SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.12 número4Effects of the task complexity on the performance of a Coincidence Timing Task of people with Down syndromeInfluence of regular soccer or swimming practice on gross motor development in childhood índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Motricidade

versão impressa ISSN 1646-107X

Motri. vol.12 no.4 Ribeira de Pena dez. 2016

https://doi.org/10.6063/motricidade.7428 

ARTIGO ORIGINAL

 

Amplitude de movimento de tornozelo e o paradigma das tarefas simultâneas durante a marcha de idosos da comunidade

 

Range of motion of ankle and the simultaneous tasks paradigm during gait in the community-dwelling elderly

 

 

Paulo Ferreira dos Santos1*, Lais Ezequiel Leite2, Marina Minardi Nascimento2, Natália Camargo Rodrigues1, Daniela Cristina Carvalho de Abreu1,2

 

1 Programa de Reabilitação e Desempenho Funcional, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, FMRP/USP, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil
2 Departamento de Biomecânica, medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, FMRP/USP, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil

 

 


RESUMO

Diminuição da Amplitude de Movimento (ADM) de tornozelo e redução da força de dorsiflexores em decorrência do processo de envelhecimento são alterações conhecidas e que estão associadas com o aumento do risco de tropeços e quedas. Foi nosso objetivo avaliar a ADM de tornozelo em idosos da comunidade durante a marcha habitual e em duas condições de tarefas simultâneas (funcional e cognitiva). Trinta e dois idosos da comunidade (66.8±4.7 anos), de ambos os sexos, não caidores, que apresentavam marcha sem dispositivo de auxilio, participaram do estudo. A dorsiflexão e flexão plantar de tornozelo foram avaliadas em três situações: marcha habitual, marcha com tarefa funcional e marcha com tarefa cognitiva, utilizando 8 câmeras Qualisys Pro-reflex Oqus 300®. Análises de variância (ANOVA) foram aplicadas e comparações foram feitas por Newman–Keuls no programa SPSS (versão 16.0) adotando nível de significância de 5% (p£ 0.05). Não houve diferenças entre as diferentes tarefas (p> 0.05) para a ADM de dorsiflexão e flexão plantar dos idosos, porém, durante a marcha habitual a ADM de dorsiflexão foi menor se comparada aos valores de referência descritos na literatura. A realização de tarefas associadas à marcha não alterou a ADM de tornozelo em idosos da comunidade não caidores, entretanto, são necessários mais estudos que abordem idosos que tiveram quedas prévias.

Palavras-chave: dorsiflexão, envelhecimento, equilíbrio postural, flexão plantar.


ABSTRACT

Decreased range of motion (ROM) of the ankle and dorsiflexor strength due to the aging process has been associated with increased risk of trips and falls. However, the impact of dual-task on the ankle ROM in elderly is not clear. It was our objective to evaluate the ankle ROM in community elderly during usual gait and two simultaneous task conditions (functional and cognitive). Thirty-two community elderly (66.8 ± 4.7 years) of both sexes, non-fallers, who had independent walking were recruited. The dorsiflexion and plantar flexion of the ankle were assessed in three situations: usual gait, gait with functional task and gait with cognitive task, using 8 cameras Qualisys Pro-reflex Oqus 300®. Analysis of variance (ANOVA) were applied and comparisons were made by Newman-Keuls using SPSS (version 16.0) adopting a significance level of 5% (p£ 0.05). There were no differences among tasks (p> 0.05) in the dorsiflexion and plantar flexion in the elderly, however, during the usual gait the dorsiflexion ROM of the elderly was lower than the normative values described in literature. The performance of tasks during walking have no influence on ankle ROM in non-fallers community-elderly. However, more studies including older adults who have previously fallen are necessary.

Keywords: aging, dorsiflexion, plantar flexion, postural control.


 

 

INTRODUÇÃO

Mudanças nos parâmetros da marcha advindas do próprio processo de envelhecimento já vêm sendo estudadas na literatura (Auvinet et al., 2003; Kirkwood, Araújo, & Dias, 2006) sendo observados diminuição da velocidade da marcha, aumento na largura do passo e aumento do tempo de permanência na fase de duplo-suporte como uma estratégia adaptativa dos idosos para manter o equilíbrio durante atividades dinâmicas.

Estudos têm mostrado que, durante a realização de uma segunda tarefa de ordem cognitiva, as alterações na marcha se acentuam, com impacto negativo sobre a velocidade da marcha, comprimento do passo, cadência, maior tempo de permanência em duplo-suporte e aumento da largura do passo (Bock, 2008; Doi et al., 2011; Lindenberger, Marsiske, & Baltes, 2000; Theill, Martin, Schumacher, Bridenbaugh, & Kressig, 2011).

Essas alterações durante o caminhar concomitante a uma segunda tarefa ocorrem devido à necessidade de organizar simultaneamente capacidades motoras e cognitivas, o que aumenta a demanda atencional (Hall, Echt, Wolf, & Rogers, 2011; Plummer-D’amato et al., 2012). No entanto, a atenção é uma capacidade cognitiva que já se encontra prejudicada nos idosos, visto que, o processo de envelhecimento promove um encurtamento das áreas cerebrais, como o córtex pré-frontal anterior, que é responsável pela manutenção da atenção, pela escolha das opções e estratégias comportamentais, desempenhando um papel essencial relacionado às funções executivas (Hausdorff, Schweiger, Herman, Yogev-Seligmann, & Giladi, 2008). Assim, pela dificuldade de distribuir a atenção entre diferentes tarefas, são observadas mudanças ainda mais acentuadas nos parâmetros da marcha dos idosos, o que adicionalmente prejudica o controle postural (Woollacott & Shumway-Cook, 2002).

Com o envelhecimento, também são observadas mudanças nos componentes articulares, como diminuição da amplitude de movimento (ADM) de dorsiflexão e flexão plantar do tornozelo e atraso na dorsiflexão em caidores, prejudicando o desempenho da marcha e aumentando o risco de quedas em idosos (Kemoun, Thoumie, Boisson, & Guieu, 2000). Outras alterações também são observadas nos tornozelos e pés, como pés mais pronados, diminuição do arco plantar (pé plano), alterações na sensibilidade plantar (Scott, Menz, & Newcombe, 2007), diminuição da força muscular de dorsiflexores, os quais prejudicam o equilíbrio e habilidade funcional de idosos (Spink et al., 2011). Alterações na ADM de tornozelo podem também prejudicar a capacidade dos idosos de transpor obstáculos (Shin et al., 2012).

Um estudo prévio (Kao, Higginson, Seymour, Kamerdze, & Higginson, 2015) investigou o comportamento da marcha de idosos da comunidade e adultos jovens durante a execução do caminhar concomitante ao uso do celular e, houve menor variabilidade do ângulo de tornozelo tanto para idosos como para adultos jovens durante a dupla-tarefa de caminhar discando em um celular.

Existem poucos estudos que avaliaram a articulação do tornozelo em não caidores no paradigma das tarefas associadas e, não foram encontrados estudos que compararam a influência de diferentes tarefas simultaneamente à marcha sobre a articulação do tornozelo. É importante ressaltar que o desempenho da marcha sofre influência do tipo de tarefa simultânea realizada e que as variáveis da marcha se acentuam conforme a segunda tarefa se torna mais complexa (Bock, 2008; Doi et al., 2011).

A literatura tem demonstrado alterações nos parâmetros da marcha associadas ao envelhecimento, as quais se acentuam em situações de duplas-tarefas, aumentando o risco de quedas (Lindenberge et al., 2000; Theill et al., 2011). Portanto, torna-se relevante identificar idosos que apresentam alterações na marcha antes que a primeira queda ocorra, uma vez que após a primeira queda os idosos se tornam mais suscetíveis às quedas recorrentes (Perracini & Ramos, 2002). Além disso, a identificação de comprometimentos sutis na funcionalidade do idoso é um desafio e, assim, tona-se fundamental a avaliação durante situações funcionais mais desafiadoras, o que inclui a realização de tarefas simultâneas à marcha.

O objetivo deste estudo foi avaliar a ADM de dorsiflexão e flexão plantar durante a marcha habitual e duas diferentes condições de marcha com tarefas simultâneas (tarefa funcional e tarefa cognitiva) em idosos da comunidade.

A hipótese do presente estudo é que alterações na ADM de tornozelo de idosos se acentuam em situações de tarefas simultâneas à marcha e, se exacerbam durante tarefas mais desafiadoras. Essas alterações podem deixar o idoso mais vulnerável à ocorrência da primeira queda.

