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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.58 Lisboa jun. 2018

https://doi.org/10.23906/ri2018.58r02 

RECENSÃO

Quatro teses sobre a integração europeia

 

Madalena Meyer Resende

FCSH/NOVA e IPRI-NOVA | Rua de D. Estefânia, 195, 5.º Dt.º, 1000-155 Lisboa | madalena.resende@ipri.pt

 

CARLOS GASPAR, A Balança da Europa, Lisboa, Alêtheia Editores, 2017, 170 páginas, ISBN: 9789896229368

 

Escrito no rescaldo do Brexit, o ensaio A Balança da Europa contribui de forma sóbria para o diagnóstico das causas das crises que têm vindo a assolar a Europa na última década, apresentando também pistas para que a Europa resista a estas. Naturalmente, diagnóstico e cura têm origem nas mesmas quatro teses, que o ensaio expõe ao longo de três partes: na Segunda Guerra Mundial, no período do pós-guerra (até 1955) e no período do pós-Guerra Fria (1989).

A primeira tese é a de que a estabilidade da Europa pressupõe um equilíbrio de poder das três grandes potências europeias: a Grã-Bretanha, a França e a Alemanha.

O Brexit põe em causa o restabelecimento desse equilíbrio, mas o ensaio lembra-nos que tanto a Segunda Guerra Mundial e o período que logo se seguiu (até 1955), como o pós-1989 (até 2001) foram momentos de transição do sistema internacional que resultaram em novas fórmulas de ordenação das relações entre os estados europeus. Na Segunda Guerra Mundial a Europa deixou de ser o centro do sistema internacional para se tornar num espaço regional (entre outros). O fim da Guerra Fria significou que a região perdeu a centralidade geopolítica que o conflito lhe impunha. É, pois, natural que a atual mudança de ordem do sistema internacional, com a retração dos Estados Unidos e a emergência de potências revisionistas, da qual o Brexit é um sintoma, também exijam o restabelecimento de outras formas de relacionamento entre as potências.

A segunda tese é a de que a integração europeia deve ser vista como um equilíbrio parcial, isto é, obedece a uma lógica interna, mas não independente do jogo global das superpotências. A emergência das instituições de segurança e de integração económica na Europa do pós-Guerra foi construída como resposta improvisada às crises provocadas pelos conflitos entre as potências (Estados Unidos e URSS) na década pós-1945. Também as atuais crises internacionais, externas à União Europeia (UE), podem servir de contexto à tomada de decisões necessárias para reconstruir os equilíbrios da Europa. De resto, fica claro que a Grã-Bretanha fazia parte do concerto europeu antes da entrada em 1973 nas Comunidades, desde que tomou a liderança – na Europa – na construção da nato em 1948-1949. A reconstrução da balança da Europa implica um concerto da UE com a Grã-Bretanha, nomeadamente no campo da segurança.

A terceira tese é a de que a integração europeia não resulta apenas das mudanças geopolíticas, mas responde também a uma necessidade económica. A integração regional, através de mecanismos (instituições) de coordenação, surge por necessidade de responder à emergência de novas superpotências de escala continental: os Estados Unidos e a URSS. Mas a emergência das novas superpotências é, já por si, resposta ao novo estádio da industrialização, que exige novos mecanismos de gestão da economia e da defesa a nível continental – tal como a teoria de James Burnham sobre a emergência dos espaços continentais tinha preconizado.

O ensaio relembra também o diagnóstico de E. H. Carr – primeiro, no panfleto de 1941, The Future of Nations: Independence or Interdependence, e, depois, no livro The Conditions of Peace – que considerava que, na Europa, os pequenos estados eram elementos de desestabilização, pela inviabilidade da sua sobrevivência, tanto do ponto de vista económico como de segurança, no novo contexto económico e militar. Carr faz a crítica da teoria de autodeterminação nacional (cada nação um Estado) de Woodrow Wilson como condição da paz na Europa. Ao contrário, Carr considera que a Paz de Versalhes, ao basear-se nos princípios wilsonianos, contribuiu para a instabilidade na Europa. A proliferação de pequenos estados na Europa Central em 1919 – cada vez mais obviamente inviáveis do ponto de vista da segurança e da economia quando se criavam os estados continentais – deu origem a uma situação de desigualdade que se tornou fonte de conflitos. Os estados nacionais europeus deviam, na idade dos espaços continentais, unir-se em espaços maiores e assim criar unidades políticas mais amplas. Carr sugere que a integração se deve fazer aproveitando muitas das estruturas de cooperação entre os Aliados durante a guerra, e mesmo imitando algumas das fórmulas – como a integração financeira – da Alemanha nazi nos países ocupados. E. H. Carr teoriza pela primeira vez que a paz no pós-guerra deve ser baseada na criação de mecanismos de coordenação continental da economia e da segurança na Europa, que permitissem manter os estados de tamanho médio e pequeno como entidades soberanas, mas integradas por uma burocracia supranacional que gerisse a economia e a defesa à escala continental.

A quarta tese parte das contribuições de Carl Schmitt e Raymond Aron sobre as bases da ordem da Europa, num debate entre intelectuais europeus que precede as manobras diplomáticas (pós-1943) sobre a reconstrução da ordem europeia. Tanto Schmitt como Aron focam-se na forma de legitimação da nova ordem europeia: Schmitt propõe a constituição de um espaço alargado (Grossraum) constituído pelos povos europeus; Aron considera que a nova ordem terá de ser assente na restauração dos estados europeus democráticos «definitivamente constituídos».

A tese de Carlos Gaspar é que o desacordo sobre a base da construção europeia – se os povos (entidade ambígua), se os estados nacionais – permanece uma fonte de desentendimento no pós-Guerra Fria, como se tornou patente na elaboração de uma Constituição Europeia, e, mais tragicamente, durante o processo falhado da sua ratificação por referendo em França e na Holanda em 2005. A confusão dos espíritos sobre as bases da unificação europeia (devem ser os estados democráticos) resulta muitas vezes em dificuldades em consolidar o processo de integração.

A Balança da Europa ganha pelas suas teses claras, mas também por não tentar ultrapassar o paradoxo em que se baseia a integração europeia. Apesar de argumentar que reconstruir a balança entre as três potências europeias foi essencial para recompor a nova ordem democrática do pós-guerra e do pós-Guerra Fria, Carlos Gaspar sustenta que a emergência das burocracias supranacionais que gerem o mercado europeu e a aliança de segurança transatlântica se mantém hoje central para que as relações entre os estados europeus permaneçam pacíficas e as democracias sobrevivam à deriva nacionalista e autoritária. Para isso, as mesmas «paixões da liberdade e da confiança, da tolerância e da fraternidade, do pluralismo e da dignidade» devem animar os europeus que as enfrentam.

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