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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.60 Lisboa dez. 2018

https://doi.org/10.23906/ri2018.60a08 

Uma relação assimétrica: A ata das conversações sobre a questão de Macau era uma exigência imperativa chinesa para a normalização das relações com Portugal em 1979

An asymmetrical relationship: The minutes of the talks on the Macao issue were the crucial condition for Mainland China to normalize relations with Portugal in 1979

 

Moisés Silva Fernandes

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa | Alameda da Universidade, 1600-214 Lisboa | moises.fernandes@confucio.ulisboa.pt

 

RESUMO

Em 8 de fevereiro de 1979 assinaram-se dois acordos com a República Popular da China na Embaixada de Portugal em Paris, entre os embaixadores de Portugal e da China. O primeiro foi o comunicado conjunto sobre o estabelecimento de relações diplomáticas entre a China e Portugal, que é um hábito entre os estados-nação. O segundo foi a minuta das conversações sobre a questão de Macau, que por sua vez era uma consequência dos últimos vinte e nove anos de relações informais que Macau tinha tido com a República Popular da China, sempre marcados por uma relação assimétrica.

Palavras-chave: assimetrias, China Continental, Portugal, Macau, Hong Kong, Formosa/Taiwan.

 

ABSTRACT

On 8 February 1979 two agreements were signed with the People’s Republic of China at the Portuguese Embassy in Paris, between the ambassadors of Portugal and China. The first was the joint communiqué on the establishment of diplomatic relations between China and Portugal which was common among nation-States. The second was on the draft of the talks on the question of Macao, which in turn was a consequence of the last twenty-nine years of informal relations that Macao had with the People’s Republic of China, always marked by an asymmetrical relationship.

Keywords: asymmetry, Mainland China, Portugal, Macao, Hong Kong, Taiwan.

 

INTRODUÇÃO

A ligação informal com a República Popular da China (RPC) foi uma relação assimétrica que Portugal teve de manter em Macau ao longo de aproximadamente vinte e nove anos, isto é, entre 1949 e 1979. Isto espelhou-se no facto de que Pequim tentou por duas vezes estabelecer relações diplomáticas com o Governo português, em 1949-1950 e 1954, mas contou sempre com a oposição do presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar, embora o ministro português (embaixador) da China, os cônsules, os governadores de Macau e o comando militar fossem a favor do reconhecimento diplomático da República Popular da China1.

Os incidentes ou os prenúncios das autoridades chinesas sobre a administração portuguesa de Macau (??), seja de Pequim (??) ou de Guangzhou (??), marcaram para sempre o território e as relações bilaterais informais. Como não havia relações formais entre os governos, estes tiveram sempre de depender dos intermediários, que eram uma pequena elite político-comercial chinesa totalmente alinhada com a China Continental.

Porque a China Continental pretendia aumentar o enorme contrabando que passava por Macau, em 1952 deu-se o conflito das Portas do Cerco. O mais admirável é que isto ocorreu durante a primeira visita do ministro do Ultramar, Sarmento Rodrigues, a Macau, tendo a propaganda portuguesa feito desaparecer o conflito das Portas do Cerco. Após esta séria desinteligência, a China conseguiu dilatar o seu desmedido tráfico.

Dois anos mais tarde, em 1955, o primeiro-ministro chinês, Zhou Enlai (???), proibiu as comemorações do quarto centenário de Macau. Aproveitou a ida a Pequim do governador de Hong Kong para lho transmitir. Imediatamente, o governador, Sir Alexander Grantham, e o Governo britânico comunicaram à administração portuguesa de Macau e ao Governo da metrópole, que cancelou a celebração.

Após enormes pressões do Governo Central em Pequim e do Governo Provincial de Guangzhou em 1963, o Governo da metrópole e a administração portuguesa de Macau decidiram «que não consente no seu território (isto é, Macau) quaisquer actividades que possam ameaçar a segurança da China Continental, que as reprimirá severamente e que os culpados, uma vez provada a sua responsabilidade, serão entregues às autoridades competentes da República Popular da China»2. Embora a Polícia de Segurança Pública de Macau deixasse os nacionalistas em relativa paz, no dia 20 de dezembro de 1966 foram entregues os sete nacionalistas da Formosa/Taiwan, que estavam presos em Macau, e sob imensa coação, às autoridades da China Continental durante a Grande Revolução Cultural Proletária.

Sob imensa tensão do Governo Central de Pequim, o Governo metropolitano e a administração portuguesa de Macau levaram ao encerramento do Comissariado Especial do Ministério dos Negócios Estrangeiros da República da China (Formosa/Taiwan), em 1965. Escusado será dizer que o ministério taiwanês dos Negócios Estrangeiros e a legação (embaixada) que tinham em Lisboa fizeram tudo para evitar o seu encerramento.

Aproximadamente um ano e meio mais tarde dá-se a Grande Revolução Cultural Proletária em Macau, entre 1966 e 1968, que levou à prostração total da administração portuguesa, nomeadamente, do brigadeiro Nobre de Carvalho, e demais entidades a si acreditadas. A única pessoa que não se teve de vexar foi D. Paulo José Tavares (???), devido a um forte apoio dos padres chineses e ocidentais, à sua obediência direta ao Estado da Santa Sé e, finalmente, aos papas João XXIII e Paulo VI. Em agosto de 1968, veio a Macau o vice-diretor da agência noticiosa Xinhua (?????) de Hong Kong, Kei Fung (??, Qi Feng) que pôs fim à prostração portuguesa, comunicando à comunidade chinesa afeta a Pequim as seguintes instruções: «não deve haver oposição às receitas do Governo de Macau. As taxas, as contribuições, etc., devem continuar a ser pagas»3. Caso discordassem destas, «podem e devem expor as suas razões. Mas devem sempre pagar»4. Para reforçar este ponto recordou que «(e)m Macau existe o sistema capitalista, como é óbvio, e é esta situação que se tem de aceitar»5.

Sob a excessiva exigência do Governo Central de Pequim e da elite alinhada com a China Continental foi desencadeada a admissão da RPC na ONU, em 1971. Portugal viu-se então ameaçado pela China Continental e votou a favor da resolução albanesa na Assembleia Geral das Nações Unidas. No ano seguinte, sob proposta da China Continental, os dois territórios de Macau e Hong Kong deixaram de ser colónias e passaram a integrar a RPC. Portugal não disse nada perante o Secretariado das Nações Unidas, enquanto o Reino Unido não apresentará mais informações sobre Hong Kong, embora não altere o seu estatuto.