 

MÉTODO

Este estudo transversal contou com um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com seres humanos do Hospital das Clínicas da FMRP-USP (HCRP protocolo 5372/2010) assinado livremente por todos os participantes.

Participantes

Trinta e dois idosos da comunidade (não institucionalizados), de ambos os sexos, independentes para a marcha, não caidores, sem alterações cognitivas, participaram deste estudo de forma voluntária. Os idosos foram contatados aleatoriamente por meio de visitas a centros de atenção ao idoso e folhetos afixados em diferentes regiões da cidade de desenvolvimento da pesquisa. Os idosos foram recrutados obedecendo os critérios de inclusão e exclusão.

A amostra do presente estudo foi constituída a partir de 179 idosos contatados, em que 122 idosos foram excluídos por não comparecerem à avaliação ou não corresponderem aos critérios de inclusão/exclusão do estudo, portanto, 57 indivíduos foram recrutados. Entretanto, apenas 32 sujeitos não apresentavam histórico de queda nos últimos 6 meses (não caidores), o qual foi um dos critérios de inclusão.

Os critérios para inclusão abrangiam sujeitos idosos (60 anos ou mais) conforme a World Health Organization (WHO, 2002) institui para países em desenvolvimento; não caidores; que realizassem a marcha sem ajuda ou uso de dispositivo de auxilio; capazes de entender e executar comandos e residentes na comunidade de Ribeirão Preto – São Paulo, Brasil (Freire Junior et al., 2015).

Os critérios de exclusão compreendiam desordens cognitivas rastreadas pelo Mini Exame do Estado Mental (MEEM) (Brucki, Nitrini, Caramelli, Bertolucci, & Okamoto, 2003), levando em consideração o nível de escolaridade de cada participante; diminuição da sensibilidade plantar identificada pelos monofilamentos de Semmes-Weistein (Silva, Botelho, Guirro, Vaz, & de Abreu, 2015); presença de doença cardiovascular, neurológica ou músculo-esquelética que comprometesse o equilíbrio semi-estático ou dinâmico; recentes episódios de tontura ou tontura crônica (Tanaka et al., 2015); ausência de acuidade visual ou auditiva; cirurgias prévias nos últimos 6 meses; dores em membros inferiores que interferissem na marcha; uso de medicação que comprometesse o equilíbrio ou habilidades cognitivas e restrição médica a qualquer um dos procedimentos executados neste estudo (Li et al., 2010; Hall et al., 2011).

Instrumentos

Para análise da ADM de tornozelo durante a marcha, foi utilizado um sistema com 8 câmeras infravermelho Qualisys Pro-reflex Oqus 300® (QUALISYS MEDICAL AB, Gothenburg, Sweden), sendo utilizados marcadores passivos, esféricos e refletivos com 18mm de diâmetro fixados em pontos anatômicos de interesse através de fita dupla-face, seguindo o modelo do hospital Helen Heyes (Collins, Ghoussayni, Ewins, & Kent, 2009).

Inicialmente, foram recolhidos os dados antropométricos dos participantes (altura e massa corporal). Em seguida, cada idoso foi posicionado descalço sobre um carpete de borracha (6,0m de comprimento por 1,2m de largura por 2,5mm de espessura), permanecendo de forma estacionária para a coletada dos marcadores, necessária para gerar o modelo anatômico de referência do sujeito no sistema Qualisys, posteriormente, o mesmo carpete fora utilizado para que os participantes realizassem a marcha habitual e com tarefas simultâneas.

Procedimentos

Todo o processo de avaliação foi realizado no Laboratório de Análise do Movimento do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP).

Para avaliação dinâmica, os participantes, seguindo a ordem randomizada das tarefas, foram instruídos a: 1 – Caminhar o mais próximo da velocidade que costumava caminhar (Marcha habitual); 2 – Caminhar usando o membro superior dominante para transferir 12 moedas idênticas, com mesmo peso e valor, de um bolso para o outro (tarefa funcional) (Daut, Yardley, & Frank, 2003), onde os bolsos usados na tarefa funcional foram confeccionados em tecido com um cinto de velcro para ajustá-los à cintura do voluntário, ficando os bolsos dispostos um ao lado do outro e à frente da cintura do participante; 3 – Caminhar enquanto pronunciava os dias da semana em ordem inversa, começando pelo sábado (tarefa cognitiva) (Morris, Iansek, Matyas, & Summers, 1996). Cada tarefa foi repetida 3 vezes em sequência e a distância percorrida pelos participantes a cada tentativa, em cada tarefa, era de 6,0m (comprimento do carpete de borracha utilizado).

