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Motricidade

Print version ISSN 1646-107X

Motri. vol.11 no.1 Ribeira de Pena Mar. 2015

https://doi.org/10.6063/motricidade.3219 

ARTIGO ORIGINAL

 

Desenvolvimento motor global de crianças do 1º ciclo do ensino básico com e sem prática prévia de natação em contexto escolar

 

Global motor development of elementary school-aged children with and without previous swimming practice in schools

 

 

Vera Martins1, António J. Silva2,3, Daniel A. Marinho2,3, Aldo M. Costa2,3,4*

1Departamento de Ciências do Desporto, Universidade da Beira Interior, Covilhã, Portugal
2Departamento de Ciências do Desporto, Exercício e Saúde, Universidade de Trás-os-Montes, Vila Real, Portugal
3Centro de Investigação em Desporto, Saúde e desenvolvimento Humano (CIDESD), Portugal
4Centro de Investigação em Ciências da Saúde (CICS), Portugal

 

 


RESUMO

Foi objetivo deste estudo descrever o nível de desenvolvimento motor global de crianças do 1º ciclo do ensino básico, com e sem experiência prévia em programas de ensino da natação. A amostra foi constituída por 140 crianças portuguesas do 1º ao 4º ano de escolaridade: 53 crianças sem experiência em programas aquáticos; e 87 crianças com histórico de participação em programas de ensino da natação no contexto escolar. O desenvolvimento motor global das crianças foi avaliado recorrendo à bateria de testes “Test of Gross Motor Development 2”. Os resultados revelaram a existência de diferenças significativas (p < .05) entre os grupos de crianças no que se refere ao desenvolvimento motor global e à mestria em diversas habilidades motoras globais em todos os anos de escolaridade. A influência da prática da natação parece maior nas habilidades de controlo de objetos. Mesmo assim, a classificação qualitativa do desenvolvimento motor é maioritariamente baixa para ambos os grupos. Em conclusão, os resultados demonstraram que o desenvolvimento motor global das crianças avaliadas é maioritariamente insuficiente, tendo por base a escala normativa Americana. Contudo, as crianças com experiência aquática em contexto escolar parecem agregar um estado otimizado de desenvolvimento motor em diversas habilidades, em particular na manipulação de objetos.

Palavras-chaves: desenvolvimento motor global, habilidades motoras globais, natação, crianças


ABSTRACT

The purpose of our study was to describe the level of global motor development of elementary school-aged children with and without previous swimming practice. The study sample consisted of 140 Portuguese elementary school-aged children, from 1st to 4th grade: 53 children with no previous experience in aquatic programs and; 87 children classified as experienced through participating in previous swimming programs within the school environment. To assess global motor development, the "Test of Gross Motor Development 2" was used. Our results showed significant differences (p < .05) between groups of children regarding to the global motor development and mastery of various skills in all grades. The influence of previous swimming practice seems greater on objects control skills. Nevertheless, the qualitative classification of motor development is mostly low for both groups. In conclusion the current results showed that the level of global motor development of Portuguese elementary school-aged children, based on the proposed American normative scale, is relatively low. Nevertheless, children with prior involvement in swimming programs within the educational context seem to meet an optimized motor development state on several global motor skills but particularly on objects control skills.

Keywords: global motor development, fundamental motor skills, swimming, children.


 

 

INTRODUÇÃO

O primeiro ciclo do ensino básico, enquanto etapa de iniciação na vida escolar, permite a progressão do desenvolvimento global e harmonioso da personalidade da criança (na dimensão individual e social), das aquisições básicas intelectuais fundamentais em domínios diversificados e do fomento de uma atitude socio-afetiva positiva com os outros e para a cidadania. É também durante esta etapa, entre os 6 e os 10 anos de idade, que se criam oportunidades para adquirir e desenvolver as mais diversas habilidades motoras básicas. Numa etapa de enorme vigor do desenvolvimento global da criança, o desporto e em particular a Expressão e Educação Física e Motora no contexto escolar, constitui-se como um meio de valorização da formação corporal pelo acesso a um leque muito variado de experiências motoras, sobretudo quando integradas numa perspetiva desenvolvimentista da aprendizagem (Langendorfer & Bruya, 1995).

