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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.58 Lisboa jun. 2018

https://doi.org/10.23906/ri2018.58a04 

HANS MORGENTHAU E POLITICS AMONG NATIONS

Estado Mundial e direito internacional em Hans Morgenthau

The world state and international law in Morgenthau’s IR theory

 

Guilherme Marques Pedro

Departamento de Filosofia, Universidade de Uppsala | Box 627, 751 – 26 Uppsala, Suécia | guilhermemarquespedro@gmail.com

 

RESUMO

A proposta de releitura aqui sugerida retoma um dos temas centrais do realismo de Hans Morgenthau – o Estado Mundial – como forma de abordar uma das áreas mais negligenciadas da historiografia revisionista: o direito internacional e o seu poder normativo. O argumento desenvolvido é que o realismo de Morgenthau recupera a digressão metafísica de Locke contra o contratualismo individualista de Hobbes. Este desvio metafísico funda um ideal de soberania popular que qualifica o conceito de interesse nacional proposto por Morgenthau. Só traçando este paralelo com Locke podemos compreender o modo como Morgenthau acomoda o funcionalismo na sua teoria realista do direito internacional, e na sua reflexão sobre as condicionantes sociais da construção de um Estado Mundial.

Palavras-chave: Estado Mundial, realismo, funcionalismo, direito internacional.

 

ABSTRACT

This article revisits one of the central topics of Hans Morgenthau’s realism – the world state – as a major gateway to one of the most neglected areas in the current historiography of the realist tradition: that of international law. The article thus argues that Morgenthau’s realism can be read in light of Locke’s metaphysical challenge to Hobbes’ view of the state of nature. National interest can in this light be seen as highly conditioned by the republican ideal of popular sovereignty – akin to that of limited government – where law is already operating socially, even before being posited by the state. By developing this parallel with Locke – shared in part by German legal philosophy that preceded Morgenthau – we are in a better position to understand how he accommodates the functional approach in his realist take on international law and on the social prerequisites of a world state.

Keywords: World state, realism, functionalism, international law.

 

«Splitting the atom means uniting the world.»1

George Jaffin, revisão do livro Anatomia da Paz, 1946

 

Einstein chamou-lhe a «resposta política» da era atómica, a única capaz de prevenir a última de todas as guerras. O nobel acabara de ler Anatomia da Paz, escrito pelo então agente literário de Churchill, Emery Reeves, que advogava um Estado Mundial como a única possibilidade de conter um holocausto à escala global2 . Para muitos a bomba nuclear não reenviava a política internacional para o estado de natureza onde o homem fora um lobo de si próprio. Pior que isso, ela fazia das potências nucleares autênticos monstros com uma capacidade destrutiva global nunca vista. A temática do Estado Mundial ganhava assim um destaque sem precedentes nas listas de bestsellers americanos e nas mentes de muitos teóricos e académicos norte-americanos – quais arquitectos desta nova criatura metapolítica –, chegando mesmo a vigorar como um dos pontos da ordem de trabalhos do subcomité do Senado americano para a política externa, encarregado de elaborar várias moções para pressionar a Administração Truman no sentido do planeamento de um projecto federalista global3. Nem Dante nem Kant poderiam ter antecipado que a «inevitabilidade de um Estado Mundial» surgiria não pelo ímpeto imperialista ou tirânico dos estados, mas pela mão do cenário possível de um apocalipse. Foi precisamente no contexto de uma angústia tão radioactiva como a «Bomba», que Hans Morgenthau decidiu aflorar o tema. A tecnologia nuclear tinha transformado a perspectiva de uma terceira guerra mundial numa possibilidade permanente. O seu monopólio parecia pois a única forma de a colocar ao serviço da paz.

Desde então, o Estado Mundial tem sido objecto de alguma revisitação teórico-normativa no pensamento político internacional e em particular por referência à opus magna de Hans Morgenthau, Politics among Nations, que celebra agora setenta anos desde a sua primeira edição. Entre várias genealogias do realismo clássico – algumas delas remetendo precisamente para a influência do pai do método genealógico4 – destacam-se aquelas que, com enfoque em Morgenthau, procuram ou reavaliar radicalmente a obra do realista americano como contígua à de um certo cosmopolitismo liberal, ou reconfirmar o diagnóstico clássico da sua oposição antipelagiana ao idealismo wilsoniano5. A proposta teórica aqui desenvolvida é nem mais nem menos a de reler o capítulo dedicado ao Estado Mundial à luz do título imaginário Law among Nations, na convicção de que o seu realismo não constitui uma cruzada romântica contra o direito internacional, mas sim uma reconceptualização deste à luz do funcionalismo então emergente na filosofia do direito. É só a esta luz que é possível compreender o papel fundamental que o Estado Mundial ocupa naquela que é ainda, provavelmente, a obra mais lida na teoria das relações internacionais, mas que tanto nos diz também sobre o direito internacional.

Apesar das várias incursões sobre o Estado Mundial e sobre o direito internacional a que a teoria das relações internacionais (RI) nos habituou, este artigo conjuga os dois temas para assim destacar um dos principais eixos filosófico-políticos do realismo de Morgenthau, e que permanece negligenciado na reciclagem do seu legado: o da prioridade ontológica da comunidade moral sobre a autoridade política. Desta forma, procura trilhar uma via média, necessariamente tortuosa, entre duas tendências internas ao revivalismo realista que tem pautado uma parte significativa da historiografia disciplinar das RI, entre um certo cosmopolitismo de inspiração kantiana e um construtivismo que sublinha o assalto funcionalista de Morgenthau ao positivismo reinante na teoria do direito internacional do seu tempo. Esta trajectória supera, por um lado, a insistência numa leitura excessivamente nietzscheana de um realismo que, dado o seu apelo a uma aparente resignação teórico-política, teria pouco a oferecer às RI de hoje, tanto do ponto de vista dos seus instrumentos conceptuais, como no que respeita à sua imaginação normativa em geral. Por outro lado, ela suplanta a ideia preconcebida de um realismo investido no desprezo – dito «político» – pelo direito internacional. A conclusão a que chegamos não poderia ser mais contrária a este strawman, donde o imperativo de reconstituir detalhadamente o rótulo de «realista» a que Morgenthau apelara com propriedade renovada. Essa conclusão é a de que o Estado Mundial, como tema de uma tradição tão vocacionada para a sua destituição enquanto utopia política, constitui uma etapa fundamental da estratégia argumentativa de Morgenthau para redireccionar os holofotes epistémicos das RI para uma componente essencial da esfera internacional. Essa componente diz respeito não à «política entre nações», mas sim ao tipo específico de direito possível entre nações.

A teorização do direito internacional, a par com a moral e a ética, desempenha um papel fundamental na injunção da ideia de anarquia na estética internacionalista de Morgenthau – precisamente, aquela que pinta as implicações, os riscos e as ameaças inerentes à ausência de um Estado Mundial. Só a partir dele podemos compreender o poder ordenador de um direito cuja validade reside precisamente no seu carácter não soberano, não positivo e funcional. Este artigo responde pois à questão do que fazer da idiossincrasia da tradição realista que Morgenthau resume magistralmente com a aparição do Estado Mundial como tema central do Politics among Nations. O que podemos afinal retirar desta manobra ilusória numa tradição que se auto-intitula realista precisamente porque procura desfazer-se de todas as ilusões e utopias?

Desde logo, este artigo aborda este tema no contexto de uma das fontes intelectuais, quiçá a mais transbordante, do rótulo «realista». Como veremos, este surge inicialmente não apenas por oposição ao idealismo liberal, mas pela urgência intelectual de trazer quer a filosofia política, quer a sociologia histórica para a análise teórica – e mesmo para uma pragmática – do direito internacional, dominado ao tempo por um positivismo rigidamente legalista e assim inconsequente face aos desafios da guerra e da paz6. O corolário do argumento aqui desenhado é o de que o imperativo filosófico de uma teoria social – traduzida na atenção aos factos sociais concretos da esfera internacional que, segundo ele, permanecem em tensão com o direito internacional positivado nos tratados – não redunda nunca num imperativo científico ou moral de abandono da normatividade jurídica internacionalista. Pelo contrário, este imperativo é ele próprio construtivo de uma concepção normativa do direito internacional e da ordem política global.

O presente artigo mostra como esta concepção «realista» do direito internacional deve ser lida em paralelo com a alteração de fundo que John Locke opera sobre o contratualismo de Thomas Hobbes, onde o estado de natureza é caracterizado por uma normatividade imanente que é prévia à instituição do Estado soberano e assim do direito positivo. À luz desta revolução ontológico-política, o direito internacional readquire um papel essencial na resolução de conflitos: este não tem que ser nem codificado, nem positivo, nem soberano, para alcançar a paz e a ordem. É esta filosofia «funcionalista» que abre caminho à revitalização «realista» do direito internacional segundo uma abordagem procedimental e pragmática, altamente investida na promoção das condições essenciais da ordem internacional: a comunidade de interesses e a balança de poder7.

Não se trata pois aqui de revisitar o realismo de entre guerras para compreender melhor a história da disciplina, o que nos remeteria para um exercício de história intelectual altamente museológico. Igualmente inútil para uma reflexão crítica capaz de enriquecer o imaginário conceptual e normativo das RI, seria uma aproximação a-histórica à obra de Morgenthau assente no pressuposto de que poderíamos antecipar o que ele teria a dizer sobre os tempos que vivemos, e em particular sobre a gestão errática do regime de não proliferação nuclear da actual Administração.

Nenhuma destas abordagens faria justiça ao seu legado. Resta-nos portanto a reprodução, controlada mas imaginativa, de uma grelha conceptual e analítica que, acautelado o contexto, podemos ainda assim reciclar, e reclamar como «realista». Não para caracterizar um «problema actual», mas como lembrança de que, pelo menos nas relações internacionais, a actualidade não é nunca sem lastro histórico. Ao tempo em que Morgenthau escrevia, a teoria do direito internacional atravessava um debate metodológico que é não apenas revelador da formação intelectual de Morgenthau, como permite mostrar, com a devida reserva contextual, que o seu realismo político se traduz numa concepção funcionalista do direito internacional, uma relação que só é possível, na visão deste artigo, à luz da base ontológico-política lockeana que Morgenthau adopta, e que foi tão fundamental para o pensamento federalista dos pais fundadores da América.