Apenas o membro dominante (membro utilizado para chutar uma bola) foi avaliado, sendo o pico máximo da ADM de dorsiflexão e pico máximo da ADM de flexão plantar as variáveis dependentes investigadas.

Para análise dos dados foram desconsiderados, do percurso de 6,0m de comprimento, os períodos de aceleração (1,5m inicial) e desaceleração (1,5m final) da marcha.

Os dados coletados foram interpolados, quando necessário, a um máximo de 10 frames e filtrados, utilizado Butterworth de quarta ordem, passa-baixa, na frequência de 6Hz (Winter, Greenlaw, & Hobson, 1972) para reduzir os ruídos produzidos pelos marcadores, seguindo o padrão do Laboratório de Análise do Movimento do HCFMRP-USP, baseado no estudo de Araújo, Andrade, & Barros (2004).

Para calcular ADM de uma variável angular, o programa Visual 3D utiliza de marcadores para formar um plano por segmento, sendo necessário no mínimo 3 marcadores não colineares para formar um plano. Para os ângulos do tornozelo são utilizados dois planos, o da perna e o do pé.

O plano da perna é formado pelo centro articular do joelho, que é calculado pelos marcadores do joelho (epicôndilos medial e lateral do fêmur) e do tornozelo (maléolos lateral e medial), além do stick (marcador fixado a uma haste de plástico), que é utilizado na tomada dinâmica como marcador de rastreamento, posicionado na região lateral da perna (1/3 médio da fíbula).

Para a formação do plano do pé foram usados 3 marcadores: um posterior ao calcâneo, um na linha média entre o 2º e o 3º metatarso (dedos) e um terceiro, denominado Floor, criado pelo software, que possui as coordenadas x e y do marcador do calcâneo, porém com o z = 0 (no plano do solo). O stick, o marcador do maléolo medial e lateral, marcador dos dedos e a articulação do tornozelo orientam a posição da perna. Conforme os marcadores se deslocam no espaço, o ângulo articular é calculado.

O padrão da sequência de Cardan (x-y-z) para o cálculo angular da articulação de interesse (tornozelo) equivale à dorsiflexão - flexão plantar. Cada um dos planos possui seu sistema de coordenadas: x para o plano sagital, y para o plano frontal e z para o plano transverso.

Os valores, dados em graus, das variáveis angulares (dorsiflexão e da flexão plantar) durante as condições de marcha, foram extraídos do Visual 3D e exportados para o formato de arquivo (.txt) e posteriormente convertidos para o Microsoft Office Excel 2007, sendo extraído o pico máximo da ADM de dorsiflexão e da Flexão Plantar para análise estatística.

Análise estatística

O cálculo amostral foi realizado por meio do programa Minitab for Windows, versão 16.2.1.0 ©2010 Minitab Inc, considerando como variável dependente a ADM de dorsiflexão. Foi utilizada a média e desvio padrão de um estudo piloto, com avaliação cinemática, realizado pelo mesmo grupo do presente estudo. Adotou-se um poder de teste de 80%, alteração mínima de 20% da média da ADM de dorsiflexão de tornozelo e nível de significância de p≤ 0.05, obtendo um tamanho amostral de 30 indivíduos.

Para análise estatística, inicialmente foi feita a análise exploratória dos dados por teste de Kolmogorov-Smirnov sendo encontrada distribuição normal. One-way análise de variância (ANOVA) foi aplicada para as variáveis do estudo (pico máximo da ADM de dorsiflexão e pico máximo da ADM de flexão plantar) e as comparações entre os pares foram feitas pelo teste de Newman-Keuls. Todos os procedimentos estatísticos foram realizados no programa SPSS (versão 16.0) adotando nível de significância de 5% (p≤ 0.05).

 

RESULTADOS

As características antropométricas dos participantes do estudo estão descritas na Tabela 1. Os idosos inseridos na pesquisa tinham a idade entre 60-70 anos, considerados como idosos jovens (Martin, Palmer, Rock, Gelston, & Veste, 2015).

 

 

Os resultados referentes ao pico máximo da ADM de dorsiflexão e ao pico máximo da ADM de flexão plantar do membro dominante estão apresentados em média e desvio padrão na Figura 1.

