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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.56 Lisboa dez. 2017

https://doi.org/10.23906/ri2017.56a03 

ELEIÇÕES NA EUROPA PÓS-CRISE

A emergência de uma nova dimensão cultural: As eleições holandesas de 2017

The rise of the new cultural dimension: understanding the Dutch 2017 elections

 

Simon Otjes*, André Krouwel**

*Documentation Centre Dutch Political Parties | Broerstraat 4, 9712 CP Groningen, The Netherlands | simon@simonotjes.nl

**Vrije Universiteit Amsterdam (Universidade Livre de Amesterdão), Faculty of Social Sciences, Communication Science, Network Institute | De Boelelaan 1081a, 1081 HV Amsterdam, The Netherlands | andre.krouwel@vu.nl

 

RESUMO

As eleições holandesas de 2017 tiveram resultados notáveis: a coligação governamental liberal-trabalhista perdeu metade dos seus eleitores. Analisamos neste artigo os resultados das eleições de 2017 à luz da transformação das dimensões de competição, em particular o surgimento de uma nova dimensão cultural que estabelece uma clivagem entre aqueles que procuram defender o interesse e a identidade nacionais e aqueles que preferem a cooperação internacional e uma conceção multicultural de identidade. Ao mesmo tempo, as questões económicas tornaram-se bidimensionais. A nova dimensão cultural estrutura agora as opiniões políticas dos eleitores em muitas áreas, como a imigração, a integração europeia e também o meio ambiente. Esta dimensão cultural afigura-se fundamental para entender como os eleitores concebem a esquerda e a direita, e também para entender em que partidos votam.

Palavras-chave: Holanda, comportamento eleitoral, imigração, questões económicas.

 

ABSTRACT

The 2017 Dutch elections saw dramatic results: the governing Liberal-Labour coalition lost half its voters. We analyse the results of the 2017 elections as a result of the changing dimensions of conflict in particular the rise of the new cultural dimension divides those who seek to defend the national interest and identity from those who prefer international cooperation and a multicultural conception of identity. At the same time economic issues have become two-dimensional. The new cultural dimension now structures voters’ policy opinions on many issues including immigration and EU integration, but also the environment. It is key in understanding how voters conceive of left and right and for understanding which parties voters vote for.

Keywords: The Netherlands, Voting behaviour, Immigration, Economic issues.

 

INTRODUÇÃO

Embora se considere que a Holanda possui um sistema partidário relativamente estável em comparação com outros países da Europa, desde o início dos anos 1990 tem-se verificado um aumento da volatilidade eleitoral, fragmentação e polarização, para além do aparecimento de novas dimensões de competição. As eleições holandesas de 2017 realçaram estes desenvolvimentos, com altos níveis de volatilidade e com a entrada de novos partidos antissistema. As eleições resultaram em grandes perdas para os dois maiores partidos governamentais, o Partido Liberal (VVD), de direita e, em particular, o Partido Trabalhista (PvdA), de matriz social-democrata, e em vitórias para a oposição, incluindo os partidos radicais e antis-sistema. Terminou assim a era do domínio por parte de dois grandes partidos – historicamente, os democratas-cristãos, os social-democratas e, mais recentemente, os liberais – sobre um grande número de concorrentes de pequena dimensão. Neste momento, existem basicamente seis partidos de média dimensão. Este artigo defende que subjacente a esta restruturação do cenário político holandês é possível identificar a emergência de uma nova dimensão de competição, centrada em questões de identidade nacional, imigração e meio ambiente, e que assumiu papel preponderante na estruturação do espaço político. Ao mesmo tempo, as preferências dos eleitores no que diz respeito a questões económicas, anteriormente dominantes, dividiram-se em duas dimensões.

Este artigo está estruturado da seguinte forma: discutiremos em primeiro lugar o panorama partidário holandês antes e depois das eleições de 2017. Em segundo lugar, analisaremos de forma breve essas mudanças e discutiremos o quão excecionais foram estas eleições holandesas quando comparadas com as eleições anteriores. Em terceiro lugar, examinaremos a estrutura da opinião pública e as dimensões que estruturam as preferências dos eleitores em questões políticas. Em quarto lugar, analisaremos a forma como essas dimensões explicam a escolha partidária. Finalmente, combinaremos estas quatro vertentes e discutiremos as implicações para a formação do governo (ainda em curso no momento da escrita deste artigo).

 

HISTÓRIA DAS ELEIÇÕES DE 2017

Após as eleições de 2012, a Holanda foi governada por uma coligação liberal-trabalhista. O maior partido da direita, o Partido Liberal, e o maior partido da esquerda, o Partido Trabalhista, formaram governo. Estes dois partidos dispunham de uma confortável maioria de 79 deputados dos 150 na Câmara, mas faltava uma maioria no Senado, onde o equilíbrio de poder é determinado pelas eleições regionais. Apesar de não ter a maioria no Senado, o Governo realizou um programa ambicioso de reforma do Estado social, estabelecendo acordos com outros partidos. O partido liberal-social Democratas 66 (D66) participou em todos esses acordos, enquanto que partidos protestantes mais pequenos, nomeadamente o Partido Político Reformado (SGP), conservador-cristão, e a União Cristã (CU), social-cristã, participaram em seis acordos sobre questões tão variadas como o orçamento, a habitação, a saúde ou o mercado de trabalho1. O Governo colaborou ainda com a Esquerda Verde (GL) na reforma do sistema de crédito a estudantes, e com o partido de centro-direita Apelo Democrático Cristão (CDA) em questões de tributação. Os outros partidos no parlamento, nomeadamente o Partido da Liberdade (PVV), de extrema-direita populista, liderado por Geert Wilders, o Partido Socialista (SP), de esquerda, o Partido para os Animais (PvdD) e o Partido dos Pensionistas (50Plus) recusaram-se a colaborar e optaram por um estilo político mais oposicional2. Além destas reformas socioeconómicas, o VVD e o PvdA também chegaram a acordos em questões de imigração que assumiram muita relevância devido ao fluxo de refugiados sírios. A Tabela 1 mostra todos os partidos e os assentos parlamentares que obtiveram nas eleições legislativas de 2012 e 2017. Devido ao facto de o sistema eleitoral holandês ser extremamente proporcional, o número de votos e de assentos é praticamente equivalente.

 

 

O sucesso do Governo na realização da sua ambiciosa agenda de reformas não se traduziu em ganhos eleitorais. Durante a campanha eleitoral, os sociais-democratas não haviam prometido implementar um programa de reforma; em vez disso, tinham manifestado oposição ao pacote de reformas acordado pelo VVD, o CDA, o D66, a UC e o GL imediatamente antes das eleições de 20123. A partir do momento em que o Governo entrou em funções, o apoio popular ao PvdA diminuiu uma vez que este partido acabou por implementar uma agenda diametralmente oposta a muitas das suas promessas. Meio ano depois das eleições, as sondagens indicavam que o PvdA perdera metade da sua base de apoio. A popularidade do VVD também diminuiu, ainda que de forma menos acentuada do que a do PvdA.

Dois temas foram dominantes durante a campanha eleitoral de 2017: a saúde e as questões relativas à imigração e integração social. Durante muito tempo, as sondagens foram lideradas pelo partido populista de direita radical PVV. Particularmente após o grande fluxo de refugiados sírios no outono de 2015, este partido teve uma subida abrupta nas sondagens, à medida que manifestava uma forte oposição à entrada desses refugiados no país. A campanha eleitoral começou, ainda que não oficialmente, em agosto de 2016, quando Mark Rutte, o primeiro-ministro e líder do Partido Liberal, foi entrevistado durante três horas na televisão pública. Ao longo desta entrevista, Rutte marcou a sua posição, movendo-se claramente para o lado conservador no que respeitava à imigração e à integração social. Afirmou que os manifestantes turco-holandeses que haviam intimidado jornalistas deveriam «pôr-se a milhas» (pleur op)4. Desde então, o VVD tem privilegiado a proteção dos valores «holandeses» contra as influências «estrangeiras». No entanto, durante este período, o líder do PVV, Geert Wilders, aparecia nas manchetes por ter sido julgado – e condenado – na sequência de declarações discriminatórias a respeito de marroquino-holandeses, efetuadas durante uma campanha para eleições locais. A condenação permitiu a Wilders afirmar de forma credível que as elites pretendiam suprimir a sua forma de fazer política baseada na «verdade».

Durante a campanha de 2017, o apoio ao PVV caiu, particularmente depois de Wilders se ter recusado a participar em dois dos quatro debates televisivos e de ter limitado as suas aparições públicas. O CDA ocupou o espaço deixado vago pela ausência do PVV nesses debates, e os democratas-cristãos empreenderam uma guinada conservadora em questões de imigração e integração social. O partido defendeu a reintrodução do serviço militar obrigatório, de forma a fortalecer o sentimento de comunhão social, bem como o ensino do hino nacional nas escolas. O PVV também sofreu a concorrência de vários novos partidos populistas de direita de menor dimensão. Destes, o Fórum de Democracia (FvD), liderado por Thierry Baudet, foi o que teve maior sucesso. Baudet ganhou a atenção do público como um dos defensores da petição para que fosse efetuado um referendo sobre o acordo de associação entre a União Europeia (UE) e a Ucrânia, e liderou o campo do «não», que acabaria por sair vitorioso no referendo realizado na primavera de 20165. Baudet prometeu limitar a imigração e desmantelar o «cartel» dos partidos estabelecidos.

A questão da imigração afetou o PvdA, tal como aconteceu com outros partidos de centro-esquerda noutros países6. Em 2014, a sua bancada parlamentar expulsou dois deputados turco-holandeses por se oporem às políticas do vice-primeiro-ministro social-democrata Lodewijk Asscher a respeito da integração de cidadãos turco-holandeses7. Estes deputados acabaram por formar o seu próprio partido, o DENK, de e para imigrantes. Programaticamente, o DENK defende o oposto do PVV, focando-se na anti-islamofobia, no antirracismo e na antidiscriminação, mas recorre ao mesmo estilo de campanha baseado no confronto. Sondagens realizadas entre minorias étnicas indicam que o partido é particularmente forte entre os eleitores turco-holandeses. Tanto quanto sabemos, este é o primeiro «partido de imigrantes» a ganhar assentos em eleições legislativas nacionais. O surgimento do DENK ocorreu em grande medida à custa do PvdA, que perdeu influência considerável entre a comunidade imigrante, um dos seus bastiões tradicionais.

O D66 e a Esquerda Verde adotaram um discurso mais progressista no que diz respeito à entrada de refugiados. O D66 enfatizou também as suas posições pró-europeias.  A Esquerda Verde tinha perdido as eleições de 2012 devido a conflitos internos.  Em 2015, o partido elegeu um novo líder, Jesse Klaver, um político jovem e carismático. A sua campanha seguiu em grande medida a cartilha americana, baseada na organização de eventos de massas (meet-ups), focada nas redes sociais e no contacto direto com os eleitores. Klaver insurgiu-se contra o crescente conservadorismo cultural, alegando que os valores tradicionais holandeses de liberdade e tolerância se encontravam ameaçados.

Na última semana antes das eleições, Mark Rutte entrou num conflito diplomático internacional com o Governo turco. O Presidente turco Recep Erdogan enviara a ministra dos Assuntos Familiares Fatma Kaya à Holanda para fazer campanha a favor do voto «sim» no referendo turco sobre reformas constitucionais que fortaleceriam os poderes de Erdogan. O Governo holandês não queria que representantes do Governo turco fizessem campanha na Holanda – particularmente durante uma campanha eleitoral. Declarou a ministra como persona non grata e expulsou-a do país, o que motivou um grande descontentamento entre a população turco-holandesa e um protesto por parte do Governo turco. Este confronto acabou por reforçar o apoio ao Partido Liberal entre eleitores culturalmente mais conservadores, na última semana antes das eleições8.

As políticas de saúde foram outro tema crucial na campanha eleitoral, que se debruçou sobre dois aspetos principais. Em primeiro lugar, a questão de saber até que ponto os cuidados de saúde deveriam ser organizados de forma individual ou coletiva. Na sua tentativa de concentrar o debate em questões socioeconómicas, o SP – pretendendo evitar que o PVV fizesse incursões na sua base de apoio entre a classe trabalhadora recorrendo a questões culturais como a imigração – propôs substituir o sistema de saúde baseado no mercado e na concorrência entre várias seguradoras por um sistema totalmente público. Um elemento importante desta reforma era a abolição dos custos para o utente nos cuidados de saúde. Esta proposta para um sistema de saúde totalmente financiado pelo erário público foi apoiada apenas pelo Partido dos Pensionistas (50Plus) e pelo PvdD, defensor dos direitos dos animais. Este último procurou alargar a sua agenda, deixando de se concentrar exclusivamente no bem-estar dos animais e passando a considerar uma maior variedade de questões sociais. Já o 50Plus concentrou-se na oposição aos cortes orçamentais na área da saúde e ao aumento da idade da reforma. Porém, a sua campanha foi afetada por problemas organizacionais, em parte devido às próprias condições de saúde dos seus funcionários e candidatos dada a sua idade avançada. O plano para acabar com os custos para o utente foi aprovado pela Esquerda Verde, pelo PvdA e pelo PVV. O CDA e a União Cristã propuseram o estabelecimento de limites para esses custos.

Enquanto isso, a União Cristã e o SGP fizeram campanha principalmente em torno de questões morais, apelando para a sua tradicional base de apoio de cariz religioso. Uma proposta para ampliar as leis da eutanásia, avançada pelo ministro da Saúde, do Partido Liberal, trouxe esta questão à ribalta. Os partidos de inspiração religiosa opuseram-se veementemente à proposta, argumentando com a santidade da vida. No lado oposto da argumentação estavam os apoiantes do D66, que defendiam um alargamento das leis da eutanásia, já de si liberais. O D66 também privilegiou uma agenda económica orientada para as reformas estruturais, que pretendia assegurar a sustentabilidade financeira do Estado social holandês a longo prazo. Assim como os liberais, também o D66 rejeitou qualquer redução nos custos para os utentes dos serviços de saúde.

Tal como pode ser visto na Tabela 1, o PvdA sofreu uma redução devastadora de três quartos dos seus assentos, no que constituiu o seu resultado mais baixo no período pós-guerra. O principal beneficiário desta descida foi a Esquerda Verde, que quadruplicou os seus assentos. Os dados da votação indicam que o partido ganhou quase sete assentos ao Partido Trabalhista9. No entanto, alguns eleitores trabalhistas viraram-se para o centro, apoiando o D66, que aumentou a sua percentagem de votos em 50 por cento. Surpreendentemente, o SP, partido radical de esquerda, não conseguiu beneficiar do colapso do PvdA, tendo mesmo perdido um assento. Mais de metade dos eleitores que apoiaram o SP em 2012 não votaram no partido em 2017. No geral, a esquerda política ficou severamente enfraquecida na Holanda. Enquanto isso, no lado direito do espetro político, os eleitores abandonaram o VVD em benefício tanto do CDA como do PVV. O PVV tornou-se o segundo maior partido do país. O aumento da fragmentação parlamentar foi também causado pelos ganhos do PvdD, do 50Plus e dos recém-chegados DENK, o partido de, para e pelos imigrantes, e do Fórum para a Democracia, um partido anti-imigrantes. Em todas estas mudanças, a cu e o SGP mantiveram o apoio dos seus eleitores tradicionais.

 

MUDANÇAS NO CONTEXTO

Numa perspetiva histórica, qual o significado de todas estas mudanças na composição do Parlamento holandês? Analisamos agora os indicadores mais usados em política comparada: a volatilidade eleitoral (a proporção de assentos que mudam de partido numa eleição), a fragmentação (até que ponto os assentos estão divididos entre os diferentes partidos) e a polarização (até que ponto os assentos estão concentrados ou divididos no espetro esquerda-direita).

Como mostra a Figura 1, a Holanda foi durante muito tempo caracterizada por uma volatilidade eleitoral muito baixa, particularmente no período imediatamente após a Segunda Guerra Mundial (1946-1959). Esta estabilidade tem vindo de alguma forma a diminuir desde o final da década de 1960, mas manteve-se relativamente alta até ao início dos anos 1990. As eleições de 1994 marcaram um período de maior volatilidade e instabilidade política. Desde então, as eleições têm mostrado transferências consideráveis de eleitores entre os partidos. As eleições de 2017 resultaram na segunda maior volatilidade eleitoral da história eleitoral holandesa: 25 por cento dos assentos parlamentares mudaram de mãos. Apenas na avalancha eleitoral de 2002 – ocorrida após a emergência tempestuosa e morte súbita de Pim Fortuyn – se registou uma maior transferência de assentos entre partidos10. Claramente, as eleições de 2017 são características de um período de uma constante e elevada volatilidade que começou em 1994.

 

 

As eleições de 2017 não resultaram num vencedor claro. Os dois maiores partidos perderam assentos, enquanto a maioria dos partidos de pequena e média dimensão ganhou mais mandatos. O resultado foi um «achatamento» da paisagem política, à semelhança do que acontece com a paisagem real da Holanda, caracterizada pela ausência de elevações no terreno. Escusado será dizer que este achatamento resultou numa fragmentação sem precedentes.

A Figura 2 mostra a fragmentação desde 1918, que pode ser expressa de melhor forma através do número efetivo de partidos políticos11. Este consiste no inverso da soma dos quadrados da quota de assentos dos partidos. Embora a política holandesa tenha sido tradicionalmente caracterizada por um grande número efetivo de partidos devido ao seu sistema eleitoral extremamente proporcional e aos estímulos às minorias sociais e religiosas, a fragmentação aumentou 40 por cento entre 2012 e 2017 para mais de oito partidos efetivos, o maior nível de fragmentação que a Holanda já conheceu. Este máximo histórico enquadra-se num contexto de aumento claro do número efetivo de partidos relevantes desde meados da década de 1980, quando a fragmentação era relativamente baixa. Os níveis de fragmentação da política holandesa já ultrapassaram os dois períodos mais instáveis da história política deste país – as décadas de 1960 e 1970 e o período entre guerras – sinalizando uma mudança estrutural no cenário político.

 

 

O acentuar da fragmentação coincide com uma tendência para o aumento da polarização. Pela primeira vez na história política holandesa, os três principais «partidos do sistema» ou seus antecessores – CDA, VVD e PvdA – não obtiveram a maioria no Parlamento. Em 1989, estes três partidos detinham em conjunto mais de 80 por cento dos assentos parlamentares. Em 2017, têm apenas 40 por cento. Para medir a polarização, utilizámos o índice de Dalton12 e as posições partidárias a partir de análises realizadas por especialistas13 (os resultados constam da Figura 3). Nas eleições de 2017, a polarização continuou a aumentar, tal como tem aumentado desde meados da década de 1990. O aumento da polarização deve-se ao facto de os eleitores se terem afastado dos tradicionais partidos ao centro, beneficiando nestas eleições tanto os partidos mais à esquerda (neste caso, a Esquerda Verde) como os partidos mais à direita (como o PVV), mas fica também a dever-se à viragem à direita do Partido Liberal nas últimas duas décadas. Mais uma vez, olhando para a história recente, os níveis de polarização são bastante altos e têm vindo a aumentar nas últimas cinco eleições. Em 2017, a polarização na Holanda atingiu o seu máximo no período pós-guerra. Apenas em 1918 a polarização foi ligeiramente maior.

 

 

A PAISAGEM POLÍTICA HOLANDESA EM MUDANÇA

Por detrás do aumento da polarização, da volatilidade e da fragmentação registado nestas eleições há uma mudança ao nível das dimensões que estruturam a opinião pública.

Para entender este fenómeno, temos de recorrer aos dados sobre as preferências políticas e partidárias dos eleitores. Uma vez que o Estudo Eleitoral do Parlamento Holandês ainda não está disponível, optámos pelos dados do Kieskompas, o aplicativo de aconselhamento eleitoral (AAE) que teve mais de 1,2 milhões de usuários nas últimas eleições. Neste AAE, os eleitores indicam as suas preferências pessoais em 30 questões, após as quais são mostrados os partidos que lhes estão mais próximos no panorama político14. Podem ainda responder a uma série de questões adicionais sobre as suas crenças e atitudes em relação à política. É de salientar que o AAE, tal como outras aplicações, não oferece diretamente uma amostra probabilística de toda a população. Tal como em muitos questionários online, homens jovens e com formação superior tendem a usar o AAE com mais frequência do que as pessoas mais velhas, com menos estudos ou mulheres15. Para resolver este problema, recorremos a amostragem correspondente16. Tentámos construir o equivalente a uma amostra probabilística: assim, usámos uma amostra probabilística extraída da população holandesa na semana de 27 de fevereiro de 2017 (três semanas antes da eleição) com 1189 inquiridos pela agência de sondagens IPSOS. Para cada inquirido na amostra IPSOS, procurámos um inquirido que tivesse a mesma preferência partidária, o mesmo género, o mesmo nível de educação (em sete níveis), e com idade aproximada. Quando vários inquiridos reuniam as mesmas condições, escolhemos aleatoriamente. Como a nossa seleção inclui uma componente aleatória, as estimativas, os diagnósticos e os coeficientes podem diferir de amostra para amostra. Deste modo, recolhemos uma centena de amostras e analisámos as médias de coeficientes, diagnósticos e estimativas. Não foi possível encontrar correspondentes para quatro por cento dos inquiridos. Note-se também que, como os resultados se basearam numa sondagem efetuada três semanas antes das eleições, os resultados estão ligeiramente desfasados dos resultados finais (ver apêndice): em particular, o PVV foi mais forte do que o VVD naquele momento. Utilizámos a escala multinomial de Mokken para avaliar até que ponto as opiniões dos eleitores sobre uma série de questões formam um todo coerente17. Este método foi usado anteriormente para avaliar a qualidade dos modelos espaciais no AAE18. A qualidade da escala é expressa em função do valor h. Um valor h abaixo de 0,3 significa que a escala não deve ser usada.

O espaço político holandês pode ser dividido em diferentes dimensões ideológicas. Para entender este espaço, identificámos quatro dimensões. Em primeiro lugar, duas dessas dimensões caracterizaram historicamente o espaço político até meados da década de 199019 . A primeira é a chamada «velha dimensão económica», que diz respeito a questões de redistribuição de rendimentos. Esta dimensão divide a esquerda económica, que privilegia o igualitarismo económico, e a direita económica, que acredita que a desigualdade gera incentivos para um melhor desempenho20. Para analisar esta dimensão usamos dois itens do AAE, um relativo a impostos sobre os rendimentos dos mais ricos e outro relativo à luta contra a evasão fiscal por parte de empresas multinacionais. Estes dois itens formam claramente uma escala, já que o valor h está bem acima do valor mínimo exigido de 0,3 (0,51). A segunda é a chamada «velha dimensão cultural», que costumava ser mais importante na política holandesa pois dividia os eleitores e partidos de inspiração religiosa dos eleitores e partidos seculares. Na última campanha eleitoral, esta questão voltou à ribalta por causa do projeto, acima mencionado, que visava ampliar as leis holandesas sobre a eutanásia. Utilizámos como indicador um único item relacionado com esta questão.

Desde o início dos anos 2000, novas questões culturais como a imigração, a integração social dos migrantes, o lugar do islamismo na sociedade, o racismo, a integração europeia e a ajuda ao desenvolvimento tornaram-se cada vez mais importantes21. Os pontos de vista dos eleitores sobre estas questões são bastante coerentes, culminando numa nova dimensão cultural claramente visível que separa os nacionalistas, que favorecem a defesa do interesse e identidade nacionais, dos cosmopolitas, que favorecem uma identidade multicultural mais transnacional ou fluida. Além disso, os apelos à democracia direta, às políticas de segurança e ordem pública, e a defesa de cortes orçamentais para emissoras públicas são cada vez mais frequentes entre cidadãos e políticos que defendem visões mais nacionalistas sobre estas questões22. Estes desenvolvimentos enquadram-se em tendências mais generalizadas de âmbito autoritário, maioritário e antielite. No que diz respeito aos partidos, questões adicionais como o meio ambiente encaixam-se certamente nesta dimensão. Os partidos da esquerda cultural tendem a ver as mudanças climáticas como um problema fundamental que requer intervenção governamental, enquanto os partidos da direita cultural veem a imigração como o principal problema. Os itens referentes a questões culturais antigas não se enquadram nesta escala23. Construímos uma escala que abarca 13 de 30 itens da AAE utilizados, abrangendo temas como a imigração, a integração social de imigrantes, a integração europeia, o meio ambiente, despesas com emissoras públicas, ajuda ao desenvolvimento, endurecimento de penas e democracia direta, bem como um item adicional referente à UE. Estes itens funcionam muito bem como escala (h = 0,42). Isto indica que grande parte das questões (não económicas) debatidas durante a campanha eleitoral pode ser enquadrada nesta dimensão.

À medida que questões não económicas começaram a misturar-se com esta nova arena de competição, as posições dos eleitores e dos partidos sobre questões económicas estruturaram-se em duas dimensões. Além da antiga dimensão económica centrada na questão do igualitarismo, pode agora ser observada uma segunda dimensão económica que olha a questão da reforma do Estado social, separando aqueles que desejam ter um sistema de saúde e segurança social que privilegie a sustentabilidade a longo prazo e a responsabilidade individual, e aqueles que querem que o sistema de saúde sirva as necessidades daqueles que precisam dele no imediato, em particular os idosos24. Esta dimensão surgiu durante a crise da dívida soberana da zona euro, quando os partidos aumentaram a despesa de curto prazo mas foram forçados pelas regras da UE a fazer cortes na despesa de longo prazo, aumentando a idade da reforma por exemplo. Construímos uma escala de três itens que inclui custos para os utentes dos serviços de saúde, o sistema público de saúde proposto pelo Partido Socialista e a idade da reforma. Os itens conjugam-se razoavelmente bem.

Para aferir a importância relativa desta dimensão na mente dos eleitores, avaliamos em que medida coincide com o posicionamento destes no espetro esquerda-direita. Foi pedido aos inquiridos que se situassem numa escala esquerda-direita com 11 pontos. Explicamos as suas posições nesta escala usando as quatro escalas discutidas acima. Podemos ver que a nova dimensão cultural é a dimensão mais importante na estruturação do autoposicionamento do eleitor no espetro esquerda-direita (Tabela 2). Os eleitores com as visões mais ecológicas, cosmopolitas e libertárias colocam-se no extremo esquerdo da escala. Os eleitores com as visões mais nacionalistas e autoritárias colocam-se no extremo direito da escala. Até certo ponto, as visões sobre ambas as dimensões económicas também estruturam as posições, mas muito menos do que as opiniões sobre estas novas questões culturais. O efeito da velha dimensão cultural, que aborda questões morais mais tradicionais, é marginal. Estes resultados estão em linha com os de De Vries et al. que reconhecem a crescente importância das novas atitudes culturais no autoposicionamento esquerda-direita dos eleitores25.

 

 

Em suma, os dados mostram-nos a importância desta nova dimensão cultural para a compreensão do espaço eleitoral. Os eleitores encontram-se divididos, principalmente entre aqueles que favorecem a cooperação internacional e uma sociedade multicultural e que veem as mudanças climáticas como um grande perigo e, em oposição, aqueles que veem a imigração como a principal ameaça e, portanto, procuram defender os interesses nacionais (na esfera económica). Esta nova dimensão cultural abrange uma grande parte das questões políticas mais destacadas e estrutura o autoposicionamento dos eleitores no espetro esquerda-direita. Ao mesmo tempo, o posicionamento dos eleitores acerca de outras questões (económicas) tornou-se mais fraturado. A principal dimensão de competição é de natureza cultural, ao passo que anteriormente os dados sugeriam que as linhas de conflito dominantes diziam respeito a questões económicas e morais. O surgimento desta nova arena de competição e a fratura existente em questões económicas podem ajudar a explicar porque é que tantos eleitores holandeses trocaram de partido. O padrão tradicional de competição partidária desfez-se quando o pensamento dos eleitores mudou para uma nova perceção do mundo ao seu redor.

 

PADRÕES SUBJACENTES AO COMPORTAMENTO ELEITORAL

Para ver em que medida estas dimensões ideológicas são importantes para entender o comportamento dos eleitores, aplicámos regressões logísticas sobre variáveis de escolha binária de voto para os oito maiores partidos, usando as quatro variáveis ideológicas (Tabela 3). Excluímos os partidos de menor dimensão, o SGP, 50Plus e o PvdD – os dois últimos foram analisados anteriormente26. Também incluímos uma série de variáveis de controlo: uma escala de cinco itens que mede a desconfiança política, o género, o nível educacional (separando aqueles que frequentaram uma universidade voltada para a investigação ou uma universidade de ciências aplicadas, e aqueles que não frequentaram nenhuma das duas), o ambiente (religioso ou não) onde o inquirido cresceu e o ano de nascimento (para facilitar a comparação, esta variável foi padronizada entre zero e um). Só discutiremos as variáveis de controlo quando os seus efeitos forem tão importantes quanto os itens relativos às suas opiniões. Uma vez mais, as estimativas são as médias das 100 amostras retiradas.

 

 

O VVD, que se tornou o maior partido nas eleições de 2017, é apoiado por eleitores que se caracterizam por opiniões conservadoras relativamente às novas questões culturais e ambientais, e por pontos de vista reformistas e economicamente não igualitários, ou seja, são a favor de reformas do Estado social que tornem as pessoas mais responsáveis pelos seus próprios cuidados de saúde e opõem-se a políticas redistributivas destinadas a criar uma igualdade de rendimentos. Além disso, estes eleitores tendem a ser mais confiantes nos políticos e mais progressistas no que diz respeito às antigas questões culturais (especificamente a eutanásia). O partido tende também a atrair eleitores mais velhos. Os efeitos das demais variáveis demográficas são muito reduzidos.

O PVV tornou-se o segundo maior partido nas eleições de 2017. Os seus eleitores caracterizam-se acima de tudo pelas suas posições nacionalistas e autoritárias na nova dimensão cultural. O coeficiente desta variável é maior do que todas as outras variáveis. Estes eleitores também tendem a ser mais jovens, mais desconfiados face à política, mais contrários às reformas do Estado social, mas mais progressistas nas velhas questões culturais. Os coeficientes para as demais variáveis (principalmente demográficas) são relativamente baixos.

O CDA atraiu uma parte mais velha e conservadora do eleitorado, uma vez que os seus eleitores se caracterizam pela sua idade avançada, por pontos de vista conservadores acerca de questões morais tradicionais, e também por um conservadorismo na nova dimensão cultural. Além disso, estes eleitores são favoráveis à reforma do Estado social no sentido de um aumento da responsabilização individual, aceitando ainda as desigualdades económicas. No entanto, estes eleitores tendem a demonstrar um maior nível de confiança na política.

O D66 atraiu principalmente eleitores progressistas, tanto nas novas questões culturais e ambientais, em que os seus eleitores se posicionam no campo cosmopolita-ecologista-libertário, como nas velhas questões culturais, em que os eleitores favorecem a vontade individual acerca da questão da eutanásia. Nas questões económicas, os seus eleitores tendem a favorecer as reformas do Estado social orientadas para um aumento da responsabilização individual, pelo que aceitam bem o aumento da desigualdade. Além disso, estes eleitores progressisto-libertários tendem a confiar nos políticos.

O gl expandiu a sua base de apoio atraindo eleitores que se caracterizam principalmente pelas suas visões progressistas sobre as novas questões culturais e ambientais e pelo seu apoio ao igualitarismo económico. Além disso, os apoiantes do gl tendem a ser mais progressistas nas novas questões culturais, são mais escolarizados e mostram níveis mais altos de confiança na política.

A base eleitoral do sp caracteriza-se principalmente por uma abordagem tradicionalmente de esquerda, com uma visão coletivista do Estado social, a defesa de uma responsabilidade mais coletiva e menos individualista, e oposição à desigualdade. Além disso, estes eleitores têm posições progressistas no que concerne às novas questões culturais, como o meio ambiente e a imigração, mas são mais conservadores em questões culturais mais antigas, como a eutanásia. Olhando para as variáveis de controlo, vemos que os eleitores do SP tendem a confiar mais nos políticos e são menos escolarizados.

Os eleitores que permaneceram fiéis ao PvdA são caracterizados por posições políticas progressistas nas novas questões culturais e ambientais, altos níveis de confiança nos políticos e idade relativamente avançada. Além disso, estes eleitores tendem a favorecer uma distribuição igualitária de rendimentos, mas defendem a reforma do Estado social. Têm também opiniões mais progressistas acerca das velhas questões culturais.

Finalmente, olhamos para a União Cristã, um partido de menor dimensão que tem sido um dos parceiros da coligação. Este partido atrai eleitores religiosos com opiniões conservadoras em questões morais. Estes eleitores também se caracterizam por posições progressistas na nova dimensão cultural, pelo apoio à reforma do Estado social e à igualdade económica.

Para quatro dos oito partidos (PVV, D66, GL e PvdA), a nova dimensão cultural foi o fator mais importante a definir a escolha de voto. Para os restantes quatro partidos, esta dimensão ficou em segundo lugar depois da dimensão económica (para o VVD e o SP) e das velhas questões culturais (cu), ou em terceiro lugar após a idade e as velhas questões culturais (CDA). Desta forma, para entender o comportamento de voto na Holanda a nova dimensão cultural é a que mais se destaca. Esta questão separa os eleitores da direita cultural, que pretendem defender os interesses nacionais (económicos) e a identidade, e que identificam a imigração como o principal problema societal (VVD, PVV, CDA), dos defensores da esquerda cultural que adotam uma identidade mais cosmopolita e multicultural e que veem as mudanças climáticas como um problema crucial (D66, gl, sp, PvdA e cu). Tanto as questões económicas antigas e novas como a dimensão cultural tradicional ainda são importantes para as escolhas eleitorais na Holanda, mas o seu efeito é menos determinante. A nova dimensão cultural é o fator mais importante.

Outro padrão interessante que foi detetado é que dois tipos de eleitores defendem a manutenção dos atuais acordos de Estado social: aqueles com opiniões de esquerda sobre a igualdade económica e que votam no sp, e aqueles que não são necessariamente esquerdistas e votam no PVV. De igual modo, dois grupos de eleitores defendem a reforma do Estado social: os eleitores do VVD, que combinam posições reformistas com uma clara orientação de direita, e os eleitores do D66, que também são reformistas mas menos entusiastas no que diz respeito ao igualitarismo económico. Finalmente, a antiga dimensão cultural-moral continua a ser particularmente importante para a compreensão do apoio eleitoral aos partidos cristãos CDA e cu.

 

CONCLUSÃO

Analisámos as questões que orientaram o voto nas eleições parlamentares de 2017 na Holanda. Começámos por examinar a campanha eleitoral, vendo até que ponto as questões relativas à imigração e à integração social dos migrantes desempenharam um papel importante nestas eleições. O centro-direita tradicional – ou seja, o VVD liberal e o Apelo Democrata-Cristão – assim como o populista PVV focaram as suas campanhas nestas questões em particular, com propostas de políticas conservadoras voltadas para a proteção da identidade nacional e dos interesses nacionais. Por seu lado, o social-liberal D66 e a Esquerda Verde ofereceram aos eleitores uma abordagem mais progressista, pró-europeia e multicultural nas questões relativas à imigração e às novas minorias. Outra questão importante nas eleições foram as políticas de saúde, com o Partido Socialista (SP) a defender um sistema de saúde coletivo totalmente custeado pelo Estado, enquanto que o D66 e o VVD procuraram manter os pagamentos por parte dos utentes de forma a reduzir custos e garantir a sustentabilidade financeira a longo prazo. Em terceiro lugar, o afrouxamento da legislação sobre a eutanásia foi uma questão saliente, estando os partidos cristãos (SGP, cue CDA) e o SP diametralmente opostos ao D66 e ao VVD. Como ficou demonstrado, estas questões constituíram as principais dimensões de competição que separaram partidos e eleitores no panorama político holandês: a antiga dimensão cultural referente a questões morais, uma nova dimensão cultural (sobre imigração e identidade nacional), a velha dimensão económica respeitante à questão do igualitarismo económico e, finalmente, uma nova dimensão económica relativa à reforma do Estado social. Claramente, ambas as dimensões tradicionais de conflito se dividiram em duas novas dimensões. Como vimos, todas estas dimensões são importantes para perceber a forma como os eleitores entendem a dicotomia esquerda-direita, mas a nova dimensão cultural é de particular importância; além disso, todas estas dimensões são importantes para entender o comportamento de voto, mas a nova dimensão cultural tornou-se mais importante na estruturação da escolha partidária.

As eleições holandesas de 2017 evidenciaram um aumento da importância desta nova dimensão cultural, enquanto o espaço das políticas económicas se fraturou. Essa reconfiguração dimensional ajuda a compreender os altos níveis de volatilidade, fragmentação e polarização nas recentes eleições holandesas: a coligação liberal-trabalhista defendeu uma agenda ambiciosa de reformas no Estado social, a fim de tornar os sistemas de saúde e de segurança social mais sustentáveis financeiramente a longo prazo. O PvdA implementou uma agenda ambiciosa de reformas quando chegou ao governo, apesar de ter ganho as eleições em 2012 opondo-se a reformas semelhantes. Em resultado disso, perdeu rapidamente o apoio dos eleitores. O VVD liberal e os democratas-cristãos adotaram posições conservadoras não convencionais na nova dimensão cultural, principalmente para competir com o PVV que subia nas sondagens27. Esta polarização ao longo da nova dimensão cultural custou aos sociais-democratas e ao SP o apoio dos seus eleitores tradicionais na classe trabalhadora, enquanto o D66, a Esquerda Verde e o DENK também conseguiram atrair eleitores de esquerda com as suas posições progressistas nestas questões. A divisão na dimensão económica criou novos nichos para os partidos políticos, dois dos quais conseguiram entrar no parlamento. O aumento da importância da nova dimensão cultural, combinado com a impopularidade do Governo liberal-trabalhista, incentivou a que um número sem precedentes de eleitores mudasse de partido, resultando no mais alto nível de fragmentação do período do pós-guerra.

As negociações para a formação da coligação estão ainda em andamento no momento da redação deste artigo (outubro de 2017). Este período de negociações já é o segundo mais longo da história holandesa28. Os quatro partidos envolvidos nas conversações são o Partido Liberal, o Apelo Democrata-Cristão, o D66 e a União Cristã. Duas questões podem condicionar a duração das negociações. Em primeiro lugar, o facto de as partes envolvidas estarem fortemente divididas nalgumas questões-chave: os eleitores do D66 e da CU encontram-se no lado progressista na nova dimensão cultural, enquanto o VVD e a CDA estão no lado conservador. Por outro lado, o VVD e o D66 estão no lado progressista da antiga dimensão cultural, ao passo que a cu e o CDA estão no lado conservador. O VVD tem a sua base à direita na velha dimensão económica, enquanto o CDA e o D66 atraem os eleitores mais próximos do centro-direita e a cu os mais próximos do centro-esquerda. O atual grupo de quatro partidos é, no entanto, a única coligação com maioria em ambas as câmaras do Parlamento que não se encontra bloqueada por outro partido ou que não foi rejeitada em rondas anteriores (como a VVD-D66-CU-GL). Um segundo fator que complica a situação é que o preço eleitoral que os partidos pagam pela entrada no governo se tornou bastante evidente com a implosão do PvdA. Nenhum partido quererá entrar numa coligação sem tentar maximizar os benefícios políticos para a sua base eleitoral cada vez mais polarizada e fragmentada.

 

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Data de receção: 4 de outubro de 2017 | Data de aprovação: 16 de outubro de 2017

 

NOTAS

1 OTJES, S., e VOERMAN, G. – «Halverwege». In VOERMAN, G. – Halverwege. Tussenbalans Kabinet Rutte II. A Haia: Montesquieu Institute, 2014.

2 OTJES, S., e LOUWERSE, T. – «Parliamentary questions as strategic party tools». In West European Politics, 2017.

3 OTJES, S. – «How the Eurozone crisis reshaped the national economic policy space: The Netherlands 2006-2012». In Acta Politica. Vol. 51, N.º 3, 2015, pp. 273--297.

4 DE VRIES, C. E. – «The cosmopolitan-parochial divide: changing patterns of party and electoral competition in the Netherlands and beyond». In Journal of European Public Policy. 2017, pp. 1-25.

5 VAN KLINGEREN, M. – «Informatievoorziening en campagne». In JACOBS, K. (ed.) – Het Oekraïne-referendum. Nationaal Referendum Onderzoek 2016. A Haia: Ministry of Home Affairs and Kingdom Relations, 2016, pp. 40-59, p. 45.

6 BALE, T., et al. – «If you can’t beat them, join them? Explaining social democratic responses to the challenge from the populist radical right in Western Europe». In Political Studies. Vol. 58, N.º 3, 2010, pp. 410-426.

7 DE VRIES, C. E. – «The cosmopolitan-parochial divide».

8 CARKOGLU, A., YILDIRIM, K., e KROUWEL, A. – «Party competition in the post-Arab Spring era». In British Journal of Middle Eastern Studies. No prelo.

9 Cf. https://nos.nl/artikel/2163443-pvda-gedecimeerd-waar-zijn-al-die-stemmers-gebleven.html.

10 MAIR, P. – «Electoral volatility and the Dutch party system: a comparative perspective». In Acta Politica. Vol. 43, N.º 2-3, 2008, pp. 235-253.

11 LAAKSO, M., e TAAGEPERA, R. – «Effective’ number of parties: a measure with application to West Europe». In Comparative Political Studies. Vol. 12, N.º 1, 1979, pp. 3-27.

12 DALTON, R. J. – «The quantity and the quality of party systems. Party system polarization, its measurement and its consequences». In Comparative Political Studies. Vol. 41, N.º 7, 2008, pp. 899-920.

13 Usámos a Chapel Hill Expert Survey mais próxima (BAKKER, R., et al. – «1999-2014 Chapel Hill Expert Survey Trend File. Version 1.1.». University of North Carolina, Chapel Hill, 2015); após 1998, o estudo de Huber e Inglehart (HUBER, J., e INGLEHART, R. – «Expert interpretations of party space and party locations in 42 societies». In Party Politics. Vol. 1, N.º 1, 1995, pp. 73-111), o estudo de Castles e Mair (CASTLES, F. G., e MAIR, P. – «Left-right political scales: some expert judgments». In European Journal of Political Research. Vol. 12, N.º 1, 1984, pp. 73-88), e o estudo de Morgan do período antes de 1918 (MORGAN, M.-J. – The Modelling of Governmental Coalition Formation: A Policy-Based Approach with Interval Measurement. Tese de doutoramento. University of Michigan, 1976). No entanto, estes dados não incluem posições para todos os partidos. Quando nenhuma posição partidária se encontrava disponível, o partido foi removido da análise.

14 KROUWEL, A. P. M., VITIELLO, T., e WALL, M. T. – «Voting advice applications as campaign actors: Mapping vaas’ interactions with parties, media and voters». In GARZIA, D., e MARSCHALL, S. (eds.) – Matching Voters with Parties and Candidates. Voting Advice Applications in a Comparative Perspective. Colchester: ECPR Press, 2014, pp. 67-78.

15 BETHLEHEM, J. – «Selection bias in web surveys». In International Statistical Review. Vol. 78, N.º 2, 2010, pp. 161-188; Van de POL, J., et al. – «Beyond young, highly educated males: a typology of vaausers». In JOURNAL OF INFORMATION TECHNOLOGY & POLITICS. Vol. 11, N.º 4, 2014, pp. 397-411.

16 Mccready, W. C. – «Applying sampling procedures». In Leong, F. T. L., e Austin, J. T. – The Psychology Research Handbook. Thousand Oaks: Sage, 2006, pp. 147-160, pp. 150-151; Daniel, J. – Sampling Essentials. Practical Guidelines for Making Sampling Choices. Thousand Oaks: Sage. 2012, p. 91; Rivers, D. – «Sample matching. Representative sampling from Internet panels». mimeo YouGovPolimetrix. 2006.

17 Mokken, R. J. – A Theory and Procedure of Scale Analysis. Berlim: De Gruyter, 1971; Van der Ark, L.A. – «Mokken scale analysis in R». In Journal of Statistical Software. Vol. 20, N.º 11, 2007, pp. 1-19.

18 Otjes, S., e Louwerse, T. – «Spatial models in voting advice applications». In Electoral Studies. Vol. 36, N.º 4, 2014,  pp. 263-271.

19 Kriesi, H., e Frey, T. – «The Netherlands: a challenge that was slow in coming». In Kriesi, H., et al. – West European Politics in the Age of Globalization. Cambridge: Cambridge University Press, 2008; Irwin, G. A., e Van Holsteyn, J. J. M. – «Scientific progress, educated guesses or speculation? On some old predictions with respect to electoral behaviour in the Netherlands». In Acta Politica. Vol. 43, N.º 2-3, 2008, pp. 180-202.

20 LIPSET, S. M., LAZERFELD, P. F., BARTON, A.H., e LINZ, J. – «The psychology of voting. An analysis of political behaviour’». In LINDZEY, G. – Handbook of Social Psychology. Reading: Addison-Wesley. 1954.

21 KRIESI, H., e FREY, T. – «The Netherlands»; KROUWEL, A. – Party Transformations in European Democracies. State University of New York Press, 2012; DE VRIES, C. E. – «The cosmopolitan-parochial divide».

22 OTJES, S. – «How the Eurozone crisis reshaped the national economic policy space».

23 DE VRIES, C. E. – «The cosmopolitan-parochial divide».

24 OTJES, S. – «How the Eurozone crisis reshaped the national economic policy space»; OTJES, S. – «Distinguishing welfare state reform and income redistribution. A two-dimensional approach to the Dutch voter space on economic issues». In Party Politics. Publicado online antes da impressão. 2016.

25 DE VRIES, C. E., HAKHVERDIAN, A., e LANCEE, B. – «The dynamics of voters’ left/right identification: the role of economic and cultural attitudes». In Political Science Research and Methods. Vol. 1, N.º 2, 2013, pp. 223-238.

26 Cf. OTJES, S., e KROUWEL, A. – «Two shades of Green? The electorates of GreenLeft and the Party for the Animals». In Environmental Politics. Vol. 24, N.º 6, 2015, pp. 991-1013; OTJES, S., e KROUWEL, A. – «Old voters on new dimensions: why do voters vote for pensioners’ parties? The case of the Netherlands». In Journal of Aging and Social Policy. Publicado online antes da impressão. 2017. doi: 10.1080/08959420.2017.1363589.

27 DE VRIES, C. E. – «The cosmopolitan-parochial divide».

28 KROUWEL, A. P. M., e KOEDAM, J. – «The Netherlands: investiture behind closed doors». In Rasch, B. E., MARTIN, S., e CHEIBUB, J. A. (eds.) – Parliaments and Government Formation: Unpacking Investiture Rules. Oxford: Oxford University press, 2015, pp. 253-2745.

 

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