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versão impressa ISSN 1646-107X

Motri. vol.12  supl.1 Ribeira de Pena dez. 2016

 

ARTIGO ORIGINAL

 

A aptidão física pode ser usada como fator discriminativo de crianças com provável Desordem Coordenativas Desenvolvimental?

 

Can the physical fitness to utilized as discriminative factor t of children with probable developmental coordination disorder?

 

 

Glauber Carvalho Nobre1,2,*; Larissa Wagner Zanella1; Francisco Cristiano da Silva Sousa3,4; Maria Helena da Silva Ramalho1; Márcio Alves de Oliveira5; Nadia Cristina Valentini1

1Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança (ESEFID), Programa de Pós-graduação em Ciências do Movimento Humano (PPGCMH), Porto Alegre, Brasil;
2Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Ceará (IFCE), Ceará, Brasil;
3Centro Universitário Católica de Quixadá (UniCatólica), Quixadá, Brasil;
4
Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Vila Real, Portugal;
5
University of Maryland at College Park, Department of Kinesiology, Maryland, United States of America.

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi investigar se o desempenho em testes de aptidão física pode ser utilizado como fator discriminativo de crianças com provável Desordem Coordenativa Desenvolvimental (DCD) e, por conseguinte, caracterizar-se como parâmetro de controle no processo de reabilitação da coordenação motora. Participaram 57 crianças, de ambos os sexos, com idades entre nove e doze anos. Conforme os resultados obtidos no Movement Assessment Battery for Children (MABC-2) as crianças foram divididas em dois grupos: DCD (n=29) e desenvolvimento típico DT (n=28). Os seguintes testes de aptidão física foram administrados: sentar e alcançar adaptado (flexiblidade), apoio de frente e suspensão na barra adaptada (força/resistência de membros superiores), força de preensão manual e salto horizontal (força/potência de membros inferiores). A análise de variância one way revelou que o grupo de crianças com DCD apresentou desempenho significativamente mais baixo nos testes de força e resistência muscular. Além disso, a análise discriminante linear de Fisher indicou que a força e resistência muscular de membros superiores e inferiores discriminam crianças com DCD e DT. Conclui-se que a força e resistência muscular caracterizaram-se como variáveis discriminatórias críticas na análise da aptidão física de crianças com DCD. Visto que o fator força é um requisito primário para a coordenação e controle motor, os resultados desse estudo sugerem que os testes de força e resistência muscular adotados podem servir como parâmetros de prognóstico e reabilitação das crianças com DCD.

Palavras-chave: desordem coordenativa desenvolvimental, crianças, aptidão física


ABSTRACT

The aim was to investigate if the performance in physical fitness tests can be used as discriminant factor for children with probable developmental coordination disorder (DCD) and to characterize, therefore, as control parameter in reliability process of motor coordination. Participated 57 children, both genders, 9 to 12 years-old divided in two groups: DCD (n=29) and typical development (n=28) according results scored by Movement Assessment Battery for Children -2 (MABC-2). All the children performed the physical fitness tests as follow: adapted seat and reach (flexibility), push up and modified pull up tests (strength/resistance of upper limb), handgrip strength and horizontal jump (strength of lower limb). One way analysis of variance shown significant low performance in DCD group in strength and resistance tests. Furthermore, the Fisher’s linear discriminant analysis shown that strength and resistance of upper and lower limb discriminated the DCD and DT children. Strength and resistance were characterized as critical discriminant variables for analysis of physical fitness in DCD children. Since the strength is a primary requisite for motor coordination and control, these results suggest that strength and resistance tests can to serve as diagnostic and rehabilitation parameters of the DCD children.

Keywords: developmental coordination disorder, children, physical fitness


 

 

INTRODUÇÃO

Crianças com Desordem Coordenativa Desenvolvimental (DCD) são caracterizadas pela baixa proficiência motora não relacionada a patologias neurológicas ou prejuízos intelectuais severos (APA, 2000) a qual resulta em dificuldades na realização de tarefas de vida diária (ex: segurar objetos, escrever, saltar, correr, caminhar) (APA, 2000; Vaivre-douret, 2014). Déficits de proficiência reportados em crianças com DCD dificultam a aquisição e manutenção de níveis adequados de componentes da aptidão física relacionada à saúde ou ao desempenho esportivo como a força muscular, resistência, flexibilidade e composição corporal (Cairney, Hay, Veldhuizen, Missiuna, & Faught, 2010; Li, Wu, Cairney, & Hsieh, 2011).

