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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.59 Lisboa set. 2018

https://doi.org/10.23906/ri2018.59a05 

O FIM DA TERCEIRA VAGA DE DEMOCRATIZAÇÃO?

Maioritarismo iliberal ou o autoritarismo encapotado: Qual o problema da Europa?1

Is Europe’s problem illiberal majoritarianism or creeping authoritarianism?

 

Michael Meyer-Resende

Democracy Reporting International | Prinzessinnenstraße 30, 10969 Berlim, Alemanha | m.meyer@democracy-reporting.org

 

RESUMO

O artigo apresenta o argumento de que a atual vaga de retrocesso democrático não resultará em regimes democráticos iliberais, mas em autocracias. Países como a Polónia ou a Hungria estão a construir regimes autoritários sob a falsa premissa da vontade da maioria, pelo que separar os conceitos liberais de sistemas de controlo políticos e constitucionais (checks and balances) da vontade da maioria (democracia) como dois conceitos distintos cria a falsa escolha que, na realidade, mina a democracia. Este debate distrai-nos do que é uma tendência antidemocrática e enfraquece a resolução de resistir a partidos antidemocráticos. O debate sobre a democracia iliberal apresenta o que é fundamentalmente uma tomada do poder por forças autocráticas como uma contenda ideológica genuína. O conceito de democracia é certamente dinâmico, mas há linhas vermelhas que, se forem ultrapassadas, condenam os países ao autoritarismo.

Palavras-chave: Retrocesso democrático, maioritarismo, autoritarismo, Europa Central e de Leste.

 

ABSTRACT

The article argues that the current wave of democratic backlash will not result in illiberal democracies but, instead, in autocracies. Countries such as Poland or Hungary are building authoritarian regimes under the false premise of the will of the majority therefore, separating the liberal concept of checks and balances from majority will as two different concepts creates a false choice that, in reality, undermines democracy. This debate distracts us from what is an undemocratic trend and weakens the resolve to resist antidemocratic parties. The debate on illiberal democracy presents what is fundamentally a seizure of power by autocratic forces as a genuine ideological strife. The concept of democracy is certainly dynamic, but there are red lines that, when crossed, condemn countries to authoritarianism.

Keywords: Democratic backlash; majoritarianism, authoritarianism, Central and Eastern Europe.

 

Inúmeros noticiários e comentários políticos sugerem que a Europa está a atravessar um período de crescimento da democracia iliberal. Segundo estas opiniões, os partidos populistas defendem uma forma de democracia altamente maioritária, ao mesmo tempo que reduzem os freios e contrapesos liberais. No entanto, em países como a Hungria e a Polónia os governos não estão na verdade a forjar uma democracia iliberal ou hipermaioritária, mas sim a minar completamente a democracia. Se a oposição ganhasse uma eleição futura, os partidos dominantes iriam sem dúvida fazer-se valer do seu controlo sobre as instituições do Estado para atuar contra a vontade maioritária. O seu maioritarismo é na verdade uma ilusão temporária.

Sob a liderança do primeiro-ministro Viktor Orbán, o partido da Aliança Cívica Húngara (Fidesz) alterou drasticamente o quadro constitucional do país desde a vitória eleitoral em 2010. Entre outras medidas: mudou a Constituição da Hungria seis vezes; substituiu muitos juízes pelos seus próprios nomeados; assumiu o controlo da comunicação social estatal; promulgou leis repressivas de ONG; e institucionalizou algumas políticas na lei constitucional, tornando difícil revertê-las mesmo que o governo mude.

Da mesma forma, o partido Lei e Justiça (PiS), atualmente no poder na Polónia, adotou num período de apenas dois anos 13 leis que mudam completamente a estrutura do sistema judiciário. A Comissão Europeia2 observou que estas leis «colocam em sério risco a independência do poder judiciário e a separação de poderes na Polónia». O atual líder do partido e ex-primeiro ministro, Jaroslaw Kaczynski, defende que estas medidas respondem ao que ele chama de «impossibilismo legal» – a ideia de que os governos têm pouca margem de manobra na formulação de políticas devido a restrições legais. Portanto, os tribunais precisam de ser controlados pelo governo e pelo parlamento.

Os governos húngaro e polaco insistem em que as suas reformas aderem aos padrões democráticos. Orbán afirmou num discurso3 de 2014 que «uma democracia não é necessariamente liberal. Mesmo que não seja liberal, ainda pode ser uma democracia». Esta linha de pensamento é atrativa na medida em que oferece dicotomias básicas – «democracia» enfatiza a realização da vontade maioritária por meio de um poder executivo forte e incondicional, enquanto que «liberal» valoriza o controlo do poder do executivo através, por exemplo, das proteções judiciais levadas a cabo por tribunais independentes.

Muitos analistas adotaram um quadro conceitual semelhante. Nas palavras do politólogo Jacques Rupnik4 , a «democracia iliberal… visa um poder executivo forte e vê os freios e contrapesos, os tribunais constitucionais e outras instituições supostamente neutras em termos políticos como impondo restrições indevidas à soberania do povo. O “impossibilismo legal”, para usar a frase de Kaczynski, é o inimigo».

Na mesma linha, Ivan Krastev5, um conhecido comentarista de assuntos europeus, afirma que «os novos populistas não são fascistas (…) mas são indiferentes aos freios e contrapesos liberais e não veem a necessidade de restrições constitucionais ao poder da maioria».

Mas a ideia de separar freios e contrapesos (liberalismo) da vontade maioritária (democracia) como se fossem dois conceitos completamente distintos cria uma falsa dicotomia que na verdade mina a democracia. A discussão distrai do que é, no fundo, uma tendência antidemocrática, que enfraquece a determinação de resistir aos partidos antidemocráticos; afinal, é difícil para os democratas discordarem de partidos democráticos6. O debate sobre a democracia não liberal apresenta como se fosse uma luta ideológica genuína o que é essencialmente uma apropriação de poder autocrática. O conceito de democracia certamente não é estático, mas há linhas vermelhas que, se ultrapassadas, levam os países ao autoritarismo.

 

VOTOS VS. DIREITOS

O livro de Yascha Mounk, The People vs. Democracy, já amplamente discutido, é estruturado em torno de uma separação entre democracia e liberalismo. O livro chamou a atenção devido ao argumento de que hoje em dia os estados tendem a ser caracterizados por uma democracia não liberal ou pelo liberalismo não democrático. Segundo Mounk7, mesmo os direitos políticos cruciais como liberdade de expressão, de associação e de imprensa são expressões do liberalismo, não da democracia. Mounk afirma que a democracia é possível sem estes direitos, e que é suficiente ter «um conjunto de instituições eleitorais vinculativas que efetivamente traduzam as visões populares em políticas públicas» por meio de eleições livres e justas.

Mas o problema é o seguinte: como é que as eleições podem ser livres e justas sem liberdade de expressão, comunicação social livre e liberdade de associação? Se a comunicação social não permite um debate e os eleitores e candidatos não podem expressar-se livremente e organizar-se em partidos, como é que as visões populares podem ser traduzidas em políticas públicas? Comunistas e nazis realizaram eleições sem garantir esses direitos, mas são caracterizados como ditadores e não como iliberais.

A OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa)8 defende que na Hungria as eleições estão longe de serem inteiramente livres e justas. A sua missão nas eleições parlamentares de 2018 concluiu que, entre outras deficiências, se registou uma «sobreposição generalizada entre os recursos do Estado e do partido no governo, minando a capacidade dos concorrentes de competir em igualdade de circunstâncias». Na emissora pública, «os noticiários e produções editoriais favoreciam claramente a coligação dominante, indo contra os padrões internacionais». Se estas falhas mais subtis já são consideradas fontes de preocupação para a democracia, então não faz sentido considerar como questões pertencentes apenas ao liberalismo violações mais óbvias como prisão de jornalistas ou de candidatos da oposição.

 

LIBERALISMO VS. MAIORITARISMO

Outros autores, como Cas Mudde e Takis Pappas, assumem posições mais matizadas. Não acreditam que a democracia possa dispensar os direitos políticos fundamentais, mesmo na sua variante antiliberal. Para eles, uma democracia é liberal quando tem freios e contrapesos, como tribunais independentes, e iliberal quando isso não acontece. Takis S. Pappas9, um importante estudioso do populismo, diz que os partidos não liberais estão «inclinados para o maioritarismo cru» – participam em «eleições competitivas» e «declaram lealdade a uma democracia pluralista representativa», mas demonstram-se «impacientes com as legalidades institucionais».

É possível conceber uma democracia maioritária crua com um sistema de governação que traduza, com tão pouca distorção quanto possível, as preferências eleitorais da maioria em políticas. Algumas democracias, como o Reino Unido, dão de facto mais margem de manobra ao executivo eleito do que outras. Mas esses executivos não agem de forma puramente maioritária. Geralmente, promulgam políticas que são impopulares ou que não anunciaram antes das eleições.

Também é possível imaginar uma democracia maioritária crua que emprega um sistema eleitoral simples para representar maiorias sem distorção. Por exemplo, os Países Baixos usam um sistema proporcional, no qual todo o país funciona como um círculo eleitoral. Um partido que obtiver 15 por cento dos votos receberá 15 por cento dos assentos. Porém, com base neste critério, a Hungria e a Polónia certamente não são democracias maioritárias cruas. O sistema eleitoral da Hungria produz os resultados menos proporcionais10 de toda a União Europeia (UE). Nas últimas eleições, o Fidesz conquistou 49 por cento dos votos mas conseguiu 67 por cento dos assentos no Parlamento. O sistema polaco produz o terceiro resultado menos proporcional. Nas últimas eleições, o PiS obteve 38 por cento dos votos mas ganhou 51 por cento dos assentos no Parlamento.

Os referendos também poderiam ser uma característica principal do maioritarismo cru. De facto, os referendos suíços resultaram em duros confrontos entre as opiniões maioritárias e os direitos e garantias – como ficou demonstrado pela votação de 200911 para proibir a construção de novos minaretes (torres) nas mesquitas do país. É digno de nota, no entanto, que o sistema suíço contém um dos sistemas mais complexos de freios e contrapesos como mecanismo de equilíbrio.

Em teoria, as características acima mencionadas poderiam ser combinadas para criar um sistema sem tribunal constitucional, com sistema eleitoral proporcional simples e um executivo forte e centralizado que realiza referendos regulares. Tal sistema obviamente não violaria os pressupostos de uma democracia «minimalista» se realizasse eleições regulares e livres (ou uma «luta competitiva pelo voto popular» nas palavras de Joseph Schumpeter12). No entanto, é provável que tal concentração de poder corrompa o governo, ao criar-lhe muitas tentações para minar a ideia de eleições democráticas de forma a perpetuar-se na governação. Este sistema não pode sustentar uma democracia por muito tempo, a não ser que se baseie em direitos, freios e contrapesos legalmente consagrados.

 

MAIORITARISMO VS. AUTORITARISMO

Ainda que o maioritarismo cru seja teoricamente possível, não é para aí que a Hungria e a Polónia se encaminham. Os desenvolvimentos nestes países apontam para uma deriva em direção ao autoritarismo sob a capa de maioritarismo. Ao contrário do que é amplamente afirmado, o Fidesz e o PiS não estão a remover os mecanismos de freios e contrapesos para criar sistemas políticos nos quais a vontade da maioria seria representada com poucas restrições. Na verdade, estão a fingir aplicar uma lógica maioritária ao mesmo tempo que colonizam as instituições de freios e contrapesos, tentando controlá-las o mais possível. Por enquanto, isto significa que a maioria pode governar sem restrições. Num futuro próximo, isto significa que podem subjugar uma outra maioria recorrendo ao seu controlo do poder judiciário e da comunicação social estatal.

Na Polónia, o Parlamento anterior levou a cabo uma tentativa ilegal de nomear13 dois novos juízes para o Tribunal Constitucional imediatamente antes de perder as eleições de 2015. O Tribunal Constitucional anulou esta decisão. O Estado de direito funcionou. Porém, depois das eleições, o PiS substituiu não apenas esses dois juízes, mas três outros que tinham sido nomeados de forma legal. Em junho de 2017, o partido no poder conseguiu povoar um tribunal14 de 15 juízes com nove dos seus nomeados. Se tivesse seguido o procedimento normal, só poderia ter indicado a maioria dos juízes no final do mandato em 2019. Mas o partido ambicionava o controlo completo do tribunal e de forma imediata, pelo que ignorou as decisões do tribunal e instalou os seus próprios juízes. O PiS ganhou uma eleição pacífica numa democracia funcional, mas fala e age como se fosse um movimento revolucionário que procura tomar conta de todas as instituições.

Nem a Polónia nem a Hungria começaram a permitir referendos. Na verdade, o Fidesz, supostamente maioritário, nem sequer apresentou a sua constituição de 2011 perante votação pública. O Governo Fidesz só realizou um referendo desde que foi eleito (sobre as quotas de asilo da UE), e colocou uma questão que visava mais criar uma dinâmica política do que propriamente dar voz às pessoas.

O indicador mais forte de que o Fidesz não está realmente a promover o maioritarismo cru é o arcaboiço constitucional que criou. Muitos assuntos que os parlamentos normalmente decidem com uma maioria simples são regulados através de leis especiais que exigem uma maioria de dois terços para serem adotadas ou mudadas. Segundo a Comissão de Veneza do Conselho da Europa,

«Quanto mais as questões políticas forem transferidas para além dos poderes da maioria simples, menor será a importância de futuras eleições e mais possibilidades terá uma maioria de dois terços de consolidar as suas preferências políticas e a ordem legal do país. As eleições… perderiam o sentido se o legislador não pudesse alterar aspetos importantes da legislação que deveriam ser aprovados com maioria simples. Quando não só os princípios fundamentais mas também regras muito específicas e “detalhadas” sobre certas questões são regidas por leis especiais, o próprio princípio democracia está em risco»15.

Por outras palavras, o Fidesz está a criar um «impossibilismo legal» real para um futuro governo com outro programa. Retoricamente, Orbán afirma ser um democrata robusto que luta no mercado da opinião pública. Na realidade, esconde-se atrás de uma densa rede de leis imutáveis, tribunais dóceis e canais públicos de comunicação social financiados pelos impostos, que disseminam propaganda em vez de uma informação pluralista.

A suposta agenda maioritária do Fidesz ou do PiS é uma ilusão de ótica temporária que terminará no momento em que outro partido chegar ao poder com uma maioria diferente. O PiS e o Fidesz usariam então as instituições que controlam para frustrar a agenda do novo governo. Se aceitássemos a ideia de uma «democracia não liberal», seria de esperar que esses partidos se tornassem liberais convictos da noite para o dia, insistindo nos freios e contrapesos que eles próprios ergueram.

O que verdadeiramente está a acontecer aqui é a erosão da democracia, e não a construção de algum tipo de sistema maioritário iliberal. Vários índices de democracia indicam que a Hungria e a Polónia estão a decair em áreas cruciais da democracia como a integridade eleitoral e a participação política16. Além disso, o órgão europeu que está mais fortemente envolvido na vigilância dos arranjos legais que devem salvaguardar a democracia – a Comissão de Veneza do Conselho da Europa – tem advertido constantemente para os sérios riscos para a democracia na Hungria17 e na Polónia18 e, em menor grau, na Roménia19. Não emitiu alertas tão sérios para outros estados-membros da UE.

 

IMPLICAÇÕES DE UMA NARRATIVA ERRADA

A forma como os arranjos políticos são definidos e caracterizados tem importância para o debate e para a definição de políticas. Como observou Jan-Werner Müller20, cientista político e um dos principais especialistas em populismo, «a designação “democracia” é ainda o prémio político mais cobiçado do mundo». Se os especialistas descreverem governos que concentram poder como iliberais ou maioritários, arriscam-se a transformar um debate que deve ser sobre o dano à democracia num debate sobre programas partidários.

A preponderância da discussão sobre o iliberalismo em relação à Hungria e à Polónia tem sido problemática para a formulação de políticas. Em resposta aos desenvolvimentos na Polónia, a UE apenas insistiu que o Governo em funções apoiasse o Estado de direito, sem mencionar os outros valores centrais previstos no artigo 2.º do Tratado da UE, nomeadamente a democracia e os direitos humanos. Há uma lógica nesta insistência no Estado de direito. Enquanto os tribunais independentes funcionarem, pode-se supor que irão frustrar as tentativas dos governos de desmantelar o Estado democrático. Não é coincidência que o Governo do PiS, uma vez empossado, tenha imediatamente começado por atacar21 o Tribunal Constitucional do país. Porém, ao enfatizar apenas um dos três valores centrais do artigo 2.º, a UE deu a entender que o Estado de direito é a principal linha de defesa quando a democracia e os direitos humanos são atacados. Este é um erro de cálculo porque, especialmente na Hungria, a batalha pelo Estado de direito já foi perdida. O Fidesz nomeou22 quase todos os juízes constitucionais da Hungria e a sua apropriação das instituições democráticas não conheceu quaisquer travões.

O problema de nos concentrarmos apenas no Estado de direito tornar-se-á mais evidente se a oposição ganhar uma futura eleição. A Comissão Europeia teria dificuldade em lidar com uma situação inevitável: um governo eleito democraticamente enfrentaria um sistema legal completamente viciado a favor do governo anterior. De repente, o Fidesz falaria sobre a defesa do Estado de direito, enquanto a UE se veria justificadamente pressionada a defender a capacidade do novo governo de efetivamente determinar políticas. A UE precisaria então de um instrumento de democracia, em vez de um instrumento de Estado de direito, para abordar a questão. A Comissão de Veneza assinala, de forma consistente e acertada, que as políticas na Hungria e na Polónia põem em perigo os três valores simultaneamente: democracia, Estado de direito e direitos humanos23. A UE deve seguir essa abordagem holística.

A democracia, os direitos humanos e o Estado de direito representam um triângulo que não é idêntico em todas as democracias. Algumas enfatizam um lado mais do que o outro. De facto, em todas as democracias as regras do jogo são constantemente avaliadas e frequentemente alteradas. Às vezes os países tornam-se menos democráticos e outras vezes aumentam a qualidade da democracia. No entanto, o fluxo e refluxo de regras democráticas não pode ser equiparado à tentativa de uma das partes de se apropriar do aparelho estatal. As linhas vermelhas da democracia são manifestamente ultrapassadas quando um partido assume todas as instituições e funde interesses partidários com interesses estatais.

O uso indevido dos termos tem um impacto real: a defesa da democracia está a tornar-se mais difícil porque no discurso público ser liberal é associado a políticas sociais ou económicas liberais, e menos a uma forma de governo. Muitas pessoas acreditam na democracia, mas algumas não gostam de políticas económicas ou sociais liberais, e não precisam. Concentrar-se no suposto iliberalismo e não no ataque à democracia significa perder esses eleitores.

Claramente, a democracia enfrenta muitos desafios em todos os estados-membros da UE, não apenas na Polónia ou na Hungria. Mas é importante olhar com clareza para os casos em que as linhas vermelhas da democracia estão a ser ultrapassadas – e, neste contexto, estes dois países estão neste momento separados dos demais.

 

BIBLIOGRAFIA

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Data de receção: 13 de junho de 2018 | Data de aprovação: 2 de julho de 2018

 

NOTAS

1 Este artigo é uma versão adaptada e revista do artigo «Is Europe’s problem illiberal majoritarianism or creeping authoritarianism?», publicado pela Carnegie Europe, a 13 de junho de 2018. Disponível em: https://carnegieeurope.eu/2018/06/13/is-europe-s-problem-illiberal-majoritarianism-or-creeping-authoritarianism-pub76587.

2 EUROaPEAN COMMISSION – «Reasoned Proposal in Accordance with Article 7(1) of the Treaty on European Union regarding the Rule of Law in Poland». COM(2017) 835 final. 20 de dezembro de 2017. Disponível em: http://ec.europa.eu/geninfo/query/index.do?QueryText=REASONED+PROPOSAL+IN+ACCORDANC%2C+E+WITH+ARTICLE+7%281%29+OF+THE+TREATY+ON+EUROPEAN+UNION+REGARDING+THE+RULE+OF+LAW+IN+POLAND&op=Search&swlang=en&form_build_id=form-k-zg38BJPuBih8zx8aOYIbLWvMF8Pph1b5xV1pA4jUQ&form_id=nexteuropa_europa_search_search_form.

3 ORBÁN, Viktor – «Full text of Viktor Orbán’s speech at Baile Tusnad (Tusnádfürdo) of 26 July 2014». In Budapest Beacon. 26 de julho de 2014. Disponível em: https://budapestbeacon.com/full-text-of-viktor-orbans-speech-at-baile-tusnad-tusnadfurdo-of26-july2014/.

4 RUPNIK, Jacques – «Surging illiberalism in the East». In Journal of Democracy. Vol. 27, N.º 4, 2016, pp. 77-87.

5 KRASTEV, Ivan – «Eastern Europe’s illiberal revolution». In Foreign Affairs. Maio-junho de 2018. Disponível em: https://www.foreignaffairs.com/articles/hungary/2018-04-16/eastern-europes-illiberal-revolution.

6 Consequentemente, académicos como Yascha Mounk acreditam que existe um dilema; ver MOUNK, Yascha – «The undemocratic dilemma». In Journal of Democracy. Vol. 29, N.º 2, 2018, p. 98.

7 MOUNK, Yascha – The People vs. Democracy: Why Our Freedom Is in Danger and How to Save It. Harvard University Press, 2018.

8 OSCE/ODIHR – «Statement of preliminary findings and conclusions preliminary conclusions». In Limited Election Observation Mission. Hungria – Eleições Parlamentares, 8 de abril de 2018. Disponível em: https://www.OSCE.org/odihr/electionshungary/377410?download=true.

9 PAPPAS, Takis S. – «Distinguishing liberal democracy’s challengers». In Journal of Democracy. Vol. 27, N.º 4, 2016, pp. 22-36. Disponível em: http://www.journalofdemocracy.org/sites/default/files/Pappas-27-4.pdf.

10 HARRIS, Chris – «Which parliaments most closely resemble the vote of the people?». In Euronews. 18 de abril de 2018. Disponível em: http://www.euronews.com/2018/04/18/which-country-has-the-most-unfair-election-system-in-the-eu.

11 BBC – «Swiss voters back ban on minarets». 29 de novembro de 2009. Disponível em: http://news.bbc.co.uk/2/hi/europe/8385069.stm.

12 SCHUMPETER, Joseph A. – Capitalism, Socialism & Democracy. Londres-Nova York: Routledge, 2003. Disponível em: https://eet.pixel-online.org/files/etranslation/original/Schumpeter,%20Capitalism,%20Socialism%20and%20Democracy.pdf.

13 EUROPEAN COMMISSION – «Reasoned Proposal in Accordance with Article 7(1) of the Treaty on European Union regarding the Rule of Law in Poland». COM(2017) 835 final. 20 de dezembro de 2017.

14 EUROPEAN STABILITY INITIATIVE – «Where the law ends. The collapse of the rule of law in Poland – and what to do». 29 de maio de 2018. Disponível em: https://www.esiweb.org/index.php?lang=en&id=156&document_ID=190.

15 CONSELHO DA EUROPA – Comissão de Veneza. «Opinion on the New Constitution of Hungary Adopted by the Venice Commission at its 87th Plenary Session». CDL-AD(2011)016-e. Veneza. 17-18 de junho de 2011. Disponível em: https://www.venice.coe.int/webforms/documents/?pdf=CDL-AD(2011)016-e.

16 Ver, por exemplo, o Democracy Index da Economist Intelligence Unit (https://infographics.economist.com/2018/DemocracyIndex/), a base de dados do V-Dem (https://www.v-dem.net/en/data/data-version8/), e as dimensões de voz e responsabilização política dos World Bank Governance Indicators (http://info.worldbank.org/governance/wgi/#home).

17 CONSELHO DA EUROPA – Comissão de Veneza. «Documents –“Hungary”». Disponível em: http://www.venice.coe.int/webforms/documents/?country=17&year=all.

18 CONSELHO DA EUROPA – Comissão de Veneza. «Documents – “Poland”». Disponível em: http://www.venice.coe.int/webforms/documents/?country=23&year=all.

19 CONSELHO DA EUROPA – Comissão de Veneza. «Opinion on the compatibility with Constitutional principles and the Rule of Law of actions taken by the Government and the Parliament of Romania in respect of other State institutions and on the Government emergency ordinance on amendment to the Law N° 47/1992 regarding the organisation and functioning of the Constitutional Court and on the Government emergency ordinance on amending and completing the Law N° 3/2000 regarding the organisation of a referendum of Romania, Adopted by the Venice Commission at its 93rd Plenary Session». CDL-AD(2012)026-e. Veneza. 14-15 de dezembro de 2012. Disponível em: http://www.venice.coe.int/webforms/documents/?pdf=CDL-AD(2012)026-e.

20 MÜLLER, Jan-Werner – «“Democracy” still matters». In New York Times. 5 de abril de 2018. Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/04/05/opinion/hungary-viktor-orban-populism.html.

21 KONCEWICZ, Tomasz Tadeusz – «Farewell to the Polish Constitutional Court». In Verfassungsblog. 9 de julho de 2016. Disponível em: https://verfassungsblog.de/farewell-to-the-polish-constitutional-court/.

22 Disponível online em: http://democracy-reporting.org/5-facts-on-the-state-of-hungarys-democracy/.

23 Um dos vários exemplos seria a conclusão da Comissão de Veneza sobre a quarta emenda constitucional da Hungria de 2013: «A limitação do papel do Tribunal Constitucional leva ao risco de que sejam afetados negativamente os três pilares do Conselho da Europa: a separação de poderes como princípio essencial da democracia, a proteção dos direitos humanos e o Estado de Direito», 32. Disponível em: http://www.venice.coe.int/webforms/documents/?pdf=CDL-AD(2013)012-e.

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