterização do corpo de um músico está ligada ao conceito de instrumento musical como prática musical que envolve um fluxo sonoro que ocorre através do movimento. Desta forma, “fazer” música não escapa à ideia de corpo porque a energia envolvida no movimento requer um organismo (Ramos, 2010). Seja qual for o caso, a caracterização da música, a prática contempla em seguida, um ou mais músicos e seus instrumentos. A relação entre o músico e seu instrumento será o núcleo do estudo, como determina a sua experiência para o ambiente no espaço e no tempo, como é evidenciado pelo DSC 3. A experiência musical corporificada envolve a consideração do corpo e mente. Do mesmo modo, uma pessoa, muitas vezes considera de uma forma integrada, um corpo e uma mente (PINTO, 2001).

Todos estes indicadores ratificam a hipótese 1 - uma coordenação motora diferenciada é condição essencial para músicos.

Os movimentos e as expressões também geram processos comunicacionais inter e intrapessoais, pois a inteligência corporal-cinestésica faz uso de todo o corpo para expressar ideias e sentimentos (Armstrong, 2001). Neste particular, a nossa amostra revelou ainda que os movimentos exagerados são prejudiciais à performance musical. Esta concordância parece derivar do fato de existir um entendimento tácito de que a música é um processo comunicacional e que o sentido da mensagem pode ser comprometido se não houver precisão nos toques, gerando a necessidade de movimentos corporais refinados (Cross, 2006), independentemente da intensidade e caracter da obra musical.

Movimentos corporais observados em toques expressivos são peculiares às distintas representações musicais. Menuhin (1990) menciona que “a música tem a particularidade de gerar emoções e representações mentais incompreensíveis em linguagem verbal”. Nesta direção Damásio (2011) defende que na arte musical a conduta mental para a interpretação da obra apresenta sempre algo novo resultante da transformação da partitura musical em representações sonoras inteiramente novas, algo nunca ouvido, pois cada performance traz em si a recriação da obra de arte. Este ponto de vista é ratificado por pesquisas como a de Madeira e Scarduelli (2014), segundo a qual a formação musical de crianças, iniciadas em idade jovem, resulta em melhor desempenho cognitivo e, possivelmente, o desenvolvimento de habilidades musicais excecionais, tais como ouvido absoluto. Sloboda (1986) acompanha este raciocínio inferindo que a compreensão e o domínio de exercícios específicos aliados à competência cognitiva resultarão num melhor discernimento e organização do pensamento musical quando da aquisição das habilidades musicais. Perante os atuais resultados, parece ser lícito afirmar que a coordenação motora é necessária ao músico e desenvolve-se de modo mais eficiente no próprio processo de formação.

A DSC 4 revela que a performance musical é alicerçada por movimentos corporais integrados à Música. Neste particular, Sloboda (1986), refere que a performance pode ser entendida a partir de vários sentidos com um conceito mais abrangente, considerando performance todo tipo de execução musical em qualquer contexto. O importante é que a performance seja uma execução consciente do músico.

Corpo, mente e instrumento trabalham inseparavelmente para uma beleza única e sublime, a beleza da arte. Na cultura musical não prescindimos da poesia nem do gesto que demandam à mente e ao corpo requintes de expressão corporal e sonora como a apresentação de mágicas invisíveis e refinadas que tanto nos atingem e nos provocam reações sensíveis e belas. A interdisciplinaridade se faz presente desde a gênese da obra artística, ainda que de maneira inconsciente. Desta forma, a reconhecemos significativamente indispensável à criação e suas representações através das quais se perpetuam no Universo (ver DSC 5).

 

CONCLUSÕES

O presente estudo revelou que durante o ato performativo o corpo precisa estar ajustado para produzir o efeito musical desejado, isto é, precisa estar coordenado para executar com precisão o movimento pretendido. Esta conceção de que a integração corpo-mente-instrumento possibilita uma performance musical na qual o consciente desenvolvimento da coordenação motora em interface com o desenvolvimento musical é o respaldo essencial para a transmissão artística. Se considerarmos que essa aprendizagem depende da integração de vários processos cerebrais, então as expressões corporais associadas à aprendizagem e à performance musical afetam favoravelmente as demandas da atenção e memória que se dão em função do aprimoramento da coordenação e da capacidade de alternar as diferentes tarefas que estão envolvidas no ato performativo desde o período de aprendizagem de um instrumento musical.

O desempenho corporal na representação musical é mais do que uma
implementação física. Fazer música coloca o corpo em um campo musical, e como o corpo faz movimentos de música e orienta-se no campo musical é fundamental para uma apreciação completa dessa experiência.

 

REFERÊNCIAS

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Agradecimentos:
Nada a declarar
Conflito de Interesses:

Nada a declarar.
Financiamento:
Nada a declarar

Artigo recebido a 20.12.2015; Aceite a 18.08.2016

 

 

* Autor correspondente: Departamento de Letras, Artes e Comunicação, Polo I da Escola de Ciências Humanas e Sociais da UTAD, Quinta de Prados 5001-801 Vila Real. E-mail: levileon@utad.pt

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