SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.10 número3Análise das estruturas do Complexo I à luz do resultado do set no voleibol femininoUma sessão de exercícios de treino de força não promove alterações negativas na estrutura venosa dos membros inferiores em homens índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Motricidade

versão impressa ISSN 1646-107X

Motri. vol.10 no.3 Vila Real set. 2014

https://doi.org/10.6063/motricidade.10(3).3186 

ARTIGO ORIGINAL

 

Velocidade de caminhada como indicador para a incapacidade funcional em idosos

 

Walking speed as indicator for functional disability in the elderly

 

 

Andrêza Soares dos Santos1; Sheilla Tribess1; Lélia Lessa Teixeira Pinto1; Maria da Conceição Lopes Ribeiro1; Saulo Vasconcelos Rocha2; Jair Sindra Virtuoso Júnior1,*

1Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba - MG, Brasil
2Departamento de Saúde II, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Jequié - BA, Brasil.

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi analisar a velocidade de caminhada como discriminador da incapacidade funcional. Para o efeito foi realizado um estudo epidemiológico de corte transversal com amostra probabilística de 622 indivíduos, na faixa etária de 60 a 96 anos, com média de 71.60 anos (DP= 7.39) para os homens e 70.78 anos (DP= 7.96) para as mulheres. Foram construídas curvas Receiver Operating Characteristic (ROC) e determinado o critério discriminador da velocidade do tempo de caminhar 2.44 m (segundos) para incapacidade funcional nas atividades básicas (ABVD) e instrumentais da vida diária (AIVD). As áreas sob a curva ROC foram maiores que 0.60 fornecendo indicação que o teste de caminhada tem potencial de discriminar a incapacidade funcional, nas ABVD e nas AIVD, em ambos os sexos. O tempo de caminhada para discriminar a incapacidade funcional foi > 3.53 segundos nas ABVD e > 2.47 segundos nas AIVD para homens e para as mulheres foi > 3.41 segundos nas ABVD e > 3.19 segundos nas AIVD. O tempo de velocidade da caminhada pode ser utilizado em inquéritos e intervenções populacionais como indicador da incapacidade funcional nos idosos.

Palavras-chave: caminhada, membros inferiores, incapacidade, idosos, curvas ROC.


ABSTRACT

The aim of this study was to analyze the walking speed as a discriminator of functional disability. This was an epidemiological cross-sectional study with a random sample of 622 individuals, in the age group 60-96 years, mean 71.6 years (SD= 7.39) for men and 70.78 years (SD= 7.96) for women. Receiver operating characteristic (ROC) curves were designed and the criterion discriminator of 2.44 meters walking speed (in seconds) were determined in order to predict the absence of functional disability in basic activities of daily living (BADL) and instrumental activities of daily living (IADL). The areas under the ROC curve for the analyzes were higher 0.60 suggesting that the walk test has the potential to discriminate functional impairment, in BADL and IADL in both sexes. Walking time to discriminate functional disability was higher than 3.53 seconds for BADL and 2.47 seconds in IADL for men. For women, it was higher than 3.41 seconds for BADL and 3.19 seconds in IADL. The time of walking speed can be monitored in surveys and interventions population as indicator of functional disability in the elderly.

Keywords: walking, lower extremity, disabilities, aged, ROC curves


 

 

INTRODUÇÃO

O processo de envelhecimento populacional torna-se emergente na sociedade brasileira, pois a transição demográfica no país é mais acelerada do que em países desenvolvidos (Veras, 2012). Atrelada às mudanças demográficas são percetíveis as mudanças no perfil de morbimortalidade da população, uma vez que o envelhecimento está relacionado ao aumento na ocorrência de doenças crónico-degenerativas e maior probabilidade de perdas funcionais (Benedetti et al., 2008).

O declínio funcional compromete a participação em atividades sociais, culturais, físicas e o acesso aos serviços de saúde influenciando negativamente na qualidade de vida da população idosa (Rantanen, 2013; Virtuoso Júnior & Guerra, 2011a), e também no desempenho das atividades de vida diária, imprescindíveis para proporcionar uma melhor qualidade de vida (Farinati, 1997).

A mobilidade constitui um fator essencial na avaliação da limitação funcional e consequentemente na antecipação do diagnóstico de incapacidade funcional em populações idosas. Tal atividade sinaliza a capacidade de locomoção e realização de tarefas cotidianas que podem ser mensuradas por meio de um enfoque gradual, iniciando-se com tarefas simples como transferir-se da cama para a cadeira e progredindo para as tarefas mais complexas como caminhadas de curtas e longas distâncias, subir e descer escadas, atividades que exigem força muscular, amplitude no movimento e resistência (Guralnik, 1996).

A incapacidade funcional é definida pela limitação em desempenho de papéis socialmente definidos e tarefas dentro do ambiente sociocultural (Alves, Leite, & Machado, 2008). A mesma é comumente avaliada por autorrelato, sendo antecedida pelas limitações no desempenho físico e motor (Morey, Pieper, & Cornoni-Huntley, 1998).

A limitação funcional pode ser caracterizada pela diminuição do desempenho físico e permite o diagnóstico precoce da vulnerabilidade à incapacidade funcional (Ble et al., 2005). As medidas de desempenho físico são preditivas de eventos relacionados com a saúde, mesmo em idosos saudáveis e com bom funcionamento (Cesari et al., 2005).

A velocidade da marcha é apresentada como bom indicador da limitação funcional quando comparada à bateria completa de teste de desempenho (Guralnik et al., 2000). Apesar da relação consensual na literatura da mobilidade com as limitações funcionais e a incapacidade funcional (Cesari et al., 2006; Guralnik et al., 1994; Morey et al., 1998), ainda há lacunas quanto aos parâmetros mínimos de desempenho necessários para a preservação da capacidade funcional.

Investigar as variáveis associadas à autonomia e independência dos idosos fundamenta o trabalho dos profissionais que buscam fornecer orientação, tratamento e prevenção à população idosa, que cresce aceleradamente no país (Soares, Diniz & Cattuzzo, 2013), podendo contribuir assim para uma melhor e mais eficaz intervenção.

O processo de envelhecimento seja no aspeto demográfico ou funcional tem ocorrido de forma diferente entre homens e mulheres (Cesari et al., 2006; Veras, 2012), facto que remete a necessidade de análises e o fornecimento de indicadores distintos entre os sexos.

O diagnóstico precoce da perda da capacidade funcional por indicadores do desempenho físico traz à tona novos desafios para o sistema de saúde brasileiro, emergindo a necessidade de inversão da lógica de atendimento centrada no tratamento de enfermidades já existentes para uma perspetiva de investimento em ações de prevenção da saúde funcional do idoso.

Diante disso o objetivo do presente estudo foi analisar a velocidade de caminhada como discriminador da incapacidade funcional. As hipóteses testadas no presente estudo foram que idosos com menor velocidade de caminhada seriam dependentes nas atividades básicas e instrumentais da vida diária, sendo possível estimar um ponto de corte para o tempo despendido na caminhada para a discriminação da incapacidade funcional.

 

MÉTODO

O presente estudo observacional, analítico e de corte transversal foi realizado no município de Uberaba, localizada a 494 km de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Região Sudeste do Brasil, entre maio e agosto de 2010.

Participantes

A amostra foi composta por 622 pessoas, sendo 404 mulheres (65.0%) e 218 homens (35.0%) com idades entre 60 e 96 anos (M= 71.08; DP= 7.77). Na determinação do tamanho da amostra, recorreu-se aos procedimentos propostos para populações finitas (Luiz & Magnanini, 2000). Nesse cálculo, foi adotado nível de significância de 5% e erro tolerável de amostragem de 3%, resultando numa amostra necessária de 490 sujeitos. Essa primeira estimativa de tamanho amostral foi aumentada em 20%, no intuito de explorar associações ajustadas entre os componentes analisados, perfazendo uma amostra mínima necessária de 588 idosos, tendo o acréscimo percentual de 10% para compensar eventuais perdas, sendo necessária uma amostra de 643 idosos. A amostra final foi constituída por 622 idosos (Figura 1).

Os idosos foram selecionados de forma aleatória, considerando a coleta de dados em base domiciliar e representativa da zona urbana do município, do tipo proporcional ao Distrito, Equipe de Saúde da Família e sexo. Tais idosos não possuíam dificuldades na acuidade visual e auditiva em grau severo, não faziam uso de cadeiras de rodas, não estavam acamados de modo provisório ou definitivo, não possuíam sequelas graves de acidente vascular encefálico (AVE) com perda localizada de força e não possuíam doença em estágio terminal.

Instrumentos e Procedimentos

Para avaliação foi elaborada uma entrevista multidimensional, aplicada de forma individual, sendo constituída por questões relacionadas aos aspetos sociodemográficos: idade, escolaridade, estado civil, atividade laboral, tamanho da família e renda familiar, aspetos de saúde física e mental, capacidade funcional (Lino et al., 2008; Santos & Virtuoso Júnior, 2008) e déficit cognitivo (Mini Exame Mental) (Almeida, 1998).

A incapacidade funcional foi mensurada de acordo com: a) as atividades básicas da vida diária (ABVD) pelo Índice de Katz, correspondendo às limitações na realização das atividades de autocuidado (tomar banho, vestir-se, alimentar-se, ir ao banheiro, deitar e levantar-se da cama, comer e controle das funções de urinar e ou evacuar): independência (dificuldade em nenhuma das atividades) versus dependência (incapacidade/dificuldade para realizar uma ou mais atividades) (Lino et al., 2008); b) as atividades instrumentais da vida diária (AIVD) pela versão adaptada do Índice de Lawton, no qual se adotou o critério de 11 pontos para a presença de dependência (Santos & Virtuoso Júnior, 2008).

O teste de caminhada de 2.44 m é o instrumento utilizado com o objetivo de avaliar os atributos cinemáticos espaciais e temporais da marcha (Guralnik et al., 1994). Solicitou-se aos voluntários que caminhassem o percurso de 2.44 m em velocidade usual. Três testes foram realizados para minimizar o efeito aprendizado e o melhor desempenho foi utilizado para a análise dos dados. Um único examinador, utilizando cronómetro digital 1/100s (Instrutherm CD-2800®, São Paulo, SP, Brasil), obteve o tempo da caminhada de todos os voluntários.

Os voluntários receberam as seguintes orie-tações padronizadas do examinador: “O(a) Sr(a) está vendo aquela marca de 2.44 m à sua frente‌”; “Por favor, caminhe até aquela marca na sua velocidade usual”; “Por favor, comece a caminhada assim que estiver pronto(a)”.

Esta pesquisa seguiu os princípios éticos presentes na Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Os protocolos de pesquisa foram avaliados e aprovados pelo Comité de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro sob o parecer de número 1521/2009.

Análise Estatística

Os dados foram tabulados pelo software Epidata e analisados no programa estatístico MedCal versão 11.4.4.

A caracterização das variáveis foi apresentada em média, desvio padrão, valores mínimos, máximos e frequências. Para comparar a distribuição das variáveis segundo os sexos, utilizou-se o teste do Qui-quadrado, p< 0.05.

O poder preditivo e os pontos de corte do tempo de caminhada (segundos), em ambos os sexos como discriminador da incapacidade funcional nas atividades básicas (ABVD) e instrumentais da vida diária (AIVD) foram identificados através das curvas Receiver Operating Characteristic (ROC), frequentemente utilizadas para determinação de pontos de corte em testes diagnósticos ou de triagem (Erdreich & Lee, 1981). Valores identificados por meio das curvas ROC constituem-se em pontos de corte que deverão promover um adequado equilíbrio entre a sensibilidade e a especificidade para o tempo de caminhada como discriminador da incapacidade funcional. Utilizou-se o intervalo de confiança (IC) a 95% e área sob a curva ROC igual ou superior a 0.60, os quais determinam se a capacidade preditiva do teste de caminhada não é pelo acaso (Schisterman et al., 2001).

 

RESULTADOS

A análise das variáveis sociodemográficas refere-se à amostra composta por 622 idosos, sendo 404 mulheres (65.0%) e 218 homens (35.0%). Em relação à idade, a faixa etária variou entre 60 e 96 anos, com média de 71.60 anos (DP= 7.39) para os homens e 70.78 anos (DP= 7.96) para as mulheres. Os idosos do sexo masculino apresentaram média de 72.51 kg (DP= 14.19) para massa corporal e 165.13 cm (DP= 7.03) para estatura. Os idosos do sexo feminino apresentaram média de 65.75 kg (DP= 14.74) para massa corporal e 153.17 cm (DP= 6.36) para a estatura.

Os idosos na sua maioria eram casados ou viviam com parceiro (52.7%), sendo as mulheres viúvas em maior proporção (35.2%), residentes em domicílios multigeracionais (54.8%) especificamente bigeracionais (30.6%, avós e filhos), sendo as mulheres em maior proporção residindo sozinho (12.8%), nível educacional baixo, visto que, 40.3% tinham no máximo dois anos de estudo e desses 19.1% eram analfabetos e com baixa renda mensal, onde 51.5% sobreviviam com até dois salários mínimos (Tabela 1).

Quanto às condições de saúde dos idosos observou-se que 95.4% referiram a presença de pelo menos uma doença, com menor proporção para os homens, 84.3% usavam medicamentos de forma contínua, sendo mais frequentes nas mulheres (88.2%), 14.7% foram hospitalizados nos últimos seis meses, 29.6% relataram ter sofrido alguma queda nos últimos doze meses com maior proporção para as mulheres (35.2%) e 22.3% ingeriam bebidas alcoólicas pelo menos uma vez por semana. O tempo de caminhada inferior a 3.62 segundos foi realizado por 57.4%, sendo que os melhores escores foram observados no grupo do sexo masculino (67%) (Tabela 2).

A avaliação da capacidade funcional dos idosos, no que diz respeito às ABVD, evidenciou que a maioria encontrava-se na situação de independência, quer dizer, 82.4% (n= 514) eram capazes de realizar todas as atividades sem nenhuma assistência. No entanto, 17.6% (n= 110) eram dependentes na realização das atividades básicas, como tomar banho, vestir-se, ir ao banheiro, deitar e levantar da cama, comer e controle das funções de urinar e/ou evacuar. Para as atividades instrumentais da vida diária (AIVD) 46.3% (n= 289) possuíam moderada a grave dependência.

As áreas sob a curva ROC para as análises foram para as mulheres 0.76 nas ABVD e 0.73 nas AIVD e para os homens 0.70 nas ABVD e 0.61 nas AIVD fornecendo indicação de que o teste de caminhada tem o potencial para discriminar o comprometimento funcional em ambos os sexos.

Para as mulheres idosas, os pontos de corte no tempo de caminhada para descriminar a incapacidade funcional foram > 3.41 segundos para as ABVD (sensibilidade 69.44% e especificidade 72.48%) e > 3.19 segundos nas AIVD (sensibilidade 62% e especificidade 79%). Nos homens, os pontos de corte foram > 3.53 segundos para as ABVD (sensibilidade 48.4% e especificidade 84.3%) e > 2.47 segundos nas AIVD (sensibilidade 75.9% e especificidade 43%).

 

DISCUSSÃO

Os dados do presente estudo corroboram com os resultados evidenciados em outras pesquisas realizadas no país que reportaram maior número de mulheres participantes, casadas ou vivendo com o companheiro e residindo em ambientes multigeracionais (Rocha, Almeida, Araújo, & Virtuoso Júnior, 2011; Virtuoso Júnior & Guerra, 2011b).

 

Figura 2

 

 

Figura 3

 

Entre as condições de saúde, os resultados apresentam semelhança aos encontrados por Maciel e Guerra (2007) que relataram que 91% dos idosos apresentavam alguma doença. Quanto ao número de medicamentos, inquérito populacional realizado na região sul do Brasil apresentou que 73% dos idosos entrevistados faziam uso de medicamentos contínuos (Benedetti, Binotto, Petroski, & Gonçalves, 2008). No que se refere à ocorrência de quedas nos últimos doze meses, estudo de base populacional realizado no Brasil observou que 27.6% dos idosos abordados declararam tal situação (Siqueira et al., 2011), escore este próximo aos resultados do presente estudo.

A capacidade funcional reflete a condição de independência na realização das atividades do dia-a-dia. Em geral, o declínio da capacidade funcional está mais presente no avançar da idade cronológica, em que os processos do envelhecimento interferem tanto nas condições físicas como, também, na saúde mental dos idosos (Virtuoso Júnior, Tribess, Paulo, Martins, & Perez, 2012).

A capacidade funcional é resultante de diversos fatores que agem em conjunto, num longo período de tempo. Os modelos teóricos, em geral posicionam a patologia como o primeiro passo diante de uma sucessão temporal, no declínio gradual da capacidade funcional. Entretanto, o declínio da aptidão física pode agir como um fator de risco na instalação de processos incapacitantes, independente do processo patológico (Morey et al., 1998).

A prevalência de incapacidade funcional verificada para as ABVD (17.6%) e AIVD (46.3%) é semelhante aos resultados evidenciados em outros estudos no país (Del Duca, Silva, & Hallal, 2009; Virtuoso Júnior & Guerra, 2011b), sendo constatado nestes estudos que mais da metade dos idosos são independentes na realização das atividades básicas da vida diária.

Os resultados indicam que a incapacidade funcional nas ABVD foi maior nas mulheres, resultados estes que corroboram com Giacomin, Peixoto, Uchoa e Lima-Costa (2008). Este apresenta como hipóteses para explicar essa diferença a maior sobrevivência das mulheres em relação aos homens, maior prevalência de condições incapacitantes não fatais entre as mulheres (como osteoporose, artrite e depressão) e maior habilidade da mulher em reportar maior número de condições de saúde em relação ao homem.

O diagnóstico dos aspetos motores e funcionais do idoso deve ser contínuo, a fim de discriminar os idosos vulneráveis e mais suscetíveis a processos incapacitantes. Dentre os testes motores, os que avaliam a mobilidade física passam a ter uma maior relevância na gerontologia, não apenas pela relação desse componente com a mortalidade (Hardy, Perera, Roumani, Chandler & Studenski, 2007), mas também por ser um indicador do comprometimento social do indivíduo (Guralnik et al., 1994).

A manutenção da independência e da habilidade preservada na realização das atividades da vida diária está relacionada com a mobilidade que se refere à capacidade do indivíduo locomover-se pelo ambiente, sendo, portanto um fundamental componente da funcionalidade (Oliveira, Goretti, & Pereira, 2006).

A avaliação da mobilidade, por meio da medida da velocidade usual da marcha é relativamente simples, rápida, facilmente obtida em ambiente clínico ou domiciliar e não requer equipamentos sofisticados (Verghese, Holtzer, Lipton, & Wang, 2009; Watson, 2002). Por outro lado, o resultado da medida da mobilidade prover informações que permite estratificar os idosos em grupos por níveis de funcionalidade e vulnerabilidade aos processos incapacitantes (Cesari et al., 2006).

A velocidade de caminhada é preditor de mortalidade e incapacidade em idosos (Cesari et al., 2009). A menor velocidade está associada com maior risco de fraturas, comprometimento cognitivo, acidente vascular e hospitalizações (Cooper et al., 2011) e maior probabilidade de surgimento de incapacidades nas atividade da vida diária (Den Ouden, Schuurmans, Arts, & van der Schouw, 2011).

O estabelecimento de pontos de corte do tempo de caminhada permite o diagnóstico precoce da condição funcional, ainda no primeiro estágio de dependência, sendo mais fácil a tomada de medidas preventivas que impeçam a progressão para os demais estágios de dependência funcional.

Ao analisar a distribuição do tempo despendido na caminhada de 2.44 metros entre os sexos é possível identificar os melhores escores, ou seja, o tempo mais baixo sendo alcançado pelos homens. Tais diferenças podem ser explicadas em parte pela condição física mais avantajada dos homens, no que tange a estrutura óssea e muscular para a realização de tarefas de desempenho motor (Pinheiro, Passos, Coqueiro, Fernandes, & Barbosa, 2013).

Os pontos de corte da caminhada na predição da incapacidade funcional encontrados no estudo são superiores aos parâmetros mínimos recomendados à saúde (Cesari et al., 2006). Entretanto, o desempenho motor requerido na velocidade da marcha de 2.44 metros para evitar prejuízos funcionais nas ABVD e AIVD parece ser menor para as mulheres.

Os resultados distintos entre os sexos podem ser explicados pelas diferenças morfológicas e fisiológicas. Entretanto, os resultados não são tão distintos como eram esperados, o que pode ser explicado em parte pelas mudanças mais aceleradas nos comportamentos de atividade física entre os idosos do sexo masculino com o envelhecimento (Benedetti et al., 2008). Após a aposentadoria, além da diminuição da mobilidade, as redes sociais são consideravelmente diminuídas, ao contrário da mulher em que as mudanças com o envelhecimento parecem acontecer de forma mais suave.

Algumas limitações foram verificadas no presente estudo: 1) o delineamento transversal dificulta o avanço em análises temporais dos fatores estudados, em virtude do viés de causalidade reversa, não permitindo encontrar relação de causalidade; 2) o uso do questionário (medida da incapacidade funcional nas ABVD e AIVD por meio de um constructo) pode subestimar ou superestimar algumas informações encontradas; 3) a ampla faixa etária do grupo analisado pode interferir na maior precisão dos pontos de corte estimados; e, 4) o teste de desempenho da marcha no percurso de 2.44 metros pode ter sofrido interferências motivacionais.

Por outro lado, a possibilidade de viés de seleção no estudo está reduzida por ser uma amostra representativa aos idosos, da área urbana da localidade do estudo. Além disso, investigações epidemiológicas com delineamento transversal são importantes para o desenvolvimento de políticas públicas.

Sugerem-se novos estudos de delineamento longitudinal para avaliar o poder do teste de caminhada de 2.44 metros como um possível preditor da incapacidade funcional em idosos.

 

CONCLUSÕES

Com base nos resultados desse estudo, podemos concluir que através de fundamentação encontrada na literatura, no que diz respeito ao grau de associação entre variáveis, é possível inferir que o teste de mobilidade na caminhada de 2.44 metros possui potencial preditivo para a incapacidade funcional na população idosa.

 

REFERÊNCIAS

Almeida, O. P. (1998). Mini exame do estado mental e o diagnóstico de demência no Brasil. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 56(3B), 605-612.         [ Links ]

Alves, L. C., Leite, I. C., & Machado, C. J. (2008). The concept and measurement of functional disability in the elderly population: A literature review. Ciência & Saúde Coletiva, 13(4), 1199-1207. doi: 10.1590/S1413-81232008000400016         [ Links ]

Benedetti T. R. B., Gonçalves L. H. T., Petroski E. L. Nassar S. M, Schwingel A., & Chodzko-zajko W. (2008). Aging in Brazil: Physical activity, socioeconomic conditions, and diseases among older adults in southern Brazil. Journal of Applied Gerontology, 27, 631-640. doi: 10.1177/0733464808319710         [ Links ]

Benedetti, T. R. B., Binotto, M. A., Petroski, E. L., & Gonçalves, L. H. T. (2008). Atividade física e prevalência de quedas em idosos residentes no sul do Brasil. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 11(2), 145-154.         [ Links ]

Ble A., Volpato, S., Zuliani, G., Guralnik J. M., Bandinelli S., Lauretani, P., … Ferrucci, L. (2005). Executive function correlates with walking speed in older persons. The In CHIANTI Study. Journal of the American Geriatrics Society, 53, 410-416. doi: 10.1111/j.1532-5415.2005.53157.x         [ Links ]

Cesari, M., Kritchevsky, S. B., Penninx, B. W., Nicklas, B. J., Simonsick, E. M., Newman, A. B., ... & Pahor, M. (2005). Prognostic value of usual gait speed in well-functioning older people - Results from the Health, Aging and Body Composition Study. Journal of the American Geriatrics Society, 53(10), 1675-1680. doi: 10.1111/j.1532-5415.2005.53501.x         [ Links ]

Cesari, M., Onder, G., Russo, A., Zamboni, V., Barillaro, C., Ferrucci, L., … Landi, F. (2006). Comorbidity and physical function: Results from the aging and longevity study in the Sirente Geographic Área (ILSIRENTE Study). Gerontology, 52, 24-32. doi: 10.1159/000089822         [ Links ]

Cesari, M., Pahor, M., Marzetti, E., Zamboni, V., Colloca, G., Tosato, M., ... & Markides, K. (2009). Self-assessed health status, walking speed and mortality in older Mexican-Americans. Gerontology, 55(2), 194-201. doi: 10.1159/000174824         [ Links ]

Cooper, R., Kuh, D., Cooper, C., Gale, C. R., Lawlor, D. A., Matthews, F., & Hardy, R. (2011). Objective measures of physical capability and subsequent health: A systematic review. Age and Ageing, 40, 14-23. doi: 10.1093/ageing/afq117         [ Links ]

Del Duca, G. F., Silva, M. C., & Hallal, P. C. (2009). Disability relating to basic and instrumental activities of daily living among elderly subjects. Revista de Saúde Pública, 43(5), 796-805. doi: 10.1590/S0034-89102009005000057         [ Links ]

Den Ouden, M. E., Schuurmans, M. J., Arts, I. E., & van der Schouw, Y. T. (2011). Physical performance characteristics related to disability in older persons: A systematic review. Maturitas, 69(3), 208-219. doi: 10.1016/j.maturitas.2011.04.008         [ Links ]

Erdreich, L. S. & Lee, E. T. (1981). Use of relative operating characteristics analysis in epidemiology: A method for dealing with subjective judgment. American Journal of Epidemiology, 144(5), 649-662.         [ Links ]

Farinati, P. T. V. (1997). Avaliação da autonomia do idoso: Definição de critérios para uma abordagem positiva a partir de um modelo de interação saúde-autonomia. Arquivos de Geriatria e Gerontologia, 1, 1-9.         [ Links ]

Giacomin, K. C., Peixoto, S. V., Uchoa, E. & Lima-Costa, M. F. (2008). Estudos de base populacional dos fatores associados à incapacidade funcional entre idosos na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 24(6), 1260-1270. doi: 10.1590/S0102-311X2008000600007         [ Links ]

Guralnik, J. M. (1996). Assessing the impact of comorbidity in the older population. Annals of Epidemiology, 6(5), 376-80. doi: 10.1016/S1047-2797(96)00060-9         [ Links ]

Guralnik, J. M., Simonsick, E. M., Ferrucci, L., Glynn, R. J., Berkman, L. F., & Blazer D. G. (1994). A short physical performance battery assessing lower extremity function: Association with self-reported disability and prediction of mortality and nursing home admission. Journal of Gerontoly, 49(2), M85-94.         [ Links ]

Guralnik, J. M., Ferrucci, L., Pieper, C. F., Leveille, S. G., Markides, K. S., Ostir, G. V., ... & Wallace, R. B. (2000). Lower extremity function and subsequent disability consistency across studies, predictive models, and value of gait speed alone compared with the Short Physical Performance Battery. The Journals of Gerontology Series A: Biological Sciences and Medical Sciences, 55(4), M221-M231. doi: 10.1093/gerona/55.4.M221         [ Links ]

Hardy, S. E., Perera, S., Roumani, Y. F., Chandler, J. M., & Studenski, S. A. (2007). Improvement in usual gait speed predicts better survival in older adults. Journal of the American Geriatrics Society, 55(11), 1727-1734. doi: 10.1111/j.1532-5415.2007.01413.x         [ Links ]

Lino, V. T. S., Pereira, S. R. M., Camacho, L. A. B., Ribeiro Filho, S. T., & Buksman, S. (2008). Adaptação transcultural da Escala de independência em Atividades da Vida Diária (Escala de Katz). Caderno de Saúde Pública, 24(1), 103-112. doi: 10.1590/S0102-311X2008000100010         [ Links ]

Luiz, R. R., & Magnanini, M. F. (2000). A lógica da determinação do tamanho da amostra em investigações epidemiológicas. Caderno de Saúde Coletiva, 8(2), 9-28.         [ Links ]

Maciel, Á. C. C., & Guerra, R. O. (2007). Influência dos fatores biopsicossociais sobre a capacidade funcional de idosos residentes no nordeste do Brasil. Revista Brasileira de Epidemiologia, 10(2), 178-189.         [ Links ]

Morey, M. C., Pieper, C. F., & Cornoni-Huntley, J. (1998). Physical fitness and functional limitations in community-dwelling older adults. Medicine & Science in Sports & Exercise, 30, 715-723.         [ Links ]

Oliveira, D. L. C., Goretti, L. C., & Pereira, L. S. M. (2006). O desempenho de idosos institucionalizados com alterações cognitivas em atividades de vida diária e mobilidade: Estudo piloto. Revista Brasileira de Fisioterapia, 10(1), 91-96.         [ Links ]

Pinheiro, P. A., Passos, T. D., Coqueiro, R. D., Fernandes, M. H., & Barbosa A. R. (2013). Desempenho motor de idosos no Nordeste do Brasil: Diferenças com a idade e sexo. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 47(1), 128-136. doi: 10.1590/S0080-62342013000100016         [ Links ]

Rantanen, T. (2013). Promoting mobility in older people. Journal of Preventive Medicine Public Health, 46(Suppl 1), S50–S54. doi: 10.3961/jpmph.2013.46.S.S50         [ Links ]

Rocha, S. V., de Almeida, M. M. G., Araújo, T. M., & Júnior, J. S. V. (2011). Atividade física no lazer e transtornos mentais comuns entre idosos residentes em um município do nordeste do Brasil. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 60, 80-85.         [ Links ]

Santos, R. L., & Virtuoso Junior, J. S. (2008). Confiabilidade da versão brasileira da escala de atividades instrumentais da vida diária. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, 21(4), 290-296.         [ Links ]

Schisterman, E.F., Faraggi, D., Reiser, B., & Trevisan, M. (2001). Statistical inference for the area under the receiver operating characteristic curve in the presence of random measurement error. American Journal of Epidemiology, 154(2), 174-179. doi: 10.1093/aje/154.2.174         [ Links ]

Siqueira, F. V., Facchini, L. A., Silveira, D. S. D., Piccini, R. X., Tomasi, E., Thumé, E., ... & Dilélio, A. (2011). Prevalence of falls in elderly in Brazil: A country wide analysis. Cadernos de Saúde Pública, 27(9), 1819-1826. doi: 10.1590/S0102-311X2011000900015         [ Links ]

Soares, R. M, Diniz, A. B., & Cattuzzo, M. T. (2013). Associação entre atividade física, aptidão física e desempenho cognitivo em idosos. Motricidade, 9(2), 85-94. doi: 10.6063/motricidade.9(2).2670         [ Links ]

Veras, R. P. (2012). Prevenção de doenças em idosos: Os equívocos dos atuais modelos. Cadernos de Saúde Pública, 28(10), 1834-1840. doi: 10.1590/S0102-311X2012001000003         [ Links ]

Verghese, J., Holtzer, R., Lipton, R. B., & Wang, C. (2009). Quantitative gait markers and incident fall risk in older adults. Journal Gerontology A Biological Sciences Medical Sciences, 64A(8), 896-901. doi: 10.1093/gerona/glp033         [ Links ]

Virtuoso Júnior, J. S., & Guerra, R. O. (2011a). Confiabilidade de testes de aptidão funcional em mulheres de 60 a 80 anos. Motricidade, 7(2), 7-13. doi: 10.6063/motricidade.7(2).106         [ Links ]

Virtuoso Júnior, J. S., & Guerra, R. O. (2011b). Functional incapacity among low-income elderly women. Ciência & Saúde Coletiva, 16(5), 2541-2548. doi:10.1590/S1413-81232011000500024         [ Links ]

Virtuoso Júnior, J. S., Tribess, S., Paulo, T. R. S., Martins, C. A., & Perez, V. R. (2012). Atividade física como indicador preditivo para incapacidade funcional em pessoas idosas. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 20(2), 1-7. doi: 10.1590/S0104-11692012000200007         [ Links ]

Watson, M. J. (2002). Refining the ten-meter walking test for use with neurologically impaired people. Physiotherapy, 88(7), 386-397. doi: 10.1016/S0031-9406(05)61264-3         [ Links ]

 

Agradecimentos:
Nada a declarar.
Conflito de Interesses:
Nada a declarar.
Financiamento:
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG (processo APQ-03000-10). Projeto: Prevalência de ocorrência de quedas e fatores associados ao fenótipo da fragilidade em pessoas idosas residentes no município de Uberaba, MG.

Artigo recebido a 08.11.2013; 1ª Revisão 29.11.2013; Aceite 07.02.2014

 

 

*Autor correspondente: Instituto de Ciências da Saúde, Programa de Pós-Graduação em Educação Física, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Avenida Tutunas, nº 490, Uberaba, CEP: 38061-500 Minas Gerais, Brasil; E-mail: jair@ef.uftm.edu.br

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons