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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.59 Lisboa set. 2018

https://doi.org/10.23906/ri2018.59a06 

Três reflexões inacabadas sobre populismo e democracia

Three Unfinished Reflections on populism and democracy

 

Nuno Severiano Teixeira

IPRI-NOVA | Rua de D. Estefânia, 195, 5.º Dt.º, 1000-155 Lisboa | nst@unl.pt

 

RESUMO

O populismo está em ascensão por todo o mundo. A ideologia populista, os partidos populistas, os líderes populistas, o estilo populista. Na luta política como no debate académico o tema tornou-se omnipresente. Por outro lado, a democracia liberal, outrora triunfante, está hoje sob ataque e em retrocesso global. E a democratização, que os cientistas políticos consideravam um processo de sentido único, revelou-se, afinal, um processo com dois sentidos: as democracias consolidam, mas também podem desconsolidar. Sob pressão da globalização, crescem as desigualdades económicas e os medos identitários que alimentam a vaga populista. E é essa vaga populista que, usando os mecanismos democráticos, provoca a erosão da democracia. Este artigo é uma reflexão sobre a relação entre democracia e populismo, em particular nos Estados Unidos e na Europa, procurando perceber as suas causas passadas e os seus desafios futuros.

Palavras-chave: Democracia, globalização, Ocidente, populismo.

 

ABSTRACT

Populism is on the rise all over the world. The populist ideology, the populist parties, populist leaders, the populist style. In the political struggle as in the academic debate the topic became ubiquitous. On the other hand, liberal democracy, once triumphant, is today under attack and in global retreat. And democratization, political scientists considered a one-way process, proved, after all, a two-way process: the democracies consolidate, but can also deconsolidate. Under pressure of globalization, growing economic inequalities and identity fears are feeding the populist wave. And is this populist wave that using the democratic mechanisms causes the erosion of democracy. This article is a reflection on the relationship between democracy and populism, especially in the United States and Europe, seeking to understand its past causes and its future challenges.

Keywords: Democracy, globalization, populism, West.

 

DEMOCRACIA

Há vinte anos a democracia estava triunfante. E o triunfo parecia definitivo. A economia de mercado, a democracia liberal e a ordem multilateral saíam vitoriosas da Guerra Fria e o modelo ocidental estava em processo de universalização acelerada. Eram os tempos áureos do «fim da história» de Francis Fukuyama1.

Nas sociedades ocidentais a economia estava a crescer e os cidadãos empenhados na democracia liberal. O sistema político era dominado por partidos moderados e os partidos radicais eram politicamente irrelevantes. Eleições livres e justas, liberdades cívicas, direitos humanos e Estado de direito, eram valores inquestionáveis. E mais do que isso, a democracia era o único sistema, internacionalmente, aceite como legítimo.

Os cientistas políticos argumentaram, então, que uma vez consolidada, a democracia não mais voltaria para trás. Isto é, que a consolidação da democracia era definitiva e a democratização um processo de sentido único.

Há dez anos, porém, este panorama começou a mudar com os fracassos manifestos do Iraque e do Afeganistão e os resultados pouco animadores da Primavera Árabe. Mas, como é óbvio, o sinal de alarme soou quando o problema se declarou no centro do sistema das sociedades ocidentais: na Europa e nos Estados Unidos, com o Brexit, a eleição de Donald Trump. E continuou com a vaga crescente dos populismos em todo o mundo: da Rússia de Putin à Turquia de Erdogan, das Filipinas de Duterte, à Venezuela de Chávez e Maduro, da Hungria de Orbán ao Brasil de Bolsonaro.

O populismo transformou-se numa tendência global.

Hoje, são cada vez maiores as desigualdades económicas e os medos identitários, resultado da globalização. Os cidadãos estão cada vez mais desiludidos com a política e os sistemas de partidos mais bloqueados. Os partidos tradicionais estão em queda, ao mesmo tempo que os radicais populistas estão em ascensão. Da euforia do «fim da história» parece ter-se passado para a ansiedade de um «zeitgeist populista».