Ao longo das fases previstas de desenvolvimento (Gallahue & Ozmun, 2005) distinguem-se nestas idades “o que os especialistas chamam de períodos críticos de aprendizagem, nos quais existe uma maior disposição físico-cognitiva para assimilar a influência externa, facilitando a aquisição e a melhoria das habilidades motoras” (Peres, Serrano, & Cunha, 2009, pp. 28–29). Este período parece ser ótimo para o contacto com novas modalidades desportivas e diferentes contextos de prática, entre os quais destacamos a Natação. De facto, segundo alguns autores (Blanksby, Parker, Bradley, & Ong, 1995; Pelayo, Wille, Sidney, Berthoin, & Lavoie, 1997), o período ideal para a adaptação ao meio aquático parece estar entre os 5 e os 6 anos de idade. Pretende-se nesta fase de ensino da natação a aquisição de novos padrões motores, comportamentos e atitudes no meio aquático, que possam conduzir a criança a um estado pleno de competência aquática (Costa et al., 2012). Esta estimulação motora num novo meio parece induzir um novo leque de sensações e experiências corporais, ligações afetivas e sociais (Langerdorfer, 1987; Martins, Silva, Marinho, Barbosa, & Sarmento, 2010) mas também o desenvolvimento de novas habilidades, que embora se concretizem num meio específico (aquático), poderão oferecer à criança uma acrescida estimulação psico-motora. Apesar dos estudos neste domínio serem efetivamente escassos, a prática da natação parece induzir um efeito positivo em várias componentes da motricidade global e fina em crianças dos 7 aos 9 anos (Paula & Belo, 2009). Todavia, do nosso conhecimento, não existem estudos que reportem os efeitos da prática da natação no desenvolvimento motor global quando esta é enquadrada no contexto escolar. As insuficiências que parecem existir no enquadramento da natação na Expressão e Educação Física e Motora em Portugal, provavelmente condicionantes da eficiência do processo de ensino-aprendizagem sobretudo ao nível da aquisição de habilidades aquáticas mais complexas (Rocha, Marinho, Ferreira, & Costa, 2014), reforçam a necessidade de melhor conhecer esta relação entre experiência aquática e desenvolvimento motor.

Partimos do pressuposto inicial de que o contacto com novas e relevantes experiências motoras no contexto escolar, confere um efeito positivo e significativo no desenvolvimento motor global da criança. O processo de ensino-aprendizagem para a adaptação ao meio aquático, enquanto experiência motora estruturada, conduz a constantes oportunidades de crescimento, as quais são obtidas pela vontade de aprender da criança e pelo esforço para dominar as dificuldades (Escribano & Flores, 2003). Esta oportunidade trará à criança uma preparação motora que a ajudará a alcançar as metas da Expressão e Educação Físico-Motora no 1º ciclo do ensino básico.

É objetivo deste trabalho descrever o nível de desenvolvimento motor global de crianças portuguesas em idade e contexto escolar (do 1º ano ao 4º ano do ensino básico), identificando as diferenças no desempenho em habilidades motoras globais entre crianças com ou sem experiência prévia em programas de ensino da Natação no âmbito do projeto educativo previsto para a Expressão e Educação Físico-Motora.

 

MÉTODO

O presente estudo insere-se no domínio da pesquisa descritiva. A amostra foi recrutada por conveniência do investigador, o que permitiu o acesso privilegiado ao histórico das crianças, de acordo com critérios de admissão pré-definidos (alunos saudáveis do 1º ao 4º ano do ensino básico, com ou sem experiência prévia em programas de ensino da Natação no contexto escolar), e a sua consequente avaliação. A representatividade da amostra está, portanto, circunscrita aos agrupamentos escolares participantes.