Após o 25 de Abril de 1974, houve eleições para eleger os deputados que redigiram uma nova Constituição. O Partido Popular Democrático (PPD), que mais tarde veio a ser Partido Social Democrata (PSD), propôs no projeto da Constituição que se deixasse de mencionar Macau como território de Portugal e passasse a ser «sob administração portuguesa». A Constituição foi aprovada em 1976, indo ao encontro do que Pequim desejava para Macau. Tudo isto demonstra que havia uma clara assimetria entre a China Continental e Portugal por causa de Macau.

 

AS LIGAÇÕES ASSIMÉTRICAS ENTRE A CHINA CONTINENTAL E PORTUGAL POR CAUSA DO DESENTENDIMENTO ACERCA DE MACAU

A assimetria é uma característica permanente de todos os relacionamentos entre os estados e é um atributo comum da matriz geral das relações internacionais. Mas isto não quer dizer que uma disparidade de poder signifique que os mais poderosos simplesmente dominem os menos poderosos6.

A parte mais poderosa faz ameaças e exerce pressão sobre os mais fracos. Esses tipos de relações podem ser encontrados em estruturas imperiais. A dependência caracteriza a relação entre o centro e a periferia. As teorias assimétricas têm em grande consideração qual é a maneira mais segura para se encorajar uma grande potência para agir com maior hostilidade e ter potências mais fracas a antecipar a sua agressividade e a comportar-se desesperadamente como uma potência menor.

Evidentemente, a maioria das relações assimétricas não degenera em guerras, na maior parte do tempo. Dada a inconveniência da guerra, há um incentivo para encontrar uma realidade comum à relação que permita a acomodação e conformismo7. Existem muitos casos paradigmáticos, como os Estados Unidos e o Canadá, a Alemanha em relação à Áustria, à Malásia e a Singapura8, a China com o Vietname, e o último com os Estados Unidos, em 1975, e com a França, em 19549.

É claro que normalmente é ainda menos possível ou prudente que os mais fracos tentem subjugar os mais fortes. A história de David e Golias pode parecer uma tautologia. No entanto, mesmo quando um país muito menor é mais forte militarmente e é vitorioso, uma disparidade na população ou economia pode criar problemas insuperáveis de controlo e ocupação. Um exemplo seria a ocupação da China pelo Japão durante a Segunda Guerra Mundial. Portanto, as relações assimétricas são normalmente caracterizadas não apenas por uma disparidade de recursos, mas também pelo reconhecimento mútuo, ou por vezes implícito, da autonomia. São relações negociadas e nunca são de procura e evasão10.

Sempre existiram relações assimétricas no caso de Macau. Mas no século XX houve várias tentativas dos nacionalistas de ocuparem o território e porem fim à presença portuguesa. Mas antes da chegada ao poder do Partido Comunista Chinês, o Secretariado do Comité Central tomou a decisão, em fevereiro de 1949, de que Macau e Hong Kong seriam as duas cidades abertas para os estrangeiros, já que Xangai seria encerrada11. Hong Kong sempre teve uma relação, também assimétrica, mas menos profunda do que Macau. Na realidade, Macau teve sempre uma relação assimétrica desde 1949 até 1977 e que foi mais uma vez reforçada e acentuada pelo embaixador da China em Paris quando foi escrita a ata sobre as conversações de Macau em 1978 e 1979.

 

PARA HAVER RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS ERA IMPRESCINDÍVEL A ATA DAS CONVERSAÇÕES SOBRE MACAU

Em agosto de 1977 já havia um novo embaixador chinês em Paris, Han Kehua (???), que veio substituir Zeng Tao (??), que tinha ido para Pequim exercer o cargo de vice-presidente da agência noticiosa Xinhua. No mês de fevereiro de 1978, Han Kehua apresentou o primeiro esboço da ata sobre as conversações de Macau, que era uma condição básica do Waijiao bu (???, Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês).

Era esta a conjuntura após três anos de diálogos sino-portugueses em Paris. A primeira fase foi a pré-negocial, com «demarcações de posições, entre Maio de 1974 e Julho de 1975»12. A fase seguinte, de agosto de 1975 a janeiro de 1978, foi a de encontrar a fórmula, em conversações informais. Finalmente, com negociações formais, foi aberta a fase dos detalhes «(p)or sugestão do Governo chinês, imediatamente aprovada pelo nosso»13, que durou de fevereiro de 1978 a 8 de fevereiro de 1979.

Todavia, no espaço de um ano, houve em Portugal três primeiros-ministros, Mário Soares, Nobre da Costa e Mota Pinto, e quatro ministros dos Negócios Estrangeiros, Mário Soares, Sá Machado, Correia Gago e Freitas Cruz, o que criou um grande choque no lado português, mas que teve de ser ultrapassado, através da acomodação.

A questão era globalmente acerca de Macau, porque vinha a alterar todo o entendimento constitucional que tínhamos acerca do território na China Continental. Como nós alegamos em artigo anterior14, isto estabeleceu uma alteração da Constituição e no Estatuto Orgânico de Macau, ambos de 1976. Quando esta chegou ao Conselho de Ministros do dia 14 de junho de 1978, de um governo constituído pelo PS e CDS, o ministro do Comércio e Turismo, Basílio Horta, que era na altura do CDS, opôs-se. Pouco tempo depois o Governo caía. Entretanto, vem o III Governo Constitucional, mas vê o seu programa rejeitado na Assembleia da República. Com a nomeação para primeiro-ministro de Mota Pinto, e do ministro dos Negócios Estrangeiros, Freitas Cruz, num governo que, apesar de tudo, continuava a ser de índole presidencial, o processo de negociações sino-portuguesas em Paris ficou seriamente abalado. Por outro lado, havia um grande choque na política portuguesa, nomeadamente, «os princípios que definiam o respetivo estatuto»15.

A primeira questão estava relacionada com o facto de considerar se as três comunidades residentes no enclave – chinesa, macaense e portuguesa –, deveriam ser consultadas quanto ao futuro estatuto de Macau. A matéria era importante porque o artigo 306.º da Constituição Portuguesa estipulara que qualquer alteração ao Estatuto Orgânico de Macau só poderia ter lugar mediante autorização da Assembleia Legislativa de Macau. Ora, o futuro do território estava a ser negociado sem o consentimento da Assembleia Legislativa de Macau, que era nesta altura representativa da comunidade macaense, em virtude da lei de recenseamento eleitoral em vigor no território16.