Frequentemente, resultados de pesquisa têm reportado que crianças com DCD apresentam baixo desempenho na força (Cantell, Crawford, & Doyle-Barker, 2008; Haga, 2008; Haga, 2009; Li, Wu, Cairney, & Hsieh, 2011; Santos, Ribeiro, Pelegrini, Rocha, & Hiraga, 2012; Tsiotra, Nevill, Lane, & Koutedakis, 2009), resistência muscular (Cantell et al., 2008; Santos et al., 2012) e flexibilidade (Cantell et al., 2008). Ao longo do tempo crianças com DCD podem não apresentarem aumentos de força e resistência e experienciarem decréscimos na flexibilidade (Li et al., 2011). A prevalência de sobrepeso e obesidade tem sido reportada em percentuais significativamente mais elevados para os grupos de crianças com DCD em diferentes faixas etárias (Cairney et al., 2010; Cairney, Hay, Faught, & Hawes, 2005; Cantell et al., 2008; Zhu, Sheng, & Cairney, 2011).

Entretanto, embora em menor número, alguns estudos sugerem que crianças com DCD demonstram desempenho similar às crianças DT em tarefas de força (Kanioglou, 2006; Nascimento et al., 2013) e flexibilidade (Nascimento et al., 2013; Schott, Alof, Hultsch, & Meermann, 2007; Santos et al., 2012; Tsiotra et al., 2009); bem como similaridade no IMC em diferentes idades (Santos et al., 2012; Wu, Lin, Li, Tsai, & Cairney, 2010), e ao longo do tempo (Hands, 2008). O menor desempenho em testes de aptidão física e o aumento de sobrepeso e obesidade podem expor crianças com DCD a riscos mais elevados de apresentarem patologias crônico-degenerativas (ex: cardiopatias diversas, obesidade, hipertensão arterial sistêmica), problemas posturais, lesões musculares e articulares (Zhu et al., 2011). A aptidão física, então, configura-se como um importante aspecto a ser investigado e que pode servir como parâmetro para o encaminhamento de crianças com DCD a programas de reabilitação. Ainda mais, a maioria das pesquisas sobre o tema não foram conduzidas no Brasil, evidenciando um desconhecimento sobre o comportamento estes parâmetros em crianças com DCD brasileiras e se resultados observados em outros países podem apresentar no Brasil a mesma tendência.

Considerando que os resultados de pesquisas são de certa forma contraditórios em relação a aptidão física de crianças com DCD quando comparadas com crianças com desenvolvimento típico (DT) e que estes fatores não tem sido investigado nas pesquisas nacionais; e, sobretudo se testes de aptidão física poderiam ser considerados variáveis auxiliares na discriminação de crianças com DCD para o encaminhamento a programas de reabilitação com ênfase na coordenação e controle motor, o objetivo da presente pesquisa foi investigar se o desempenho em testes de aptidão física pode ser utilizado como fator discriminativo de crianças com provável Desordem Coordenativa Desenvolvimental (pDCD) e, por conseguinte, caracterizar-se como parâmetro no processo de reabilitação da coordenação e controle motor.

 

MÉTODO

Participantes

Inicialmente 380 crianças de ambos os sexos provenientes de escolas públicas do Ceará - Brasil foram avaliadas usando o Movement Assessment Battery for Children – second edition - MABC-2 (Henderson, Sugden, & Barnett, 2007). Utilizando os pontos de corte reconhecidos na literatura (DCD percentil ≤ 5; DT ≥ percentil 15) 29 crianças foram categorizadas como DCD e 306 com DT. Para compor o grupo DT 28 crianças foram aleatoriamente selecionadas e estratificadas por sexo e idade dentre as 306 crianças categorizadas com desenvolvimento típico.  Portanto, a amostra do presente estudo foi composta de 57 crianças (nove e 12 anos) sendo 29 crianças com DCD e 28 com DT. Foi adotado no presente estudo o termo “provável” uma vez que parte dos critérios da DSM (APA, 2000) para o diagnóstico da DCD foram empregados (significativa interferência do atraso motor em atividades acadêmicas e de vida diária; o atraso motor não associado a uma condição médica geral, ex: paralisia cerebral, hemiplegia, distrofia muscular; se o atraso intelectual está presente, as dificuldades motoras são maiores do que o esperado levando em consideração o nível do atraso). Desta forma, alinhado com pesquisas prévias (Jelsma et. al., 2014; Jelsma et. al., 2015; Joshi et. al., 2015; Bo et. al., 2014; Chen et al. 2015) usou-se esse termo. As crianças com DCD foram descritas pelos seus professores como tendo dificuldade de aprendizagem e baixo desempenho escolar; sendo um grupo destas atendida por um núcleo de apoio psicopedagógico das próprias escolas. Nenhuma criança tinha histórico conhecido de neuropatologia e não participavam de quaisquer projetos de esporte ou atividade física orientada. Os procedimentos foram aprovados por comitê de ética em pesquisa (protocolo n. 242/2010). Todos os responsáveis legais assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Instrumentos e Procedimentos

