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Motricidade

versão impressa ISSN 1646-107X

Motri. vol.9 no.2 Vila Real abr. 2013

https://doi.org/10.6063/motricidade.9(2).2667 

Avaliação das habilidades motoras de crianças participantes de projetos sociais/esportivos

Evaluation of motor skills in children participating in social/sports projects

 

A.M. SantosI, F.R. NetoI, R.A. PimentaII

IUniversidade Estadual de Santa Catarina - UDESC, Brasil.
IIFaculdade de Desporto, Universidade do Porto, Portugal.

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Além do processo evolutivo biológico, estudos têm demonstrado que fatores ambientais e sociais podem influenciar o desenvolvimento motor. O objetivo do estudo foi avaliar as habilidades motoras de escolares participantes dos projetos sociais educacionais, projetos esportivos e de não participantes em atividades estruturadas extraclasse na cidade de Florianópolis – SC – Brasil. Foram avaliadas 136 crianças de 8 a 9 anos, de ambos os sexos, de 40 escolas públicas. Foi utilizado para coleta dos dados a Escala de Desenvolvimento Motor e uma entrevista estruturada referente às atividades realizadas pela criança no período em que não estão na escola. Utilizou-se a estatística descritiva, ANOVA e o teste de Tukey como Post-hoc para análise dos dados, com nível de significância p < .05. Os resultados evidenciaram padrões de desenvolvimento motor mais elevados em crianças participantes de projetos com caráter esportivo e padrões expressivos de baixa coordenação nas crianças que não participam de projetos ou atividades estruturadas fora da escola.

Palavras-chave: habilidade motora, projetos sociais, prática esportiva

 

ABSTRACT

Besides the biological evolutionary process, studies have shown that environmental and social factors can influence the motor development. The aim of this study was to evaluate the motor skills of students participating in social educational projects, sports projects and those not engaged in structured extracurricular activities in Florianópolis - SC - Brazil.Were evaluated 136 children 8 - 9 years old, both sexes, from 40 public schools. For data collection was used the Motor Development Scale and a structured interview regarding the activities undertaken by the child during the period that they are not in school. Descriptive statistics, ANOVA and the Post-hoc test of Tukey were used to data analysis, with significance level p < .05. The results showed higher patterns of motor development in children that participating in social projects with sport character and expressive low coordination patterns in children who do not participate in structured activities or projects outside of school.

Keywords: motor skill, social projects, sports practice

 

 

O impacto dos fatores biológicos, ambientais e sociais no desenvolvimento infantil tem sido objeto de muitos estudos nas últimas décadas. Há uma preocupação crescente em identificar quais são as condições de risco para qualquer alteração no desenvolvimento (Zajons, Muller, & Valentini, 2008).

Quanto ao desenvolvimento motor, os estudos têm demonstrado que além da biologia do indivíduo, fatores como nível socioeconômico, interação com outras crianças, estrutura familiar, espaços dentro de casa, vivências práticas de atividades físicas, entre outros, podem influenciar o padrão de movimento na infância (Nobre et al., 2009). Pesquisas recentes apontam a baixa condição socioeconômica como aspecto fortemente prejudicial nesse processo de aquisição das habilidades (Barros, Fragoso, & Oliveira, 2003; Campos, Silva, Pereira, Rocha, & Tudella, 2008).

Especificamente em Florianópolis, uma em cada cinco crianças vive em condições de pobreza, sujeita a situações de risco social (ICom - Instituto Comunitário Grande Florianópolis, 2010). Lamentavelmente, a nível estadual e nacional, esses indicadores são ainda mais preocupantes. Nesse contexto, as organizações governamentais e privadas têm apoiado o desenvolvimento comunitário a partir de Projetos Sociais. Segundo Brauner (2010), o engajamento de crianças e jovens em Projetos Sociais tem se mostrado fundamental, o que contribui para a diminuição da exposição a fatores de risco.

Geralmente os programas são oferecidos às escolas públicas e visam atender crianças e adolescentes que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Grande parte dos projetos oferece atividades em contraturno, através de parcerias com ONG’s e Centros de Educação Complementar (CEC’s).

Os projetos têm por objetivo oferecer oficinas variadas (dança, teatro, música, artes visuais, esportes em suas diferentes modalidades) e atuar como incentivo para o aumento no rendimento escolar (Florianópolis, 2011).

Pesquisas atuais têm reconhecido os benefícios proporcionados pela prática regular de esportes, seja na formação moral ou da personalidade dos seus praticantes (Vianna & Lovisolo, 2009). Vale lembrar que, o esporte sempre foi visto pelas classes menos favorecidas como uma forma de alcançar posições na vida, de superar barreiras da ascensão social e de, potencialmente, obter sucesso (Brasil, 2011).

Nesse contexto, crianças que praticam atividades esportivas demonstram vantagens em muitas situações, como na aprendizagem de habilidades complexas, na precisão dos movimentos (Vieira et al., 2009), na leitura e na escrita, assim como nas mais simples tarefas do dia a dia.

Muitos desses estudos têm revelado uma forte relação entre o desenvolvimento motor e a aprendizagem escolar (Amaro, Jatobá, Santos, & Rosa Neto, 2010; Medina-Papst & Marques, 2010; Rosa Neto, Santos, Xavier, & Amaro, 2010; Santos, Weiss, & Almeida, 2010) sendo atribuídas vantagens às crianças com maior acesso às atividades físicas e esportivas (Pelozin, Folle, Collet, Botti, & Nascimento, 2009; Rondon, Baruki, Cruz, & Macedo, 2010).

O envolvimento de crianças e jovens em atividades físicas é, sem dúvida, um dos mais estudados assuntos no desenvolvimento motor (Saraiva & Rodrigues, 2010). Porém, especificamente quanto às atividades físicas desenvolvidas em projetos sociais, constata-se uma escassez de estudos a esse respeito. Das poucas pesquisas realizadas, foram comprovadas a eficácia da prática dessas atividades para melhoria das habilidades motoras ( Brauner, 2010; Souza, Berleze, & Valentini, 2008). Das demais pesquisas referentes aos projetos sociais, muitas se atentam à temática da gestão e das avaliações das ações, que quando aplicadas, limitam-se a controlar investimentos financeiros realizados ou simplesmente servir como relatório das atividades desenvolvidas, não refletindo em efetividade para atribuir valor ou mérito da ação social (Assumpção & Campos, 2011).

Segundo o Instituto Comunitário da Grande Florianópolis - ICOM (2010), a falta de dados integrados e de fácil acesso sobre crianças dificulta o planejamento de políticas e serviços para atendimento deste público. Nesse sentido, o acompanhamento da aptidão motora de crianças em idade escolar constitui atitude preventiva e diagnóstica para os profissionais envolvidos com a aprendizagem, tornando possível um conhecimento mais aprofundado das possibilidades e limitações reais da criança (Rosa Neto, et al., 2010). Além disso, nos primeiros anos do Ensino Fundamental, os projetos se destacam no desenvolvimento dessas crianças, uma vez que toda e qualquer experiência adquirida nesta fase da vida constitui uma base para outras etapas.

Partindo da existência da interação entre o indivíduo, o ambiente e a tarefa como aspectos influenciadores do processo de desenvolvimento motor (Haywood & Getchell, 2010) é coeso que diversos são os fatores de riscos podem aumentar a probabilidade de atrasos no desenvolvimento. Nesse sentido, verifica-se que em muitas situações pode haver a superposição desses fatores (Zajons, et al., 2008), ou em outros casos pode haver uma compensação desses fatores, como o caso da participação em projetos sociais aos efeitos negativos das circunstâncias sociais peculiares.

Para que o desenvolvimento das habilidades motoras ocorra de maneira apropriada, são cruciais as oportunidades para a prática esportiva - através de experiências diversificadas e sistemáticas, bem como o encorajamento e a instrução. Nesse contexto, as experiências proporcionadas em um programa de atividade física, interagem com as características do próprio indivíduo e do ambiente de forma que o sujeito atinja níveis mais elevados de desempenho (Brauner 2010).

Nessa perspectiva, o objetivo da atual pesquisa foi de avaliar as habilidades motoras de escolares participantes dos projetos sociais educacionais, projetos esportivos e de não participantes em atividades estruturadas extraclasse na cidade de Florianópolis – SC – Brasil. Espera-se com esse estudo, contribuir para que gestores, professores e monitores envolvidos nesse processo, principalmente os profissionais de Educação Física, possam dispor de informações válidas e fidedignas sobre o perfil de desenvolvimento motor de crianças atendidas nesses projetos, e dessa maneira conduzir suas intervenções com eficácia, contribuindo para a eficiência, qualidade e aprimoramento dos programas sociais.

 

MÉTODO

Amostra

Participaram deste estudo 136 escolares, com idade entre 8 e 9 anos, sendo 59 (43.4%) do sexo feminino e 77 (56.6%) do sexo masculino, de 40 escolas públicas (1 federal, 25 estaduais, 14 municipais) de 24 bairros da cidade de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, divididos em três grupos como apresentados na Tabela 1.

 

Tabela 1

 

Para o delineamento da pesquisa, os escolares foram divididos em três grupos: Grupo I, crianças que não participam de projetos sociais, assim como não frequentavam nenhuma atividade programada extraclasse; Grupo II, participantes de projetos educacionais com atividades diversas; Grupo III, participantes de projetos esportivos educacionais. Os grupos II e III foram formados conforme os pressupostos do Instituto Comunitário Grande Florianópolis (ICom - Instituto Comunitário Grande Florianópolis, 2010), quanto à caracterização de projeto social.

Os escolares foram selecionados de maneira intencional, buscando avaliar somente os que fizeram parte de uma pesquisa anterior realizada no ano de 2002, na qual foi avaliado o desenvolvimento neuropsicomotor de crianças entre 6 e 24 meses de creches de Florianópolis-SC (Souza, 2003). Os demais critérios de inclusão nesse estudo foram: I) ser aluno da rede pública de ensino; II) possuir o termo de consentimento assinado por um dos responsáveis; III) interesse da criança em participar da coleta de dados; IV) não possuir algum problema físico e/ou condição médica geral que o impedisse temporária ou definitivamente de realizar a coleta; V) quanto a participação em projetos, esses não poderiam ser projetos de caráter privado (pago), deveriam ser projetos sociais (de atividades diversas ou esportivos).

 

Instrumentos

Para avaliar as habilidades motoras dos escolares foi utilizada a Escala de Desenvolvimento Motor – EDM (Rosa Neto, 2010), da qual determinou a idade motora (IM), o quociente motor geral (QMG), e os quocientes das áreas motoras específicas: motricidade fina (QM1), motricidade global (QM2), equilíbrio (QM3), esquema corporal (QM4), organização espacial (QM5), organização temporal (QM6).

Cada área avaliada, consiste em 10 tarefas motoras cada, distribuídas entre 2 e 11 anos, organizadas progressivamente em grau de complexidade, sendo atribuído para cada tarefa, em caso de êxito, um valor correspondente a idade motora, expressa em meses. Em cada bateria, o teste é interrompido quando a criança não concluir a tarefa com êxito, conforme protocolo. Ao final da aplicação, dependendo do desempenho individual em cada bateria, é atribuída à criança uma determinada IM, em cada uma das áreas referidas anteriormente, sendo, após, calculado os quocientes motores, que permitem classificar as habilidades analisadas em padrões: “muito superior” (130 ou mais), “superior” (120-129), “normal alto” (110-119), “normal médio” (90-109), “normal baixo” (80-89), “inferior” (70-79) e “muito inferior” (69 ou menos).

Os dados referentes à participação, ou não, das crianças em Projetos sociais e/ou esportivos foram coletados por meio de entrevista estruturada com perguntas referentes às atividades realizadas no período em que estão fora da escola.

 

Procedimentos

A pesquisa foi aprovada pelo comitê de Ética envolvendo seres humanos da UDESC, sob protocolo nº 14/2010.

Para a execução do estudo foi feito contato prévio com as Secretarias de Educação, onde foi emitido parecer favorável para a realização da pesquisa nas Unidades Educativas correspondentes.

A busca dos alunos foi feita a partir das Secretarias de Educação, através dos sistemas informáticos de registro escolar SERIE e EDUCACENSO.

Das 221 crianças que participaram da pesquisa anterior, 154 foram localizadas como alunos regularmente matriculados no Ensino Fundamental das escolas de Florianópolis. A partir desses achados, iniciou-se contatos com as escolas, onde foi apresentado o projeto à direção e/ou coordenação, sendo explicado verbalmente os objetivos e a dinâmica da pesquisa. Em seguida, os alunos receberam os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido, para que fossem assinados pelos pais ou responsáveis, autorizando a participação da criança no estudo.

A coleta de dados foi realizada em 136 escolares que cumpriram os critérios de inclusão, no período de Abril à Dezembro de 2010, e a EDM foi aplicada integralmente por uma avaliadora, previamente treinada, profissional de Educação Física e mestranda em Ciências do Movimento Humano do CEFID/UDESC. A aplicação foi feita na própria escola em que a criança estuda, no horário de aula, em um espaço silencioso (sala, ou quadra esportiva) disponibilizado pela direção da escola. O tempo médio de aplicação dos testes motores foi de 35 minutos.

 

Análise Estatística

Para a análise descritiva dos dados foi utilizado o cálculo das médias, desvios padrão e percentuais. Para a comparação entre os grupos, utilizou-se a análise de variância ANOVA e o teste Post-hoc de Tukey para identificar eventuais diferenças, com nível de significância p < .05. Os dados foram armazenados e analisados no programa estatístico SPSS 17.0.

 

RESULTADOS

As crianças apresentaram idade média entre de 110.98 meses e idade motora de 99.97 meses, o que representou uma idade motora negativa de – 11.03.

No total, dezoito projetos sociais distintos foram citados. Grande parte deles pertencia aos Programas governamentais com parceria dos Centros de Educação Complementar, principalmente aqueles em que as crianças permaneciam por um período de tempo maior. Já os projetos de caráter Esportivo Educacional, realizados uma a duas vezes por semana, eram promovidos pelas ONGs, na sua maioria.

Na figura 1, são apresentadas as classificações do padrão desenvolvimento motor (QMG), com a distribuição percentual dos escolares dentro dos grupos.

 

 

Pode-se verificar (figura 1) que nas crianças que não frequentam projetos (Grupo I), são maiores os padrões de desenvolvimento “Inferior” e “Normal Baixo”. Já quando considerada a participação das crianças em Projetos Sociais, observa-se a diminuição nos valores “Normal Baixo” e “Inferior”, e a presença do padrão de desenvolvimento “Normal Alto”, além de um acréscimo nos valores “Normal Médio”, principalmente para o Projeto de caráter esportivo (Grupo III).

Tais padrões de desenvolvimento podem ser melhor compreendidos ao analisarmos as diferenças significativas encontradas na comparação desses três grupos, das quais são destacadas as habilidades motoras isoladamente (Tabela 2).

 

Tabela 2

 

Os dados demonstram vantagens no desempenho nas tarefas motoras daquelas crianças participantes de projetos com diversas atividades (Grupo II), e um desempenho ainda maior e significativo nas crianças que participam de projetos de caráter esportivo (Grupo III), tanto no quociente motor geral, quanto em quatro das seis áreas especificas do desenvolvimento, quando comparados às crianças que não frequentam projetos sociais (Grupo I).

Na comparação das crianças participantes de projetos educacionais (Grupo II), com as que participam de projetos esportivos (Grupo III), constatou-se diferença significativa apenas para a motricidade fina, com igualdade no esquema corporal, com valores ligeiramente melhores aos participantes de projetos esportivos.

 

DISCUSSÃO

Independente aos esforços dos projetos sociais em diversas atividades, os dados apontam para um alto índice de escolares que não frequentam nenhum tipo de atividade extra-escolar. Esses dados são de certa forma esperados, uma vez que, diversos estudos têm verificado que o nível de atividade física das crianças durante o tempo livre está abaixo das expectativas (Bergmann, Garlipp, Silva, & Gaya, 2009; Lima, Fermino, Seabra, Garganta, & Maia, 2010), ao passo que vários estudos têm mostrado um deteriorar das habilidades motoras das crianças nas décadas mais recentes (Lopes, Lopes, Santos, & Pereira, 2011).

Dentro desse contexto, acredita-se que os projetos sociais estão contribuindo para as questões do engajamento em atividades físicas e esportivas, envolvendo a melhora ou aprimoramento do desenvolvimento motor, além de colaborar para diminuição do sedentarismo e consequentemente para a diminuição do risco social (Santos & Freire, 2006).

Entre outras influências positivas da participação em projetos sociais, podemos citar a pesquisa realizada por Machado, Cassepp-Borges, Dell´Aglio e Koller (2007), no qual avaliou o impacto de um Projeto de Educação pelo Esporte no rendimento escolar, stress infantil e qualidade de vida de crianças de 6 a 12 anos, e constatou que as melhoras no rendimento escolar dessas crianças podem ter sido influenciadas pelo projeto, e que a redução do stress infantil foi significativa pós participação no programa.

Através dos resultados da atual pesquisa (figura 1), podem-se verificar padrões de desenvolvimento “inferior” e “normal baixo” não crianças que não frequentam projetos, e a presença de padrão “normal alto” e um acréscimo nos valores “normal médio”, principalmente no grupo de crianças participantes de projeto com caráter esportivo.

De maneira semelhante, Collet, Folle, Pelozin, Botti e Nascimento (2008) ao analisarem o nível de coordenação motora de 234 escolares da rede estadual de Florianópolis, constatou que praticantes de esportes em horário extra classe possuíam índices mais elevados de coordenação motora e consequentemente uma maior concentração de crianças que praticam esportes com alta coordenação, enquanto os que não praticavam concentraram-se mais nas categorias normal e baixa. Dados semelhantes foram relatados por Pelozin, et al (2009), na pesquisa também com escolares de Florianópolis/SC.

Uma questão relevante ao presente estudo é o fato de que as crianças participantes de projetos esportivos, não tiveram suas habilidades motoras potencializadas a níveis de performance “superiores” ou ”muitos superiores” de acordo com a classificação da EDM. Nessa perspectiva, não se atribui as mudanças no desenvolvimento motor somente em função das características ambientais, até porque, numa visão contextualizada e atualizada do que é o desenvolvimento motor, sabe-se que além do ambiente em que as crianças estão inseridas, fatores de ordem individuais (genética), além dos requisitos das tarefas exercem influência no desenvolvimento motor e nos resultados obtidos em testes motores específicos (Haywood & Getchell, 2010).

Souza (2003), ao avaliar o desenvolvimento neuropsicomotor dessas mesmas crianças nas creches de Florianópolis em 2002, no período de 6 à 24 meses de idade, constatou que o padrão de desenvolvimento neuropsicomotor da amostra geral estiveram dentro da normalidade. Diante dessa constatação, ao compararmos com o estudo atual, podemos pressupor que o componente genético é um importante fator influenciador nesse processo, uma vez que tais escolares com desenvolvimento motor “normal” quando bebês apresentaram também desenvolvimento motor “normal” após o transcurso de oito anos. Rosa Neto et al. (2010), ao avaliar o desenvolvimento motor de escolares atribuíram aos resultados grande importância dos fatores de ordem individuais, sendo que para os valores distanciados da normalidade, ponderou-se a possibilidade de as crianças estarem usufruindo o contexto que estão inseridos de maneiras desiguais.

No presente estudo, nos casos de desenvolvimento abaixo da normalidade (inferior) acreditam-se ter relação direta com as condições socioeconômicas, e nesse estudo, os projetos sociais contribuíram para minimização dos efeitos prejudiciais, uma vez que houve um decréscimo nos valores “inferiores” e “normal baixo” com a participação nesses projetos. Souza (2003) verificou que os ambientes das creches em que as crianças frequentaram em 2002, parece ter proporcionado uma normalização e até benefícios nas áreas motora, cognitiva e social do desenvolvimento, na medida em que oferece maiores possibilidades de espaço, brinquedos, materiais e recursos humanos habilitados ao desenvolvimento infantil, do que em geral pode ser ofertado nos lares.

Corroborando com tais achados, a teoria de Haywood e Getchel (2010), coloca que o desenvolvimento do indivíduo depende da implementação de contextos apropriados, entre eles as condições sociais e culturais, a motivação, os contextos de ensino, e as experiências passadas.

Retomando ao fato de não haver elevados padrões de performance motora (níveis “muito superior”) nas crianças participantes de projetos esportivos, um fator que pode justificar tal situação diz respeito às tarefas propostas, uma vez que as atividades são voltadas ao Esporte Educacional e não ao Esporte de Alto Rendimento, que visa o talento esportivo. Segundo Canfield e Ferreira Netto (1995), a implementação de tarefas mais complexas e contextualizadas nas atividades conduzem ao desenvolvimento motor superior quando comparadas a práticas menos complexas. Diante desse contexto, os melhores resultados presenciados nos participantes de projetos sociais esportivos, quando comparado ao projeto com atividades diversas, também demonstram a influência das tarefas no processo de desenvolvimento motor. Uma vez que as atividades propostas nesses projetos estão mais voltadas ao esporte em si, acredita-se que os efeitos das práticas tornam-se mais expressivos. Para Píffero e Valentini (2010) crianças que vivenciam prática motora rotineira de um esporte específico adquirem, de forma consistente, habilidades motoras básicas a este esporte através da aprendizagem de seus fundamentos técnicos.

Na análise referente às diferenças significativas entre os grupos, os resultados evidenciaram que a participação em projetos de caráter esportivo (Grupo III) garante um bom desempenho motor aos participantes, uma vez que tanto o quociente motor geral, quanto os específicos (motricidade fina, motricidade global, organização espacial e temporal) foram significativamente maiores nas crianças que frequentam projetos esportivos, quando comparadas às crianças que não participam de atividades extraclasse (Grupo I).

A partir desses achados, pode-se presumir uma relação positiva entre práticas esportivas e desenvolvimento motor. Dados recentes como os apresentados por Mazzardo (2008) também têm demonstrado tais relações, mas ressaltam a importância em se considerar a quantidade e a qualidade das práticas esportivas. Brauner (2010), ao verificar o impacto de um projeto social esportivo em crianças, constatou que quando o projeto é baseado em propostas metodológicas eficazes e condizentes com as necessidades dos participantes promovem mudanças positivas em parâmetros motores e psicológicos. Nesse contexto, vale ressaltar a importância da atuação do profissional de educação física nas tarefas propostas (Safrit & Wood, 1995).

Na comparação das crianças participantes de projetos educacionais (Grupo II), com as que participam de projetos esportivos (Grupo III), constatou-se diferença significativa apenas para a motricidade fina, com igualdade no esquema corporal, com valores ligeiramente melhores aos participantes de projetos esportivos. Apesar de a permanência diária nos projetos ser diferente entre os grupos, o tempo total despendido nas atividades esportiva parece ser similar, no entanto, esperava-se uma maior habilidade motora fina no grupo de crianças que participam do projeto de atividades diversas, já que esses incluem oficinas de artes entre outras atividades desse tipo.

De maneira semelhante à atual pesquisa, Brauner e Valentini (2009), ao analisarem o desempenho motor de crianças participantes de um programa de atividade física (comparando crianças participantes somente das atividades físicas com crianças participantes de atividades diversas desenvolvidas pelo programa) não encontraram diferenças significativas entre os dois grupos. Já na comparação entre as crianças que estavam envolvidas em outras atividades físicas além das atividades do próprio programa, também não foram constatadas diferenças significativas nas habilidades locomotoras, somente uma tendência a significância na categoria de movimentos manipulativos, favorável ao grupo de crianças que participa de outras atividades físicas além do programa.

Em suma, além dos benefícios ao desenvolvimento motor que a participação em projetos sociais pode oferecer aos seus participantes, acredita-se que os programas esportivos educacionais deve ser prioridade para as crianças e jovens em situação de risco social, pelo potencial imenso de realização que o esporte tem. A educação fora da escola pode ser colocada em prática a partir desses projetos, ensinando solidariedade, compaixão, respeito ao próximo e erradicando a violência. São necessárias políticas públicas mais afins do esporte educacional, com o intuito de deixar um legado educacional ao país, numa época em que as Olimpíadas e a Copa do Mundo fazem-se presentes.

 

CONCLUSÕES

O presente estudo revelou que as crianças que frequentam projetos sociais apresentam melhor padrão de desenvolvimento motor quando comparado às crianças que não participam de projetos sociais e que também não participam atividades extraclasses.

Especificamente, podemos afirmar que a prática de atividades esportivas, realizadas através dos projetos esportivos, demonstrou ser um fator significativamente favorável à motricidade de seus participantes, que levam consigo já a questão do nível sócio-econômico como aspecto fortemente prejudicial ao seu desenvolvimento motor.

Visto que a frequência, duração e intensidade dos exercícios apresentam implicações diversificadas no desenvolvimento em geral, e no motor em particular, o fato de não haver diferenças significativas (exceto na área da motricidade fina) na comparação dos grupos II e III, pode ser justificado pela não apreciação dessas variáveis nas atividades desenvolvidas por esses programas.

Diante do exposto, considera-se a relevância, a importância e o valor sócio-educacional dos projetos educacionais e esportivos em crianças em situações de risco social. Para informações mais precisas, sugerem-se novas pesquisas que avaliem, através de uma análise pré e pós intervenção, o impacto desses projetos não só no desenvolvimento motor, mas também nos aspectos físicos, sociais e emocionais, considerando as tarefas propostas, como também, a duração das atividades, além da intervenção do profissional de Educação Física nesse processo.

 

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Endereço para Correspondência: Ana Paula Maurilia dos Santos, Laboratório de Desenvolvimento Humano – LADEHU/CEFID/UDESC, rua Pascoal Simoni, 358, CEP 88080-350, Coqueiros, Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: ladehu.udesc@gmail.com

 

Submetido: 12.05.2012 ¦ Aceite: 31.01.2013

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