Mota Pinto e Freitas Cruz estiveram reunidos no Palácio de Belém sobre «os princípios que definiam o respetivo estatuto» de Macau17. Após terem discutido os problemas de Macau, o primeiro-ministro lavrou uma nota para o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Freitas Cruz, a mostrar a sua grande preocupação acerca do conteúdo da ata das conversações sobre a questão de Macau. Conforme a minuta,

«é que a afirmação de um “acordo quanto ao fundo” – sem restrições, portanto – implica o reconhecimento do conteúdo explícito de que o território é chinês e será restituído à China. (…) Não devo eximir-me a deixar consignado que, se ao tempo fosse Governo, não teria conduzido assim as negociações»18.

Na realidade, o IV Governo Constitucional assumiu as rédeas do poder em 22 de novembro de 1978, mas com uma base extremamente periclitante, pois era um governo de iniciativa do Presidente da República, general Ramalho Eanes. Na opinião do primeiro-ministro, Mota Pinto, «é não assumir um compromisso puro e simples, sem restrições que inclusivamente nos impediria de amanhã, se for adequado, promover uma consulta à população»19. Por outras palavras, os habitantes de Macau, quer os da comunidade chinesa, quer os macaenses e os portugueses, deveriam participar no ato de votação.

Aliás, isto não era nada de novo. Mota Pinto tinha sido deputado constituinte e lembrava-se muito bem de que o seu PPD propusera, a 24 de julho de 1975, um projeto de Constituição em que previa que «(o) território de Macau, sob administração portuguesa, terá um estatuto especial adequado à situação»20. Na sessão plenária da Assembleia Constituinte do dia 8 de agosto de 1975, o deputado Mota Pinto votou favoravelmente o artigo que a sua bancada propusera por três razões. Uma era «a ideia de independência nacional». O segundo fator, «a vontade das populações», que poderiam ser os chineses, os macaenses e os portugueses de Macau. E uma terceira justificação: «os interesses e as tomadas de posição dos países situados na área geográfica onde se encontra Macau»21. Assim, o primeiro-ministro Mota Pinto propõe ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Freitas Cruz, que deve ir a Paris para «neutralizar interpretações negativas do nosso tardio recuo» e ver quais as oportunidades que tinham para modificar o texto da ata22.

No dia 10 de janeiro de 1979, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Freitas Cruz, «confirma as conversas havidas ontem com o director-geral dos Negócios Políticos» do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), Villas-Boas, e «rogo obter do seu interlocutor chinês adiamento de vinte e quatro horas, ou mais se necessário, à assinatura dos textos relevantes»23. Um estudo detalhado da ata das conversações sobre a questão de Macau tinha tido a concordância do III Governo Constitucional, mas não do IV Governo, que «não pode aceitar formulação respeitante à declaração a fazer» pelo embaixador de Portugal em Paris. Portanto:

«(p)referimos (a) supressão pura e simples (da) frase “o Embaixador de Portugal em Paris declarou que (o) Governo português está de acordo, quanto ao fundo, com (a) posição acima do Governo Chinês” e (a) sua substituição por outra em que se diga o mesmo Embaixador “declarou que (a) posição do Governo português é a que consta (no) texto sobre o estabelecimento (de) relações diplomáticas entre (a) China e Portugal, aprovado no Conselho de Ministros»,

a 14 de junho de 197824.

Em todo o caso, se no decurso de novos diálogos a inflexibilidade chinesa se viesse a revelar inamovível quanto à anuência de tal enunciação, e só nesse caso, estaríamos preparados a aceitar a formulação atual com a substituição da frase: «“está de acordo, quanto ao fundo, com a posição acima” pela frase “está de acordo, em geral, (em francês “en général”) com a posição” como o compromisso para se evitar um novo adiamento»25.

Claro está que o embaixador Han Kehua percebeu as modificações de última hora preconizadas pela parte portuguesa.

Nas alegações para justificar as correções propostas, foram apresentadas cinco plausíveis razões. A primeira justificação é que o novo Governo português, empossado no dia 22 de novembro de 1978, encoraja a criação de relações diplomáticas com a RPC, visto que não existiram durante aproximadamente vinte e nove anos. A segunda causa é que o novo Governo português tem maior sensibilidade «pró-chinesa» e o seu suporte político é o que mais se harmoniza com a proteção dos «interesses da China» na vigente situação. O terceiro fator é que estamos a instar à modificação da redação da minuta não havendo intenções desleais, mas apenas uma preocupação que é impedir as repercussões indesejáveis na ordem interna que poderia originar especulações de efeito desestabilizador que não seriam também do interesse do próprio Governo chinês. Quarta, uma vez obtida aquiescência de Pequim para as alterações sugeridas, manter-se-ia o esquema já acordado quanto à assinatura simultânea da ata de Macau, que não seria difundida, e do comunicado conjunto a publicar, modificando-se apenas as datas de harmonia com o novo calendário26.

Han Kehua veio à Embaixada portuguesa falar com Coimbra Martins, na tarde do dia 9 de janeiro. Foi durante esta audiência que o embaixador português teve de o informar que lhe «pedia adiamento (de) 24 horas. Esta notícia, anunciada com as cautelas de que fui capaz, foi manifestamente um golpe para o Embaixador»27. Apesar disto, Han Kehua deu o seu assentimento para vinte e quatro horas. No dia seguinte, o conselheiro Zhou Zhendong telefonou ao embaixador português e disse que na parte portuguesa não «havia impasse, mas apenas adiamento, e que eu mesmo, como certamente (o) embaixador Han Kehua, continuava (a) envidar todos os esforços (no) sentido (da) assinatura amanhã(,) dia 11»28.

Depois disto, Coimbra Martins telefonou ao diretor-geral dos Negócios Políticos do MNE, Villas-Boas, que lhe confirmou as instruções do dia anterior. Logo após, telefonou ao conselheiro Zhou Zhendong com quem marcou uma audiência com Han Kehua para as 16:30 na embaixada chinesa, porque já tinha marcado um almoço entre o embaixador da China e Antoine Veil, um alto funcionário público, homem político, chefe de várias empresas e marido de Simone Veil.