 

 

Não foram encontradas diferenças no pico máximo da ADM de dorsiflexão do membro inferior direito entre a marcha habitual e marcha associada à tarefa cognitiva (p= 0.396), marcha habitual e marcha associada à tarefa funcional (p= 0.314) e entre as situações de tarefas simultâneas (cognitiva e funcional) (p= 0.293).

Para o pico máximo da ADM de flexão plantar também não foram observadas diferenças entre as tarefas: marcha habitual e marcha associada à tarefa cognitiva (p= 0.951), marcha habitual e marcha associada à tarefa funcional (p= 0.469) e entre a marcha simultânea à tarefa cognitiva e à tarefa funcional (p= 0.352).

 

DISCUSSÃO

Um terço da população de idosos residentes na comunidade sofre queda no prazo de um ano (Bhatt, Yang, & Pai; Gama & Gómez-Conesca, 2008), o que pode acarretar complicações, como: hospitalização, perda ou redução da independência, institucionalização e óbito (Jenkyn, Hoch, & Speechley, 2012). Dessa forma, prevenir a queda dos idosos é essencial para mantê-los funcionais, bem como, evitar danos psicossociais associados ao episódio da queda (Bock, 2008).

É conhecido (Kirkwood et al., 2006) que após a primeira queda, os idosos têm 50% de chance de recorrer em novas quedas, o que torna essencial evitar que a primeira queda ocorra. Além disso, cerca de 50% das quedas são relativas a fatores extrínsecos, como degraus e obstáculos (Cao, Maeda, Shima, Kurata, & Nishizono, 2007), os quais geralmente fazem parte da rotina dos idosos. Assim, a adequada função muscular e articular de membros inferiores, que permita ao idoso conseguir subir degraus e transpor obstáculos, parece ser imperativo para a realização de atividades cotidianas e facilitar a inclusão social.

A mobilidade de tornozelo parece ser um componente importante para evitar tropeços durante a caminhada (Shin et al., 2012), entretanto, poucos estudos buscaram identificar se idosos não caidores já apresentam comprometimentos na articulação do tornozelo, os quais podem aumentar o risco de ocorrência da primeira queda. Adicionalmente, as avaliações funcionais preventivas devem incluir tarefas desafiadoras, como tarefas simultâneas à marcha, as quais aumentam a chance de identificar idosos com risco para quedas.

Portanto, o presente estudo avaliou a ADM de tornozelo em idosos não caidores, durante a marcha habitual e durante a marcha mais desafiadora (com tarefas simultâneas), com foco em uma abordagem preventiva para queda.

Sabe-se que na marcha normal ocorre uma flexão plantar de até 7 graus durante 0% a 12% do ciclo da marcha, que compreende o período entre o contato inicial e apoio-médio (fase de apoio). Em seguida acontece uma dorsiflexão de até 10 graus durante 12% a 43% do ciclo da marcha, que corresponde ao apoio-médio até o apoio-terminal (fase de apoio) e, ainda sucede uma segunda flexão plantar mais rápida de 20 graus durante 48% a 62% do ciclo da marcha, que compreende o pré-balanço até o balanço inicial (transição da fase de apoio para fase de balanço) (Perry, 1992).

A população de idosos da comunidade avaliada nesse estudo apresentou durante a marcha habitual e marcha associada à tarefa cognitiva, a mesma amplitude de movimento de flexão plantar descrita como normal por Perry (1992).

Ainda, no presente estudo, não houve diferenças para a dorsiflexão na comparação entre as tarefas. Comparando os valores de dorsiflexão da nossa amostra, durante a marcha habitual, com os valores descritos na literatura para a marcha normal (Perry, 1992), os idosos do presente estudo apresentaram uma ADM de dorsiflexão 60% menor do que o descrito para marcha normal, entretanto, estudos que investiguem mais variáveis angulares do tornozelo e o padrão de ativação muscular dessa articulação são necessários para entender a redução da ADM de dorsiflexão nessa população.

Kemoun et al. (2000) avaliaram apenas a marcha habitual (sem dupla-tarefa) em idosos e encontraram que os caidores tinham menor ADM de dorsiflexão que os não caidores (respectivamente: 6.5 graus e 13.0 graus), e também, os caidores tinham menor ADM de flexão plantar em comparação aos não caidores (respectivamente: 18.5 graus e 23.0 graus).

Nosso estudo foi caracterizado por idosos não caidores, todavia, eles apresentaram durante a marcha habitual valores de ADM de dorsiflexão menores que os idosos caidores do estudo de Kemoun et al. (2000), com isso é possível observar que a ADM de dorsiflexão pode não ser uma variável preditora de quedas ou que este movimento da articulação de tornozelo não tem forte influência no controle postural e quedas. Já para a flexão plantar, os valores de ADM obtidos no presente estudo foram intermediários aos valores dos caidores e não caidores do estudo de Kemoun et al. (2000).

Adicionalmente, tarefas simultâneas são atividades importantes para o dia-a-dia e estudos têm mostrado que em condições de marcha associada a uma segunda tarefa, ocorrem alterações no caminhar pela necessidade de atenção ser dividida entre tarefas, expondo o idoso a um maior risco de quedas (Hall et al., 2011; Hausdorff et al., 2008; Holtzer, Verghese, Xue, & Lipton, 2006; Plummer-D’amato et al., 2012). Dessa forma, ao avaliar idosos não caidores, a inclusão de tarefas mais desafiadoras, como as tarefas simultâneas, é importante, uma vez que a avaliação de desempenho durante tarefas simples pode não ser capaz de identificar idosos com risco futuro para quedas, o que aumenta a chance do profissional de saúde perder a janela de oportunidade para intervenção precoce.

Futuros estudos que avaliem a ADM de tornozelo e outras medidas angulares (velocidade angular e aceleração) durante a marcha com duplas-tarefas, em idosos caidores e não-caidores, podem trazer informações relevantes para a comunidade científica e para a prática clínica.

Limitações do Estudo

Foram incluídos para o estudo idosos mais jovens; os erros durante a execução das duplas-tarefas não foram contabilizados e também não foi feito um controle prévio à execução das tarefas simultâneas, ou seja, os participantes não executaram a segunda tarefa sem a marcha.

 

CONCLUSÕES

O presente estudo observou que a marcha associada às tarefas simultâneas, mesmo em diferentes níveis de complexidade, não influenciou significativamente a ADM de dorsiflexão e flexão plantar dos idosos, visto que, não houve diferenças do pico da ADM de tornozelo entre a marcha habitual dos idosos e duas outras situações mais desafiadoras de marcha, ainda, pode-se destacar que os idosos incluídos no estudo, idosos sem histórico de quedas, apresentaram uma redução do pico da ADM de dorsiflexão durante a marcha habitual em relação aos valores descritos em literatura. Estudos longitudinais que avaliam a ADM de tornozelo, associada e não a tarefas simultâneas, são importantes para o melhor entendimento da influência do envelhecimento sobre a mobilidade dinâmica do tornozelo e sobre os eventos de quedas.

 

REFERÊNCIAS

Araújo, A. G., Andrade, L. M., & Barros, R. M. L. (2004). Upper Limbs Motion Analysis Gait using the ISG Recommendation. Em Abstracts of Ninth Annual Gait and Clinical Movement Analysis Society. Lexington, KY: GCMAS.

Auvinet, B., Berrut, G., Touzard, C., Moutel, L., Collet, N., Chaleil, D., & Barrey, E. (2003). Gait Abnormalities in Elderly Fallers. Journal of Aging and Physical Activity, 11(1), 40–52. https://doi.org/10.1123/japa.11.1.40        [ Links ]

Bhatt, T., Yang, F., & Pai, Y.-C. (2012). Learning to resist gait-slip falls: long-term retention in community-dwelling older adults. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, 93(4), 557–564. https://doi.org/10.1016/j.apmr.2011.10.027        [ Links ]

Bock, O. (2008). Dual-task costs while walking increase in old age for some, but not for other tasks: an experimental study of healthy young and elderly persons. Journal of Neuroengineering and Rehabilitation, 5, 27. https://doi.org/10.1186/1743-0003-5-27        [ Links ]

Brucki, S. M., Nitrini, R., Caramelli, P., Bertolucci, P. H., & Okamoto, I. H. (2003). Suggestions for utilization of the mini-mental state examination. Brazil Arquivo de Neuropsiquiatria, 61(3B), 777-81.         [ Links ]

Cao, Z.-B., Maeda, A., Shima, N., Kurata, H., & Nishizono, H. (2007). The effect of a 12-week combined exercise intervention program on physical performance and gait kinematics in community-dwelling elderly women. Journal of Physiological Anthropology, 26(3), 325–332.         [ Links ]

Collins, T. D., Ghoussayni, S. N., Ewins, D. J., & Kent, J. A. (2009). A six degrees-of-freedom marker set for gait analysis: repeatability and comparison with a modified Helen Hayes set. Gait & Posture, 30(2), 173–180. https://doi.org/10.1016/j.gaitpost.2009.04.004        [ Links ]

Dault, M. C., Yardley, L., & Frank, J. S. (2003). Does articulation contribute to modifications of postural control during dual-task paradigms? Brain Research. Cognitive Brain Research, 16(3), 434–440.         [ Links ]

Doi, T., Makizako, H., Shimada, H., Yoshida, D., Ito, K., Kato, T., … Suzuki, T. (2012). Brain atrophy and trunk stability during dual-task walking among older adults. The Journals of Gerontology. Series A, Biological Sciences and Medical Sciences, 67(7), 790–795. https://doi.org/10.1093/gerona/glr214        [ Links ]

Freire Junior, R. C., Porto, J. M., Rodrigues, N. C., Brunelli, R. de M., Braga, L. F. P., & de Abreu, D. C. C. (2016). Spatial and temporal gait characteristics in pre-frail community-dwelling older adults. Geriatrics & Gerontology International, 16(10), 1102–1108. https://doi.org/10.1111/ggi.12594        [ Links ]

Gama, Z. A. S., & Gómez-Conesca, A. (2008). Factores de riesgo de caídas enancianos: revisión sistemática. Revista Saúde Pública, 42(5), 946-956.         [ Links ]

Hall, C. D., Echt, K. V., Wolf, S. L., & Rogers, W. A. (2011). Cognitive and motor mechanisms underlying older adults’ ability to divide attention while walking. Physical Therapy, 91(7), 1039–1050. https://doi.org/10.2522/ptj.20100114        [ Links ]

Hausdorff, J. M., Schweiger, A., Herman, T., Yogev-Seligmann, G., & Giladi, N. (2008). Dual-task decrements in gait: contributing factors among healthy older adults. The Journals of Gerontology. Series A, Biological Sciences and Medical Sciences, 63(12), 1335–1343.         [ Links ]

Holtzer, R., Verghese, J., Xue, X., & Lipton, R. B. (2006). Cognitive processes related to gait velocity: results from the Einstein Aging Study. Neuropsychology, 20(2), 215–223. https://doi.org/10.1037/0894-4105.20.2.215        [ Links ]

Jenkyn, K. B., Hoch, J. S., & Speechley, M. (2012). How much are we willing to pay to prevent a fall? Cost-effectiveness of a multifactorial falls prevention program for community-dwelling older adults. Canadian Journal on Aging, 31(2), 121–137. https://doi.org/10.1017/S0714980812000074        [ Links ]

Kao, P. C., Higginson, C. I., Seymour, K., Kamerdze, M., & Higginson, J. S. (2015). Walking stability during cell phone use in healthy adults. Gait and Posture, 41(4), 947-953. doi: 10.1016/j.gaitpost.2015.03.347        [ Links ]

Kao, P.-C., Higginson, C. I., Seymour, K., Kamerdze, M., & Higginson, J. S. (2015). Walking stability during cell phone use in healthy adults. Gait & Posture, 41(4), 947–953. https://doi.org/10.1016/j.gaitpost.2015.03.347        [ Links ]

Kemoun, G., Thoumie, P., Boisson, D., & Guieu, J. D. (2002). Ankle dorsiflexion delay can predict falls in the elderly. Journal of Rehabilitation Medicine, 34(6), 278–283.         [ Links ]

Kirkwood, R. N., Araújo, P. A., & Dias, C. S. (2006). Biomecânica da marcha em idosos caidores e não caidores: uma revisão da literatura. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, 14(4), 103-110.         [ Links ]

Li, K. Z. H., Roudaia, E., Lussier, M., Bherer, L., Leroux, A., & McKinley, P. A. (2010). Benefits of cognitive dual-task training on balance performance in healthy older adults. The Journals of Gerontology. Series A, Biological Sciences and Medical Sciences, 65(12), 1344–1352. https://doi.org/10.1093/gerona/glq151        [ Links ]

Lindenberger, U., Marsiske M., & Baltes P. (2000). Memorizing while walking: Increase in dual-task costs from young adulthood to old age. Psychological Aging, 15(3), 417-436.         [ Links ]

Martin, A. S., Palmer, B. W., Rock, D., Gelston, C. V., & Jeste, D. V. (2015). Associations of self-perceived successful aging in young-old versus old-old adults. International Psychogeriatrics, 27(4), 601–609. https://doi.org/10.1017/S104161021400221X        [ Links ]

Morris, M. E., Iansek, R., Matyas, T. A., & Summers, J. J. (1996). Stride length regulation in Parkinson’s disease normalization strategies and underlying mechanisms. Brain, 119, 551-568.         [ Links ]

Perracini, M. R., & Ramos, L. R. (2002). [Fall-related factors in a cohort of elderly community residents]. Revista De Saude Publica, 36(6), 709–716.         [ Links ]

Perry, J. (1992). Análise da Marcha: Marcha Normal (Vol. 1). São Paulo: Manole.         [ Links ]

Plummer-D’Amato, P., Brancato, B., Dantowitz, M., Birken, S., Bonke, C., & Furey, E. (2012). Effects of gait and cognitive task difficulty on cognitive-motor interference in aging. Journal of Aging Research, 2012, 583894. https://doi.org/10.1155/2012/583894

Scott, G., Menz, H. B., & Newcombe, L. (2007). Age-related differences in foot structure and function. Gait & Posture, 26(1), 68–75. https://doi.org/10.1016/j.gaitpost.2006.07.009        [ Links ]

Shin, S., Demura, S., Watanabe, T., Kawabata, H., Sugiura, H., & Matsuoka, T. (2012). Relationship between the obstacle height cognition and step movement in the elderly. Journal of Physiological Anthropology, 31, 27. https://doi.org/10.1186/1880-6805-31-27        [ Links ]

Silva, P., Figueredo Borges Botelho, P. F., de Oliveira Guirro, E. C., Vaz, M. M. O. L. L., & de Abreu, D. C. C. (2015). Long-term benefits of somatosensory training to improve balance of elderly with diabetes mellitus. Journal of Bodywork and Movement Therapies, 19(3), 453–457. https://doi.org/10.1016/j.jbmt.2014.11.002        [ Links ]

Spink, M. J., Fotoohabadi, M. R., Wee, E., Hill, K. D., Lord, S. R., & Menz, H. B. (2011). Foot and ankle strength, range of motion, posture, and deformity are associated with balance and functional ability in older adults. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, 92(1), 68–75. https://doi.org/10.1016/j.apmr.2010.09.024        [ Links ]

Tanaka, E. H., Santos, P. F., Reis, J. G., Rodrigues, N. C., Moraes, R., & Abreu, D. C. C. (2015). Is there a relationship between complaints of impaired balance and postural control disorder in community-dwelling elderly women? A cross-sectional study with the use of posturography. Brazilian Journal of Physical Therapy, 19(3), 186–193. https://doi.org/10.1590/bjpt-rbf.2014.0086        [ Links ]

Theill, N., Martin, M., Schumacher, V., Bridenbaugh, S. A., & Kressig, R. W. (2011). Simultaneously measuring gait and cognitive performance in cognitively healthy and cognitively impaired older adults: the Basel motor-cognition dual-task paradigm. Journal of the American Geriatrics Society, 59(6), 1012–1018. https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.2011.03429.x        [ Links ]

Winter, D. A., Greenlaw, R. K., & Hobson, D. A. (1972). Television-computer analysis of kinematics of human gait. Computers and Biomedical Research, an International Journal, 5(5), 498–504.         [ Links ]

Woollacott, M., & Shumway-Cook, A. (2002). Attention and the control of posture and gait: a review of an emerging area of research. Gait & Posture, 16(1), 1–14.         [ Links ]

World Health Organization. (2002). Active Ageing - A Policy Framework. Madrid: UN.         [ Links ]

 

Agradecimentos:
Os autores agradecem a colaboração dos responsáveis e funcionários do laboratório onde realizou-se a pesquisa e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela assistência ao programa no qual os autores são filiados
Conflito de Interesses:
Nada a declarar.
Financiamento:
Nada a declarar

Artigo recebido a 01.10.2015; Aceite a 03.07.2016

 

 

*Autor correspondente: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Avenida Bandeirantes, 3900 – Monte Alegre, Ribeirão Preto – São Paulo, Brasil. E-mail: ft.pauloferreira@usp.br

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons