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Motricidade

versión impresa ISSN 1646-107X

Motri. vol.10 no.1 Vila Real mar. 2014

https://doi.org/10.6063/motricidade.10(1).2638 

ARTIGO ORIGINAL

 

Validação e desenvolvimento de um sistema de observação da comunicação cinésica do instrutor de fitness

 

Validation and development of an observational system for the kinesics communication of the fitness instructor

 

 

Susana Mendes Alves1, 2, 3, *; José Fernandes Rodrigues1, 2; Marta Castañer Balcells5; Oleguer Camerino Foguet5; Pedro Jorge Sequeira1, 2; Luís Alberto Carvalhinho1, 2; Vera Alexandra Simões1, 2, 3; Susana Alves Franco1, 4

1 Escola Superior de Desporto de Rio Maior (ESDRM), Rio Maior, Portugal
2 Centro de Investigação em Qualidade de Vida (CIEQV), Santarém, Portugal
3 Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano (CIDESD), Vila Real, Portugal
4 Centro de Estudos em Educação, Tecnologia e Saúde (CI&DETS), Viseu, Portugal
5 Grup de Recerca en Metodologia Observacional en l'activitat Física i Esportiva; Institut Nacional d’Educació Física de Catalunya (INEFC) – Universitat de Lleida, Espanha

 

 


RESUMO

Este estudo foi realizado com o propósito de desenvolver e validar o sistema de observação da comunicação cinésica do instrutor de fitness, assim como realizar uma aplicação piloto do mesmo. No processo de desenvolvimento e validação do novo sistema de observação foram consideradas cinco fases sequenciais. No final deste processo foi estabelecida a validade e fiabilidade de 5 dimensões e 21 categorias de comportamento cinésico dos instrutores, criando-se a versão final deste sistema de observação. Esta versão do sistema de observação foi aplicada num estudo piloto a uma amostra de 12 instrutores de quatro atividades de grupo distintas. Os resultados indicam que o comportamento proxémico dos instrutores pode ser codificado com recurso ao sistema de observação da comunicação cinésica do instrutor de fitness, tendo sido realizada uma análise comparativa acerca da sua intervenção nas diversas atividades, ainda que com uma amostra reduzida.

Palavras-chave: comportamento, comunicação não-verbal, exercício, aptidão física


ABSTRACT

The aim of this study was to develop and validate an observational system for the kinesics communication of the fitness instructor, as well as conduct a pilot study. The development and validation process of the observation system was done in five sequential phases. At the end of this process, it was obtained the validity and reliability of 5 coding dimensions and 21 categories of instructor kinesics behavior, creating the final version of the observational system. Thereafter, the observational system was used in a pilot study conducted in a sample of 12 fitness instructors from four different group exercise classes. Data suggested that instructor´s kinesics behavior could be feasibly coded with the observational system. It was conducted a comparison of his interventions across several activities, although with a small sample size.

Keywords: behavior, nonverbal communication, exercise, physical fitness


 

 

INTRODUÇÃO

A comunicação não-verbal, enquanto “todos os aspetos da comunicação que vão para além das palavras ditas ou escritas” (Knapp & Hall, 2010, p. 32), assume uma grande relevância no âmbito do processo comunicativo, já que os indivíduos tendem a julgar a qualidade da comunicação essencialmente através dos sinais não-verbais (Mehrabian, 1981).

Esta importância tem sido corroborada nalguns estudos realizados recentemente no âmbito da comunicação cinésica (i.e. movimentos corporais), no que diz respeito à utilização de gestos com e sem intenção comunicativa (Castañer, Camerino, Anguera, & Jonsson, 2010, 2011; Castañer, Franco, Rodrigues, & Miguel, 2012). Entenda-se gestos como os movimentos realizados essencialmente com os braços e mãos, conforme operacionalizado em diferentes estudos (Cartmill, Goldin-Meadow, & Beilock, 2012).

A comunicação cinésica assume uma importância acrescida no contexto das aulas de grupo de fitness já que os instrutores estão grande parte do tempo em comunicação (Franco, Rodrigues, & Balcells, 2008) em condições onde a comunicação verbal está limitada pela utilização de música com volume elevado a acompanhar a realização dos exercícios (Mirbod et al., 1994). Nestas condições, as principais instruções são muitas vezes substituídas ou ilustradas através de um código gestual universal e/ou previamente estabelecido, permitindo assim uma maior rapidez e clareza na comunicação. Esta componente cinésica ocorre, por exemplo, quando um instrutor informa os praticantes sobre a necessidade de realizarem um “pivot” apontando o dedo indicador para cima e girando, ilustrando dessa forma o movimento a realizar. Este gesto sugere um determinado pensamento que muitas vezes não é possível ser expresso por palavras, tendo dessa forma um impacto nas aprendizagens (Goldin-Meadow, 2004).

Considerando que o perfil de intervenção de um instrutor de fitness se pode analisar em função dos comportamentos observados, a existência de um instrumento de observação que possa ser aplicado para a análise da comunicação cinésica dos instrutores de fitness poderá permitir esta avaliação com recurso à metodologia observacional, a qual, como referem Camerino, Castañer e Anguera (2012), combina a abordagem qualitativa e quantitativa do comportamento. No contexto desportivo, a metodologia observacional corresponde a um conjunto de procedimentos científicos que se encontram estruturados e que permitem o registo formal e análise de comportamentos e ações motoras em contexto natural, sendo muitas vezes a melhor estratégia, senão mesmo a única possível (Anguera, 2009). A importância da metodologia observacional no contexto do desporto é enorme, imprimindo objetividade, precisão e rigor metodológico, sendo que a sua aplicação neste contexto é ainda marginal, existindo por isso uma grande margem para o desenvolvimento de investigações futuras (Leitão & Campaniço, 2009). No que diz respeito ao contexto do fitness, por exemplo, os sistemas de observação desenvolvidos até ao momento centram-se essencialmente na quantificação das funções mais gerais de ensino de conteúdos, de que são exemplo os estudos que caraterizaram o comportamento do instrutor de fitness (Franco et al., 2008) e que analisam os seus feedbacks (Simões, Franco, & Rodrigues, 2009).

Tendo em conta esta realidade, este estudo objetivou o desenvolvimento e validação de um sistema de observação para a análise da comunicação cinésica dos instrutores de atividades de grupo de fitness (SOCIN-Fitness) e a realização de uma aplicação piloto deste sistema por forma a dar suporte à sua validade.

 

MÉTODO

Nesta seção serão consideradas, separadamente, as opções metodológicas associados ao desenvolvimento do sistema de observação SOCIN-Fitness e ao estudo piloto.

Participantes

No processo de desenvolvimento e validação do sistema de observação, para além do observador-investigador, participaram dois observadores no teste da fiabilidade inter-observadores, ambos com mais de 10 anos de experiência de lecionação de atividades de grupo de fitness, ligados à formação superior de instrutores e com investigações desenvolvidas no âmbito da observação do comportamento na área do fitness, tendo-se codificado três aulas de fitness. A validade facial foi realizada por dois painéis de especialistas independentes, um primeiro composto por três docentes do ensino superior com o doutoramento realizado na área da observação e um segundo constituído por três especialistas em atividades de grupo de fitness, com mais de 10 anos de experiência e ligados à formação superior de instrutores.

Participaram no estudo piloto doze instrutores de fitness, ou seja três instrutores por cada uma das atividades de Step, Localizada, Indoor Cycling e Hidroginástica. A seleção destas quatro atividades teve a ver com a sua natureza distinta, já que se pretendia validar o SOCIN-Fitness para o contexto das atividades de grupo. As aulas de Step analisadas caraterizaram-se por terem uma natureza mais coreografada, ao passo que as restantes três atividades tinha uma natureza mais atlética, as quais por sua vez se diferenciavam pelo recurso à utilização de halteres e outros materiais de resistência, como o caso da atividade de Localizada, da bicicleta estacionária na atividade de Indoor Cycling, ou de serem realizadas em meio aquático como a atividade de Hidroginástica, onde também são utilizados materiais de flutuação e de aumento da resistência na água (Francis & Seibert, 2000).

Com o objetivo de controlar algumas variáveis exteriores à investigação e que poderiam influenciar os resultados, foram definidos os seguintes critérios de seleção dos instrutores: i) serem do género feminino, já que o género dos sujeitos poderia influenciar a comunicação cinésica dos instrutores (Kennedy & Camden, 1983); ii) serem licenciados em desporto na área da Condição Física, uma vez que alguns estudos apontam para o facto de a formação inicial poder influenciar a atuação profissional dos treinadores/professores (Malek, Nalbone, Berger, & Coburn, 2002); iii) terem pelo menos cinco anos de experiência como instrutor de fitness, na lecionação da respetiva atividade, de forma a uniformizar a experiência dos instrutores considerando a taxonomia definida por Berliner (1994). Os instrutores tinham idades compreendidas entre os 24 e os 48 anos (M= 31.50, DP= 6.14), uma experiência profissional como instrutor de fitness de 6 a 26 anos (M= 9.83, DP= 5.52) e uma experiência na lecionação da atividade de 5 a 17 anos (M= 8.25, DP= 3.75).

As 12 aulas de atividades de grupo observadas foram todas constituídas por aquecimento, parte fundamental e retorno à calma, tendo uma duração média de 47 minutos (DP= 45 seg.). No toral foram registados 2904 comportamentos cinésicos, referentes a gestos com intenção comunicativa (n= 2744, 94.5%) e gestos sem intenção comunicativa (n= 160, 5.5%).

Procedimentos

Processo de desenvolvimento e validação do SOCIN-Fitness

Para o desenvolvimento e validação do SOCIN-Fitness partiu-se do Sistema de Observação da Comunicação Cinésica (SOCIN), desenvolvido para o contexto do ensino da educação física (Castañer et al., 2010, 2011) composto por 4 dimensões e 16 categorias. Neste processo, recorreu-se à metodologia de Brewer e Jones (2002) composta por cinco fases. Inicialmente, após o treino inicial do observador de acordo com a metodologia proposta por Mars (1989), foram testadas as fiabilidades inter-observadores (dois observadores efetuaram a visualização de um vídeo separadamente) e intra-observador (o observador-investigador visionou o mesmo vídeo em duas ocasiões com intervalo de uma semana), para assegurar o conhecimento na íntegra do sistema de observação da comunicação cinésica (SOCIN) original (fase 1). Seguidamente, o sistema original SOCIN foi aplicado a diferentes atividades de grupo de fitness, com o objetivo de aperfeiçoar o sistema de observação para o contexto das aulas de grupo de fitness (fase 2). Após a produção de uma versão do SOCIN-Fitness, foi realizada a validação facial da versão do sistema de observação SOCIN-Fitness por especialistas (fase 3). Posteriormente foi testada a fiabilidade inter-observadores relativamente ao novo sistema de observação para garantir a sua objetividade. Para tal, dois observadores treinados de acordo com a metodologia de Mars (1989), efetuaram a visualização de um vídeo separadamente, de forma a não existir acesso aos registos de ambos (fase 4). Por fim, foi testada a fiabilidade intra-observador para verificar a estabilidade temporal do novo sistema de observação, através da técnica de teste-reteste. Assim sendo, o observador-investigador visionou o mesmo vídeo em duas ocasiões distintas, distando as observações uma semana (7 dias), como proposto por Mars (1989) (fase 5).

Estudo piloto

A recolha dos dados foi efetuada mediante um pedido prévio de autorização ao responsável do ginásio, bem como aos instrutores e praticantes envolvidos. Todos os procedimentos adotados foram aprovados pelo comité de ética e conselho técnico-científico da instituição envolvida com o parecer n.º 12/2012, cumprindo todas as recomendações éticas definidas por Harriss e Atkinson (2009, 2011), garantindo a proteção dos participantes. As gravações dos vídeos (i.e. imagem e som) foram realizadas com recurso a uma câmara digital, sendo o seu conteúdo posteriormente transferido para o disco rígido de um computador. Para o visionamento e registo das ocorrências foi utilizado o programa informático LINCE (Gabín, Camerino, Castañer, & Anguera, 2012). Para a análise da comunicação cinésica dos instrutores foi utilizado o novo Sistema de Observação da Comunicação Cinésica do Instrutor de Fitness (SOCIN-Fitness), tendo-se efetuado o registo do comportamento, sempre que o instrutor se dirigiu ao(s) praticante(s) com o intuito de comunicar de forma não-verbal, através da realização de gestos com e sem intenção comunicativa. Os dados foram em seguida transportados para o programa informático SPSS – Statistical Package for Social Sciences, versão 20, para a realização dos cálculos estatísticos efetuados.

Análise Estatística

Para testar as fiabilidades inter-obser-vadores e intra-observador foi calculado o índice de concordância Kappa de Cohen (Cohen, 1960) para cada categoria de análise em ambos os testes.

No estudo piloto, foram calculadas as medidas de tendência central (i.e., média) e medidas de dispersão (i.e., desvio-padrão; valor mínimo e máximo) para cada atividade, tendo em conta a percentagem de ocorrências verificada nas categorias do SOCIN-Fitness. Considerando que a aplicação prévia do teste de Shapiro-Wilk indicou que as variáveis dependentes não possuíam uma distribuição normal, as diferenças entre as médias obtidas para cada atividade foram analisadas com recurso ao teste estatístico não paramétrico de Kruskal Wallis, apropriado para comparações entre três ou mais amostras independentes (Maroco, 2010). Para identificar entre que atividades ocorreram as diferenças significativas apontadas no teste Kruskal Wallis, foi utilizado o teste post hoc não paramétrico de Dunn, o qual aplica a correção de Bonferroni ao nível de significância utilizado nas comparações múltiplas entre pares de médias (Maroco, 2010).

 

RESULTADOS

No que diz respeito ao processo de desenvolvimento e validação do SOCIN-Fitness, verificou-se que, na fase 1, o teste de fiabilidade inter-observadores indicou valores de Kappa que variaram entre 0.804 na categoria “Batuta” e 0.965 na categoria "Manipulação de Material". Por seu turno, no teste de fiabilidade intra-observador os valores variaram entre 0.794 na categoria “Demonstração” e 0.967 na categoria “Observação”. Durante as fases 2 e 3 foram realizadas algumas adaptações e introduzidas novas categorias, passando o novo sistema a denominar-se de SOCIN-Fitness. Na fase 4 foi testada a fiabilidade inter-observadores do SOCIN-Fitness, tendo-se obtido valores de Kappa que variaram entre 0.774 na categoria “Batuta” e 0.947 na categoria “Com exercício”. Da mesma forma, na fase 5 foi testada a fiabilidade intra-observador do SOCIN-Fitness, obtendo-se valores de Kappa que variaram entre 0.752 na categoria “Rítmico” e 0.950 na categoria “Social” (Tabela 1).

Na Tabela 2 é apresentada a versão final do Sistema de Observação da Comunicação Cinésica do Instrutor de Fitness, o qual é composto por 5 dimensões de análise e 21 categorias.

No que se refere ao estudo piloto, a atividade onde os instrutores realizaram um maior número de gestos por minuto foi a de Step (M= 7.36, DP= 1.82), seguida pelas atividades de Indoor Cycling (M= 4.92, DP= 1.45), Hidroginástica (M= 4.73, DP= 1.69) e por fim a de Localizada (M= 3.68, DP= 1.72).

Relativamente aos gestos com intenção comunicativa, verificou-se que tiveram maioritariamente a função de regular o comportamento dos praticantes, principalmente através da morfologia deítica (i.e., apontar para algo) e cinetográfica (i.e., imitando uma ação), na situação de informação aos praticantes durante a realização de exercício. No que se refere aos gestos sem intenção comunicativa constatou-se que os adaptadores realizados pelos instrutores foram maioritariamente do tipo auto-adaptador e objetual. Apenas na atividade de Hidroginástica se registaram hetero-adaptores, sendo que não se verificou a ocorrência de nenhum gesto multi-adaptador (Tabela 3). Através do teste estatístico de Kruskal-Wallis verificou-se a existência de diferenças significativas (p< 0.05) nas categorias “Ilustrador”, “Informação”,  “Feedback”, “Organização”, “Com exercício” e “Sem exercício”.

As atividades onde ocorreram diferenças foram assinaladas na tabela de resultados e são seguidamente apresentadas por cada categoria: i) Categoria “Emblema Técnico” – os instrutores de Step utilizaram significativamente mais emblemas técnico comparativamente aos instrutores de Localizada (p= 0.047), Indoor Cycling (p= 0.022) e Hidroginástica (p= 0 0.023), os quais não se diferenciaram significativamente entre si; ii) Categoria “Informação” – os instrutores de Step realizaram significativamente mais gestos na situação de informação comparativamente aos instrutores de Hidroginástica (p= 0.002); iii) Categoria “Feedback” – os instrutores de Hidroginástica realizam significativamente mais gestos com a função pedagógica de dar feedback, comparativamente aos instrutores de Step (p= 0.001), Localizada (p= 0.022) e Indoor Cycling (p= 0.017), sendo que os instrutores de Step diferenciaram-se ainda por realizarem significativamente menos gestos com esta função comparativamente aos instrutores de Localizada (p= 0.050), e Indoor Cycling (p= 0.028); iv) Categoria “Organização” - os instrutores de Localizada e Hidroginástica não se diferenciaram entre si e realizaram significativamente mais gestos para gerir materiais ou organizar os praticantes no espaço, comparativamente aos instrutores de Step (p= 0.010, p= 0.021), e Indoor Cycling (p= 0.34, p= 0.027), os quais não se diferenciaram significativamente entre si; v) Dimensão “Exercício” – os instrutores de Hidroginástica participaram significativamente menos nos exercícios quando realizaram os gestos, comparativamente aos instrutores de Step (p= 0.001), Localizada (p= 0.022) e Indoor Cycling (p= 0.001), os quais não se diferenciaram significativamente entre si.

DISCUSSÃO

O presente estudo objetivou o desenvolvimento e validação de um sistema de observação para a análise da comunicação cinésica de instrutores fitness. De acordo com Anguera (2009) o desenvolvimento de um instrumento ad hoc deve ter a finalidade de estar totalmente adaptado à conduta e ao contexto onde se aplica. As adaptações realizadas ao SOCIN ao longo da fase 2 e 3, bem como os valores de fiabilidade inter-observadores e intra-observador obtidos nas fases 4 e 5, sugerem que as dimensões e categorias que compõem o SOCIN-Fitness são válidas para a análise do comportamento de comunicação cinésica dos instrutores de fitness no contexto das atividades de grupo. Este sistema é uma combinação dos sistemas de categorias com os formatos de campo, o que permite que se beneficie das vantagens de ambos, por um lado, e se neutralize os seus inconvenientes, por outro (Campaniço, Leitão, Jonsson, Sarmento, & Anguera, 2011).

A versão desenvolvida e validada do SOCIN-Fitness foi posteriormente aplicada a 12 instrutores num estudo piloto. O elevado número de ocorrências registadas (n= 2904) corrobora a importância deste tipo de comunicação neste contexto específico. A utilização deste tipo de comunicação gestual beneficia a comunicação permitindo uma maior rapidez e clareza na transmissão da informação, para além de ter efeitos profiláticos relativamente a possíveis lesões nas cordas vocais originadas pelo excesso de esforço (Long, Williford, Olson, & Wolfe, 1998).

As análises efetuadas à função dos gestos sugerem que os instrutores, independentemente da atividade, realizam mais gestos de regulação do que de ilustração, o que indicia uma preocupação na potenciação do exercício realizado pelos praticantes ao longo da aula. As morfologias de gestos mais comuns foram a de apontar para algo (i.e., Deítico) e de imitação de uma ação (i.e., Cinetográfico), com exceção da atividade de Step onde os gestos específicos (i.e., Emblema Técnico) foram também dominantes e ocorreram significativamente mais (p= 0.035) comparativamente às restantes atividades. Esta exceção pode dever-se ao facto de os instrutores de Step utilizarem gestos que simbolizam as habilidades motoras padrão (e.g. passo toque, passo em “V”) durante o ensino dos conteúdos coreográficos não sendo este aspeto comum às restantes atividades que se caraterizam por serem atividades mais atléticas e menos coreográficas.

No que se refere à função pedagógica do gesto (i.e. Situação), verificou-se que os gestos realizados pelos instrutores tiveram essencialmente a função de informar os praticantes. No caso dos instrutores de Step essa função de informar foi significativamente mais elevada do que a dos instrutores de Hidroginástica, os quais, por sua vez, se destacaram significativamente dos restantes instrutores por realizarem significativamente mais gestos com a função pedagógica de feedback, para ajudar, corrigir os praticantes ou avaliar a sua prestação motora. Estas diferenças podem-se ficar a dever à própria natureza das atividades, já que no Step, sendo uma atividade coreografada, o instrutor necessita recorrentemente de informar os praticantes dos movimentos que irão ocorrer em seguida, ao passo que na Hidroginástica, por ser uma atividade que recorre à realização de exercícios de resistência muscular, os instrutores tendem a se concentrar no auxílio aos praticantes para uma correta realização dos mesmos, através do feedback pedagógico.

Verificou-se igualmente que os gestos de “Organização” ocorreram significativamente mais nas atividades que utilizam vários materiais, ou seja a Hidroginástica e a Localizada, já que os instrutores destas atividades, mediante o tipo de exercícios que irão realizar, necessitam de informar os praticantes sobre os materiais que serão utilizados e, adicionalmente, por questões de segurança e comodidade, indicam qual a melhor localização para os mesmos.

Relativamente à dimensão “Exercício” verifica-se que os instrutores das atividades de Step, Localizada e Indoor Cycling participam maioritariamente no exercício quando realizam os gestos, não se diferenciando significativamente entre si. Estes resultados estão de acordo com o estudo realizado por Franco et al. (2008), onde se verificou que o principal comportamento pedagógico dos instrutores de fitness foi o de “Informação com Exercício”, o que é considerado pelos praticantes como sendo importante para a qualidade dos instrutores (Papadimitriou & Karteroliotis, 2000). Apesar disso, na atividade de Hidroginástica os instrutores realizaram significativamente mais gestos quando não estavam a participar no exercício (p= 0.022), o que se pode explicar pelo facto de nesta atividade os instrutores se encontrarem situados fora da piscina, o que dificulta o acompanhamento dos exercícios realizados pelos praticantes dentro de água.

Quanto aos gestos sem intenção comunicativa (i.e., Adaptadores), verificou-se que a sua ocorrência é relativamente baixa (5.5%) face ao total de gestos realizados, os quais se caraterizaram por ser maioritariamente do tipo Auto-adaptador e Objetual, não existindo diferenças entre os instrutores das diferentes atividades a este nível.

 

CONCLUSÕES

Tendo em consideração os objetivos definidos, podemos concluir que: i) os resultados obtidos no processo de adaptação e desenvolvimento do SOCIN-Fitness sugerem que este sistema é válido para a observação da comunicação cinésica dos instrutores de fitness em contexto real de ensino de atividades de grupo; ii) os resultados obtidos no estudo piloto através da aplicação do SOCIN-Fitness revela a existência de um perfil de comunicação cinésica dos instrutores de fitness que difere entre algumas das atividades analisadas. O facto de o SOCIN-Fitness se ter revelado válido coloca à disposição dos profissionais de fitness uma ferramenta de autodiagnóstico, que irá possibilitar assim o desenvolvimento desta competência, a qual deverá ser otimizada de forma diferenciada em função da atividade, já que como se viu, a comunicação cinésica tende a ser própria de cada atividade.

Dada a natureza preliminar da aplicação do SOCIN-Fitness, os resultados obtidos limitam-se apenas às atividades analisadas pelo que será pertinente a extensão desta análise a outras atividades de grupo. De igual forma, a circunstância de se ter analisado apenas três instrutores por cada atividade limita a extrapolação dos resultados obtidos, pelo que será importante a realização de estudos futuros com a aplicação do SOCIN-Fitness a amostras de maior dimensão.

 

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Agradecimentos:
Nada a declarar.
Conflito de Interesses:
Nada a declarar.
Financiamento:
Nada a declarar.

Artigo recebido a 24.03.2013; 1ª Revisão 03.05.2013; Aceite 06.06.2013

 

 

* Autor correspondente: Escola Superior de Desporto de Rio Maior, Instituto Politécnico de Santarém, Av. Dr. Mário Soares, Rio Maior, 2040-413 Santarém, Portugal; E-mail: salves@esdrm.ipsantarem.pt

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