Na verdade, todos os sinais são, hoje, de retrocesso da democracia. E não é uma mera questão de opinião. São os dados objetivos dos estudos empíricos que o indicam. Recentemente, dois relatórios publicados por instituições tecnicamente credíveis e politicamente independentes confirmam essa tendência.

No «Freedom in the World 2018», publicado pela Freedom House, 71 países desceram nos índices de liberdade enquanto apenas 35 subiram. E entre aqueles com mudanças mais relevantes, 20 pioraram e apenas seis melhoraram. Este é o décimo segundo ano consecutivo em que a média dos níveis de direitos cívicos e liberdades políticas declina em todo o mundo.

No «Democracy Index 2018», publicado pela Economist Intelligence Unit, a tendência é a mesma, 89 países descem no índice de democracia enquanto apenas 27 sobem. Em ambos os relatórios a conclusão é a mesma: a liberdade e a democracia estão «under assault and in retreat globally».

Perante isto, os cientistas políticos não tiveram outra alternativa que ir à biblioteca, tirar o pó dos livros e voltar a ler os clássicos de Juan Linz e Alfred Stepan sobre a democracia2.

A formulação de Linz e Stepan é simples e muito conhecida: as democracias estão consolidadas quando são «the only game in town»3. O que é que esta metáfora quer dizer? Quer dizer em concreto que a consolidação da democracia depende da realização de três condições fundamentais: primeiro, em termos de atitudes, a democracia está consolidada quando a esmagadora maioria do povo acredita que a democracia é a melhor forma de governo; segundo, em termos constitucionais, quando os principais atores e órgãos governamentais e não governamentais respeitam e refletem as normas e os procedimentos democráticos; e terceiro, em termos comportamentais, quando nenhum ator nacional de importância significativa mobiliza recursos e procura ativamente o derrube do regime ou a secessão do Estado.

Olhando para o panorama atual, as situações concretas variam muito de caso para caso e é difícil generalizar, mas se podemos falar numa tendência geral dir-se-ia que: primeiro, no que respeita ao grau de apoio popular à democracia, a tendência é a de uma diminuição do empenhamento na democracia liberal e de uma progressiva abertura a soluções iliberais; segundo, no que respeita ao grau de aceitação das regras e práticas democráticas, a tendência é de uma deterioração da proteção dos direitos cívicos e liberdades políticas e em alguns casos de erosão ou eliminação da separação de poderes e do sistema de freios e contrapesos; finalmente, no que respeita às forças e partidos antissistema, os movimentos e partidos populistas em ascensão, seja no poder ou na oposição, não querem apenas ser alternativas políticas dentro do regime democrático. Pelo contrário, querem desafiar e estão a desafiar as regras e normas do próprio sistema.

No fim do dia, os cientistas políticos – depois de relerem Juan Linz e Alfred Stepan e olharem para a realidade atual – tiveram de admitir: as democracias consolidam, mas também podem desconsolidar. Isto é, afinal, a democratização é um processo de dois sentidos.

Segundo as diferentes perspetivas teóricas, uns chamaram-lhe «democratic backsliding», outros «democratic deconsolidation», mas do ponto de vista político o resultado é o mesmo: o retrocesso da democracia. E ao olharem para esse retrocesso da democracia descobriram que a queda das democracias já não é o que era4. Dantes, as democracias caíam de um só golpe, súbita e estrondosamente. Era o tempo dos golpes de Estado.

Hoje, caem lenta e silenciosamente. Na verdade, não caem. Vão caindo, peça à peça, suavemente. Hoje, restringe-se uma liberdade de associação, amanhã reduz-se a autonomia de um tribunal, no dia seguinte compra-se um jornal incómodo para depois o fechar, supostamente, por razões financeiras. Não se trata de política, é, apenas, a lei e o mercado a funcionar. Um a um, cada episódio parece não ter relevância, mas o processo cumulativo tem um efeito devastador de degradação da democracia.

Em suma, as democracias já não caem pelo método violento do derrube ou do colapso, mas sim pelo método incremental da erosão. Usando os mecanismos do regime democrático para subverter a própria democracia. A democracia liberal, bem entendido.

E nesse processo, temos de admitir, os populistas têm tido uma boa performance.

 

POPULISMO

O populismo está em ascensão em todo o lado. A ideologia populista, os partidos populistas, o estilo populista e os líderes populistas. O populismo tornou-se uma buzzword no discurso político e mediático.

Mas afinal de que falamos quando falamos de populismo? Não sabemos ao certo. Porque há tantos sentidos quantos aqueles que usam a palavra. No debate político é usada para atacar o adversário e denunciar, indistintamente, a demagogia, o discurso primário ou o estilo do líder carismático. A ciência política não conseguiu até agora nem uma definição teórica nem uma metodologia de medida que sejam consensuais. O populismo é, como se costuma dizer nas ciências sociais, um conceito essencialmente contestado. Isto é, o único consenso é que não há consenso.

Estruturalistas, institucionalistas, construtivistas, a literatura é hoje imensa e, apesar da inexistência de um consenso, poder-se-á, em geral, identificar quatro grandes linhas de definição teórica: a primeira define o populismo como ideologia5; a segunda como discurso6; a terceira como estratégia7; e a última como estilo8. Não é este o momento nem o lugar para explanações teóricas, mas importa precisar que se usa nesta reflexão a definição minimal de Cas Mude, quiçá o conceito mais operacional para abordar o fenómeno populista.

Cas Mude define o populismo como uma ideologia centrada em três ideias fundamentais: o povo, a elite, e a vontade geral. Mas não é uma ideologia como as outras. Ao contrário do liberalismo, do fascismo ou do comunismo – que oferecem uma narrativa global e uma visão holística da agenda política –, o populismo quer romper com o sistema, mas não oferece uma visão geral do que o deve substituir. E dirige-se apenas a uma estreita parte da agenda política. É, para usar a expressão de Cas Mude, uma «thin-centered ideology» que divide a sociedade em dois grupos homogéneos e antagónicos: o «povo puro» e a «elite corrupta». O que os separa não é a riqueza ou o poder, mas os valores e por isso mesmo, mais do que uma divisão política, esta é uma divisão moral entre puros e corruptos, entre os puros que são o povo e os outros que não se consideram sequer como povo.

Neste contexto, o exercício da política deve ser a expressão da «vontade geral» do povo que os próprios populistas dizem encarnar. Reclamam por isso o monopólio da representação e aos outros, os que não consideram povo, não reconhecem sequer a legitimidade de existir politicamente. Numa luta moral a negociação e o compromisso não têm lugar e é por isso que os outros podem e devem ser silenciados. O populismo é moralista e monista e é por isso que se opõe tanto ao elitismo como ao pluralismo.

Como é uma thin ideology o populismo não é autossuficiente e por isso combina-se, frequentemente, com outras ideologias. De um modo geral, com o nacionalismo, à direita, ou com o socialismo, à esquerda. Significa isto que o populismo não é de esquerda nem de direita, ou melhor, pode ser de esquerda ou de direita de acordo com a sua combinação ideológica.

Os populismos de esquerda têm geralmente um fundamento económico e opõem, frontalmente, o povo trabalhador à elite dos ricos e poderosos: são diádicos. Os populismos de direita têm geralmente um fundamento identitário. Opõem também o povo à elite, mas introduzem um outro elemento e acusam a elite de ser conivente com esse terceiro grupo contra a vontade e o interesse do povo: os imigrantes; os refugiados; os terroristas; os globalistas; ou simplesmente os beneficiários do Welfare State. São triádicos.

Estes dois tipos de populismo, de esquerda e de direita, têm eleitorados diferentes. Mas a razão principal para o seu sucesso é a mesma: a crise da representação nas democracias liberais. Os cidadãos não se sentem representados pelos partidos tradicionais e não sentem que os governos respondam aos seus problemas. Mais do que isso, que não respondem aos seus medos e às suas inseguranças.

Medo e insegurança, em primeiro lugar, de natureza económica. As políticas neoliberais de privatização e desregulação económica e financeira têm aumentado, exponencialmente, as desigualdades económicas e as assimetrias sociais e sabemos desde os trabalhos clássicos de Seymour Martin Lipset como a equidade é fundamental para a legitimidade e o apoio à democracia9.

Medo e insegurança, em segundo lugar, de natureza cultural. Os fluxos migratórios massivos e por vezes desregulados geram a reação contra o «outro», sentido como uma ameaça. Uma dupla ameaça: aos produtos nacionais, à segurança no emprego ou aos benefícios sociais, no sentido económico; e aos costumes, às tradições e às identidades, no sentido cultural ou religioso, como mostra Francis Fukuyama no seu último livro10.

Em ambos os casos, trata-se da mesma coisa: a reação nativista contra a globalização. A reação dos somewheres, com baixos skills e ligados à terra, ao país, à nação de que dependem inteiramente, contra os anywheres, desligados económica e culturalmente e cujos elevados skills lhes permitem aproveitar, em qualquer lado, todos os benefícios da globalização11. Ora, são estes somewheres, perdedores da globalização, que receiam perder o controlo da nação e reclamam a renacionalização das políticas, que não se sentem representados. E é entre eles que cresce a insatisfação nas democracias liberais.

Essa crise da representação que é hoje clara na Europa e nos Estados Unidos manifesta-se não só no enfraquecimento das estruturas tradicionais, como a capacidade de organização e mobilização dos partidos, mas também no declínio da própria participação dos cidadãos.

Na Europa, dois outros fatores agravam ainda mais esta tendência. Em primeiro lugar, o colapso dos partidos mainstream e o bloqueamento do sistema de partidos em vários estados-membros. Contudo, o problema central não reside no plano nacional, mas sim no plano europeu. Chamamos-lhe geralmente «défice democrático», mas o problema é mais fundo.

«Nos sistemas políticos nacionais a democracia tende a ser baseada em quatro mecanismos de legitimação: o governo do povo através da participação política; pelo povo, através da representação dos cidadãos; para o povo, através do governo efetivo; e com o povo através da consulta de interesses. Ora, a União Europeia tem apenas dois desses mecanismos a funcionar plenamente: o governo efetivo e a consulta de interesses. Porque a participação política e a representação dos cidadãos, isto é, o governo do povo e pelo povo, continuam essencialmente no plano nacional.»12

O sistema político da União Europeia foi desenhado para governar, não para representar. E a questão é tanto mais grave quanto desde o Tratado de Maastricht até hoje, cada vez mais áreas de policymaking foram transferidas para a União, reduzindo cada vez mais os instrumentos de controlo democrático.

Quando não vê resposta para os seus problemas, a perceção do cidadão comum é que as elites não respondem por uma de duas razões: ou porque não querem («eles são todos iguais») ou porque não podem («não têm poder»). E não têm poder porque o poder já lá não está. Foi transferido e está num outro lugar: em Bruxelas ou em qualquer outra parte do mundo. Em instituições supranacionais ou forças transnacionais. Mas seja a União ou a globalização o resultado é igual: sentem que não têm sobre o poder qualquer controlo democrático.

A perceção geral é a de que as nossas democracias são cada vez menos responsive e cada vez menos accountable.

Ora, é aí que reside a essência da crise de representação nas democracias liberais e é aí que reside a base de recrutamento dos populismos.

 

POPULISMO E DEMOCRACIA

Chegados aqui vale a pena perguntar qual é a relação entre o populismo e a democracia?

Tradicionalmente o populismo estava associado à direita radical e havia, nesse sentido, um consenso estabelecido de que o populismo era contrário à democracia. Em termos teóricos era visto como uma «patologia da democracia»13 ou como a negação da própria democracia14.

Com a emergência do populismo à esquerda dá-se uma evolução importante no debate teórico e alguns autores começaram a argumentar, ao contrário, que o populismo não só favorece a democracia como é a essência da própria democracia15. O problema para eles não está na democracia, mas sim no liberalismo.

Hoje, uma terceira linha defende que o populismo não é nem a essência nem a negação da democracia16. Na democracia liberal, é preciso distinguir, com clareza, a democracia do constitucionalismo liberal. Os populistas não são contra a democracia: aceitam a democracia eleitoral, a soberania popular e a regra da maioria. Mas são radicalmente contra o constitucionalismo liberal: rejeitam o pluralismo, os direitos das minorias, a separação de poderes e o Estado de direito. Não estão contra a democracia em geral, estão contra a democracia liberal17.

Ora, sobre a relação entre o populismo e a democracia liberal recorre-se, uma vez mais, a uma formulação de Cas Mude: é uma relação complexa que pode ter de tudo – «o bom o mau e o feio».

Bom, porque os populismos levantam um conjunto de problemas reais sentidos pelas populações e que não têm tido uma resposta por parte das elites: os problemas da imigração e dos refugiados à direita ou os problemas da austeridade à esquerda. São questões reais, sérias e que as democracias têm de enfrentar.

Mau, porque a solução que encontram não só não resolve os problemas como põe em causa o fundamento das nossas sociedades. A sua ideologia monista e moralista nega o pluralismo e rejeita a legitimidade de toda e qualquer oposição política.

Feio, porque quando chegam ao poder os governos populistas tendem a pôr em prática essa ideologia. E como se autoconsideram «a voz do povo», todas as vozes diferentes são tratadas como interesses particulares que é bom sejam silenciadas. Minar a legitimidade da oposição, restringir a independência do poder judicial, cercear o pluralismo dos média e com a ajuda das redes sociais assaltar o próprio conceito de verdade. É esse o foco da sua agenda política e são três, em geral, as suas técnicas de governo: a ocupação do Estado; o clientelismo em massa; e a repressão da sociedade civil18. Tudo de forma incremental e usando os mecanismos democráticos para deformar ou subverter a democracia. Uns chamam-lhe democracias iliberais, outros, democracias defeituosas, outros não hesitam em classificá-los de autoritarismos competitivos.

Mas uma coisa é certa, o populismo é, hoje, um problema sério. E não é só uma questão teórica para académicos. É uma questão política em que está em jogo o futuro da democracia. Da democracia liberal, bem entendido. Em termos políticos, e quiçá em termos éticos, a questão é: como se trava esse combate pela democracia?

A resposta não é fácil. E se é possível ter algumas convicções sobre o diagnóstico, apenas dúvidas são possíveis sobre a terapêutica. Ainda assim, três reflexões inacabadas.

Primeiro, não é possível ignorar ou fugir dos problemas levantados pelos populistas. Em vez de os negar ou desvalorizar, melhor será reconhecer que são problemas sérios, sentidos pelas populações e que precisam ser enfrentados e resolvidos. Para usar a expressão de Jan-Werner Müller, «one can take their political claims seriously without taking them at face value».

Segundo, em vez de criticar os populistas, talvez seja melhor reconhecer que as nossas democracias estão cada vez menos democráticas e que precisamos, hoje, de as tornar mais responsive e mais accountable. Para isso precisamos menos de soluções tecnocráticas de governo e mais de soluções democráticas de participação e representação.

Terceiro, e isto é o mais difícil de tudo. Porque obriga a um trabalho de reinvenção. Mas é disso que se trata quando o que está em causa é a escala da democracia. A democracia direta funcionava bem à escala reduzida das cidades-estado da Grécia Antiga. Mas, obviamente, não funcionava à escala alargada do Estado-Nação da Idade Moderna. E para que a democracia continuasse a funcionar, no século XVIII, foi necessário inventar a democracia representativa. Hoje, democracia representativa funciona bem à escala nacional, mas claramente não está a funcionar à escala europeia e muito menos à escala global.

Não sabemos ao certo qual será a invenção para que a democracia continue a funcionar, mas sabemos que é esse o desafio futuro da democracia.

 

BIBLIOGRAFIA

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Data de receção: 30 de julho de 2018 | Data de aprovação: 7 de setembro de 2018

 

NOTAS

1 FUKUYAMA, Francis – The End of History and the Last Man. Nova York: Avon Books, 1992.

2 LINZ, Juan J., e Stepan, Alfred – The Breakdown of Democratic Regimes. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1978; Linz, Juan J., e Stepan, Alfred – Problems of Democratic Transition and Consolidation: Southern Europe, South America, and Post-Communist Europe. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1996.

3 JUAN J., e STEPAN, Alfred – Problems of Transition and Consolidation of Democracy, pp. 5-7.

4 BERMEO, Nancy – «On democratic backsliding». In Journal of Democracy. Vol. 27, N.º 1, 2016, pp. 5-19; FOA, Roberto S., e MOUNK, Yascha – «The danger of deconsolidation». In Journal of Democracy. Vol. 27, N.º 3, 2016 pp. 5-17; FOA, Roberto S., e MOUNK, Yascha – «The signs of deconsolidation». In Journal of Democracy. Vol. 28, N.º 1, 2017, pp. 5-15; NORRIS, Pippa – «Is Western democracy backsliding? Diagnosing the risks». In Journal of Democracy. Vol. 29, N.º 2, 2017; LEVITZKY, Steven, e ZIBLATT, Daniel – How Democracies Die. Nova York: Crown, 2018; MOUNK, Yascha – The People vs. Democracy. Why Our Freedom Is on Danger and how to Save It. Cambridge: Harvard University Press, 2018.

5 MUDDE, Cas, e Kaltwasser, Cristóbal Rovira – Populism: A Very Short Introduction. Nova York: Oxford University Press, 2017.

6 WODAK, Ruth – The Politics of Fear: What Right-wing Populist Discourse Mean. Washington, DC: Sage, 2016.

7 MÜLLER, Jan-Werner – What is Populism. Filadélfia: University of Pennsylvania Press, 2016.

8 MOFFITT, Benjamin – The Global Rise of Populism: Performance, Political Style and Representation. Stanford: Stanford University Press, 2016.

9 JUDIS, John B. – The Populist Explosion: How the Great Recession Transformed American and European Politics. Nova York: Columbia Global Reports, 2016.

10 FUKUYAMA, Francis – Identity, the Demand for Dignity and the Politics of Resentment. Nova York: Farrar Straus and Giroux, 2018.

11 GOODHART, David – The Road to Somewhere: The Populist Revolt and the Future of Politics. Londres: C. Hurst &Co., 2017.

12 SCHMIDT, Vivien – Democracy in Europe: The EU and National Polities. Oxford: Oxford University Press, 2006.

13 HOFSTADTER, Richard – The Age of Reform. Nova York: Vintage Books, 1955.

14 JUDIS, John B. – The Populist Explosion; MÜLLER, Jan-Werner – What is Populism.

15 LACLAU, Ernesto – La razón populista. Buenos Aires: Fondo de Cultura Economica, 2005; LACLAU, Ernesto, e MOUFFE, Chantal – Hegemonia y estratégia socialista. Hacia una radicalización dela democracia. Buenos Aires: Fondo de Cultura Economica, 2004; FASSIN, Éric – Populisme: le grand ressentiment. Paris: Textuel, 2017.

16 MUDDE, Cas, e KALTWASSER, Cristóbal Rovira – Populism in Europe and Americas: Threat or Corrective for Democracy. Cambridge, NY: Cambridge University Press, 2012.

17 GALSTON, William A. – Anti Pluralism. The Populist Threat to Liberal Democracy. New Haven: Yale University Press, 2018.

18 MÜLLER, Jan-Werner – What is Populism.

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