 

COMUNIDADE PRIMEIRO, ESTADO DEPOIS

Comecemos por seguir a coordenada que o próprio Morgenthau sugere de recuo metafísico para a «fundação» do conhecimento que é, segundo o próprio, um requisito metodológico de qualquer teoria, mas que o positivismo teima em não reconhecer. Como observara Morgenthau num artigo de 1940, simbolicamente intitulado «Positivism, Functionalism, and international law»: «o conceito positivista da esfera normativa revela ele próprio uma atitude metafísica, um tipo de metafísica negativa que contradiz plenamente as próprias assunções de uma ciência positiva»8. Não admitir os postulados metafísicos da abordagem não-cognitivista torna-a susceptível a infiltrações ideológicas que se albergam na sua aura militante de neutralidade. Importa por isso mesmo explorar um pressuposto metateórico que é, no entender deste artigo, a base normativa da abordagem teórica de Morgenthau ao Estado Mundial, e que contribui de forma decisiva para a sua filosofia do direito internacional. Afinal, se cabe ao Estado actuar na defesa do interesse nacional9, qual é o fundamento ontológico do Estado? Uma multidão anónima de indivíduos atomizados? Ou uma comunidade que já os socializou e na medida em que antecede o Estado pode limitar e fiscalizar a sua acção?

Morgenthau inicia o célebre capítulo intitulado «Estado Mundial» com a primeira opção ontológica, mas acaba a escolher a segunda. Esta tensão no seio da filosofia política de Morgenthau é reveladora do papel que o próprio quer reconhecer ao direito internacional na constituição de uma comunidade mundial – precisamente os dois temas que se seguem na estrutura do livro. A questão, pela primeira vez levantada num artigo antigo10, releva de facto para a teoria das relações internacionais de Morgenthau e para a sua abordagem ao tema do Estado Mundial. O próprio afirma naquele capítulo o corolário da lógica contratualista de Hobbes, segundo a qual

«as sociedades nacionais aparentavam-se à cena internacional e a guerra “de todos os homens contra todos os homens” tornar-se-ia a condição universal da humanidade. Desta premissa era logicamente inevitável concluir que a paz e a ordem entre as nações só estariam asseguradas dentro de um Estado Mundial que compreenda todas as nações da terra.»11

Morgenthau acrescenta que, seguindo este raciocínio, «o que seria pois necessário é uma transformação radical da actual sociedade internacional de nações para uma comunidade supranacional de indivíduos»12. Contudo, como este artigo demonstra, Morgenthau será obrigado a abandonar esta ontologia individualista de Hobbes para poder, como o próprio anuncia, estudar «a maneira segundo a qual um Estado Mundial poderia ser criado»13. O que está em causa pois é saber se um Estado Mundial pode nascer sem uma comunidade que o anteceda, ou seja, emergindo de uma transferência directa (dos direitos naturais) de indivíduos – a quem o medo de morte força ao contrato14 – para um Leviatã global. Coloquemos pois a temática à luz da história do contratualismo, pois só essa panorâmica nos permitirá analisar a questão do Estado Mundial no contexto próprio não apenas da teoria das RI de Morgenthau, mas também da sua mais negligenciada teoria do direito internacional. É precisamente nesta última que o cânone realista que Morgenthau reclama encontra a sua fundação teórica.

De facto, o paradoxo que caracteriza este capítulo de Politics among Nations poderia ser, mal comparado, apontado ao filósofo inglês John Locke, a quem Morgenthau nunca recorre directamente mas em cujos escritos o estado de natureza não apresenta as mesmas características beligerantes que em Hobbes. Recordemos que para este último, a insegurança latente ao estado de natureza – o risco de morte enquanto indutor do «medo de morte»15 – é a razão de fundo para a contratualização de uma autoridade soberana, com o poder de coagir os indivíduos «naturais», e de os fazer conformar com a única lei positiva capaz de os preservar em condições de co-existência. Neste particular, Morgenthau está aparentemente alinhado com Hobbes: sem Estado não há paz duradoura porque o instinto de autopreservação dos indivíduos destrói qualquer possibilidade de ordem. A ordem possível é portanto aquela que serve precisamente esse propósito: o da segurança individual.

Mas o que fazer do estado de natureza que a antecede? No caso de Hobbes, o contrato social institui um Estado soberano cuja lei é a única moral possível capaz de vingar num mundo dominado por uma natureza que deu tudo a todos (natura dedit omina omnibus) e onde o «direito a usar algo» e o próprio «uso» são «a mesma coisa»16. A lei positiva do soberano absorve assim, pelo contrato, o direito natural de átomos humanos que de outra forma seriam reenviados ao seu estado bruto de Homo homini lupus, onde «não há poder comum e por isso não há lei»17. Sublinhe-se que o Estado serve a sobrevivência daqueles que, confrontados com a morte às mãos de outros, consentem que o Estado exerça autoridade sobre eles, na condição de que esta se exerça também sobre todos.

Como realista, Morgenthau reafirma esta vocação securitária do Estado de que Hobbes fora o pioneiro e que marca indelevelmente a tradição realista, o pensamento liberal, e toda a ciência política moderna. Contudo, as gerações que se seguiram a Hobbes alargaram o leque de supostos direitos naturais que o Estado pós-contratual deveria proteger, a começar desde logo pelo direito à propriedade. Para Locke existem já no estado pré-civil certos direitos naturais que devem ser positivados na lei aquando da instituição da ordem jurídica soberana. A razão óbvia para o serem é que não só não constituem uma ameaça para outros indivíduos no estado de natureza, como contribuem, isso sim, para assegurar a sua sobrevivência em condições de civilidade. O papel segurador do Estado é reforçado, e o objecto dessa securitização ampliado. Mas o facto de, entre Hobbes e Locke, existir uma discordância fundamental sobre que direitos naturais assegurar através da lei positiva que emana do contrato social, leva a que ambos adoptem modelos de base muito distintos, pelo menos no que à configuração teórica do estado de natureza diz respeito. E é neste ponto que Morgenthau parece optar por Locke, de uma forma que é particularmente reveladora do seu tipo específico de realismo. Visto que Morgenthau cita Hobbes e não Locke, importa retomar aqui a ideia de fundo deste último para percebermos de que forma Morgenthau partilha com este a preocupação fundamental que tanto marcou a Inglaterra do século xvii e que é a da limitação constitucional do poder soberano. Afinal as relações internacionais reenviam-nos para que estado de natureza?

Para Locke, o estado de natureza é de facto caracterizado pela liberdade individual, mas, ao contrário de Hobbes que a entende famosamente como «ausência de impedimentos externos»18, Locke afirma que a liberdade natural «não é um estado de licença» e «o estado de natureza tem uma lei da natureza para o governar, que a todos obriga»19. Esta lei natural é, segundo Locke, «a lei da razão, aquela lei que ensina toda a humanidade (…) que não devemos ofender o outro na sua vida, saúde ou propriedade»20. A razão individual é segundo este filósofo inglês uma razão vocacionada para os outros e Locke revela aqui a sua grande divergência com Hobbes: os indivíduos naturais coabitam numa «comunidade de natureza» onde existem já mecanismos de pena e castigo que são legítimos na medida em que servem a justiça que é a da proteção de outrém. Este poder ordenador do direito natural não é derivado de uma autoridade superior, mas sim da própria «naturalidade» da comunidade (de interesses). Para Locke, o estado de natureza não é sem direito ou ordem e apesar de não existir um árbitro último, cada agente pode reclamar um poder retributivo ou sancionatório «proporcional à transgressão». Locke sublinha ainda que «a execução da lei da natureza, naquele estado (natural), é colocada nas mãos de cada homem» e da sua «razão calma» que respeita ao seu sentido de «equidade» pelos outros membros da «comunidade natural»21.

Locke acrescenta que os indivíduos não vivem, no estado de natureza, num estado de guerra, ou de predisposição permanente para tal, como teorizara Hobbes. A opção metodológica de Locke surge antes como um conservadorismo, por contraste com o radicalismo de Hobbes: os direitos naturais são uma linguagem que permite articular uma justificação moral sobre quais os elementos do estado de natureza que devem ser preservados. A lei positiva é pois uma extensão do direito natural, não uma cesura com este. Este ponto é muito semelhante à ontologia política de Morgenthau porque significa que o estado civil não opera um corte existencial com o estado de natureza, e não serve portanto o propósito anestesiante da bestialidade humana que Hobbes promove através da equiparação hiperbólica do soberano a um «deus mortal» que faz da multidão um povo. Em Hobbes, é o Estado que cria o povo a partir de uma multitude of men22. Em Locke, pelo contrário, há uma dimensão híbrida normativa que medeia entre selvagens detentores de direitos subjectivos e o momento em que esses direitos são objectivados num estado civil ou Commonwealth. Como refere Lee Ward, num refrescante resumo da dimensão internacional do pensamento de Locke,

«No curso normal dos eventos, governo civil e sociedade são praticamente inseparáveis. Como comunidades independentes interagem com outras internacionalmente e governam-se a si próprias por leis gerais internamente, a grande parte representa o todo numa aparente rede de conexões consensuais. A dissolução do estado por conquista ou revolução expõe a distinção fundamental entre dois modos de existência inter-relacionados mas separados. As sociedades reconstituem os estados. A implicação para as relações internacionais é que não é apenas o estabelecimento de um poder legislativo comum que separa uma comunidade independente de todas as outras no estado de natureza internacional. Pelo contrário, o compromisso prévio com a união social, para formar uma “sociedade”, reflecte a realidade social e moral que preexiste e sobrevive claramente à dissolução de qualquer estado que um povo possa criar. Para Locke, a sociedade é onde o povo existe.»23

Morgenthau não despreza esta dimensão híbrida, poderíamos dizer quase sociológica, do pensamento lockeano: a de uma comunidade moral pré-estatal. Claro que mesmo Hobbes tem presente que o Estado soberano não nasce da tábula rasa do estado de natureza e que a sua proposta teórica não tem correspondência histórica. Mas Morgenthau opta claramente pelo modelo teórico de Locke porque permite acomodar a experiência histórica não apenas numa teoria da soberania, mas também numa filosofia do direito positivo, apesar dos conteúdos idealizados que também encontramos nos Treatises. Resta saber porquê.

Ao contrário de Hobbes, todo o peso teórico do modelo lockeano recai sobre a comunidade que institui o Estado, e não sobre o Estado como agente fundador da comunidade. Ainda que em ambos os clássicos a prioridade ontológica seja dada aos indivíduos «naturais», Locke abandona o princípio da «insociabilidade» humana no estado de natureza, o que lhe permite conceber o Estado soberano menos como emanando de um contrato entre indivíduos que se ameaçam mutuamente, e mais enquanto um «pacto» que opera no seio de uma comunidade preexistente e já comunicante. Ao contrário de Hobbes, onde a suprema lex se afirma transcendente e assertiva contra um ius violento e imanente, em Locke a lei positiva do Estado emana da natureza que é já de si sociável. A positividade do Estado deve limitar-se a dar continuidade a direitos que já existem por direito natural – ainda que não por lei. De resto, é só do ponto de vista dos direitos individuais que já obtêm no contexto de uma moral comunitária que se justifica instaurar uma autoridade: o direito positivo não existe em Locke apenas para assegurar a sobrevivência de uns contra outros, mas para garantir, para além disso, que o próprio Estado não viola direitos que já estavam adquiridos por natureza.

Ora, é precisamente neste sentido que Morgenthau pensa o interesse nacional: este deve ser concebido em termos de poder na medida em que ao Estado cabe o poder de assegurar os interesses da comunidade da qual emana historicamente – mas que também limita o poder do Estado24. Dizer que o interesse nacional é definido em termos de poder equivale por isso a dizer que o poder também é limitado por esse interesse – e não deve ir além dele. Como não há povo mundial não existe comunhão de interesses a essa escala, mas a inexistência de um Estado Mundial e de uma constituição que o limita não quer dizer que não há direito internacional ou que este é totalmente inoperante – uma conclusão que poderíamos derivar do paradigma hobbesiano. É nesta medida que Daniel Deudney, naquela que é provavelmente a melhor recuperação do tema do Estado Mundial da actualidade, coloca Morgenthau na esteira do republicanismo inglês ao qual Hobbes ripostara com o seu Leviatã:

«Esta soberania popular deve ser entendida não como governo da maioria mas pelo contrário segundo a ideia que todo o governo legítimo é constituído por delegações de autoridade do povo como um todo. A ênfase em limitações mútuas e soberania pública geral significa que as repúblicas implicam, nalgum grau, relações simetricamente recíprocas de restrição de todos os membros de uma associação política legítima. (…) Os teóricos republicanos insistem que há uma diferença estrutural fundamental entre ordens políticas republicanas e ordens políticas hierárquicas. A autoridade em comunidades políticas hierárquicas flui de cima para baixo a partir de um centro unificado, enquanto em repúblicas a autoridade é constituída pela delegação da legitimidade governativa, de sentido ascendente, do povo como um todo.»25

Para Morgenthau, o Estado servirá o interesse da comunidade política sobre a qual exerce a sua autoridade, ou seja, o Estado é um meio. A comunidade moral é pré-estatal e por isso mesmo a realidade social não é indiferente à formação do Estado. Esta não pode por isso ser descartada quando estudamos e praticamos o direito – precisamente o passo em falso que Morgenthau acusa no positivismo jurídico, e que, segundo ele, concebe ainda o direito internacional por analogia com os sistemas legais nacionais, onde é contingente «a correspondência entre conceitos legais e contexto sociológico» e onde pode ser negligenciada ou até justificada a «assunção de auto-suficiência da lei escrita»26. Indo ao encontro de Locke, o realismo de Morgenthau é menos estatocêntrico do que pareceria à primeira vista porque opta claramente por uma concepção lockeana da relação entre comunidade e Estado: ao mesmo tempo que o Estado é o último garante da paz interna, a sua capacidade para exercer esse papel através de um monopólio da violência que assegure o rule of law depende de uma certa harmonia cultural, identitária e moral prévia que garantam a sua legitimação. Se, por um lado, Morgenthau segue Hobbes na ideia de que sem Estado não há paz, apontando no sentido da necessidade ontológico-política da coerção e intervenção estatal para resolver conflitos que são inerentes à natureza humana, por outro lado a reflexão de Morgenthau sobre o Estado Mundial desagua na conclusão de que a comunidade precede o Estado ontologicamente, e que existem formas de co-existência pacífica entre indivíduos antes da positivação securitária da ordem jurídica soberana.

Como veremos, é a própria ambivalência em que Morgenthau navega que o predispõe para o híbrido político-ontológico de Locke, tão caro ao pensamento federalista americano mas a que Morgenthau acede pelas portas travessas da filosofia do direito alemã. É o primado até aqui revisitado da comunidade moral sobre o Estado e o direito que torna imperativo aportar à «ciência do direito internacional», por um lado, uma carga sociológica traduzida num funcionalismo, e, por outro lado, um realismo político que permite aproximar as suas categorias conceptuais à «realidade das normas» internacionais27. É sobre estas duas componentes que as próximas partes se debruçam para concluir que o momento fundador que Morgenthau reclama na tradição realista é mais frutífero naquela frente onde se esperava ser mais anódino, precisamente a do direito internacional como instrumento da construção de um Estado Mundial.

 

FUNCIONALISMO E ESTADO MUNDIAL

Retomemos o ponto principal da parte anterior. Na esteira da concepção lockeana do contrato social, e mesmo não elidindo algumas recaídas hobbesianas, Morgenthau afirma sobremaneira que a autoridade política depende, para cumprir o objectivo de assegurar a paz, da existência de uma comunidade moral prévia. A essa comunidade é portanto dada prioridade ontológica face ao Estado, como é também dada primazia à ética social sobre o direito positivo. É neste ponto que Morgenthau – como Reinhold Niebuhr já o tinha feito antes dele28 – se demarca daquele que é normalmente apontado como um teórico basilar da tradição realista, Thomas Hobbes, para quem a comunidade política e moral se instaura pela mão do (direito) soberano. A questão está pois em saber como é que para Morgenthau a comunidade constitui o Estado, por um lado, e como é que a primeira se auto constitui enquanto um todo coerente regido por mores e por uma ética comum que antecedem o direito positivo, por outro.

A resposta de Morgenthau não é clara mas aponta pelo menos um caminho: o de que nunca poderemos entender esta questão através de uma concepção positivista do direito em que este é visto como a lei que só o monopólio de violência legítima do Estado pode asseverar. Pelo contrário, é a tradução desse monopólio em suprema lex – ou seja, a constituição de um «monopólio da violência legítima» à la Weber29 – que tem que pressupor já uma comunidade legitimadora, e nessa medida um «direito» dessa comunidade para dar o seu assentimento ao soberano. Este consentimento não opera através de um contrato de indivíduos isolados que passam a estar socialmente e moralmente vinculados pela mão de uma positividade coerciva que o soberano inaugura por estar a ela obrigado. Ao contrário de Hobbes, Morgenthau não acha que cabe ao Estado criar a comunidade, nem a moral, nem o direito. Ora, se estes antecedem o Estado, então Morgenthau não é o hobbesiano que pensa ser. Pelo contrário, como conclui o capítulo sobre o Estado Mundial – bem como o capítulo seguinte dedicado à comunidade mundial – «Uma comunidade mundial deve anteceder um Estado Mundial»30.

Morgenthau reforça esta ideia por analogia com o desenvolvimento histórico dos próprios Estados Unidos que «foram fundados sobre uma comunidade moral e política que a Constituição não criou mas encontrou já em existência»31. Assim, conclui Morgenthau, «a comunidade do povo americano antecedeu o Estado americano» e Morgenthau generaliza esta regra para todas as autoridades políticas que tenham sido, ou venham a ser, construídas32. Como vimos, esta concepção republicana de soberania popular e governo limitado aponta no sentido de uma triangulação entre comunidade, Estado e direito, em que este último não surge a jusante dos primeiros: como o direito não passa de uma institucionalização em sede própria de uma moral que já opera socialmente no contexto de uma comunidade – donde o enfoque de Morgenthau na natureza costumeira do direito (internacional) – é erróneo conceber o direito como ponta final do processo constituinte do Estado, ou de forma ainda mais redutora, como mero meio de que o soberano é o detentor exclusivo e último. Ora é precisamente pelo direito, isto é, seguindo os trilhos da filosofia jurídica de Morgenthau, que podemos compreender melhor a fundação republicana do seu pensamento, que deriva de uma longa tradição teórica alemã – e que Morgenthau traz para o coração da sua analogia entre a fundação de um Estado Mundial e a fundação dos Estados Unidos.

De facto, quer a ideia de uma comunidade natural quer mesmo a noção de uma moralidade natural pré-estatais eram um tema central do grande jurista alemão Georg Jellinek, cuja noção de governo autolimitado (Selbstverpflichtungslehre) tinha sido por ele trazida para o centro do debate académico décadas antes. Numa detalhada revisitação do pensamento jurídico de Morgenthau, Oliver Jutersönke lembra-nos como esta ideia é fruto de um paralelo com «a submissão do sujeito kantiano à lei moral (Sittengesetz)» onde «o Estado se submete à lei que ele próprio cria – dito de outra forma, o Estado só se realiza completamente por meio da sua vinculação legal às leis que impõe a si próprio»33. Como observa Jutersönke, numa passagem que é fundamental para compreender o contexto intelectual em que Morgenthau escreve, Jellinek concebera

«o direito doméstico e internacional como dois sistemas normativos separados que estão em relação mútua de coordenação e não de subordinação. Por outras palavras, foi capaz de caracterizar as relações intra-estatais como sendo ora uma luta pelo poder ora a administração de um sistema legal. Através daquilo a que chamava “o poder normativo do factual” (die normative Kraft des Faktischen), Jellinek argumentava que todas as ordens legais são baseadas na validade prática (praktische Geltung) de normas legais que recebem a sua força vinculativa da vontade do sujeito legal, psicologicamente concebida.»34

É partindo desta formalização teórica da precedência ontológica de uma comunidade natural, dita «factual», sobre o Estado, que Morgenthau pode chamar «realista» àquela que é, no fundo, como veremos a seguir, uma concepção pluralista e funcionalista do direito internacional, e que foi a base quer da sua tese de doutoramento, quer do seu livro simbolicamente intitulado La réalité des normes35. Com Jellinek como pano de fundo, Kelsen e Schmitt irão extremar o mapa filosófico estabelecido por aquele gigante da filosofia alemã do direito, apostando, respectivamente, ou no direito como ciência das normas, ou na factualidade específica de uma normatividade naturalmente «excepcional». Neste contexto, como é que Morgenthau concebe então o direito?

Precisamente como uma função desse processo sociopolítico que desemboca na constituição do Estado, ou seja, uma operação levada a cabo por actores sociais cuja sociabilidade é ora o produto de uma comunhão orgânica de interesses, ora de uma balança de poder. É por isso que, para ele, a formação do Estado soberano e da paz social de que este é quer o principal protagonista, quer também o produto último, só pode ser concebida a partir de um direito entendido de forma «funcionalista». Morgenthau segue neste capítulo as palavras de David Mitrany – a que o realismo de Carr já tinha aderido36 – e cuja rejeição funcionalista de um Estado Mundial imposto a partir de um direito positivo, é transposta à letra:

«se o mal do conflito e da guerra nascem a partir da divisão do mundo em várias unidades políticas desligadas e competitivas, será esse mal exorcizável simplesmente através da mudança ou da redução das linhas de divisão? (…) Só há duas formas de alcançar esse fim. Uma seria através de um Estado Mundial que aniquilaria à força as divisões políticas; a outra (…) iria sobrepor a essas divisões políticas uma rede alargada de actividades e agências internacionais, nas quais e através das quais os interesses e a vida de todas as nações seriam gradualmente integrados. Essa é a mudança fundamental para a qual qualquer sistema internacional deve aspirar e contribuir: tornar o governo internacional co-extensivo com actividades internacionais (…) Deve preocupar-se o mais possível com necessidades comuns que são evidentes, enquanto pressupõe o mínimo possível sobre a unidade social que para já é apenas latente e irreconhecível.»37

Mitrany conclui este raciocínio com a oposição, tão central a todo o argumento de Politics among Nations, entre positividade e organicidade no que à constituição da ordem internacional diz respeito, e que corresponde precisamente à visão realista-funcionalista que Morgenthau adopta do direito:

«A comunidade tornar-se-á um corpo vivo não através de acto de fé escrito mas através de um desenvolvimento orgânico activo. (…) Essa tendência consiste em organizar o governo em torno de fins e necessidades específicos, e de acordo com a condição do seu tempo e espaço, em lugar da organização tradicional baseada numa divisão constitucional que determina as jurisdições de direitos e poderes. (…) A abordagem funcional (…) ajudaria ao crescimento de um trabalho positivo e construtivo, de hábitos e interesses comuns, tornando as linhas de fronteira insignificantes, ao lhes sobrepor um crescimento natural de actividades comuns e agências administrativas comuns.»38

A insistência de Mitrany no adjectivo «comum» parece de facto estar em tensão com a ideia célebre de Morgenthau de interesse nacional «definido em termos de poder»39. Mas ambos os teóricos parecem acreditar que quer os interesses dos actores internacionais, quer o seu poder para fazer valer esses interesses, podem ser comunitarizados – desde que não o sejam de forma coerciva, inorgânica, por decreto. É na fórmula de comunitarização que reside então a atenção aos interesses e poderes dos estados e é lá também que o direito tem um papel na mediação e produção desses interesses, e na aculturação dos actores a uma moral instituída numa lei que não é imposta do topo para a base, mas emerge naturalmente da interação espontânea dos actores sociais, e dos regimes informais e dinâmicos de normas a que essa interacção está sujeita. Neste particular, Morgenthau está nos antípodas de realistas mais recentes que reivindicam o seu legado para sustentar a suposta irredutibilidade do interesse nacional, não fosse este, para Morgenthau, uma construção social passível de transformação via cooperação. O acrescento propriamente «realista» de Morgenthau a este funcionalismo reside apenas na sua insistência de que essa cooperação deve ser voluntária, até voluntariosa, e não imposta a partir de fora pelo fiat de uma tratadística que negligencia o princípio da bona fide, isto é, de um franco reconhecimento dos interesses das partes e de um cálculo, sempre precário e falível, das necessidades atendíveis das comunidades originais. O primado comunitário que a expressão «comunidade de interesses» indicia, sugere que a raiz social do interesse nacional admite que os estados possam ter em conta ganhos absolutos nas relações internacionais e que a lógica anárquica da ordem internacional não esteja condenada ao ciclo vicioso de ganhos relativos40. Morgenthau conclui por isso que

«este é de facto o modo através do qual as comunidades crescem, e os governos crescem a partir de dentro dessas comunidades (…) De acordo com o Professor Mitrany, uma comunidade internacional tem de crescer da satisfação de necessidades comuns partilhadas pelos membros de diferentes nações. As agências especializadas das Nações Unidas, servindo povos por todo o mundo apesar das fronteiras nacionais, podem criar, pelo mero facto da sua existência e performance, uma comunidade de interesses, valores, e acções. Em último caso, se estas agências internacionais fossem numerosas o suficiente para servir as vontades mais importantes da maioria dos povos da terra, as lealdades para com estas instituições e para com a comunidade internacional superariam as lealdades às sociedades nacionais e suas instituições»41.

Esta descrição aponta para uma concepção de ordem internacional que já podemos encontrar em Locke. Como refere Ward, «para Locke as normas deduzidas das leis da natureza governam o estado de natureza internacional mesmo quando sociedades independentes permanecem os primeiros executores do direito natural na sociedade internacional»42. Nesta linha, Politics among Nations explica-nos, afinal, que a força do direito internacional reside no modo como certas formas orgânicas de regulamentação e ordenação podem até institucionalizar autoridades jurídico-políticas supra-estatais como é o caso da integração europeia. Aqui, as agências mobilizadoras deste tipo de direito

«começam da base e não do topo. Tentam criar uma unidade funcional numa esfera de actuação limitada, na esperança de que a operação dessa unidade dentro dessa esfera limitada possa levar, primeiro, a uma comunidade de interesses dentro dessa esfera particular, e que esse exemplo se expanda depois para campos funcionais»43,

no que viria a ser designado pelos funcionalistas como spillover effect.

Morgenthau conclui que «quando todas as organizações funcionais tenham sido estabelecidas como preocupações correntes, a soberania terá sido transferida de facto para um governo europeu comum de passos graduais»44. O exemplo da integração europeia mostra como a contiguidade ontológica e implicação lógica entre comunidade «natural» e Estado soberano não determina que o direito apenas seja operante após a instituição daquele. O direito internacional é já direito, válido e vinculativo, muito antes de um «omni-Estado» mundial romper com a tragicidade própria das relações internacionais45. E é por isso que podemos acreditar, com a cautela própria de um Morgenthau, no imperativo moral da constituição, não de um Estado Mundial pela mão de um direito positivo – esdrúxulo porque originário de um complexo jurídico-institucional inorgânico como o da Sociedade das Nações – mas nos esforços pragmáticos da construção piecemeal, com obstáculos e retrocessos, de uma comunidade mundial capaz de criar as condições de um Estado Mundial.

Scheuerman sublinha neste contexto a forma como o funcionalismo qualifica o realismo de Morgenthau e justifica a sua adjectivação como «progressista» recorrendo às palavras de E. H. Carr, também ele um realista adepto do funcionalismo de Mitrany:

«A organização funcional contribuiu para a criação de uma ordem social e económica pós-nacional que por si pode sustentar uma organização política estável para lá do Estado-nação. Ao mesmo tempo, pode supervisionar tendências centralizadoras potencialmente perigosas, inclusivamente os efeitos laterais patológicos de um mundo dividido pela competição de blocos de poder regionais. Um planeta dividido em blocos multinacionais rivais pode simplesmente servir como terreno fértil para “um novo imperialismo que seria basicamente o velho nacionalismo reescalonado e abriria quase de certeza caminho para guerras mais titânicas e devastadoras”. Porque as organizações funcionais podem potencialmente transcender as fronteiras de blocos regionais emergentes, contribuem para a criação do tecido social entre eles, e podem ajudar a cimentar as fundações de uma união mundial eventual.»46

A transposição a que Morgenthau recorre da organicidade social e moral da política para a escala mundial parece minar o projecto da «autonomia do político» a que normalmente associaríamos o realismo. Mas Morgenthau não fora o único realista a tratar o tema do Estado Mundial. Frederick Schuman e John Herz também haviam aderido a esta agenda47 . Contudo, a originalidade de Morgenthau reside precisamente na opção metodológica pela visão gradualista e incrementalista, cujos laivos lockeanos Scheuerman não detecta no seu Realist Case for Global Reform48.

Do ponto de vista do funcionalismo, o positivismo está assim altamente limitado por querer explicar quer a paz, quer o Estado, quer a própria comunidade que é sujeita à normatividade jurídica, a partir de dentro do sistema legal. Segundo Morgenthau, esta teoria não é inteiramente desavinda no que ao direito doméstico diz respeito, pois que as conclusões a que chega estão já contidas nos seus próprios pressupostos «ideológicos»49. A ideia de que uma norma jurídica só é válida na medida em que é consagrada pelo direito positivo é precisamente o sonho normativo de uma parte importante da primeira modernidade. Morgenthau julga esta concepção redundante porque se limita a confirmar as suas próprias assunções ontológicas ao arrogar-se um salto, que o próprio caracteriza de ideológico, de um «dever ser» – o ideal político de uma comunidade política obediente ao direito soberano – para um «ser» – o da existência desse direito só dentro do Estado, e a conclusão óbvia de que só aí este poderá reivindicar validade jurídica.

Para Morgenthau, é pois revertendo esta concepção positivista que a prática jurídica intra-estatal reificou e banalizou – tomando a codificação do direito como prova final da sua validade e «realidade» –, que podemos entender o direito como um processo social que não apenas rege, a partir de fora da sociedade civil, o conflito e a cooperação entre «forças sociais»50 antagónicas, mas é ele próprio legitimado enquanto força normativa imanente a essa sociedade e, nessa medida, constitutivo daquelas que são as condições sine qua non de qualquer ordem político-jurídica, incluindo a internacional, a saber: a comunidade de interesses e a balança de poder51. Aqui reside o método de Morgenthau para o estudo do direito internacional, que podemos designar por realista-funcionalista. Para ele, «a jurisprudência “realista” é pois uma jurisprudência “funcionalista”»52. É na base deste enunciado que a última parte deste artigo resume a teoria do direito de Morgenthau.

 

REALISMO E DIREITO INTERNACIONAL

Não sendo o objecto deste artigo escalpelizar a filosofia do direito que Morgenthau houvera pela primeira vez exposto na sua tese de doutoramento, importa apesar de tudo dedicar-lhe alguns parágrafos para percebermos a forma como o Estado Mundial constitui uma lente essencial para entender o realismo de Morgenthau como «progressista», isto é, como «um compromisso metodológico para integrar o estudo do direito internacional numa teoria geral das relações internacionais» que pode inclusive reclamar fins reformistas53.

Arguida em 1929, a tese de Morgenthau confrontou uma das questões mais centrais do direito internacional e que estava no coração quer do conflito internacional – e da tentativa da Sociedade das Nações para lhe pôr fim –, quer do próprio debate intelectual nos quais muitos positivistas de renome, incluindo o seu orientador, eram protagonistas mores: a de saber até que ponto os estados estavam dispostos a submeter disputas com outros estados à arbitragem internacional54. O interesse desta questão era óbvio à luz de um quadro histórico marcado pela recusa de muitos estados em se submeterem a tais procedimentos por considerarem precisamente que os seus «interesses nacionais» não seriam atendíveis ou sindicáveis nesse contexto. Mas existe, a par com esta saliência contextual da escolha temática do jovem Morgenthau, uma dimensão teórica que remete precisamente para os fundamentos filosóficos do Estado Mundial acima explanados, e na qual nos devemos concentrar para compreender mais a fundo a forma como aquele tema está no coração de uma teoria realista do direito internacional.

Já vimos que, para Morgenthau, os estados – sobretudo os democráticos – não emanavam a sua concepção de «interesse» de uma comunidade alargada ao globo, mas sim da nação como comunidade em que uma moral consensual e um direito imanente a essa moral redundam na consagração de uma autoridade soberana capaz de resolver disputas sociais de todo o tipo. A nível doméstico, a autoridade judicial do Estado é superior aos poderes que balanceia e transcende os conflitos de interesse. Por contraposição, as relações internacionais caracterizam-se pela afirmação do «interesse nacional entendido em termos de poder»55. Ou seja, os interesses sociais que formaria uma suposta comunidade mais alargada do que a nacional não são para já estendíveis a toda a humanidade, e portanto não a mobilizam nem moralmente nem politicamente. Mas apesar dessa ausência de comunidade de interesses – que como vimos já tinha extravasado as fronteiras nacionais nalguns casos –, a insistência de Morgenthau na formulação do «interesse nacional» e do poder estatal é muito mais reveladora do que pareceria à partida. Em Politics among Nations, a balança de poder e a comunidade de interesses são avançados como base sociológica e ética da possibilidade de uma comunidade mundial – na verdade, de qualquer comunidade – que, por sua vez, é o pré-requisito do florescimento de um Estado central.

Ora, já na sua tese, Morgenthau havia referido que os estados não concebiam o direito internacional – e em particular os mecanismos de arbitragem interestatal – como neutros e soberanos face aos interesses em jogo. Portanto, a questão da viabilidade de um Estado Mundial remete imediatamente para quem de direito poderia consentir à sua autoridade. Dada a inexistência de uma comunidade mundial, sobram apenas aqueles ingredientes mínimos que estão na base de qualquer sociedade humana. Como Hannah Arendt lembrara, o conceito de interesse, quiçá desvirtuado por algum liberalismo, remete etimologicamente para um «estar entre» (inter-esse)56 em que a emergência de uma necessidade, de um valor ou de uma vantagem corresponde a um processo de reconhecimento social e só existe em função dessa interacção. É este postulado que Wendt procura revigorar sob as vestes de um construtivismo em que a lógica do reconhecimento se sobrepõe à lógica da anarquia', interpretada nos termos hobbesianos que a primeira parte desta artigo revisitou, mas cuja a associação ao realismo é aqui posta em causa57. À escala internacional, portanto, a necessidade de os mecanismos jurídicos e institucionais de todo o tipo verem reconhecidos os interesses das partes é precisamente o que permite a formação de uma comunidade, na visão de Morgenthau. A sua tese doutoral concentrara-se precisamente na forma como os estados não delegavam em autoridades supra-estatais – como os tribunais internacionais – o poder de determinar o interesse nacional, e assim justificavam a sua recusa em aceder a estes mecanismos como uma questão de «interesse nacional», não sindicável por qualquer outra autoridade senão aquela que deriva da comunidade de interessados, a nação.

Como afirma Marti Koskenniemi, o facto de os estados se respaldarem no «interesse nacional» para não se submeterem a mecanismos de resolução de conflitos na justiça internacional, confirmava o argumento de Schmitt quanto à falta de substância do «político»58. Morgenthau lembraria com desgosto o facto de Schmitt nunca ter reconhecido o seu contributo para a definição do político como um camaleão conceptual que apenas traz «intensidade» à realidade que descreve, independentemente dessa realidade ser económica, moral, cultural – ou até legal. Se para Schmitt esta carga psicológica estava associada a um efeito teológico-messiânico que culminava na identificação de um inimigo existencial cuja morte valia todos os sacrifícios, para Morgenthau podia ser estudada a partir das circunstâncias sociológicas e das crenças morais que alimentam e legitimam o poder de uma determinada comunidade face a outra. De qualquer forma, para ambos, o «político» não era explicável à luz das categorias tradicionais do direito, precisamente porque na sua função adjectivante de intensificador de uma dada realidade, o «político» se imiscui na realidade social para a capturar e manipular no sentido de servir um propósito de poder e, em último caso, de guerra59. Como poderia então a dogmática jurídica aprisionar a serpente do político?

A este problema Morgenthau procurou dar a resposta indicada em cima: a realidade normativa segundo a qual as disputas internacionais são dificilmente «judiciáveis», só pode ser colmatada se os mecanismos de resolução de conflitos forem trabalhados não no sentido de se aproximarem do modelo doméstico de um sistema de justiça convencional, mas se adquirirem uma consciência funcionalista e incrementalista do imperativo ético-jurídico do seu reconhecimento legal. O direito internacional tem pois de ser estudado na porosidade da sua natureza pluralista e funcional, e evitando uma separação estrita entre o «político» e o «legal». Para Morgenthau, estes não formam de todo «um par de conceitos que podem ser contrastados entre si. O contraposto conceptual do conceito do político é formado pelo conceito do não-político, mas não pela “questão legal” que, por sua vez, pode ser política ou não política»60.

Só o reconhecimento de interesses divergentes entre os estados, através da sua respectiva institucionalização nos próprios instrumentos de negociação, nos meios de representação, e nos mecanismos de consentimento das autoridades arbitrais ou supranacionais, pode conduzir não apenas à paz mas à própria comunitarização de interesses que, como Morgenthau explica, foi possível na Europa Ocidental do pós-guerra. É nessa medida que, como afirma em vários artigos – ainda mais explícitos a este respeito do que Politics among Nations e que aqui apenas podemos ler de relance – é necessária uma demarcação da «ciência do direito internacional» face ao positivismo jurídico, falho e obsoleto no que à compreensão e construção da ordem internacional diz respeito. Só esta demarcação poderá abrir novas portas à paz internacional na medida em que, adoptando uma trajectória funcionalista, pode afirmar a prioridade ontológica da comunidade sobre o Estado e assim o primado da socialização de «interesses» sobre a sua individualização num «poder» abstracto sem correspondência na «realidade das normas».

É nesta intersecção entre a teoria política e a filosofia do direito de Morgenthau que a ontologia política republicana de Locke parece ganhar um ascendente discreto sobre o atomismo do estado de natureza hobbesiano no pensamento de Morgenthau. O «interesse» – individual ou nacional – é socialmente constituído e nessa medida é susceptível de reconstituição se a comunidade a priori se transformar. É aquele salto metafísico que permite a Morgenthau acomodar a função social do direito como integradora de um processo histórico conducente à formação de uma comunidade moral politicamente capaz de instituir um Estado – mesmo a nível mundial.

Qual é então a oposição de fundo ao positivismo e que Morgenthau julga vital para compreendermos as relações internacionais e mesmo a (im)possibilidade de as governar? É que apesar de as normas jurídicas que integram o direito internacional não derivarem a sua validade legal, segundo Morgenthau, da capacidade monopolista de uma autoridade para as codificar e lhes dar, por assim dizer, «força de lei», elas não deixam de ser por isso «direito». Mas como pode então este direito reivindicar validade sem «força»? Morgenthau mantém a visão de Kelsen segundo a qual a validade das normas é definida pelo seu carácter vinculativo que está associado ao poder sancionatório de uma norma. Mas este poder só existe se a norma estiver respaldada por um poder fáctico, político-social, que imbui a sanção de coercividade. Morgenthau não foge da questão da bindingness do direito como determinante da sua validade. Mas a noção de validade é objecto de uma redefinição que parte da reconstituição, mais sustentada do ponto de vista histórico-sociológico, daquilo que, em dadas circunstâncias, torna o direito propriamente vinculativo, a saber: a capacidade de um actor internacional determinar o comportamento de outro através da ameaça de sanção61. É precisamente a capacidade de criar mecanismos que permitam à comunidade internacional acomodar interesses – inclusive o interesse de não ser sancionado – e balancear o poder relativo de actores, que valida o direito. É portanto no entendimento de que o direito desempenha uma função social de reconhecimento legal de interesses que são causa e consequência de uma comunidade moral de interessados, que podemos compreender o seu papel político e depositar nele as nossas esperanças de paz internacional.

No capítulo dedicado ao direito internacional em Politics among Nations, Morgenthau volta a discorrer extensamente, como fizera em tantos outros ensaios a começar pela sua tese de doutoramento, sobre vários casos de convenções internacionais que não podemos aqui retomar, mas que demonstram bem o ponto crítico do positivismo aplicado ao direito internacional: a de que a incapacidade de certas normas em vincular os estados determina a sua invalidade, ou pelo menos coloca em dúvida o seu estatuto enquanto direito. É sobre estes casos históricos de perda de validade que Morgenthau critica o positivismo, por não os conseguir abarcar conceptualmente62. Assim, contra os positivistas, o realismo de Morgenthau revela-se ao mesmo tempo político e legal na medida em que mantendo-se fiel à ideia de direito como assente na noção-chave de validade jurídica, procura redefinir esta última à luz dos poderes sociais e políticos (e não apenas jurídicos) que garantem a sua efectividade.

De um ponto de vista político, há certamente um cunho realista no sentido tradicional, diríamos quase banal, do termo, que é o da oposição que nos habituamos a associar a Maquiavel entre realidade e utopia. A este respeito, é certo que a validade de uma norma legal é determinada pela vinculação dos actores que essa norma regula, e assim pelo poder desses actores em fazer valer o seu carácter auto e co-regulador da conduta em causa. A discricionariedade e até casuística jurídicas que esta concepção promove não parecem preocupar Morgenthau, pelo menos não no que diz respeito à definição da validade das normas jurídicas. Recuperando o ponto anterior, essa validade refere-se à capacidade de uma norma conseguir impor a vontade do agente normativo ao sujeito da norma através da ameaça de uma sanção no caso de o sujeito prevaricar. É neste sentido que Koskenniemi entende a lógica «antropológica» ou «psicológica» de Morgenthau quando olha para a relação entre o direito e a sua validade como uma relação de poder:

«Morgenthau adoptou de Kelsen a ênfase na “validade” como a propriedade distintiva de normas legais (por oposição às morais ou sociais), mas concebe-a em termos psicológicos como a habilidade abstracta de uma norma para determinar o conteúdo da vontade. As relações normativas tornam-se – como quaisquer outras relações sociais – relações de vontade; o criador da norma procura impor a sua vontade ao sujeito da norma. (…) Em vez de um dever-ser puro, Morgenthau quer examinar a realidade do dever-ser legal, o sein do sollen de Kelsen»63.

Como refere Koskenniemi, este sein só podia ser psicológico ou físico – mas com as sanções Morgenthau tinha encontrado uma forma de combinar essas duas dimensões. «O medo de sanção reside na realidade psicológica das normas, que por sua vez traz consigo conformidade enquanto realidade física. Se a expectativa de sanção faltar, então a norma não é “real”»64. É no carácter social desta expectativa que vislumbramos a natureza transindividual das sanções, e assim a natureza comunicativa do direito. Koskenniemi esquece, contudo, o papel do funcionalismo na filosofia do direito de Morgenthau e mesmo na análise do direito internacional de Politics among Nations. Como é que este interage com a sua teoria social das sanções internacionais? Já vimos que a autoridade política é um produto quer da balança de poder, quer da comunhão de interesses – ambos localizados numa comunidade que precede a emergência do Estado –, não existe um poder soberano último para vincular os actores internacionais ao direito. Contudo, as sanções internacionais têm tracção internacional e os seus guardiões – para Morgenthau, os chefes de Estado e a opinião pública internacional – conseguem apesar de tudo garantir a sua validade imperfeita65. É à fragilidade estrutural deste direito – à sua natureza esguia – que devemos o seu papel integrador do todo social numa entidade propriamente «soberana», que só o é a jusante de um processo histórico em que relações sociais espontâneas – diríamos «naturais» – são transmutadas para o formalismo propriamente jurídico dos estados e dos sistemas legais. Os macro-indivíduos da ordem internacional – os estados – são um produto dessa ordem que principia na sociabilidade natural que o republicanismo inglês recupera de um certo aristotelismo medieval. E o que evidencia esse primado socializante, é o próprio medo da sanção enquanto expectativa social de coacção. A individuação da acção num suposto «interesse nacional» é já um acto social, uma resposta mais ou menos prudente ao medo, e assim uma interacção. Comunidade primeiro, Estado depois.

De um ponto de vista jurídico, a opção de Morgenthau pelo método funcionalista remete para a natureza mais politizada da arena internacional e diz-nos assim que esse carácter vinculativo não obtém, pelo menos para já, a partir de uma autoridade independente capaz de obrigar certos comportamentos ou de sancionar a sua ausência ou contradição:

«Os preceitos do direito internacional não precisam de ser interpretados apenas à luz dos ideais e princípios ético-legais que estão na sua base. Também precisam de ser vistos no contexto sociológico dos interesses económicos, das tensões sociais, das aspirações de poder, que são as forças mobilizadoras no campo internacional, e que dão origem a situações factuais que formam a matéria-prima da regulação pelo direito internacional.»66

A questão que Morgenthau levanta é pois a de saber se a ausência de uma autoridade política central – isto é, a anarquia própria das relações internacionais – implica dizer que o direito não existe nessa esfera. A esta pergunta, Morgenthau responde com um categórico não. E se é verdade que esta negação poderia ser uma mera consequência de um inquérito sociológico sobre a realidade internacional, cuja conclusão nos oferece várias razões de fundo para pensarmos que há direito mesmo lá onde este não é positivado, Morgenthau não se fica pela constatação científica desse «facto». Acrescenta-lhe um exercício contrafactual que é precisamente o da miragem de um Estado Mundial. Este exercício informa-nos do estado de anarquia das relações internacionais porque é a partir dele que vislumbramos o que ainda falta a estas últimas. E o que falta é, para Morgenthau, a construção de uma comunidade mundial que antecede essa estrutura política global, e para a qual o direito está já a dar passos importantes se interpretado de modo funcionalista. Este exercício serve portanto o propósito escatológico e indutor da constituição, não de um Estado Mundial, mas sim de uma comunidade mundial como pré-requisito ontológico do Estado Mundial. A conclusão fundamental de Morgenthau não é apenas a dos riscos – tecnocráticos, imperialistas ou autoritários – inerentes à construção de um Estado Mundial sem uma comunidade que o preceda.

A conclusão fundamental é sim a de que a comunidade por vir não pode ser sem Estado Mundial. É portanto nela que devemos apostar como caminho para a paz.

Como observámos, Morgenthau concebe algumas organizações e regimes internacionais como agentes normativos e vanguardistas de um direito que, enquanto fenómeno social, ora regula ora é regulado pelas «forças sociais» que se movem na esfera internacional67. Este direito diz respeito à formalização e instituição de normas que são, à partida, fruto da sociabilidade natural dos sujeitos – e não uma imposição ex nihilo de uma ordem coerciva estanque e externa ao seu comportamento. Claro que após a sua instituição numa autoridade centralizada – precisamente a qualidade de que o direito internacional ainda não goza dada a sua natureza «descentralizada»68 – é mais fácil conceber o direito exclusivamente como positivo. Mas, para Morgenthau, um teórico que se auto-intitule «realista» não pode ignorar que, quer de um ponto de vista analítico, quer de um ponto de vista normativo, aquelas instâncias e práticas que são produtoras de direito não positivo são também, umas mais do que outras é certo, bem-sucedidas na vinculação dos actores internacionais ao direito, por regularem a sua conduta no médio e no longo prazo. É neste sentido que alguns teóricos reconhecem hoje que a ideia recente da soft law como direito válido «teria corrido como água nos moinhos dos realistas»69.

Ora, é precisamente sobre estas manifestações mais ou menos formais de normatividade no âmbito internacional – nunca despidas obviamente dos interesses e das pressões dos actores que mais contribuem para a sua constituição – que recai todo o poder explicativo de uma concepção funcionalista do direito, por ser capaz de captar a capacidade vinculativa de normas e regras que são externas ao direito internacional plasmado nos tratados. Esta invectiva funcionalista que Morgenthau abraça sem hesitação – apesar de rejeitar um realismo legal exclusivamente sociológico como o de Roscoe Pound70 – torna obsoleta a concepção positivista, mais concentrada numa visão excessivamente formalista e legalista da «natureza» do direito71. Este alvo preferencial de Morgenthau afasta-o precisamente do estatocentrismo – que muitos críticos lhe viriam a assacar – próprio do direito positivo, abrindo margem para uma reflexão quase construtivista sobre o modus operandi do direito internacional72. Construtivista no sentido em que Morgenthau opta claramente por uma teoria que explique o direito à luz da sua função social e política, segundo a ideia de que o direito será mais aquilo que as normas «fazem» socialmente, e menos aquilo que «são» ou deixam de ser de um ponto de vista abstracto e conceptual. Contrariamente ao já emergente projecto de integração europeia, Morgenthau chama atenção para exemplos históricos – desde os acordos de Locarno73 ao próprio Tratado de Versalhes – que, à luz de uma concepção estritamente positivista, seriam casos de direito positivo, mas cuja positividade não se traduz na prática em validade jurídica – e que nessa medida, segundo esta concepção, não podem ser considerados «direito».

 

O REALISMO NORMATIVO DE MORGENTHAU

O Estado Mundial permite-nos entender como o funcionalismo influi sobre o realismo de Morgenthau e assim o papel que o direito internacional ocupa naquela tradição. De facto, é a conjunção interdisciplinar de métodos originários quer do direito, quer da filosofia política, quer ainda da sociologia74, que o mantém alinhado com o detour lockeano face ao contratualismo de Hobbes. Segundo Morgenthau, a prioridade ontológica de uma comunidade «natural» sobre o Estado – e a sua opção por uma continuidade semi-orgânica entre ambos – abre a porta para uma concepção realista da política internacional precisamente na medida em que permite entender a função construtiva do direito internacional na política global. Construtiva não tanto de um Estado Mundial, mas da comunidade mundial que o antecede. Semi-orgânica porque Morgenthau adere claramente à via média traçada por John Stuart Mill, mas inaugurada por Locke, entre uma concepção radicalmente orgânica da soberania – em que o Estado assume plena continuidade com a comunidade de onde deriva a sua legitimidade – e uma concepção «artificialista» – de corte absoluto entre Estado soberano e sociedade civil, em que o Estado é concebido como árbitro autónomo, imune face às tais «forças sociais» que ora cooperam ora rivalizam entre si.

Este meio-termo lockeano não apenas subjaz ao seu apelo metodológico para entendermos o direito de um ponto de vista histórico-sociológico, mas serve sobretudo o papel de uma normativa globalista cujo telos metapolítico – entendido aqui como corolário lógico de uma anarquia à procura de um arco regulador para as relações internacionais – é o Estado Mundial. As relações internacionais emergem assim como a esfera social por excelência onde quer o Estado soberano, quer o direito positivo, não alcançaram ainda a sua afirmação ontológica e normativa. O realismo de Morgenthau é nesta medida altamente impregnado de uma filosofia política que ele reproduz internacionalmente, também em virtude de um potencial de abertura aos contributos das ciências sociais para compreender o mundo, mas em que estas não podem perder de vista o horizonte normativo que a própria melhoria do conhecimento científico acarreta: o da procura da paz social e política. A orientação sociológica desta epistemologia não contribui apenas para uma analítica empírica e descritiva da realidade internacional; é na medida em que elas nos permitem compreender os factores de transformação da ordem – e não apenas da sua manutenção – que as ciências sociais revelam, a par com a ciência do direito, a natureza essencialmente normativa do conhecimento orientada, entre outras coisas, para a resolução de conflitos e para a construção da paz a nível global.

«Ao juntar-se (às ciências sociais) neste esforço a teoria funcional do direito internacional não cumprirá apenas a tarefa de qualquer doutrina científica, isto é, a de saber o que é e porque é; também preparará as condições de satisfação de um desejo ético e político maior de melhorar as relações internacionais através do direito.»75

É neste contexto aliás que Morgenthau salienta a necessidade de as autoridades internacionais e os juízes alargarem o escopo interpretativo da sua leitura das normas, não no sentido de contribuírem para uma maior arbitrariedade dos tribunais e dos estados, mas no sentido de fazer influir na hermenêutica da legislação e da jurisprudência internacionais, uma consciência histórica dos riscos e dos interesses que a cada momento estão em jogo no tabuleiro da política internacional76.

A triangulação entre direito, comunidade e Estado – até por analogia com os estados nacionais – é pois essencial para perceber como a ordem internacional não pode ser abordada nem de forma kelseniana, nem schmittiana. Contra Kelsen, este triângulo ontológico-político contraria a ideia de um sistema piramidal de normas que remetem sempre para uma metanorma jurídica hierarquicamente superior em que o Estado já é um adquirido, explicável ele próprio enquanto complexo de normas logicamente interligadas. Pelo contrário, Morgenthau pensa que quer o Estado quer o direito são em si um produto provável da articulação entre a grundnorm e a comunidade social que lhe antecede – numa acepção que podemos especular, não estaria muito longe, pelo menos neste particular, daquilo a que H. L. Hart viria a designar como «rule of recognition»77, transformando a grundnorm numa normatividade social, informal e pré-institucional. Morgenthau explica a este propósito que «é por estas tentativas inúteis de conciliar as assunções legalistas com a experiência jurídica real que a doutrina positivista do direito internacional tende a representar mal a realidade do direito internacional e a não conseguir fazer justiça ao seu conteúdo verdadeiro»78. Partilha com Carl Schmitt a ideia de que «a fundação da força vinculativa do direito “positivo” pode logicamente ser encontrada, não em si próprio, mas apenas fora dele»79. É importante, contudo, fazer notar uma nuance fundamental. Esta dimensão é extrajurídica no sentido em que se coloca, ipsis verbis, «fora» do direito positivo, isto é, além-sistema – e que pode nessa medida também ser anti-sistémica e criadora de conflitos e «tensões»80. O que é diferente de dizer que o direito não pode ser considerado como um elemento fundador da ordem na medida em que institui e institucionaliza certas práticas sociais que, por sua vez, vêm a constituir, num primeiro momento, uma comunidade mais ou menos organizada em torno de uma moral social e, num segundo momento, em torno de uma autoridade política à qual essa comunidade dá o seu assentimento.

Assim, contra Schmitt, Morgenthau adverte que a ordem política não pode ser entendida na base de uma intervenção mágico-teológica de um evento, que por ser excepcional é soberano e fundador. Morgenthau não é indiferente a esta dimensão mítica, como não o fora também Niebuhr antes dele. Mas é a um direito de base sociológica, isto é, como fenómeno social capaz de articular a organicidade societal da comunidade com o artifício coercivo do Estado, que cabe um papel não apenas pacificador, mas constitutivo da própria ordem jurídico-política.

É de resto esta concepção mais empirista do político – que o enfoque na questão da validade do direito internacional e na vinculação dos actores por via de sanções revela – que explica que a crítica de Morgenthau à metafísica cachée do positivismo não devolva apesar disso o realismo às teologias políticas de Schmitt ou de Niebuhr. Apesar da sua rejeição da separação positivista estrita entre direito e moral81 – que alguns descrevem à luz de uma ética da virtude aristotélica – ela não serve nunca o propósito de refundar a ordem jurídico-política numa base jusnaturalista82. A este respeito, Morgenthau mantém apesar de tudo a agenda secular das ciências que critica por serem excessivamente antimetafísicas. Pelo menos em Politics among Nations, o Estado Mundial é teorizado sempre por referência ao summum bonum minimalista da paz e da segurança, e não com base num apelo à ubiquidade do pecado capaz de induzir a contrição, austera e calvinista, face a novas idolatrias modernas – que alimentara por exemplo a caracterização niebuhriana da comunidade mundial enquanto «possibilidade impossível», quase sempre revertida numa visão distópica do imperialismo americano83.

Para Morgenthau, o direito e a política internacional reflectem esta tendência secularizante que viria a atingir o seu apogeu no realismo estrutural de Kenneth Waltz. Para ser válido, o direito não precisa de abraçar valores morais ou éticos claros. Mesmo que os valores da paz e da segurança dependam, segundo Morgenthau, de uma comunidade integradora de interesses e de um balanço de poder, as raízes morais destes remetem para uma moralidade que ele considera meramente sociológica. E nessa medida o teórico realista mantém-se fiel ao agnosticismo, de inspiração agostiniana é certo, que vê na política, e sobretudo na política externa, uma forma de evitar males maiores e que de resto viria a caracterizar alguma militância intelectual e política interna à própria tradição liberal – de Niebuhr a Churchill – contra o utopismo cruzadista, messiânico e excepcionalista que acreditava piamente na aplicação directa do federalismo americano ao resto do mundo como forma de resolução de conflitos e de prosperidade económica generalizada84.

Contra uma abordagem vertical do sistema jurídico, Morgenthau encara o direito na sua horizontalidade sistémica, formativo ele próprio da ordem estatal, como complexo mais ou menos coerente e sempre incompleto de normas que balizam e regem o comportamento, ora cooperante, ora competitivo, dos actores internacionais.

O direito pode assim ser estudado do ponto de vista histórico como eixo funcional e bidireccional que gradualmente faz com que a positividade legal do Estado, qual artifício que transcende a sociedade, seja correspondida pela normatividade informal, oficiosa e imanente à comunidade dita «natural». É esta pragmática jurídica a que Morgenthau faz apelo que já encontramos, ainda que apenas em germe, na concepção de estado de natureza de Locke. Como vimos, esta «comunidade natural» dá o seu assentimento à lei e à autoridade do Estado, mas não sem que antes possua já alguma capacidade orgânica de estruturação socionormativa. É este legado teórico que Morgenthau não dispensa para fazer avançar uma teoria das relações internacionais que é ao mesmo tempo uma filosofia política (realista) e uma teoria social (funcionalista) do direito internacional, onde as dimensões descritivas e normativas se combinam para entender a comunidade mundial como um processo em curso e cujo telos não podemos estabelecer pelo fiat da lei positiva e da engenharia técnico-burocrática própria de um Estado soberano.

Morgenthau avança pois vários argumentos para podermos pensar o direito internacional como um instrumento essencial para a pacificação via sociabilização de actores internacionais; para a evolução, ainda que não linear e capaz de admitir recuos pontuais ou mesmo regressões civilizacionais, dessa interacção transitória e contingente para formas mais permanentes e sólidas de comunitarização de riscos e partilha de interesses, em que os estados reconhecem na sua própria soberania um produto da socialização própria do sistema internacional, e baixam a guarda soberanista para fazer valer o interesse da comunidade que os antecede ontológica e moralmente; e para que, dada a necessidade de evitar a catástrofe nuclear que a todos os interessados afectaria, se instituam autoridades supra-estatais – como no caso da integração europeia – e plataformas diplomáticas multilaterais que, não estando imunes a potenciais reversões populistas e infiltrações ideológicas na sua estrutura e na sua acção, constituem etapas importantes na pacificação mas também na criação de interdependências económicas e cumplicidades culturais. Estas não constituem só por si uma comunidade mundial, nem antecipam quer uma opinião pública global, quer um povo mundial; mas fazem transbordar as comunidades humanas para lá das suas fronteiras nacionais, estendendo o seu ímpeto normativo para além do freio da jurisdição do direito positivo de um Estado cada vez mais confrontado com um interesse transnacional ou, pelo menos, pós-nacional.

O que Morgenthau procura obviar com um capítulo que de resto encaixa mal na estrutura global do livro, é a natureza essencialmente processual e funcional do direito internacional e não a sua ausência, irrelevância ou obsolescência. O que faz dele um precursor de um realismo político que parte do direito internacional para insistir na necessidade normativa de conceber o interesse nacional como um elemento chave na construção de regimes e instituições transnacionais capazes de construir comunidades regionais de interesses além-Estado. Quando tal acontecer, estaremos mais perto de uma comunidade mundial e o Estado Mundial deixará certamente de ser importante enquanto reflexão contrafactual. Poderemos então começar a concentrar-nos nas várias formas da sua inevitabilidade85.

 

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Data de receção: 15 de abril de 2018 | Data de aprovação: 30 de maio de 2018

 

NOTAS

1 JAFFIN, George – «Book reviews». In COLUMBIA LAW REVIEW. N.º 46, janeiro de 1946, p. 162, citado em BARTEL, Fritz – «Surviving the years of grace: the atomic bomb and the specter of world government». In Diplomatic History. Vol. 39, N.º 2, 2015, p. 275.

2 BARTEL, Fritz – «Surviving the years of grace: the atomic bomb and the specter of world government». p. 275.

3 CRAIG, Campbell – «The resurgent idea of world government». In Ethics and International Affairs. Vol. 22, N.º 2, Verão de 2008, p. 136.

4 Ver a este respeito WILLIAMS, Michael – The Realist Tradition and the Limits of International Relations. Cambridge: Cambridge University Press, 2005; e também PETERSEN, Ulrik E. – «Breathing Nietzsche’s air». In Alternatives: Global, Local, Political. Vol. 24, N.º 1, Janeiro-Março de 1999, pp. 83-118.

5 A este propósito consultar a antologia de textos: WILLIAMS, Michael – Realism Reconsidered: The Legacy of Hans Morgenthau in International Relations. Oxford: Oxford University Press, 2007.

6 MORGENTHAU, Hans – «Positivism, Functionalism, and international law». In American Journal of International Law. Nova York. Vol. 34, N.º 2, 1940, p. 273.

7 Ibidem, p. 275.

8 Ibidem, pp. 268-269.

9 MORGENTHAU, Hans – Politics among Nations. Nova York: Pecking University Press, 1967, p. 4.

10 SPEER II, James – «Hans Morgenthau and the World State». In World Politics. Cambridge. Vol. 20, N.º 2, Janeiro de 1968, pp. 207-227.

11 MORGENTHAU, Hans – Politics among Nations. Nova York: Alfred A. Knopf, 1948, p. 391.

12 Ibidem, pp. 391-415.

13 Ibidem, p. 415.

14 A propósito do tema do medo de morte em Hobbes, ver PEDRO, Guilherme M. – Reinhold Niebuhr and International Relations Theory: Realism beyond Thomas Hobbes. Londres: Routledge, 2017; e ainda BLITS, Jans – «Hobbesian fear». In Political Theory. Vol. 17, N.º 3, Agosto de 1989, pp. 417-431.

15 HOBBES, Thomas – Leviathan. Oxford: Oxford University Press, 1996, p. 84.

16 HOBBES, Thomas – Elements of Law (Sec. 10). In BAUMGOLD, Deborah (ed.) – Three-Text Edition of Thomas Hobbess Political TheoryThe Elements of Law, De Civeand Leviathan. Cambridge: Cambridge University Press, 2017, p. 137.

17 HOBBES, Thomas – Leviathan, p. 85.

18 Ibidem, p. 84.

19 LOCKE, John – Two Treatises of Government. New Haven: Yale University Press, 2003, p. 102.

20 Ibidem.

21 Ibidem, pp. 102, 156.

22 A expressão é usada várias vezes em várias obras. Ver HOBBES, Thomas – Elements of Law.

23 WARD, Lee – «Locke on the moral basis of international relations». In American Journal of Political Science. Vol. 50, N.º 3, Julho de 2006, p. 698.

24 MORGENTHAU, Hans – Politics among Nations (1967), p. 4. A edição a que recorro nesta nota, mas não necessariamente no resto do artigo, é a sexta edição do Politics among Nations. Morgenthau integrou partes importantes do texto nas fases mais tardias das edições do volume com o intuito, entre outros, de actualizar os seus conteúdos, o que passou por alargar a sua reflexão crítica sobre o funcionalismo e, neste contexto, sobre o processo de integração europeia – o que pode sugerir uma aproximação ainda maior do realismo de Morgenthau ao funcionalismo de Mitrany ao longo das várias edições do livro.

25 DEUDNEY, Daniel – Bounding Power: Republican Security Theory from the Polis to the Global Village. Princeton: Princeton University Press, 2007, p. 47.

26 MORGENTHAU, Hans – «Positivism, Functionalism, and international law», p. 271.

27 MORGENTHAU, Hans – La Réalité des Normes: En particulier des normes du droit international. Fondements dune théorie des normes. Paris: Alcan, 1934.

28 A propósito da crítica de Reinhold Niebuhr a Thomas Hobbes, ver PEDRO, Guilherme M. – Reinhold Niebuhr and International Relations Theory; e ainda BLITS, Jans – «Hobbesian fear».

29 Para uma análise da influência de Max Weber no realismo, que o próprio Morgenthau reconhece, ver FREI, Christoph – Hans J. Morgenthau: An Intellectual Biography. Baton Rouge, LA: Louisiana State University Press, 2001, p. 48.

30 MORGENTHAU,  Hans – Politics among Nations (1948), p. 407.

31 Ibidem, p. 406.

32 Ibidem.

33 JUTERSÖNKE, Oliver – Morgenthau, Law and Realism. Cambridge: Cambridge University Press, 2010, p. 41.

34 Ibidem.

35 MORGENTHAU, Hans – La Réalité des Normes.

36 SCHEUERMAN, Will – The Realist Case for Global Reform, Cambridge: Polity Press, 2011, p. 79.

37 MITRANY, David – A Working Peace System. Londres: National Peace Council, 1946, pp. 14-35, citado em MORGENTHAU, Hans – Politics among Nations (1948), p. 413.

38 Ibidem.

39 MORGENTHAU, Hans – Politics among Nations (1967), p. 4.

40 POWELL, Robert – «Absolute and relative gains in international relations theory». In The American Political Science Review. Vol. 85, N.º 4, 1991, pp. 1303-1320.

41 MORGENTHAU, Hans – Politics among Nations (1948), p. 413.

42 WARD, Lee – «Locke on the moral basis of international relations», p. 691.

43 MORGENTHAU, Hans – Politics among Nations (1967), p. 556.

44 Ibidem, p. 556.

45 DEUDNEY, Daniel – Bounding Power, p. 571.

46 SCHEUERMAN, Will – The Realist Case for Global Reform, p. 81.

47 Ibidem, pp. 87-90.

48 A par com a de Deudney – e em tensão com ela – talvez a mais estruturada proposta teórica da construção de um «Estado Mundial» na base daquilo a que Scheuerman chama um «realismo progressivo».

49 MORGENTHAU, Hans – «Positivism, Functionalism, and international law», 
p. 264.

50 Ibidem, p. 275.

51 Ibidem. 

52 Ibidem, p. 274.

53 SCHEUERMAN, Will – The Realist Case for Global Reform, p. 129.

54 KOSKENNIEMI, Marti – The Gentle Civilizer of Nations. Cambridge: Cambridge University Press, 2010, p. 440.

55 MORGENTHAU, Hans – Politics among Nations (1967), p. 4.

56 Arendt explora historicamente a noção de interesse político situando a sua primeira formulação estatal na obra de Jean Bodin. Arendt, Hannah – The Human Condition. Chicago: The University of Chicago Press, 1958, p. 193.

57 WENDT, Alexander – «Why a world state is inevitable». In European Journal of International Relations. Vol. 9, N.º 4, 2 003, pp. 491-542.

58 KOSKENNIEMI, Marti – The Gentle Civilizer of Nations, pp. 436-440.

59 Ibidem, p. 436.

60 MORGENTHAU, Hans – Die Internationale Rechtspflege: ihr Wesen und ihre Grenzen (Leipzig: Noske, 1929), citado em Koskenniemi, Marti – The Gentle Civilizer of Nations, p. 442.

61 MORGENTHAU, Hans – La Réalité des Normes.

62 MORGENTHAU, Hans – Politics among Nations (1948), pp. 216-219.

63 Koskenniemi, Marti – The Gentle Civilizer of Nations, p. 455.

64 Ibidem, p. 455.

65 MORGENTHAU, Hans – La Réalité des Normes, p. 220.

66 MORGENTHAU, Hans – «Positivism, Functionalism, and international law», 
p. 269.

67 Ibidem, p. 275.

68 MORGENTHAU, Hans – Politics among Nations (1948), p. 228.

69 GOLDMANN, Matthias – «We need to cut off the head of the king: past, present, and future approaches to international soft law». In Leiden Journal of International Law. Leida. N.º 25, 2012, p. 345.

70 MORGENTHAU, Hans – «Positivism, Functionalism, and international law», 
pp. 260-284.

71 Para uma perspectiva sobre o realismo na filosofia do direito e na política ver BRAMAN, Donald, e KAHAN, Dan M. – «Legal realism as psychological and cultural (not political) realism». In SARAT, Austin, DOUGLAS, Lawrence, e UMPHREY, Martha Merrill (eds.) – How Law Knows. Nova York: Stanford University Press, 2009; e ZAMBONI, Mauro – «Legal realisms: on law and politics». In Res Publica. Vol. 12, 2006, pp. 295-317.

72 Como sugere Scheuerman em SCHEUERMAN, Will – The Realist Case for Global Reform.

73 MORGENTHAU, Hans – «Positivism, Functionalism, and international law», p. 277.

74 Ibidem, p. 261. Ver também KOSKENNIEMI, Marti – The Gentle Civilizer of Nations, p. 446.

75 MORGENTHAU, Hans – «Positivism, Functionalism, and international law», 
p. 284.

76 Ibidem, p. 282.

77 HART, H. L. – The Concept of Law. Oxford: Oxford University Press, 2012.

78 MORGENTHAU, Hans – «Positivism, Functionalism, and international law», p. 269.

79 Ibidem.

80 Ibidem, p. 276.

81 Ibidem, p. 268.

82 A este propósito ver as contribuições de Nicholas Rengger e Anthony Lang para a antologia WILLIAMS, Michael – Realism Reconsidered.

83 A este propósito ver PEDRO, Guilherme M. – Reinhold Niebuhr and International Relations Theory.

84 MORGENTHAU, Hans – Politics among Nations (1948), p. 405.

85 WENDT, Alexander – «Why a world state is inevitable», pp. 491-542.

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