À hora marcada, Coimbra Martins e Han Kehua encontraram-se. O embaixador português tentou a primeira solução, mas viu-se «que não era possível, sem grave risco, pela supressão. (O) Embaixador afirmou que (a) consideração de tal hipótese levantaria as mais sérias dificuldades»29. Quanto à segunda solução, a «reação foi, de novo, a que tão bem conheço: vai imediatamente»30 consultar o Waijiao bu. No entanto, o embaixador chinês fez duas ponderações. A primeira era que o Waijiao bu dera instruções às suas embaixadas e consulados-gerais sobre o estabelecimento das relações diplomáticas entre a China e Portugal e que agora tinham sido suspensas por um dia. Porém, a segunda conclusão «referindo-se (a) alternativa “Pour fond / en général”: - Nunca esperei (que a) parte portuguesa na iminência (da) assinatura, propusesse (uma) modificação de tanto peso»31.

No dia 14 de janeiro, por volta das 11:30, chegam à Embaixada portuguesa, o embaixador chinês e o seu conselheiro, que vinham transmitir a posição do Waijiao bu32, considerando Han Kehua que «infelizmente havia complicações»33. A resposta de Pequim era simples e clara: «não obstante (a) pretensão portuguesa, (o) governo chinês não pode senão manter integralmente a formulação, consignada nos textos que deviam ter sido assinados no dia 10»34. Han Kehua deu três razões plausíveis para o Governo chinês estar tão ressentido com o Governo português. Primeiro ponto, no dia «23 de Setembro de 1978 (o) Governo português declarou-se de acordo com a proposta chinesa que reclamava (a) junção ao esboço da ata, progressivamente elaborada a partir de Paris»35. Em segundo lugar, era um propósito comum para ambas as partes, pois representava o desejo dos dois povos e o empenho geral da «paz no mundo»36. Portanto, os negociadores em Paris chegaram a «um bom acordo»37. Mas, de acordo com o conselheiro Zhou Zhendong, que traduziu o que Han Kehua tinha recebido do Waijiao bu, o conteúdo seria o seguinte:

«Le problème de Macao est un problème légué par l’histoire. Notre attitude (chinoise) à traiter ce problème consiste à exposer clairement le principe que l’on doit respecter. Et en même temps à réfléchir aux implications actuelles du problème, afin de le traiter sur la base des faits. Nous demandons à la partie portugaise de reconnaitre la position de principe de la Chine. Nous estimons que la partie portugaise ne devra pas avoir de difficultés à accepter le procès-verbal de l’entretien sur le problème de Macao»38.

A terceira posição dizia respeito aos negociadores, em particular a Coimbra Martins. O Waijiao bu considerava que o embaixador português tinha uma postura conciliadora e que havia jogado uma posição muito construtiva na preparação da ata de Macau e do comunicado conjunto, por isso, era da opinião que o mediador português devia continuar a desenvolver os seus esforços para que venha a ser celebrado o estabelecimento de relações diplomáticas39.

Han Kehua explica por suas próprias palavras o que disse o Waijiao bu. Em primeiro lugar, «o governo chinês pede o reconhecimento de uma posição de princípio. De facto não tem intenção de recuperar agora Macau»40. Na segunda posição, a «aguda compreensão, por parte do governo chinês, da posição do governo português, e das suas dificuldades em geral, e sobre este assunto(,) em especial»41. Em terceiro plano, «pelas razões acima (descritas) o governo chinês foi o mais longe possível. – A substituição de frases, que pedimos, é muito mais que um problema técnico. O governo chinês não pode ir mais longe»42.

Entretanto, na tarde do 20 de janeiro vem a Paris, discretamente, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Freitas Cruz, à Embaixada de Portugal, para ter uma audiência com o embaixador da China, Han Kehua, e o embaixador de Portugal, Coimbra Martins. Segundo o «apontamento secreto» do ministro Freitas Cruz, «teríamos preferido que não tivesse chegado a haver uma acta(,) mas um mero entendimento verbal de que Portugal não contesta que Macau é território chinês: apenas não nos convinha agora dizê-lo por escrito»43.

«Expus as balizas muito nítidas dos riscos de destabilização interna que envolvia eventual inconfidência sobre o conteúdo da acta, acusações que poderiam ser feitas ao governo por certos sectores, nomeadamente os comunistas pró-soviéticos, que podiam levar à queda, o que também não poderia ser do interesse dos chineses»44.

Por sua vez, o embaixador Han Kehua tentou apresentar um sumário dos períodos em que se fizeram entendimentos bilaterais. O primeiro acordo foi no dia 7 de junho de 1978, mas quando foi a Conselho de Ministros, no dia 14 de junho, não foi aprovado por conter afirmações imprecisas. Depois, em setembro, obtivera-se um pacto entre os dois governos e no dia 27 de outubro passou-se a incluir as novas informações, o que veio a acabar no dia 10 de janeiro de 1979. Todavia, para o embaixador chinês «o problema essencial era o problema de Macau», mas convinha esclarecer «que o Governo chinês não tem intenção de “tomar imediatamente” Macau (prendre immédiatement Macao) e por isso admitiam que se escrevesse na acta que o problema de Macau não pode ser resolvido nem hoje nem amanhã»45.

Em Lisboa, no editorial do diretor do Diário de Notícias, Mário Mesquita, de 1 de fevereiro de 1979, foram apresentadas outras razões que «acabaram por suscitar reservas à parte portuguesa, por decisão diretamente do primeiro-ministro Mota Pinto»46. Primeiro, a opinião pública portuguesa tinha dado «uma atenção quiçá excessiva (ao eventual estabelecimento de relações com Pequim) face à sua importância real». Segundo, recordava que o regime de Pequim jamais tinha reconhecido o regime português após o 25 de Abril. Terceiro, enumerava as várias tentativas portuguesas para serem estabelecidas relações diplomáticas com a China Continental que não tinham sido correspondidas, a não ser com as duas visitas «para-oficiais» ou oficiosas da «sociedade civil» portuguesa à China Continental. Quarto:

«(d)e igual modo, nela se consagra a obrigatoriedade de audição do órgão legislativo macaense face a qualquer alteração do estatuto que não tenha sido proposta pelo próprio território. Ora, o recuo dos negociadores portugueses deveu-se ao facto de, no projeto de acta a subscrever, se declarar a concordância da parte portuguesa “quanto ao fundo” da posição chinesa, o que, naturalmente, implicaria não só o reconhecimento de que se tratava de território chinês, como previa a possibilidade da sua “restituição” à soberania de Pequim sem consulta prévia dos macaenses»47.

Isto foi o suficiente para que, no dia 1 de fevereiro,

«o conselheiro de imprensa português (Alcides de Sousa Campos) irrompeu pelo meu gabinete, brandindo um jornal de Lisboa (neste caso, o Diário de Notícias,) trazia estampado na primeira página, o texto adicional em forma muito próxima do que estava sendo examinado. (…) Telefonei imediatamente para o gabinete do Ministro que acabou por me responder pessoalmente. Disse-lhe da publicação prematura e ostentatória de um documento que, na origem, fora classificado de secreto. Respondeu-me: - Então que quer o Sr. Embaixador? Isto aqui está furado. Está tudo furado! Ipsis verbis»48.

Às 15:30, do dia 1 de fevereiro, chega o embaixador Han Kehua e o conselheiro Zhou Zhendong à Embaixada portuguesa para transmitir a resposta do Waijiao bu ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Freitas Cruz, sobre a questão do passado dia 20 de janeiro. Em relação ao primeiro problema o «governo chinês não aceita (a) substituição (da) expressão “quant au fonds” por “en général”»49. Tendo em consideração que o ministro português dos Negócios Estrangeiros tinha vindo a Paris para explicar ao embaixador Han Kehua que o Governo português tinha sérios constrangimentos a nível interno e externo, a segunda resposta do Waijiao bu foi que o «Governo chinês propõe (que a) frase em questão(,) seja substituída por outra “Le gouvernment portugais donne son accord de principe à la position du gouverment chinois”». Isto foi a única cedência que o Waijiao bu fez desde o acordo do dia 10 de janeiro de 1979. Han Kehua disse «quanto o governo chinês é sensível à situação delicada em que se encontra o governo português, pela parte que toca (o) problema de Macau, ao negociar o estabelecimento de relações entre os dois países»50.

A seguir afirmou:

«que o estatuto actual de Macau será prolongado, que a China não tem pressa em resolver o problema. De resto, o governo chinês já tinha concedido havia muito tempo que a acta ficasse secreta. Han Kehua afiança que ninguém do lado chinês cometerá a mínima indiscrição sobre a acta. O governo chinês compreende a posição do governo português (e) que o governo português compreenda também a do governo chinês. Há certas coisas que são muito difíceis»51.

Finalmente, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Freitas Cruz, concedeu o avale com a formulação proposta pelo Governo chinês. Aponta o dia 8 de fevereiro para o estabelecimento de relações diplomáticas52. Ao fim da tarde o ministro dos Negócios Estrangeiros, Freitas Cruz, manda o seu telefone pessoal para receber no dia seguinte, por volta das 11:00, uma mensagem particular do embaixador Coimbra Martins53.

No dia 2 de fevereiro, sexta-feira, o embaixador Coimbra Martins vem a Portugal para resolver os assuntos pendentes e regressa a Paris, no dia 3. Em Lisboa fala com o diretor-geral de Política Externa do MNE, Villas-Boas. Portugal aceita que «(o) Embaixador de Portugal em Paris declarou que o Governo Português dá o seu acordo em princípio à posição do Governo Chinês e declara que “le government portugais donne son accord de principe à la position du Government chinois”»54. Ainda no mesmo dia, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Freitas Cruz, redige uma nota ao primeiro-ministro, Mota Pinto, em como estavam garantidos os «interesses» de Portugal e que o futuro governador de Macau, general Melo Egídio, assim como o que estava para sair, o governador, coronel Garcia Leandro, «ambos me mostraram partilhar inteiramente e sem reservas esta minha opinião»55.

O embaixador português vai à Embaixada da China, no dia 6 de fevereiro, e comunica-lhes que o Governo português dá o seu assentimento à proposta feita pela China no passado dia 1 de fevereiro56. Se o primeiro-ministro Mota Pinto continuava disposto a fazer uma declaração sobre o estabelecimento das relações luso-chinesas, no outro dia, o primeiro-ministro da China, Hua Guofeng, envia um telegrama a congratulá-lo e com votos de amizade, assinado por ele próprio. Caso o primeiro-ministro português não quisesse fazer uma declaração, o telegrama de Hua Guofeng não teria qualquer efeito57.

Quanto às relações com Portugal viu-as como sendo muito boas, segundo Han Kehua. Portugal – bem como o Jibuti, que tinha estabelecido com a China relações diplomáticas no dia 8 de janeiro 1979 – tinha um papel idêntico em África em termos de segurança58. Han Kehua propõe que o ministro português dos Negócios Estrangeiros realize uma visita oficial à China Continental. O convite seria formulado por si, enquanto um dirigente chinês iria visitar Portugal59.

Sob proposta de Coimbra Martins o embaixador Han Kehua deveria receber uma condecoração das ordens honoríficas portuguesas pelos trabalhos que realizara. Caso isto não fosse possível, deveria ter uma cópia da Maquete do Pagode, prenda do imperador da China a D. Carlota Joaquina, ou uma edição brasonada do Tratado das Coisas da China, de D. Freire Gaspar da Cruz60.

Depois de alguns arranjos meramente técnicos entre o conselheiro Zhou Zhendong e o segundo-secretário Cunha Valente, foram assinados em Paris, na Embaixada portuguesa, o comunicado conjunto sobre as relações diplomáticas formais entre a China e Portugal e a ata das conversações sobre a questão de Macau, em três línguas: o chinês, o português e o francês61. Por volta das 12:00 foi lida no Palácio de São Bento, em Lisboa, pelo primeiro-ministro, Mota Pinto, ladeado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Freitas Cruz, uma declaração oficial sob a convivência de quatros séculos das duas nações em Macau. Em simultâneo, como eram 20:00 em Pequim, a rádio e a televisão central da China davam a notícia de que a China e Portugal tinham estabelecido relações diplomáticas em Paris.

No dia seguinte, o primeiro-ministro da China, Hua Guofeng, enviou um telegrama ao primeiro-ministro português, Mota Pinto, a congratulá-lo62. Enquanto o Renmin ribao (????, Diário de Notícias do Povo), órgão oficial do Comité Central do Partido Comunista Chinês, publica na íntegra o comunicado conjunto e um artigo a enaltecê-lo, destacando o facto de Portugal ser o 28.º Estado europeu que estabelecia relações com a China e estar a desenvolver esforços para se integrar na Europa Ocidental – nomeadamente, nas Comunidades Europeias. Este diário acrescenta ainda a importância internacional de Portugal no contexto da segurança do Sul da Europa Ocidental63.

O secretário-geral do MNE, embaixador Gonçalo Caldeira Coelho, envia um telegrama confidencial e urgente para a Embaixada de Portugal em Paris, a pedir para que se interceda junto do embaixador Han Kehua para receber João de Deus Ramos, que vai ser nomeado encarregado de Negócios em Pequim64.

No dia 16 de fevereiro, o gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros Freitas Cruz recebe um telegrama confidencial do embaixador de Portugal em Londres, Armando Martins. Este informa que estivera recentemente com o diretor-geral da Ásia do ministério britânico dos Negócios Estrangeiros, que «conhecia mais detalhes das nossas negociações com os chineses(,) do que eu»65. A seguir, solicita mais detalhes acerca da ata de conversações sobre Macau e em especial sobre o que os «chineses teriam pedido acerca de Macau – se a pediram, quando, e em que termos e como foi afastada a ideia, ou se (a) sugestão (de) tal declaração tinha partido do lado português(?)». Esta parte foi sublinhada por alguém do gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros.

Entretanto, no dia 14 de fevereiro de 1979, o secretário-geral do MNE, embaixador Gonçalo Caldeira Coelho, chama a Lisboa João de Deus Ramos, que era cônsul-geral em Genebra, para prosseguir os seus contactos antes de ir para a China. Em Lisboa, tem um almoço cordial com a delegação da Xinhua em Portugal. Depois disto, o MNE manda-o para Bruxelas para ir assistir às reuniões da DELNATO (Delegação Portuguesa da Organização do Tratado do Atlântico Norte (nato)) com peritos sobre o Extremo Oriente e a China, entre 28 de fevereiro e 2 de março. O tema era a política externa chinesa e em especial a guerra sino-vietnamita. Ele teria de «(a)ssistir e ouvir, pois pouco tinha a fazer»66. No dia 2 de março vai à Embaixada da RPC em Paris para almoçar com o conselheiro Zhou Zhendong67.

Antes de partir para Pequim, João de Deus Ramos, como nosso primeiro encarregado de Negócios, afirma: «(f)echaram-me num gabinete e deram-me o texto a ler (a ata das conversações sobre a questão de Macau), sem autorização para tirar quaisquer notas, muito menos obter qualquer cópia. Na gíria anglo-saxónica era um documento “for your eyes only”»68.

Quando chega a Pequim, recebe as mordomias do Waijiao bu e das diversas embaixadas, com uma única

«exepção dos ingleses, que desconfiavam da sua possível existência (da ata das conversações sobre a questão de Macau), e que não perdiam oportunidade de obter alguma confirmação através de numerosas e amigáveis – sempre – conversas sobre o nosso recente processo de estabelecimento de relações diplomáticas, e sobre a situação de Macau»69.

No entanto, a convite do ministro chinês do Comércio Externo, Li Qiang (??), o governador de Hong Kong, Sir Murray MacLehose, visita Pequim, entre 26 e 30 de março de 1979, para abordar a renovação do aluguer dos novos territórios da colónia, que termina em 1997. Durante a audiência entre Deng Xiaoping e o governador de Hong Kong, Sir Murray MacLehose, o primeiro afirma que está satisfeito com o statu quo do território, mas informa o governador britânico que a China será forçada a tomar Hong Kong caso o Governo do Reino Unido continue a fazer pressão sobre o Governo chinês para que seja renovado o aluguer dos novos territórios. Neste encontro, Deng Xiaoping confirma que Portugal assinou, no dia 8 de fevereiro de 1979, duas minutas, uma ata sobre Macau, a qual não foi publicada, e o comunicado conjunto, que foi difundido.

Após um interregno de aproximadamente trinta anos, Yan Qiliang (???) apresenta as suas credenciais de embaixador da China ao presidente da República, general Ramalho Eanes, no Palácio de Belém, no dia 14 de novembro de 1979. Por seu turno, o diplomata António Ressano Garcia apresenta as suas credenciais de embaixador de Portugal em Pequim ao vice-presidente da comissão permanente da Assembleia Popular Nacional da China, Ulanhu (???), no dia 19 de setembro de 1979, no Grande Palácio do Povo.

A China vai lembrar aos decisores portugueses que o futuro de Macau será discutido dentro em breve, isto é, em meados de 1983 e 1984. Numa entrevista concedida ao jornal lisboeta O País, em 21 de julho de 1983, o embaixador da China em Lisboa, Yang Qiliang, declara que «Macau possui um estatuto diferente. Em fevereiro de 1979 houve conversações com Portugal e foi possível assinar um acordo. No entanto, esse acordo, e por concordância de ambas as partes, permanecerá secreto»70.

Entretanto, entre os dias 29 de abril e 8 de maio de 1984, Mota Pinto, que era vice-primeiro-ministro, ministro da Defesa Nacional e responsável pelo pelouro de Macau do IX Governo Constitucional – uma coligação do Bloco Central entre o Partido Socialista e o Partido Social Democrata –, realiza uma visita oficial à China, que inclui visitas a Pequim, a Xangai (??) e a Hangzhou (??). Antes da sua partida, Mota Pinto assinala que:

«Macau seria naturalmente um dos temas da agenda das duas delegações. (…) Temos uma preocupação exclusiva: a garantia da estabilidade, do desenvolvimento e da prosperidade de Macau. Além disso a actual fórmula jurídico-política é a de que Portugal possui apenas a administração e nada mais. E aproveito para recordar que, enquanto Portugal conseguiu esta solução, a Inglaterra continua a debater-se com delicados problemas por causa de Hong Kong…»71.

No dia 7 de maio é recebido em audiência pelo primeiro-ministro Zhao Ziyang e é avisado formalmente do interesse que a China tem em discutir num futuro próximo o caso de Macau. Como disse tão bem João de Deus Ramos: «(a) cronologia dos acontecimentos relativos a Macau, desde o estabelecimento de relações luso-chinesas em 1979 até ao início formal das negociações sobre o Território no verão de 1986, foi sempre determinada pela RPC»72.

 

CONCLUSÕES

Como se pode ver através dos dois documentos, a ata das conversações sobre a questão de Macau foi efetivamente o assunto mais importante. Quando o primeiro-ministro Mota Pinto deu conta, no dia 9 de janeiro de 1979, que era conveniente fazer um referendo às três comunidades – chinesa, macaense e portuguesa –, como preceituava a Constituição de 1976 e o Estatuto Orgânico de Macau, teve a elite política portuguesa contra si. O ministro português dos Negócios Estrangeiros enviou as três propostas, no dia 9 de janeiro de 1979, para a Embaixada de Portugal em Paris. A primeira foi rejeitada, a segunda foi também declinada e a terceira só foi aceite pelo Governo chinês quando o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Freitas Cruz, foi, no dia 20 de janeiro, ao encontro de Han Kehua em Paris. Efetivamente, foi esta reunião que fez mudar o Waijiao bu. Embora lhe custasse muito, tiveram de mudar a ata de Macau «quanto ao fundo» para «em princípio». A partir de 1979, nunca mais se voltou a questionar se havia um referendo em Macau.

Mas, em 1983, o embaixador chinês em Portugal reconhecia, numa entrevista a O País, que existia uma ata de Macau, e, implicitamente, que em breve iria ser dado início a novas conversações acerca da retrocessão de Macau. No ano seguinte, Mota Pinto, agora como ministro da Defesa Nacional, tem o encontro com o primeiro-ministro Zhao Ziyang em que é formalmente avisado de que dentro em breve discutirão Macau. Portanto, a ata das conversações sobre a questão de Macau era uma exigência imperativa chinesa para a normalização das relações com Portugal em 1979.

 

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TELEGRAMA expedido n.º 13, muito urgente e secreto, do ministro dos Negócios Estrangeiros para a embaixada de Portugal em Paris. de 10 de Janeiro de 1979. SCF, DABMNE. Lisboa.

TELEGRAMA recebido n.º 23, secreto, do embaixador de Portugal em Paris no MNE, dia 15 de Janeiro de 1979. SCF, DABMNE. Lisboa.

TELEGRAMA recebido n.º 41, secreto, do embaixador de Portugal em Paris no MNE, dia 10 de Janeiro de 1979. SCF, DABMNE. Lisboa.

TELEGRAMA n.º 48, muito urgente e secreto, do ministro dos Negócios Estrangeiros para o embaixador de Portugal em Paris, de dia 3 de Fevereiro de 1979. SCF, DABMNE. Lisboa.

TELEGRAMA n.º 49, urgente e secreto, do ministro dos Negócios Estrangeiros para o embaixador de Portugal em Paris, de dia 3 de Fevereiro de 1979. SCF, DABMNE. Lisboa.

TELEGRAMA n.º 54, secreto, do embaixador de Portugal em Paris para o director-geral dos Negócios Políticos no MNE, dia 15 de Janeiro de 1979, p. 1. SCF, DABMNE. Lisboa.

TELEGRAMA n.º 60, confidencial, do embaixador de Portugal em Londres, Armando Martins, para o gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros, João Freitas Cruz, de 14 de Fevereiro de 1979. stj – Documentos avulsos, DABMNE. Lisboa.

TELEGRAMA n.º 64, confidencial e urgente, do secretário-geral do ministério dos Negócios Estrangeiros, embaixador Gonçalo Caldeira Coelho, para o embaixador de Portugal em Paris, António Coimbra Martins, de 14 de Fevereiro de 1979. Serviço de Tratados e Jurídicos (stj) – Documentos avulsos, DABMNE, Lisboa.

TELEGRAMA n.º 96, secreto, do embaixador de Portugal em Paris para o director-geral dos Negócios Políticos no MNE, dia 1 de Fevereiro de 1979». SCF, DABMNE. Lisboa.

TELEGRAMA n.º 97, secreto, do embaixador de Portugal em Paris para o director-geral dos Negócios Políticos no MNE, dia 1 de Fevereiro de 1979, p. 1. SCF, DABMNE. Lisboa.

TELEGRAMA n.º 106, secreto, do embaixador de Portugal em Paris para o director-geral dos Negócios Políticos no MNE, dia 6 de Fevereiro de 1979. SCF, DABMNE. Lisboa.

TELEGRAMA n.º 111, secreto, do embaixador de Portugal em Paris para o director-geral dos Negócios Políticos no MNE, dia 6 de Fevereiro de 1979, p. 1. SCF, DABMNE. Lisboa.

TELEGRAMA n.º 113, secreto, do embaixador de Portugal em Paris para o director-geral dos Negócios Políticos no MNE, dia 6 de Fevereiro de 1979. SCF, DABMNE. Lisboa.

TELEGRAMA n.º 123, secreto, do embaixador de Portugal em Paris para o director-geral dos Negócios Políticos no MNE, dia 6 de Fevereiro de 1979. SCF, DABMNE. Lisboa.

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WOMACK, Brantly – Assymetry and International Relationships. Nova York: Cambridge University Press, 2016.needed.

 

Data de receção: 4 de outubro de 2018 | Data de aprovação: 5 de novembro de 2018

 

NOTAS

1 FERNANDES, Moisés Silva – Confluência de Interesses: Macau nas Relações Luso-Chinesas, 1945-2005. Lisboa: Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Centro Científico e Cultural de Macau, 2008, pp. 124-139.

2 FERNANDES, Moisés Silva – Sinopse de Macau nas Relações Luso-Chinesas, 1945-1995: Cronologia e Documentos. Lisboa: Fundação Oriente, 2000, pp. 642-643.

3 FERNANDES, Moisés Silva – Macau na Política Externa Chinesa, 1949-1979. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2006, p. 298.

4Ibidem, pp. 298-299.

5Ibidem.

6 WOMACK, Brantly – «Asymmetry and systemic misperception: China, Vietnam and Cambodia during the 1970s». In Journal of Strategic Studies. Vol 26, N.º 3, setembro de 2003, pp. 94-95.

7Ibidem, p. 103.

8Ibidem, p. 107.

9 WOMACK, Brantly – Assymetry and International Relationships. Nova York: Cambridge University Press, 2016, p. xv.

10 WOMACK, Brantly – «How size matters: the United States, China and asymmetry». In Journal of Strategic Studies. Vol. 24, N.º 4, dezembro de 2001, pp. 125--126

11 FERNANDES, Moisés Silva – Confluência de Interesses..., pp. 113-115.

12 MARTINS, Coimbra – Esperanças de Abril. Lisboa: Perspectivas & Realidades, 1981, p. 435.

13Ibidem.

14 FERNANDES, Moisés Silva – «Contextualização das negociações de Paris sobre a normalização das relações luso-chinesas, 1974-1975». In Negócios Estrangeiros. N.º 16 especial. Fevereiro de 2010, p. 106.

15 GEORGE, João Pedro – Mota Pinto, Biografia. Lisboa: Contraponto, 2016, p. 491.

16 Para Vitalino Canas a Assembleia Legislativa de Macau foi um órgão representativo da comunidade macaense até à reforma da lei eleitoral levada a cabo pelo governador Almeida e Costa, em 1984.A partir desta altura, com o alargamento do universo eleitoral à comunidade chinesa, esta passou obviamente a Assembleia Legislativa de Macau (cf. CANAS, Vitalino – Preliminares do Estado da Ciência Política. Macau: Publicações «O Direito», 1992).

17 GEORGE, João Pedro – Mota Pinto, Biografia, p. 491.

18Ibidem, p. 491.

19Ibidem, p. 492.

20 DAC, p. 358-(70).

21 DAB, p. 744.

22 George, João Pedro – Mota Pinto, Biografia, p. 492.

23 Telegrama expedido n.º 13, muito urgente e secreto, do ministro dos Negócios Estrangeiros para a embaixada de Portugal em Paris, de 10 de Janeiro de 1979». SCF, DABMNE. Lisboa.

24Ibidem.

25Ibidem.

26Ibidem, p. 2.

27 Telegrama recebido n.º 41, secreto, do embaixador de Portugal em Paris no MNE, dia 10 de Janeiro de 1979. SCF, DABMNE. Lisboa.

28Ibidem, p. 2.

29Ibidem, p. 3.

30Ibidem, p. 3.

31Ibidem, p. 3.

32 Telegrama recebido n.º 23, secreto, do embaixador de Portugal em Paris no MNE, dia 15 de Janeiro de 1979. SCF, DABMNE. Lisboa.

33 Telegrama n.º 54, secreto, do embaixador de Portugal em Paris para o director-geral dos Negócios Políticos no MNE, dia 15 de Janeiro de 1979, p. 1. SCF, DABMNE. Lisboa.

34Ibidem.

35Ibidem.

36Ibidem, p. 2.

37Ibidem.

38Ibidem.

39Ibidem, p. 3.

40 Telegrama n.º 55, secreto, do embaixador de Portugal em Paris para o director-geral dos Negócios Políticos no MNE, dia 15 de Janeiro de 1979, p. 1. SCF, DABMNE. Lisboa.

41Ibidem.

42Ibidem.

43 GEORGE, João Pedro – Mota Pinto, Biografia, p. 495.

44Ibidem, p. 495.

45Ibidem, p. 495.

46 MESQUITA, Mário – «O estatuto de Macau». In Diário de Notícias. Ano 115, N.º 40 263, 1 de fevereiro de 1979, p. 1.

47Ibidem.

48 MARTINS, Coimbra – «Relações luso-chinesas: “sinopse parisiense”». In NegóciosEstrangeiros. N.º 16 especial, fevereiro de 2010, p. 133.

49 Telegrama n.º 97, secreto, do embaixador de Portugal em Paris para o director-geral dos Negócios Políticos no MNE, dia 1 de Fevereiro de 1979, p. 1. SCF, DABMNE. Lisboa.

50Ibidem, p. 1.

51Ibidem, p. 2.

52 Telegrama n.º 48, muito urgente e secreto, do ministro dos Negócios Estrangeiros para o embaixador de Portugal em Paris, de dia 3 de Fevereiro de 1979. SCF, DABMNE. Lisboa.

53 Telegrama n.º 49, urgente e secreto, do ministro dos Negócios Estrangeiros para o embaixador de Portugal em Paris, de dia 3 de Fevereiro de 1979. SCF, DABMNE. Lisboa.

54 Telegrama n.º 96, secreto, do embaixador de Portugal em Paris para o director-geral dos Negócios Políticos no MNE, dia 1 de Fevereiro de 1979». SCF, DABMNE. Lisboa.

55 GEORGE, João Pedro – Mota Pinto, Biografia, p. 497.

56 Telegrama n.º 106, secreto, do embaixador de Portugal em Paris para o director-geral dos Negócios Políticos no MNE, dia 6 de Fevereiro de 1979. SCF, DABMNE. Lisboa.

57Ibidem.

58 Telegrama n.º 111, secreto, do embaixador de Portugal em Paris para o director-geral dos Negócios Políticos no MNE, dia 6 de Fevereiro de 1979, p. 1. SCF, DABMNE. Lisboa.

59Ibidem, p. 2.

60 Telegrama n.º 113, secreto, do embaixador de Portugal em Paris para o director-geral dos Negócios Políticos no MNE, dia 6 de Fevereiro de 1979. SCF, DABMNE. Lisboa.

61 Telegrama n.º 123, secreto, do embaixador de Portugal em Paris para o director-geral dos Negócios Políticos no MNE, dia 6 de Fevereiro de 1979. SCF, DABMNE. Lisboa.

62 George, João Pedro – Mota Pinto, Biografia, p. 498.

63 «China and Portugal establish diplomatic relations». In Beijing Review, ????, Semanário de Pequim. Vol. 22, N.º 7, 16 de fevereiro de 1979, pp. 3-4.

64 Telegrama n.º 64, confidencial e urgente, do secretário-geral do ministério dos Negócios Estrangeiros, embaixador Gonçalo Caldeira Coelho, para o embaixador de Portugal em Paris, António Coimbra Martins, de 14 de Fevereiro de 1979. Serviço de Tratados e Jurídicos (STJ) – Documentos avulsos, DABMNE. Lisboa.

65 Telegrama n.º 60, confidencial, do embaixador de Portugal em Londres, Armando Martins, para o gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros, João Freitas Cruz, de 14 de Fevereiro de 1979. STJ – Documentos avulsos, DABMNE. Lisboa.

66 Ramos, João de Deus – Em Torno da China: Memórias Diplomáticas. Casal de Cambra: Caleidoscópio, 2016, p. 41.

67 O conselheiro da Embaixada exerceu o cargo de embaixador chinês no Chade, entre setembro de 1988 e agosto de 1992 (http://www.fmprc.gov.cn/mfa_eng/ziliao_665539/wjrw_665549/3607_665555/3610_665561/t18150.shtml); LAMB, Malcom L. – Directory of Official and Organizations inChina. 3.ª edição. Armonk, Nova York: M.E. Sharpe, 2003, vol. 1, p. 286.

68 RAMOS, João de Deus – «Relações entre Portugal e a República Popular da China: um olhar retrospetivo». In Povos e Culturas. (Lisboa). N.º 17, 2013, p. 39.

69Ibidem, p. 39.

70 «EMBAIXADOR da China a O País: “Corrida aos armamentos ameaça a vida dos povos». In O País. Ano 8, N.º 394, 21 de julho de 1983, p. 11.

71 GEORGE, João Pedro – Mota Pinto, Biografia, p. 751.

72 RAMOS, João de Deus – Portugal e a Ásia Oriental. Lisboa: Fundação Oriente, 2012, p. 230.

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