Amostra

A amostra do estudo foi constituída por 140 crianças portuguesas do 1º ciclo do ensino básico (1º ano, n=34 crianças; 2º ano, n=28; 3º ano, n=41; 4º ano, n=37), pertencentes a dois agrupamentos escolares que promovem aulas de Expressão e Educação Física e Motora no contexto das atividades extracurriculares previstas no seu projeto educativo anual. As escolas de onde provém a amostra são geograficamente próximas (interior centro de Portugal) e classificadas como integrantes em zona urbana, de acordo com os atuais critérios definidos pelo Instituto Nacional de Estatística. As crianças foram divididas consoante a sua prévia experiência em programas de ensino da natação: (i) 53 crianças (31 meninos e 22 meninas) formam o grupo sem qualquer experiência prévia em aulas de natação no contexto escolar e inclusive utilitário; e (ii) 87 crianças (53 meninos e 34 meninas) formam o grupo com experiência prévia em programas de ensino da natação no âmbito das Expressão e Educação Físico-Motora. Deve entender-se que a experiência em natação neste segundo grupo de alunos é cumulativa - os alunos do 1º ao 4 º ano reúnem um a quatro anos de experiência aquática no contexto escolar, respetivamente. Excluíram-se da amostra todos alunos com participação em programas de ensino e treino da natação e/ou de outras modalidades desportivas fora do contexto escolar.

Os encarregados de educação das crianças estudadas facultaram o seu consentimento livre e esclarecido, após a informação sobre os propósitos do estudo, do seu significado e do possível uso dos resultados. A estes coube autorizar o armazenamento dos dados e materiais coletados, que foram mantidos sob a guarda dos investigadores. A confidencialidade dos dados foi garantida assim como o seu anonimato durante o processo de tratamento e análise, tendo sido o estudo efetuado de acordo com os princípios éticos enunciados na declaração de Helsínquia.

Instrumentos e procedimentos

A avaliação do desenvolvimento motor global foi realizada através da aplicação da bateria de testes “Test of Gross Motor Development” (TGMD-2) proposta por Ulrich e Sanford (2000), composta por 12 habilidades divididas em 2 subconjuntos (locomotor e controlo de objetos) que medem as habilidades motoras globais que se desenvolvem cedo na vida. O subconjunto locomotor avalia as habilidades motoras que exigem movimentos fluidos e coordenados do corpo quando a criança se move numa ou noutra direção: corrida, galope, salto com um pé, salto com obstáculo, salto horizontal e deslize. O subconjunto de controlo de objetos mede as habilidades motoras que demonstram movimentos eficientes de agarrar, lançar e bater: bater em bola parada, driblar estático, agarrar/apanhar, pontapear, lançar superior e inferior.

A referida bateria foi aplicada a ambos os grupos de crianças nos campos exteriores da escola (ar livre), à mesma hora do dia e com condições climatéricas semelhantes (sem precipitação, brisa leve e sobre uma amena temperatura média do ar). Tal como propõe o autor, os testes foram repetidos (reteste) uma semana depois em condições de realização semelhantes. Todas as crianças tinham calçado desportivo e roupa adequada e confortável. As avaliações foram registadas em vídeo (câmara Sony, modelo N.DCR-SX30E), e este foi utilizado somente para fins científicos, sem exposição das crianças participantes, que tiveram a sua identidade protegida.

O mesmo examinador observou ambas as imagens-vídeo e avaliou o desempenho individual em cada habilidade motora global de acordo com componentes comportamentais que são apresentadas como critérios que representam um padrão maduro da habilidade. No total, para cada criança e em ambos os momentos de registo (teste e reteste) foram observados 47 critérios de desempenho, divididos por 12 habilidades, das quais 6 são habilidades locomotoras e 6 habilidades de controlo de objetos. Na observação indeferida de cada habilidade (teste e reteste), o desempenho em cada componente comportamental pressupôs um registo binário de plena “concretização” ou de “não desempenho”. Em cada habilidade e para cada item/componente comportamental, o examinador somou a pontuação atribuída em cada registo (teste e reteste) e assumiu o seu resultado final. Posteriormente, os resultados das habilidades foram somados para se obter o resultado bruto de cada subconjunto (locomotor e controlo de objetos), que depois foi convertido num resultado estandardizado de acordo com as normativas fornecidas por Ulrich e Sanford (2000). Por último, os resultados estandardizados foram somados e convertidos num quociente motor global sobre o qual se atribuiu uma classificação qualitativa. Adicionalmente, foi ainda determinada a idade equivalente relativa ao resultado bruto de cada subconjunto atendendo às normativas propostas.

Análise Estatística

Os resultados foram agrupados e analisados estatisticamente. Assim, para todas as variáveis numéricas procedeu-se ao tratamento estatístico descritivo básico através de medidas de tendência central e de dispersão. Foi testado o pressuposto da normalidade das distribuições das variáveis, com o teste K-S (Kolmogorov-Smirnov com a correção de Lilliefors) no sentido de optar pelo procedimento estatístico mais adequado aquando da análise bivariada. Não se verificando o pressuposto da normalidade das distribuições, recorreu-se ao teste de Mann-Whitney U para a comparação de médias de duas amostras independentes, como alternativa não paramétrica ao teste T-Student. Recorreu-se ao teste não paramétrico de Kruskall-Wallis para o estudo da igualdade das medianas pelo quadriénio escolar. O nível de significância foi estabelecido em 5%. Todos os procedimentos estatísticos foram efetuados com recurso ao software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences, versão 21.0).

 

RESULTADOS

Os resultados por subconjunto locomotor, subconjunto de controlo de objetos bem como o cálculo final do quociente de desenvolvimento motor global (TGMD-2) comparados por idade e experiência aquática, estão dispostos na tabela 1. Verificou-se que o desenvolvimento motor global (TGMD-2) e o desempenho normalizado em ambos os subconjuntos, é significativamente distinto entre crianças com e sem experiência aquática (p < .05) para todos os anos de escolaridade. Essas desigualdades são espelhadas na figura 1, que revela a distribuição categórica do desenvolvimento motor das crianças estudadas. De facto, as crianças com experiência aquática, na sua maioria, variam sobretudo entre o nível médio e abaixo da média, com alguns casos no nível pobre. As restantes crianças apresentam uma distribuição claramente enviesada para o nível pobre e muito pobre, com poucos casos no nível abaixo da média.

 

 

 

Na tabela 2, apresentamos os resultados normalizados para cada habilidade do subconjunto locomotor de acordo com o ano de escolaridade e a experiência aquática de ambos os grupos. Numa análise sumária da tabela, julgamos pertinente salientar que o número de habilidades motoras globais sobre as quais se identificaram diferenças significativas entre os grupos é menor entre os alunos de 2º ano (apenas o desempenho na habilidade corrida é significativamente distinto entre grupos, p=0.006) embora amplo entre os alunos do 4º ano de escolaridade (todas as habilidades neste subconjunto).

 

 

Verificamos ainda no estudo da igualdade das medianas pelo quadriénio escolar que apenas a habilidade deslize, nas crianças com experiência aquática, revela uma variação positiva e significativa (p=.000).

Na tabela 3 apresentamos os dados normalizados de cada habilidade do subconjunto controlo de objetos de acordo com o ano de escolaridade e a experiência aquática das crianças. Seguindo a tendência observada no subconjunto anterior, as crianças do 2º ano de escolaridade não apresentam diferenças significativas no desempenho motor das habilidades testadas entre grupos de alunos com ou sem experiência aquática prévia. Na variação ao longo do quadriénio o desempenho de todas habilidades motoras, exceto o drible estático, altera-se de forma positiva e significativa (p < .05) apenas para as crianças com experiência aquática.