O MABC-2, validado para uma população brasileira foi utilizado no presente estudo. A versão brasileira do MABC-2 apresenta altos índices de validade de conteúdo com clareza e pertinência (Kappa entre 71.8 e 99.9); elevada fidedignidade (inter-avaliadores: ICC 0.86 a 0.99; intra-avaliadores: ICC 0.68 a 0.85), estabilidade temporal (r=0.74 e 0.52 p<0.001) e consistência interna (=0.78 a 0.52); e de capacidade discriminante (Valentini, Ramalho, & Oliveira, 2014). O MABC-2 é composto por 08 testes motores, nas dimensões de destreza manual, arremessar/segurar e equilíbrio.

O estado nutricional foi avaliado por meio do Índice de Massa Corporal (IMC) normatizado pela idade, onde os valores de corte para classificação obedeceram aos seguintes critérios: Magreza acentuada: IMC menor que o escore z -3; Magreza: escore z entre -3 e -2; IMC Normal: escore z entre -2 e 1; Risco de obesidade: escore z entre 1 e 2; Obesidade: escore z maior que 2 (World Health Organization, 2007). A massa corporal foi medida através de uma balança digital portátil. Um estadiômetro portátil foi utilizado para mensurar a estatura das crianças. As dobras cutâneas do tríceps e subescapular foram mensuradas por meio de um adipômetro Lange®. A adiposidade corporal foi obtida pelo somatório dessas dobras cutâneas (Lohman, 1989). Os procedimentos de mensuração antropométrica seguiram os protocolos recomendados por Harrison et al. (1993).

A flexibilidade foi avaliada pelo teste de sentar e alcançar adaptado (adapted seat and reach) (American Alliance for Health, Physical Education, Recreation and Dance, 1989). Este teste tem sido amplamente utilizado em crianças brasileiras (Santos et al, 2012). As crianças ficavam sentadas no chão com o tronco alinhado a uma fita métrica previamente afixada no solo. As pernas eram mantidas estendidas, pés descalços e afastados a 30,4 centímetros entre si, braços estendidos e mãos sobrepostas. As crianças tentavam alcançar, deslizando as mãos sobre a fita métrica, a maior distância possível, permanecendo nela por 2 segundos (American Alliance for Health, Physical Education, Recreation and Dance, 1989). O escore foi obtido pela maior distância alcançada dentre três tentativas.

A força/resistência de membros superiores foi avaliada teste de apoio de frente e o teste de suspensão na barra adaptada (Fitnessgram, 2008). Estes testes têm largamente utilizados no Brasil (Santana, Andrade, Gama, Mota & Prado, 2013). No teste de apoio de frente as crianças em posição prona, com os cotovelos estendidos, mãos espalmadas apoiadas no chão, tronco ereto, pernas ligeiramente afastadas e apoiadas nas pontas dos pés realizaram o máximo de flexões e extensões de cotovelo possíveis. No teste de suspensão na barra modificada as crianças suspensas em uma barra segurando-a com as mãos (antebraço em pronação, corpo estendido diagonalmente apoiado pelos calcanhares no chão) com o auxílio dos braços projetavam o corpo para que o queixo ultrapasse a barra posteriormente voltando à posição inicial. Os escores foram obtidos pelo número de repetições alcançadas (Fitnessgram, 2008).

Para mensurar a força de preensão manual foi utilizado um dinamômetro hidráulico manual JAMAR (Hydraulic Hand Dynamometer®) - Modelo PC-5030J1. As crianças posicionaram-se com o cotovelo do membro mensurado mantido em flexão a 90 graus, com o antebraço em semi pronação. O dinamômetro foi ajustado de acordo com o tamanho das mãos das crianças de forma que a haste mais próxima do corpo do dinamômetro estivesse posicionada sobre as segundas falanges dos dedos indicador, médio e anular (American Society of Hand Therapists, 1992). Três tentativas para cada mão com período de recuperação de aproximadamente 60 segundos entre tentativas foram realizadas. O escore foi obtido pelo melhor resultado dentre três tentativas (Fitnessgram, 2008). A força/potência de membros inferiores foi avaliada por meio do teste do salto horizontal (American Alliance for Health, Physical Education, Recreation and Dance, 1989). As crianças foram encorajadas a saltar o mais longe possível tendo como referência uma linha de partida estabelecida por uma fita adesiva fixada ao chão. Para realização do salto, os pés permaneceram em afastamento paralelo, joelhos semiflexionados e os membros superiores fazendo um movimento de balanço para auxiliar na projeção do corpo à frente. Três tentativas foram propiciadas sendo considerada a maior distância entre a linha de partida e o calcanhar das crianças.

Considerou-se também, para a escolha dos testes de aptidão física, a ampla utilização destes em estudos internacionais com crianças com DCD. As comparações entre os resultados encontrados neste estudo e os reportados na literatura são mais alinhadas possíveis. As coletas foram realizadas nas escolas e nos horários de contra turno de aula. A aplicação da MABC-2 foi feita de forma individual em salas disponibilizadas pelas instituições e durou em média 25 minutos. Os testes de aptidão física foram administrados em grupo, nos ginásios de esporte das instituições participantes. Avaliadores treinados com no mínimo de dois anos de experiência administraram os testes.

Análise estatística

A descrição dos resultados foi realizada por meio de média (M) e desvio padrão, frequência (f) e percentual (%). Uma análise discriminante linear de Fisher foi utilizada para verificar quais as variáveis de aptidão física seriam discriminantes de crianças com DCD e DT adotante como parâmetro o teste de Wilks. O tamanho do efeito foi avaliado pelo eta parcial ao quadrado (²) adotando-se valores < 0.05 como efeito pequeno, entre 0.06 e 0.25 como efeito moderado, entre 0.26 e 0.50 como elevado e maior do que 0.50 como efeito muito elevado (COHEN, 1988). O teste Chi quadrado linear by linear foi utilizado para verificar diferenças nas proporções da classificação do IMC/idade dos grupos. O nível de significância adotado foi de  <0.05.

 

RESULTADOS

Os resultados da massa corporal, dobras cutâneas, IMC e dos testes de aptidão física de crianças com DCD e DT são apresentados na tabela 1. As análises foram conduzidas pelas faixas etárias e grupos uma vez que as análises de variância contidas na análise discriminante não mostraram efeito significativo do sexo (p > 0,05). Nos dois grupos etários (DCD e DT) a ANOVA one way indicou maior desempenho para crianças de DT comparadas as crianças com DCD na resistência de membros superiores (nove e 10 anos: F(1,21)=7.57 p=0.012 ²=1.24; 11 e 12 anos: F(1,21)=8.34 p=0.007 ²=1), na força de membros superiores (nove e 10 anos: F(1,21)=11.07 p=0.003 ²=1.48; 11 e 12 anos: F(1,21)=12.67 p=0.001 ²=1.27) e na força de membros inferiores (9 e 10 anos: F(1,21)=7.605 p<0.012 ²=1.25; 11 e 12 anos: F(1,21)=8.30 p=0.007 ²=1.01). Nas demais variáveis os resultados não foram significantes (p>0.05).

Os resultados da classificação do IMC de acordo com os grupos e faixas etárias são apresentados na tabela 2. Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas nas proporções de classificação do IMC entre os grupos nas duas faixas etárias: 9-10 anos (²=1.602 p=0.206) e 11-12 anos (²=1.917 p=0.166).

A análise discriminante indicou que para crianças de 9-10 anos (Wilks’ =0.53 F(2, 20)=8.37 p=0.002) a força de membros inferiores – salto horizontal (valor da estrutura da matriz= 0.79) e a força de membros superiores – suspensão na barra adaptada (valor da estrutura da matriz = 0.657) foi capaz de discriminar crianças com DCD e DT. Nas crianças mais velhas (11 e 12 anos), a análise discriminante (Wilks’ =0.72, F(2,33)=12.67 p=0.001) p=0.001) indicou a força de membros superiores (valor da estrutura da matriz =1.00) como com poder para discriminar crianças DCD e DT. O modelo discriminante evidenciou que, 90% do grupo DCD e 81.8% do DT (9-10 anos) e 77.8% do grupo DCD e 64.7% do DT (11-12 anos) foram classificados corretamente (ver tabela 3).

 

DISCUSSÃO

O objetivo deste estudo foi investigar se o desempenho em testes de aptidão física pode ser utilizado como fator discriminativo de crianças com DCD e servir como parâmetro prognóstico e de reabilitação destas crianças. Quanto as comparações dos grupos, as crianças com DCD não apresentaram diferenças na massa corporal, IMC, e adiposidade corporal (somatório de dobras cutâneas) em relação as DT nas duas faixas etárias investigadas; resultados similares foram reportados em crianças brasileiras (Santos et al., 2012), americanas (Hands et al., 2008) e chinesas (Wu et al., 2010).

A flexibilidade também não se diferiu entre os grupos de crianças DCD e DT. Estudos prévios mostram esta tendência utilizando o mesmo teste de sentar e alcançar empregado no presente estudo com crianças gregas (Tsiotra et al. 2009), americanas (Cantell et al., 2008) e brasileiras (Nascimento et al., 2013; Santos et al., 2012). Duas explicações plausíveis vêm sendo apresentadas para essas semelhanças quanto à flexibilidade destas crianças, as quais recebem suporte dos resultados do presente estudo. Primeiramente o teste de sentar e alcançar tem uma exigência mínima de coordenação de movimento e a avaliação conjunta de vários segmentos corporais (Cantell et al., 2008; Santos et al., 2012), ou seja, tem baixa demanda coordenativa. Ainda mais, a hipermobilidade generalizada em crianças com DCD (Jelsma et al., 2013) está associada a déficits de controle muscular e baixa propriocepção em segmentos articulares diversos e, portanto, pode não afetar o desempenho da flexibilidade quando grandes grupos musculares e segmentos articulares são avaliados concomitantemente, como é o caso do teste de sentar e alcançar.

A força de preensão manual foi a única variável de força investigada no presente estudo a qual não se diferiu significativamente entre os grupos de crianças. Resultados similares foram reportados por Tsiotra et al. (2009). A tarefa de preensão manual requereu que a criança pressione o mais forte possível a haste que envolve o equipamento devendo acionar somente os músculos do antebraço e mão em um período muito curto de tempo (em média três segundos). Crianças com DCD frequentemente apresentam dificuldades em tarefas que envolvam a produção de força, potência muscular (Li et al., 2011; Raynor, 2001) e controle da força quando associadas a maior exigência de coordenação motora (Tsai, Chen, Li, & Wu, 2006). Assim, a menor exigência de coordenação e controle temporal do movimento requerida na tarefa de preensão manual pode explicar as similaridades de desempenho entre as crianças investigadas neste estudo.

Em contrapartida, as crianças com DCD, independente da faixa etária, demonstraram menor desempenho na resistência de membros superiores, na força de membros superiores e de membros inferiores. Resultados similares, envolvendo crianças com idades entre nove e 12 anos, também foram observados em estudos anteriores na Grécia (Tsiotra et al., 2009), nos Estados Unidos (Cantell et al., 2008; Haga, 2008; Haga, 2009) e China (Li et al., 2011). Um dos únicos estudos até o momento com crianças brasileiras, também verificou resultados significativamente menores nos testes de suspensão na barra (força de membros superiores), e salto em distância (força de membros inferiores) em crianças com DCD (Santos et al., 2012). 

Os resultados encontrados reforçam as evidências de que a baixa proficiência motora característica nestas crianças dificultam a realização de testes com maior exigência de coordenação (intra e inter segmentos) e de controle temporal do movimento, característicos dos testes empregados neste estudo (suspensão na barra adaptada, apoio de frente e salto horizontal) (Haga, 2008; Santos et al., 2012). Ainda, a dificuldade de coordenação e controle, sobretudo em tarefas desta natureza, pode acarretar maior dispêndio energético pela contração de segmentos musculares desnecessários e por consequência causar fadiga precoce e menor desempenho como resultado final do movimento (Rowland, 2004). Este fato pode atingir dimensões ainda maiores considerando as características de níveis mais baixos de atividade física reportados em crianças com DCD (Cairney et al., 2010).

Neste estudo, as análises indicaram que a força de membros superiores discriminou os grupos com DCD e DT em ambas as idades investigadas. A força de membros inferiores avaliada pelo teste de salto horizontal discriminou os grupos DCD e DT nas crianças mais jovens. O salto horizontal é reconhecidamente uma tarefa complexa que requer altos níveis de coordenação motora e integração dos segmentos corporais além da projeção de força/potência (Tsai et al., 2006). Embora as crianças com DCD apresentem atrasos ou déficits motores que podem justificar o baixo desempenho nessa tarefa (Wu, Lin, Tsai, & Tsai, 2004; Li et al., 2014) e observado no presente estudo (salto horizontal crianças DT 11e 12 anos M=151,81 cm e crianças com DCD 11 e 12 anos M= 132.41 cm), essas diferenças não foram suficientes para discriminar o grupo de crianças mais velhas (11-12 anos). Destaca-se que a análise discriminante sofre influência de grupos menores (Field, 2009) e, portanto, pode ter sido o fator limitar do presente estudo. Ainda assim, a observação de que o salto horizontal e suspensão na barra para crianças de nove e 10 anos e a suspensão na barra para crianças de 11 e 12 discrimina crianças que tem dificuldades motoras é um importante resultado o qual possibilita o encaminhamento para programas compensatórios que considerem além da aquisição de habilidades motoras a prática sistemática de atividades que possibilitem o ganho de força nestas crianças. Este é um avanço importante no estado atual de conhecimento sobre as necessidades especificas destas crianças.

Esses resultados podem ter repercussão quanto à participação e suscetibilidade ao engajamento das crianças com DCD em atividades de lazer ativo, em programas de esporte ou na educação física escolar (Cairney et al., 2005; Cairney et al., 2010). Isso é particularmente importante, pois a participação nessas práticas requer níveis adequados de aptidão física; e, são também fundamentais para a manutenção ou melhora da saúde (Eimel, Young, Harvey, Charity, & Warren, 2013; Kohl et al., 2012). Potencializar a aptidão física para saúde por meio do desenvolvimento da força em crianças com DC pode promover um maior engajamento destas nas mais diversas tarefas motoras, uma vez que a coordenação e o controle motor são dependentes, em certo grau, da força muscular. Os resultados aqui reportados sugerem que os testes de força e resistência empregados podem auxiliar, portanto, programas de reabilitação a implementarem estratégias que considerem a aquisição desses importantes componentes da aptidão física e melhorar, desta forma, o prognóstico de crianças com DCD.

Estudos futuros podem investigar a influência da DCD em outros componentes importantes a exemplo da resistência cardiovascular e verificar como os componentes da aptidão física estão associados à participação em práticas de esporte e de atividade física dessas crianças. Devem considerar também, o controle da maturação biológica, sobretudo nas crianças mais velhas. No presente estudo, essas limitações são assumidas.

 

CONCLUSÕES

A baixa proficiência motora de crianças com pDCD pode afetar negativamente a aptidão física destas. O desempenho em tarefas de força/resistência muscular de membro superior e força de membro inferior das crianças DCD foi bastante inferior às crianças DT. Estas variáveis caracterizaram-se como discriminatórias críticas na análise dos níveis de aptidão física de crianças com DCD. Visto que o fator força é um requisito primário para a coordenação e controle motor, os resultados desse estudo sugerem que os testes de força e resistência muscular adotados podem servir como parâmetros de prognóstico e reabilitação das crianças com DCD. Portanto, ações profissionais interventivas voltadas a essas crianças são necessárias e devem considerar a utilização de estratégias que auxiliem na aquisição de níveis adequados de aptidão física relacionada à saúde e ao desempenho esportivo, especialmente a força e resistência muscular.

 

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Agradecimentos:
Nada a declarar.
Conflito de Interesses:
Nada a declarar.
Financiamento:
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq
Coordenação de Aperfeiçoamento de pessoal de ensino superior - CAPES

 

*Autor correspondente: Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rua Felizardo, 750, Porto Alegre, Brasil - CEP 90690-200. E-mail: glauber_nobre@hotmail.com

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