 

 

A atribuição da designada idade equivalente de desenvolvimento motor por cada subconjunto consta na tabela 4. Pela análise desta tabela verificamos que a idade equivalente para TGMD-2 é significativamente superior (p < .05) nos alunos com experiência aquática em ambos os subconjuntos e para todos os anos de escolaridade, exceto no 1º ano para o subconjunto controlo de objetos. Contudo, e exceto para o 1º ano no subconjunto locomotor, a idade equivalente é sempre mais baixa que a idade cronológica real. Para além disso, a diferença entre a idade real e a idade equivalente para TGMD-2 tende a aumentar com o ano de escolaridade em ambos os grupos de crianças e subconjuntos avaliados.

 

 

DISCUSSÃO

Foi objetivo principal do trabalho descrever o nível de desenvolvimento motor global de crianças do 1º ciclo do ensino básico em Portugal de acordo com a sua experiência prévia em programas de ensino da natação em contexto escolar. Os estudos neste domínio e particularmente no contexto escolar são escassos, o que condiciona a comparação direta dos nossos resultados. Para além disso, a ausência de normativas para a população Portuguesa não nos permite medir a sua real expressão, pelo que a interpretação dos dados deve ser considerada com cautela.

Numa apreciação geral, a aprendizagem da natação em contexto escolar parece contribuir significativamente para um desempenho otimizado em variadas habilidades motoras globais. No entanto os nossos dados também revelam que o nível de desenvolvimento motor das crianças avaliadas nos dois grupos é, em grande frequência, insuficiente para a idade, considerando a escala normativa utilizada. Este último facto, e independentemente dos grupos considerados, parece concordante com os resultados apresentados por Afonso et al. (2009). Nesse estudo, dos escassos publicados sobre a população Portuguesa, foram envolvidas 853 crianças de ambos os géneros dos 3 aos 10 anos da Região Autónoma da Madeira. Apesar de os resultados demonstrarem uma evolução na proficiência motora com a idade na quase totalidade das habilidades testadas, um número considerável de crianças madeirenses foi classificado na categoria “médio” nas habilidades de locomoção (51.5%) e de manipulação (37.7%). No que se refere aos equivalentes etários apresentados pelos autores – “abaixo da média” nas habilidades de locomoção (86.5%) e de manipulação (87.7%), os dados são convergentes com o nosso estudo, revelando uma categorização preocupante.

Estas diferenças normativas entre populações foram igualmente identificadas por Cepicka (2010) num estudo realizado com crianças Checas das principais escolas urbanas, usando a mesma bateria de testes proposta por Ulrich e Sanford (2000). As diferenças entre os resultados brutos e os respetivos percentis foram substanciais entre as crianças checas e as norte-americanas, o que conduziu o autor a referir que os valores normativos do TGMD-2 devem ser generalizados com reserva para outras populações. Do mesmo modo, o parâmetro “idade equivalente” deve ser usado e interpretado com precaução, apenas como dado “balizador”, e se possível recorrendo a outros dados para estudo comparativo (Ulrich & Sanford, 2000). A idade equivalente relaciona o resultado obtido com a idade real, sendo uma medida do nível de desenvolvimento da criança. Contudo, o uso deste parâmetro parece controverso na literatura, cujas referências utilizadas não estarão generalizáveis para todas as populações. Do nosso ponto de vista urgem estudos que propiciem uma aproximação mais real do parâmetro “idade equivalente” e que recorram a normativas contextualizadas a cada população alvo.

Outra explicação para o facto de os níveis de desenvolvimento global estarem abaixo de classificação positiva para grande parte da amostra pode estar no contexto socioeconómico da escola. No nosso estudo as crianças pertencem a escolas públicas com localização geográfica próxima, embora de agrupamentos distintos. Não foram considerados critérios socioeconómicos no recrutamento da amostra, que pertence a um distrito do interior centro de Portugal; esta limitação, a par da inexistência de normativas para a população Portuguesa, leva-nos a considerar os nossos resultados com cautela. De facto, o estudo de Chow e Louie salienta precisamente esse efeito contextual, ao verificar a influência do tipo de escola (publica ou privada) na performance das habilidades motoras de crianças do ensino pré-escolar. Segundo os autores, as crianças de escolas privadas tendem a obter melhores resultados nas habilidades locomotoras, embora tal não se tenha verificado no domínio das habilidades de controlo de objetos. O estudo recente de Pope, Liu, e Getchell (2011) confirma esta necessidade em reforçar o quadro de estímulos psico-motores apropriados à idade, sobretudo em crianças provenientes de contextos socioeconómicos desfavorecidos. Para além disso, segundo Tsimaras et al. (2011), a influência sociológica no desenvolvimento motor durante a infância parece resultar inclusive de variações étnicas que podem contribuir para uma maior ou menor participação das crianças em atividades físicas organizadas dentro e fora da escola, bem como no incentivo dos pais para estas atividades.

O quociente motor do TGMD-2 é um valor estandardizado, consequente do desempenho motor cumulativo nas várias habilidades motoras globais que integram os dois subconjuntos. Como atrás referimos, os nossos resultados foram significativos no que se refere às diferenças entre as crianças com e sem experiência aquática prévia para todos os anos escolares e em ambos os subconjuntos (resultado normalizado). Contudo, e não obstante as diferenças entre os grupos, o desenvolvimento motor global e inclusive o desempenho em diversas habilidades motoras tende a diminuir no quadriénio. O estímulo adicional (ao da frequência em aulas de Expressão e Educação Física e Motora) da prática de natação parece distinguir positivamente os praticantes no que se refere à proficiência motora, porém será insuficiente para manter a maioria da amostra ao longo do quadriénio escolar numa classificação acima da média no que se refere ao desenvolvimento motor global. Esta influência cumulativa da prática da natação parece convergir nos resultados propostos por Wrotniak, Epstein, Dorn, Jones, e Kondilis (2006), nos quais se evidencia que o desempenho motor está positivamente associado com o nível de atividade física e inversamente associado com o sedentarismo nas crianças, embora exista um limite mínimo de atividade física para que as crianças sejam consideradas fisicamente ativas. De acordo com o autor, a promoção da atividade física pode ter como alvo apropriado o aumento do desempenho motor na juventude. No nosso estudo não foram considerados indicadores de nível de atividade física dos jovens, podendo ser considerado uma limitação do mesmo.

Paula e Belo (2009) obtiveram recentemente resultados equiparáveis, não obstante o fato da amostra ser reduzida (20 crianças de 7 a 9 anos) e terem recorrido à forma reduzida do Teste de Proficiência Motora de Bruininks-Oseresky. De acordo com os autores, as crianças que praticam Natação, em comparação com crianças que praticam Futsal, apresentam valores superiores em todos os componentes da motricidade global e fina, embora as crianças praticantes de Futsal reúnam resultados mais homogéneos entre si. Mesmo na aplicação de pequenos blocos de intervenção, os efeitos no desenvolvimento motor parecem ser significativos durante estas idades, o que revela uma enorme sensibilidade das crianças nesta fase sensível. O estudo de Mortimer, Krysztofiak, Custard, e McKune (2011) e de Yasumitsu e Nogawa (2013) são dois exemplos recentes desse efeito no desempenho psicomotor (tempo de reação, destreza manual e coordenação óculo-manual) e na agilidade, respetivamente. Conhece-se inclusive um efeito positivo de 5 meses de atividades aquáticas no ambiente escolar enquanto meio de estimulação psicomotora em crianças com paralisia cerebral espástica (Teixeira-Arroyo & Oliveira, 2007), apesar de o âmbito do estudo e a amostra recrutada não permita comparações diretas com a nossa pesquisa.

Embora o desempenho motor nas diferentes habilidades não mantenha uma evolução sempre positiva ao longo do quadriénio (em ambos os grupos), os resultados deixam entrever um número superior de habilidades motoras globais cujo desempenho é significativamente distinto entre grupos, entre as crianças do 3º e do 4º ano de escolaridade. Em parte esta ocorrência poderá resultar da prática de Natação em acumulação à Expressão e Educação Física e Motora Educação. Todavia, e para além disso, as melhorias no desempenho motor, em particular para as habilidades de controlo de objetos, parecem ocorrer de forma mais célere entre os 9 e os 10 anos, sobretudo para o agarrar, lançar e pontapear (Butterfield, Angell, & Mason, 2012). Observamos ainda no estudo da igualdade das medianas pelo quadriénio escolar uma variação significativa na maioria das habilidades de controlo de objetos nas crianças com prática prévia de Natação. Do nosso ponto de vista estes resultados parecem coerentes com os pressupostos da organização metodológica do ensino da natação em Portugal no contexto escolar (Rocha et al., 2014). Segundo os autores, nesta população (1º ciclo do ensino básico) promove-se preferencialmente a aquisição de habilidades aquáticas básicas (tais como entrada na água, o equilíbrio dinâmico e o controlo respiratório), num ensino que valoriza a aquisição de compreensões básicas na gestão de jogos e atividades lúdicas aquáticas. Nestas assume-se o jogo como um recurso metodológico natural que agrega simultaneamente motivação, eficácia pedagógica e, muitas vezes, a manipulação de material didático para fins lúdicos específicos. Assim, e embora não seja conhecido efetivamente esse transfer entre habilidades aquáticas básicas e habilidades motoras globais no meio terrestre (e vice-versa) quando se valoriza determinada conceção pedagógica, os nossos resultados deixam antever um efeito positivo do ensino da Natação em variadas habilidades motoras básicas mas especialmente na evolução que se espera com a idade no desempenho motor ao nível do controlo de objetos.

Na mestria das diferentes habilidades do subconjunto locomotor seria expectável uma maior evolução, sobretudo entre as crianças sem prática de Natação. Este resultado deixa antever alguma insuficiência ou inadequação de estímulos para o desenvolvimento destas habilidades no quadro da Expressão Física e Motora. De facto, e identificando por exemplo a habilidade de corrida, poderíamos esperar mais melhorias no processo e no produto de desempenho conforme as crianças crescem. Essas mudanças qualitativas, que geralmente acompanham o crescimento do tamanho do corpo, traduzem-se em níveis de força e coordenação aumentados e resultam quase sempre em melhorias de desempenho na corrida (Haywood & Getchell, 2004). A aplicação de mecanismos de avaliação como o TGMD-2 no contexto do ensino pré-escolar e básico, quando devidamente enquadrado nos projetos educativos escolares tornar-se-á preciosa. Partimos do pressuposto que a globalidade das habilidades motoras globais pode ser otimizada até patamares de desempenho comportamental exigíveis ao nível da mestria em relação à idade. Assim, a triagem prematura de insuficiências em determinados comportamentos pode e deve ser atempadamente corrigida.

 

CONCLUSÕES

Os nossos resultados revelam a existência de diferenças significativas no desenvolvimento motor global e nos resultados normalizados dos respetivos subconjuntos (locomotor e controlo de objetos) entre as crianças com e sem experiência aquática escolar e em cada ano de escolaridade. A prática acumulada da natação parece conduzir a uma variação positiva e significativa do desenvolvimento em várias habilidades motoras mas sobretudo no controlo de objetos (deslizar, bater em bola parada, driblar estático, chutar, lançar superior e lançar inferior). Ainda assim, a classificação qualitativa do nível de desenvolvimento motor é globalmente baixa em ambos os grupos de crianças assim como a idade motora equivalente, que sofre alterações ligeiras ou mesmo negativas ao longo do quadriénio escolar.

Urgem mais estudos que clarifiquem a expressão destes dados, em particular a sua generalização à população Portuguesa e variabilidade sobre o contexto socioeconómico das crianças.

 

REFERÊNCIAS

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Agradecimentos:
Nada a declarar.
Conflito de Interesses:
Nada a declarar.
Financiamento:
Nada a declarar.

Artigo recebido a 22.11.2013; Aceite 21.05.2014

 

 

* Autor correspondente: Universidade da Beira Interior, Rua Marquês D´Ávila e Bolama, 6200-001 Covilhã; E-mail: amcosta@ubi.pt

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