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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.55 Lisboa set. 2017

https://doi.org/10.23906/ri2017.55a07 

A Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP): Entre o comércio livre  e a geopolítica1

TTIP: Lost in-between trade and geopolitics

 

José Pedro Teixeira

Fernandes Professor-coordenador do ISCET e investigador do IPRI-NOVA.

 

RESUMO

O objectivo fundamental deste artigo é passar em revista as negociações da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), olhando para os argumentos a seu favor e para as críticas dos seus detractores. Para o efeito, faz-se uma breve contextualização das negociações no âmbito das relações atlânticas e é dada uma panorâmica geral das matérias em negociação. Depois, olha-se com algum detalhe para aspectos específicos da TTIP pela sua potencial relevância. É o caso da cooperação transatlântica em matéria de regulamentação e do recurso à arbitragem para os investidores internacionais. Aí será também feita uma reflexão sobre o seu previsível impacto na economia europeia e norte-americana. Por último, é ainda efectuado um escrutínio sintético à solidez da argumentação geopolítica a favor da TTIP e são feitas considerações sobre os obstáculos ao processo negocial e à conclusão de um acordo deste tipo.

Palavras-chave: União Europeia, Estados Unidos, comércio internacional, geopolítica.

 

ABSTRACT

The main objective of this article is to review the subjects negotiated under the Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) looking both at the arguments that favour the agreement, and to the criticism made by its detractors. To this end, there will be a brief contextualization within the framework of the Atlantic relations of the last decades, and an overview of the subjects under negotiation. Then, a view with some detail, to specific aspects of TTIP, for its potential relevance. This is the case of transatlantic cooperation on regulation and recourse to arbitration for international investors. There will be also some reflections on the expected impact on European and us economy. Finally, there will be a brief scrutiny of the strength of geopolitical arguments that favour TTIP, and the obstacles to the future negotiations and the conclusion of the agreement.

Keywords: European Union, USA, international trade, geopolitics.

 

INTRODUÇÃO

A Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP)2 está numa fase de negociações, ainda que de resultado final bastante incerto, entre a União Europeia (UE) e os Estados Unidos. Seguindo uma tendência que se afirmou nas últimas décadas, a sua agenda ambiciosa vai muito além dos direitos aduaneiros e contingentes sobre mercadorias, o perfil clássico dos acordos internacionais sobre comércio do passado. Provavelmente, também por isso, as negociações estão envolvidas em forte controvérsia e têm sido alvo de duras críticas dos mais diversos quadrantes. Ao mesmo tempo, quer na UE, quer nos Estados Unidos, a importância da TTIP tem sido também defendida com base em argumentos geopolíticos. Estes seriam tanto ou mais importantes do que o comércio e investimento em si mesmos. O acordo permitiria reforçar a ligação política e económica entre ambos os lados do Atlântico, com base numa visão partilhada do mundo assente em economias de mercado e em democracias liberais. Parece também existir vontade de secundarizar a Organização Mundial do Comércio (OMC) como fórum comercial global – cuja ronda negocial de Doha está num impasse/fracasso –, por razões comerciais, mas também geopolíticas. Para além do impasse comercial, a vontade de reafirmação da liderança global dos Estados Unidos, apoiados no mundo atlântico, face à ascensão da China e Ásia-Pacífico, parece estar a ser determinante nessa opção por acordos bilaterais ou multilaterais limitados. Assim, o objectivo fundamental deste artigo é passar em revista as propostas que estão em negociação na TTIP, olhando para os argumentos a seu favor e para as críticas dos seus detractores. Em termos metodológicos, importa notar que a abordagem a este tema enfrentou naturais limitações e constrangimentos. Esteve, desde logo, dependente da informação disponibilizada oficialmente3 pelas partes em negociação, nas diversas versões que os documentos negociais já tiveram. Outra dificuldade, que não é menor, foi a de produzir uma análise balanceada num assunto tão abrangente, complexo e politizado como este. Optou-se, assim, por fazer uma sucinta contextualização destas negociações no âmbito das relações atlânticas e por dar uma curta panorâmica das matérias em negociação. Depois, por olhar com algum detalhe para aspectos específicos da TTIP, pelas suas potenciais implicações.  É o caso da cooperação transatlântica em matéria de regulamentação e do recurso à arbitragem para os investidores internacionais. Aí será também feita uma reflexão sobre o seu hipotético impacto na economia e sociedade europeia e norte-americana, quer a partir dos documentos oficiais europeus e norte-americanos, quer recorrendo a literatura académico-científica especializada sobre esta temática, que acaba por ser escassa, dado o carácter recente do tema. Por último, é ainda efectuado um escrutínio sintético à solidez da argumentação geopolítica a favor da TTIP e são deixadas algumas considerações sobre o futuro deste processo negocial.

 

AS ORIGENS DA IDEIA DE UMA ZONA DE COMÉRCIO LIVRE EURO-ATLÂNTICA

Tradicionalmente, as negociações de comércio internacional entre a UE e os Estados Unidos têm um fórum privilegiado no Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT), e a partir de 1995, na OMC. Ao contrário do que acontecia no passado, para as economias mais desenvolvidas, como é o caso dos Estados Unidos e da UE, as barreiras aduaneiras ao comércio têm hoje um peso relativamente diminuto. Os direitos aduaneiros para a «nação mais favorecida» são hoje, em média, cerca de 5,2 por cento para a UE e cerca de 3,5 por cento para os Estados Unidos. No caso das tarifas/direitos aduaneiros aplicáveis entre ambos são ainda mais baixos do que a média geral, estando na ordem dos três por cento4. Por outro lado, o processo negocial multilateral no âmbito da OMC – a Ronda de Doha, iniciada em finais de 2001 –, está no já referido impasse. O fracasso do sistema multilateral de comércio para prosseguir com a «liberalização profunda» originou, primeiro nos Estados Unidos e, em seguida, na UE, a vontade de negociar acordos entre um número mais limitado de países próximos. Ambos concluíram ou estão a negociar acordos com uma série de países no mundo – a maioria da Ásia ou das Américas –, indo além das obrigações da OMC, em compromissos sobre questões relacionadas com o comércio. Outros factores têm sido apontados. Em primeiro lugar, a crise financeira e económica global, desencadeada a partir de 2007-2008. Isso torna a procura externa uma fonte bem-vinda, senão mesmo necessária, para o crescimento interno. Em segundo lugar, a TTIP ocorre tendo como pano de fundo a ascensão da China e de outras economias emergentes face à UE e aos Estados Unidos. São vistas não apenas como concorrentes nos fluxos económicos globais, mas também como competidores na governação global. De ambos os lados do Atlântico há assim a preocupação de se estar a perder relevância económica e geopolítica global. As potências emergentes ameaçam, cada vez mais, o «duopólio» UE /Estados Unidos na governação do comércio global.

No pensamento estratégico norte-americano dos anos 1990, ligado aos meios de segurança e geopolíticos, já existia a ideia de usar uma zona de comércio livre transatlântica para cimentar a aliança político-militar. Esse argumento encontrava-se, entre outros, em Samuel P. Huntington (1996) e na sua visão estratégica de (re)configurar a nato como uma aliança do Ocidente no pós-Guerra Fria. A novidade da TTIP não é, por isso, a criação de uma ampla zona de comércio livre, mas o grau de «liberalização profunda» que lhe está subjacente. As negociações, como veremos em seguida, buscam, explicitamente, alinhar as práticas de regulamentação da UE e dos Estados Unidos, tanto quanto possível. A UE e os Estados Unidos tentaram várias vezes, após o fim da Guerra Fria, estabelecer uma Área de Livre Comércio Transatlântico (TAFTA). O primeiro passo nesse sentido foi a Declaração Transatlântica de 1990, em que, pela primeira vez, se institucionalizou uma relação bilateral, ligada à cooperação sobre questões económicas, culturais e de segurança. Mas os resultados ficaram aquém das expectativas devido a uma falta de interesse dos Estados Unidos, mas também porque a Comissão Europeia (CE) pretendia preservar a especificidade europeia, antes de se envolver num processo de cooperação transatlântica. Mostrando-se a TAFTA muito difícil de implementar, em 1995 a UE e os Estados Unidos concordaram sobre a Nova Agenda Transatlântica. Os principais resultados foram acordos de reconhecimento mútuo assinados em 1997, relativos a um pequeno número de sectores, destinado a eliminar sistemas de teste e certificação duplicados. No final dos anos 1990 houve ainda tentativas do comissário com a pasta do Comércio (Leon Brittan) de estabelecer um «novo mercado transatlântico», o que teria removido substancialmente as barreiras não tarifárias e ao comércio5. Estes planos foram finalmente abandonados em 1998 por uma muito menos ambiciosa e vaga Parceria Económica Transatlântica, a qual tentou construir o mercado transatlântico mais incrementalmente. Nenhuma dessas iniciativas funcionou.

 

A TTIP, OS SEUS DEFENSORES E OS SEUS DETRACTORES

Para a CE e a responsável pelo comércio internacional Cecilia Malmström, a TTIP é o acordo comercial mais ambicioso de sempre e uma oportunidade única para tornar os padrões do comércio internacional mais exigentes. Aponta cenários com múltiplas vantagens decorrentes da assinatura desse acordo: aumento do PIB no conjunto europeu; ganhos para as empresas na exportação e facilidades de investimento no mercado norte-americano; criação significativa de novos empregos e aumento do rendimento das famílias. Estas são apresentadas da seguinte maneira6:

  • «A UE vai tirar muitas vantagens do acordo comercial planeado com os EUA. Os EUA são já um parceiro comercial e mercado de exportação importante para a Europa, mas há uma margem considerável para a sua expansão. Tornando o comércio mais fácil e removendo as barreiras ao comércio através do acordo planeado, pode resultar num impulso significativo ao crescimento da UE.
  • A economia da UE pode crescer em 119 mil milhões de euros por ano, o equivalente a cerca de 500 euros para uma família média. A TTIP poderia ser vista como uma espécie de pacote de crescimento sem o uso de dinheiro dos contribuintes.
  • As empresas europeias são particularmente eficientes nas áreas de serviços. Melhor acesso ao mercado dos EUA, por exemplo, na área de consultoria de gestão ou de serviços ambientais, seria uma boa notícia para elas. É por isso que os negociadores da UE estão a usar as negociações comerciais para tentar abrir o mercado de serviços dos EUA para as empresas da UE.
  • Os países da União Europeia são os principais investidores nos EUA. Os seus investimentos combinados nos EUA atingem 1,6 biliões de euros7, tornando a UE o maior investidor nos EUA. Assim, os países da UE têm um grande interesse em assegurar que os seus investimentos no exterior recebem a melhor protecção possível – como é objetivo na TTIP.
  • O acordo de comércio previsto não beneficia apenas as grandes empresas: e vai trazer muitas vantagens para as pequenas e médias empresas (PME). A UE e os EUA já concordaram em incluir medidas específicas no acordo para que as PME beneficiem dele da mesma maneira que as grandes empresas.
  • As vantagens não vão ser limitadas à Europa. O acordo previsto terá também efeitos sobre a economia global. O aumento do comércio entre a UE e os EUA vai aumentar a procura de matérias-primas, componentes e produtos produzidos noutros países.  No total, está previsto que a economia global irá crescer mais 100 mil milhões de euros, como resultado do aumento do comércio transatlântico. A harmonização das normas entre a UE e os EUA poderá fornecer a base para padrões globais. Isto significaria que as empresas só teriam de produzir bens a um único padrão global, tornando, assim, o comércio mais fácil e mais barato.»

Vital Moreira, jurista e eurodeputado português que presidiu à Comissão do Comércio Internacional do Parlamento Europeu até 2014, aponta, também, à parceria transatlântica, vantagens substanciais. Atente-se na maneira como este configura a situação e a necessidade de um acordo comercial deste tipo para a economia europeia e portuguesa:

«Vivemos há várias décadas numa “onda longa” de liberalização do comércio internacional, desde a criação do GATT em 1947. Os chamados “mega-acordos comerciais” agora em negociação, nomeadamente a TPP (Trans-Pacific Partnership) e a TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership) são o culminar da remoção ou redução de barreiras à circulação internacional de mercadorias e de serviços.

Mas, correspondentemente, nunca foi porventura tão grande a controvérsia sobre a liberalização comercial, em geral, e os acordos bilaterais de comércio, em especial. Tradicionalmente fora da agenda pública, a política comercial externa ganhou uma visibilidade que até há poucos anos não tinha, por causa da sua crescente importância para a economia e para o emprego. A política de comércio externo passou a ser a componente mais decisiva da política económica; e a luta pela competitividade externa tornou-se uma questão vital para assegurar o emprego e para manter o equilíbrio da balança de pagamentos externa.»8

Na sua óptica, Portugal poderá ser mesmo um dos países a retirar mais vantagens, em termos económico-empresariais, devido às elevadas tarifas que os Estados Unidos ainda têm em sectores onde o país é competitivo nas exportações:

«Portugal e a UE não são excepção. Sendo uma pequena economia cada vez mais aberta ao comércio externo, Portugal tem um interesse elevado na política de comércio externo da União, beneficiando do poder negocial desta. No caso da TTIP, os estudos disponíveis revelam consideráveis vantagens em termos de crescimento e de emprego, dependendo obviamente da configuração que o acordo venha a ter. Portugal pode mesmo vir a ser um dos países comparativamente mais beneficiados, desde logo porque os Estados Unidos ainda têm tarifas de importação assaz elevadas relativamente a produtos em que Portugal é bem competitivo, nomeadamente têxteis e vestuário, calçado, conservas e alimentos processados.»9

Esta visão largamente positiva contrasta com as críticas oriundas de diversos quadrantes sociais e políticos, especialmente de organizações não governamentais (ONG), em Portugal representadas pela Plataforma «stop TTIP!» (transformada, mais tarde, em «Não aos Tratados TTIP / CETA / TISA»). Para estes, as negociações têm sido conduzidas sem uma adequada transparência e a TTIP vai ter essencialmente efeitos negativos: menos protecção ambiental; menos liberdade na internet; menos soberania alimentar; mais desregulação financeira; e, pior ainda, vantagens ilegítimas dos investidores internacionais, sobretudo empresas multinacionais, sobre os estados e cidadãos em geral. No seu manifesto pode ler-se o seguinte:

«A redução dos padrões de qualidade que ignoram o princípio da precaução, ainda em vigor na UE, a tónica na privatização dos serviços públicos, dos bens naturais comuns (água, sementes, biodiversidade), a redução dos salários e dos direitos dos trabalhadores, a desregulamentação do mercado financeiro, a limitação da liberdade de expressão e a não protecção de dados na Internet, bem como a redução das normas de protecção ambiental, de segurança e de soberania alimentar são algumas das consequências previsíveis. Para além disso, sendo o tecido empresarial europeu, constituído maioritariamente por PME, será fortemente depauperado pela concorrência com as grandes empresas americanas, agora em pé de igualdade. Entretanto, os benefícios económicos proclamados são marginais para a sociedade em geral, mesmo no melhor cenário hipotético.

Ao longo das negociações a Comissão Europeia auscultou sobretudo os representantes dos grupos económicos e financeiros de ambos os lados do Atlântico e apenas nove por cento das reuniões envolveu grupos de interesse público. De realçar que no último inquérito à opinião pública, o mais participado de sempre e que não foi divulgado em Portugal, a Comissão decidiu não levar em conta a esmagadora maioria das opiniões dos cidadãos que se pronunciaram contra o ISDS (Investor-State Dispute Settlement).

A TTIP tem sido negociada em segredo e os próprios deputados europeus só com grandes restrições têm acesso a alguns dos textos em negociação. No entanto, o texto final do tratado será votado na íntegra pelo Parlamento Europeu, sem possibilidade de alterações. A desregulamentação, ligada à harmonização das barreiras regulatórias, juntamente com o ISDS (Investor-State Dispute Settlement) e as comissões regulatórias eliminam os mecanismos capazes de manter os equilíbrios entre o poder económico-financeiro e os interesses das populações e preconiza a destruição da própria democracia.»10

Como veremos mais à frente, este activismo anti-TTIP das ONG tem tido um papel importante na formação da opinião pública sobre este assunto, e da própria classe política, num sentido crescentemente desfavorável à conclusão do acordo com os Estados Unidos.

 

O DEBATE EM TORNO DA TTIP: ANÁLISE DE ALGUNS ASPECTOS DAS NEGOCIAÇÕES

O USO E ABUSO DE MODELOS ECONÓMICOS PARA GESTÃO DAS EXPECTATIVAS

Numa das partes mais interessantes do já citado livro The Truth about TTIP de Ferddy de Villle e Gabriel Siles-Brügge, estes abordam os modelos usados nos estudos que procuram antecipar o impacto económico da negociação. Os autores discutem uma interessante questão prévia que vale a pena aqui ter em conta: em que medida a modelação (ou modelização) económica, ou seja, o uso de modelos económicos na previsão, pode ser também considerada uma ferramenta política? Como estes assinalam, «quer a União Europeia quer os Estados Unidos têm uma história de (mau) uso dos modelos económicos». Uma das grandes realizações da UE, o mercado único, que eliminou numerosas barreiras não aduaneiras entre as economias europeias, é um caso a assinalar. Um dos relatórios mais influentes da UE – o chamado Relatório Cecchini –, apontava para ganhos do PIB ligados à conclusão do programa do mercado único na ordem dos 4,25 a 6,5 por cento do PIB. Esta previsão mostrou-se largamente exagerada. Até a CE, no seu relatório sobre o mercado único de 2007 («Single Market Review») «estimava os ganhos serem cerca de metade do limite mais baixo da estimativa de Cecchini, em 2,15%». A questão óbvia que estes colocam é esta: dada a margem de erro no cálculo dos benefícios do mercado único, o que vale a previsão de crescimento de 0,48 por cento do PIB?11

Como notam em seguida, quase todos os estudos económicos sobre o impacto da TTIP se baseiam nos chamados computable general equilibrium (CGE) models.

«Esses modelos simplificam o eminentemente complexo mundo social, reduzindo-o a um número de variáveis-chave de forma a quantificar o impacto económico de decisões políticas específicas. Por exemplo, podem simular o impacto que um aumento dos impostos tem sobre o consumo, ou (como neste caso) se a liberalização do comércio leva a um aumento do crescimento.»

Em que medida se pode, então, falar numa «gestão de expectativas ficcionais»? Desde logo, pode-se falar numa gestão das expectativas na medida em que os modelos produzem predições sobre o futuro estado da economia, pretendendo guiar a acção. «O que é particularmente impressionante, todavia, é o facto de as previsões produzidas serem incrivelmente falíveis.» Mas será que podemos também falar de gestão das expectativas num outro sentido, ou seja, numa deliberada estratégia para as «influenciar»? Ferddy de Villle e Gabriel Siles-Brügge consideram que os modelos económicos – do tipo CGE –, fazem-no de três formas diferentes. A primeira consiste em usar pressupostos que não captam bem o funcionamento da economia no mundo real (ou seja, usando os pressupostos da economia neoclássica, desde a racionalidade dos actores económicos, até ao pressuposto de que os mercados tendem, naturalmente, para o equilíbrio, etc.). Desta forma, privilegiam, consciente ou inconscientemente, uma determinada visão do mundo e são «agnósticos noutras questões, tais como as desigualdades que daí podem resultar». A segunda forma é o enviesamento implícito que resulta do poder que o investigador tem na configuração dos resultados do seu modelo. Citando um artigo da revista The Economist, de 2006, ironizam a este propósito: «se os autores dos modelos (CGE) acreditam que o comércio faz aumentar a produção e o crescimento... então os resultados dos modelos vão mecanicamente confirmar isso.» A terceira forma é porque são uma espécie de «caixas negras», frequentemente opacas e impenetráveis pelos leitores não familiarizados com essa ferramenta económica. «Isto serve de escudo contra o seu enviesamento e falta de confiabilidade, face aos olhares do público.»12

No caso do estudo da CE – baseado no trabalho do Centre for Economic Policy Research (CEPR) feito para esta –, encontram-se, como é normal, diversos cenários. Todavia, apenas o cenário maximalista de ganhos é usualmente referido a favor da TTIP. Esse cenário aponta para o já referido crescimento anual do PIB de 0,48 por cento na UE (ou seja, um acréscimo de 119 mil milhões de euros) e de 0,39 por cento nos Estados Unidos (ou seja, um acréscimo de 95 mil milhões de euros). Será esta previsão realista? O problema, mais uma vez, são os pressupostos em que este cálculo se baseia. Assume que será concluído um acordo ambicioso e compreensivo entre a UE e os Estados Unidos cobrindo todas as formas de barreiras ao comércio. Mais especificamente, assume que vão ser eliminadas todas as tarifas sobre mercadorias entre a UE e os Estados Unidos e eliminados 25 por cento de todas as barreiras não tarifárias. Neste valor está incluída a eliminação de 50 por cento das barreiras na área dos contratos/compras públicos. O estudo admite ganhos adicionais devido a «efeitos de spillover» (alastramento). Quer os exportadores europeus, quer os norte-americanos, quer outros em países terceiros, poderão beneficiar de menos barreiras transatlânticas ao comércio. Um ganho também apontado é o de isto permitir, supostamente, que o resto do mundo alinhe os seus standards pelo «mercado transatlântico»13.

Claro que nesta altura, desconhecendo-se os termos exactos da negociação final – a qual poderá até nunca chegar a ser concluída, por falta de vontade política, de um ou de ambos os lados –, é impossível avaliar, de forma equilibrada e com rigor, os possíveis efeitos da TTIP. O mais que se pode falar é em cenários, cujos ganhos ou perdas antecipadas variam com os pressupostos dos estudos. Em qualquer caso, a apresentação como um acordo win-win, em que todos ganham, é exagerada. Há, como já foi referido num outro contexto14, pelo menos, três níveis de análise do seu impacto: o nível do conjunto da UE; o nível dos estados-membros; e o nível sectorial. (A mesma análise vale para os Estados Unidos.) O facto de o acordo poder ser bom para o conjunto europeu (nesta altura, apenas uma hipótese), não significa que seja bom para todos os estados-membros, considerados individualmente. Mesmo que uma economia ganhe, no seu todo, não significa também que não haja perdedores de vulto dentro desta. Um exemplo. No caso português, normalmente apresentado como uma das economias que mais serão beneficiadas pelo acordo, os impactos sectoriais poderão variar muito. Se o sector do calçado se perspectiva como importante ganhador da abertura do mercado dos Estados Unidos, já o sector do tomate poderá ser fortemente perdedor, pela concorrência dos produtores norte-americanos. Os exemplos poderiam multiplicar-se, bem como a variação do impacto, ao nível dos empregos nos diferentes sectores de actividade económica, ou ao nível dos consumidores de diferentes produtos e serviços. Existem, assim, bons argumentos para ser particularmente cauteloso quanto aos possíveis ganhos na economia e no emprego.

 

A COOPERAÇÃO TRANSATLÂNTICA EM MATÉRIA DE REGULAMENTAÇÃO

Como já explicado, a TTIP não é uma negociação sobre comércio clássica, a qual tipicamente incide sobre a redução, ou eliminação, de direitos aduaneiros relativos a mercadorias e limites de importação. É muito mais ampla do que isso, abrangendo a abertura dos mercados dos dois lados do Atlântico, a cooperação regulamentar e a convergência de regras e padrões. É o culminar de um processo onde as negociações sobre o comércio internacional têm cada vez mais impacto na esfera da política interna dos estados15. Assim, diferenças de regulação entre os Estados Unidos e a UE têm sido, sistematicamente, redefinidas como barreiras não aduaneiras ao comércio. A tendência data dos anos 1970, das negociações do GATT (Tokyo round, ou Ronda de Tóquio), sendo uma forma hábil de obter o consentimento dos cidadãos/eleitores nas negociações de comércio internacional. Em vez de o assunto ser apresentado como uma negociação recíproca, por exemplo, sobre regulamentações que protegem a saúde dos consumidores, é configurado como um processo de eliminação de entraves de tipo administrativo e/ou burocrático ao comércio.

A harmonização de regulamentos entre a UE e os Estados Unidos levanta questões mais profundas e complexas do que a sua simples apresentação como barreiras ao comércio sugere. No implícito está que aumentará o bem-estar com a eliminação dessas barreiras, mas essa é uma questão em aberto. Como notam Ferddy de Villle e Gabriel Siles-Brügge, há abordagens substancialmente diferentes dos dois lados do Atlântico, desde logo a nível jurídico-constitucional. Nos Estados Unidos, há mais de uma centena de agências federais as quais são, na prática, quem cria esse tipo de legislação regulamentar. Teoricamente, o poder de legislar caberia só ao Congresso, mas o que ocorre é uma delegação do mesmo em agências governamentais, sujeitas, depois, a uma supervisão muito geral do Congresso. No caso da UE, as regulamentações podem ser criadas de acordo com o processo legislativo ordinário: iniciativa da Comissão, com decisão conjunta do Conselho e do Parlamento. Podem também resultar de actos regulamentares com origem na competência delegada na Comissão, ou na sua competência de execução, estando, nesse caso, sujeitos a uma supervisão do Conselho ou eventualmente do Parlamento. Quer dizer, apesar das críticas feitas à tecnocracia europeia, há, nesta matéria, comparativamente com os Estados Unidos, maior controlo político16.

Para avançar em matéria de cooperação regulamentar há duas grandes opções: (1) uma é a «harmonização» das suas anteriores diferentes regras, seguida de uma futura elaboração conjunta de novas; (2) a outra é o «reconhecimento mútuo» das regras existentes, as quais continuam distintas. A opção mais provável é esta última, ou seja, a do reconhecimento mútuo. Por outras palavras, sendo esta a via escolhida, seriam criadas condições em que as partes participantes no acordo se comprometeriam a que, se um produto ou serviço pode ser legalmente vendido numa jurisdição, poderá ser legalmente vendido em qualquer outra jurisdição. Esta opção tem a vantagem prática, que não é menor, de evitar que ambas as partes tivessem de chegar a acordo sobre o standard superior, ficando a outra parte com os custos do ajustamento. Levanta, no entanto, problemas que não são menores também. Com o reconhecimento mútuo, acaba por se verificar «uma primazia do mercado na medida em que as empresas têm a possibilidade de escolher o standard que vão cumprir». Ao contrário, se a opção fosse pela harmonização, seria afirmada a «primazia da governação política sobre o mercado, a nível supranacional, com o novo standard sendo determinado por uma negociação política». Quer dizer, o reconhecimento mútuo, acaba, na prática, «por ser de natureza puramente desregulatória», na medida em que permite às empresas tornear os standards mais exigentes17.

 

A HARMONIZAÇÃO REGULAMENTAR E A CRIAÇÃO DE UM PADRÃO GLOBAL

Um dos argumentos usados a favor da harmonização regulamentar entre a UE e os Estados Unidos é o de que permitirá, dado o peso das duas economias (cerca de 50 por cento do PIB mundial) criar standards globais. A ser assim, traria vantagens para as economias de ambos os lados do Atlântico. Para além disso, tais padrões seriam mais elevados e exigentes do que se fossem definidos por economias como a chinesa. O economista norte-americano Samuel Rines, enuncia assim o argumento:

«A redução das barreiras não pautais ao comércio é aqui o verdadeiro prémio. Estas compõem a maior parte dos impedimentos reais ao comércio entre os Estados Unidos e a UE, e incluem tudo, desde requisitos técnicos aplicáveis aos produtos, até às normas agrícolas e de saúde. (...) Para a TTIP ter um impacto económico pronunciado, as normas regulamentares terão de ser integradas de forma significativa neste. Com os Estados Unidos e a UE constituindo, em conjunto, 50% da economia mundial, o estabelecimento firme, mutuamente reconhecido de normas, poderia estimular um regime de facto de padrões globais.»18

Mas esta (teórica) vantagem, que seria a possibilidade de definir padrões globais, é também objecto de contestação. A probabilidade de que a TTIP «vá gerar um “poder regulamentar transatlântico”» depende das modalidades do acordo, e, mais especificamente, sobre o modo de cooperação regulamentar adoptado. A norma harmonizada – onde uma e a mesma norma é decidida em conjunto – representa a maior possibilidade de ser adoptada por países terceiros e, por conseguinte, de se tornar uma verdadeira regra global. Isso também poderia acontecer se fosse efectuado um reconhecimento mútuo erga omnes, ou seja, válido para todos, o qual é pouco provável de ser a modalidade utilizada. Aí proporcionaria um incentivo atraente para países terceiros alinharem os seus regulamentos com os da UE ou dos Estados Unidos, porque seria fornecer-lhes imediatamente o acesso à outra parte do mercado19. Mas os negociadores têm indicado que este não é um resultado plausível das negociações na maioria das áreas. Ferddy de Villle e Gabriel Siles-Brügge fazem notar que

«se a UE e os Estados Unidos escolherem, apenas, reconhecer mutuamente as regras de cada um bilateralmente (como é o mais provável), isso não irá incentivar países terceiros a alinharem os seus padrões com os transatlânticos. Isso significaria que as empresas de países terceiros não vão desfrutar das vantagens da TTIP, e, consequentemente, terão pouco ou nenhum motivo para mudar as suas práticas actuais (ou para pressionar os seus governos a alinhar os seus regulamentos por padrões europeus/norte-americanos). Pelo contrário, ficam em desvantagem competitiva face às empresas de ambos os lados do Atlântico e poderão acabar perdendo terreno no mercado transatlântico. Como resultado, pode ocorrer um efeito de desvio de comércio»20,

redireccionado-se estas para outros mercados. Em síntese, não é líquido que a TTIP irá estimular a criação de padrões globais de comércio. Pode até, no pior cenário, ter efeitos perversos para a capacidade de influência da UE:

reconhecimento mútuo pode também ter um impacto negativo sobre a liderança global da regulamentação de uma segunda maneira, mesmo que o reconhecimento fosse aplicado erga omnes. Nos casos em que existem diferenças significativas entre as actuais normas da UE e dos Estados Unidos, as empresas de países terceiros poderiam, simplesmente, estar em conformidade com a norma menos dispendiosa e desfrutar do acesso gratuito ao outro mercado. Para a entidade, com o actual nível de protecção mais elevado, isso significaria perder influência sobre práticas regulatórias de países terceiros, quando comparada com a actual situação, como seria sentir a pressão da competição de todas as empresas que optarem pelo padrão mais baixo. Dado que as normas da UE são geralmente (se não sempre (...)) mais exigentes, isso seria ver a UE perder, comparativamente, mais influência do que os Estados Unidos.»21

«É um erro supor que a TTIP levará automaticamente para a "definição de normas globais" por parte da UE e dos Estados Unidos, contendo, assim, a ascensão da China. No entanto, a narrativa de que a aliança transatlântica deve deixar para trás rivalidades anteriores para evitar ser relegada na ordem global é útil para convencer as pessoas de que não é a cooperação regulamentar transatlântica mas a sua ausência que é algo a temer.»22

Em síntese: percebe-se o risco para a UE. A regulamentação nos Estados Unidos é, em média, menos exigente, especialmente em questões ambientais ou relacionadas com a defesa dos consumidores. A TTIP pode abrir a porta a uma «corrida para o fundo» (race to the bottom). O receio não é de todo infundado. Existe nos Estados Unidos face a um acordo similar de comércio e investimento negociado com vários estados23 da Ásia-Pacífico (o Trans-Pacific Partnership, TTP), onde os padrões regulamentares, em média, são mais baixos do que nos Estados Unidos.

 

O RECURSO À ARBITRAGEM PARA OS INVESTIDORES INTERNACIONAIS

Para além disso, extremamente contestada, com maior ou menor conhecimento de causa, é a inclusão de um mecanismo de solução de litígios entre estados e investidores (investor-state dispute settlement). Para os críticos, este é um dos aspectos que mais denota o desequilíbrio da TTIP a favor dos interesses das empresas multinacionais, em detrimento dos estados e dos cidadãos. Face à contestação e pressões da opinião pública, a Comissão propôs, já em 2015, a sua substituição por um sistema jurisdicional específico para os investidores (investment court system). Os seus traços essenciais são os seguintes24:

  • sistema jurisdicional público em matéria de investimentos, composto de um tribunal de primeira instância e também de um tribunal de recurso;
  • decisões tomadas por juízes, nomeados publicamente, com elevadas qualificações, comparáveis às exigidas aos membros de tribunais internacionais permanentes como o Tribunal Internacional de Justiça e o Órgão de Recurso da OMC25;
  • funcionamento segundo princípios semelhantes aos do Órgão de Recurso da OMC;
  • definição precisa das circunstâncias em que os investidores poderão recorrer ao tribunal, sendo limitadas a casos como a discriminação com base na nacionalidade, raça, sexo ou religião, expropriações sem indemnização ou denegação de justiça.

Ainda segundo a própria Comissão, esta vai começar a trabalhar, em conjunto com outros estados exteriores à União, na criação de um tribunal internacional permanente para os investimentos. Com este, pretende, futuramente, substituir «todos os mecanismos de resolução de litígios previstos nos acordos da UE, nos acordos dos estados-membros da UE com países terceiros e em tratados de investimento celebrados entre países terceiros. Esta abordagem aumentará a eficiência, a coerência e a legitimidade do sistema internacional de resolução de litígios em matéria de investimentos»26.

O sistema jurisdicional específico para os investidores (investment court system) – a nova proposta de Cecilia Malmström – pretende ser alternativa à proposta original, de um mecanismo de solução de litígios entre estados e investidores (investor-state dispute settlement). Está já também sujeito a crítica cerrada. Na Alemanha, o organismo profissional que representa os juízes teceu considerações negativas sobre essa proposta27. Argumenta não existir nem base legal, nem necessidade de tal mecanismo. Considera falacioso o argumento de que os investidores não teriam já uma «protecção judicial efectiva». Um dos pontos mais criticados assenta no facto de a definição de activos dos investidores ser tão ampla que daria a esse órgão jurisdicional competência que «vai desde a legislação até à lei geral administrativa e a legislação social e fiscal». Quer dizer, por outras palavras, potencialmente dá às empresas a oportunidade de «processarem os governos sobre qualquer legislação que considerem uma ameaça»28. Mais, a associação dos juízes alemães expressou sérias dúvidas sobre «a competência da UE para criar um tribunal desse tipo», considerando, também, que tal possibilidade representa uma ameaça aos sistemas legais actualmente em funcionamento na UE. Uma solução desse tipo «não só limitaria os poderes legislativos da União e dos Estados-Membros; também iria alterar o sistema judicial estabelecido nos Estados-Membros e da UE »29. Será difícil o sistema jurisdicional para os investidores gerar acordo nas negociações da TTIP. Os Estados Unidos sempre preferiram a versão anterior (o investor-state dispute settlement); do lado da UE, ou seja, da Comissão, o novo sistema pretendia ser um compromisso, mas as fortes críticas que já lhe foram dirigidas deixam antever muitas dificuldades, se não mesmo impossibilidade, na sua concretização. Para os mais críticos esta é a solução preferida. Primeiro, porque vêem com estranheza, e contestam, que um investidor estrangeiro tenha acesso integral a um tipo de processo e um tribunal específico, a que um cidadão europeu comum não teria acesso. Segundo, porque as grandes multinacionais, devido ao seu poder económico e recursos financeiros, têm possibilidade de contratar juristas altamente especializados e influentes, e de demandar os estados em questões jurídicas relacionadas com investidores estrangeiros.

 

OS ARGUMENTOS GEOPOLÍTICOS A FAVOR DA TTIP: UMA ANÁLISE CRÍTICA30

A ideia de usar os acordos de comércio e/ou de integração económica para reforçar a componente de segurança transatlântica não é nova. Em abstracto, é uma ideia interessante. Fazia bastante sentido num noutro contexto – o contexto político internacional dos anos 1990, nos primórdios da actual globalização, dos alargamentos da nato no pós-Guerra Fria e da actual UE aos estados da Europa Central e Oriental. No âmbito de uma concepção de segurança multidimensional, e sendo uma das dimensões dessa concepção a económica, a ideia era evitar que as rivalidades e/ou diferendos económicos e comerciais fizessem abrir brechas nesta. Uma ampla zona de comércio livre euro-atlântica, criada, simultaneamente, pela UE e pelos Estados Unidos/nato poderia ajudar a reforçar essa dimensão31. No entanto, tal contexto geopolítico não é o actual, nem as ameaças são exactamente as mesmas, nem a situação específica da UE e dos Estados Unidos. Os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001, a Guerra do Iraque, a crise financeira e económica iniciada em 2007-2008, a guerra civil na Síria que perdura desde 2011, uma Rússia mais assertiva/agressiva, entre outros, são acontecimentos de primeiro plano que geraram outro tipo de problemas para a UE. A intensidade com que alguns destes são sentidos na UE, nomeadamente os que decorrem de conflitos no Mediterrâneo Sul e Médio Oriente, faz toda a diferença – a crise gerada pelo fluxo de refugiados e a maneira como afecta a UE (e não afecta os Estados Unidos) é um exemplo óbvio. A própria recentragem do mudo na Ásia-Pacífico tem uma dimensão e intensidade inexistente na época, tal como a crescente reorientação dos Estados Unidos para essa área económica e geopolítica. Ao que tudo indica, um processo irreversível enquanto tendência de longo prazo.

Assim, sendo a TTIP um acordo económico e comercial, é necessário avaliar em que medida argumentos geopolíticos e de valores democráticos, usados a favor deste, têm substância. Vale a pena olhar melhor para esta faceta da questão, quer sob o prisma da UE, quer sob o prisma dos Estados Unidos. Uma das ideias mais difundidas é que a TTIP seria uma forma de preservar a preponderância económica e política do Ocidente – leia-se, Estados Unidos e UE – e dos seus valores democráticos no mundo do século XXI, face à ascensão da China (e Ásia-Pacífico) e do seu modelo de capitalismo autoritário. O argumento é sedutor mas não é tão sólido como parece, como se pode verificar num escrutínio mais minucioso. Em parte por culpa própria, a UE acaba por ser mais uma peça (subordinada) da estratégia global dos Estados Unidos, do que um parceiro razoavelmente igualitário como sugere o uso do termo «Ocidente». Provavelmente, esse quadro mental estava subjacente à comparação da TTIP a uma «NATO económica», feita por Hillary Clinton no início das negociações comerciais, em 2012, na altura como secretária de Estado do Governo de Barack Obama. Mas o problema não resulta apenas da ambição de supremacia norte-americana e da sua falta de vontade em criar uma liderança paritária do mundo ocidental. As crónicas divisões políticas dos europeus e o seu desinvestimento em segurança e defesa explicam, também, a sua fraca autonomia – e larga dependência dos Estados Unidos – na área política e estratégica. Quanto ao argumento da defesa de valores democráticos contra o capitalismo autoritário, há fundadas razões para ser céptico sobre a substância e exequibilidade do mesmo. Já foi usado, nos anos 1990, sobretudo pelos norte-americanos, para justificar a adesão da China à OMC. Provavelmente, nessa altura, viam-se como ganhadores económicos e comerciais da adesão chinesa, beneficiando largamente da abertura de um enorme mercado. Mas isso não levou a democracia à China. Não consta que a China seja hoje mais democracia liberal do que na época. Nem a falta de valores democráticos, ou o desrespeito dos direitos humanos, impediu as grandes multinacionais norte-americanas e europeias de se estabelecerem na China e de fazerem negócios vultuosos, no seu próprio interesse. Um exemplo irónico é até o facto de a tecnologia para censura na internet – a mais sofisticada hoje em uso –, ter sido fundamentalmente fornecida pelas multinacionais da área, com origem nos Estados Unidos. Não sendo isso directamente imputável à política externa norte-americana, também não seria possível sem a atitude política favorável à adesão da China à OMC do Governo de Bill Clinton no passado.

Num outro plano, é fácil perceber que a estratégia dos Estados Unidos está já a centrar-se na Ásia-Pacífico onde antecipam (correctamente, na sua perspectiva), os maiores desafios à sua hegemonia global. A estratégia é uma espécie de containment (contenção) da China, adaptada ao contexto da actual globalização. A sua reorganização militar, com desinvestimento na Europa e Atlântico e reforço da presença na Ásia-Pacífico, aponta nitidamente nesse sentido. O encerramento da Base das Lajes, nos Açores, enquadra-se nessa estratégia, ao que tudo indica irreversível. As negociações de uma TPP, concluídas em Outubro de 2015, são a sua faceta económica e comercial. Na perspectiva norte-americana, se há razões geopolíticas de fundo para um acordo de comércio, onde estas existem inequivocamente é na TPP. A Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) é outro foco desse interesse estratégico32. Importa também ter em mente que os Estados Unidos têm cada vez menos interesse na Europa, até por motivos culturais e sociológicos. 

A componente latino-americana e asiática da sua população é cada vez mais significativa. Provavelmente, será maioritária durante as próximas décadas. Imaginar o Atlântico como centro do mundo – e os Estados Unidos como anglo-saxónicos –, é passado. No melhor dos cenários, a TTIP poderá atenuar, durante algum tempo, os efeitos da deslocação de poder em curso para a Ásia-Pacífico e trazer algum bem-estar económico. A ser assim, não é um resultado negligenciável, nem em termos económicos, nem geopolíticos. Em qualquer caso, nunca será um efeito generalizado de bem-estar, mas, sobretudo, de ganhos sectoriais/empresariais (o que, de alguma forma, ocorre sempre nestes acordos). Haverá ganhadores e perdedores, na economia e tecido social, resta saber, exactamente, em que termos. Mas, no pior cenário, pode acentuar também os problemas já existentes ligados a uma globalização adversa ao modelo social europeu, sem vantagens relevantes geopolíticas, ou seja, na segurança europeia e reequilíbrio atlântico.

 

REFLEXÕES FINAIS

O futuro do acordo de parceria transatlântica complicou-se particularmente nos últimos meses. As negociações da TTIP parecem ter entrado num impasse sem fim à vista. Para além das razões que podem ser consideradas puramente políticas, no cerne do problema está ainda o excesso de matérias que incorporam a sua agenda. Pelo seu impacto abrangente na sociedade, muitas são inadequadas para tratar apenas numa lógica de comércio. Ironicamente, apesar de as negociações serem efectuadas fora da OMC, em grande parte devido ao impasse da Ronda de Doha, caíram em problemas similares aos que imobilizaram as negociações nessa organização mundial, já há vários anos. Pela sua abrangência e possíveis impactos, é também natural a apreensão e críticas de muitos sectores da sociedade civil de ambos os lados do Atlântico. As questões ambientais, de segurança alimentar ou de um tribunal de investimento, sendo, naturalmente, assuntos importantes para a economia e as empresas, não são algo que deva apenas ser tratado numa óptica de comércio. Para além da complexidade ligada ao excesso de ambição negocial, vários acontecimentos políticos contribuíram para que o seu resultado possa acabar por ser um fracasso, face às expectativas criadas. Ainda durante o Governo de Barack Obama, a intransigência norte-americana em áreas da negociação como a arbitragem no investimento estrangeiro e a cooperação regulamentar, bem como a sua estratégia de usar a TPP para pressionar os europeus foi uma delas. Do lado europeu, a crescente pressão de organismos da sociedade civil, já anteriormente muito críticos da globalização, e agora também sobre as virtudes das negociações da TTIP face ao seu secretismo, ainda que parcial, tornou a opinião pública bastante céptica sobre as suas potenciais vantagens. Ao nível político, em estados como a França e a própria Alemanha (esta última, desde o pós-Segunda Guerra Mundial, tradicionalmente favorável a acordos de livre comércio), têm sido levantadas bastantes dúvidas quanto ao interesse e vontade de continuar com as mesmas. A juntar a isto, o referendo no Reino Unido de 23 de Junho de 2016, com votação favorável à saída da UE (Brexit), afastou um dos estados europeus mais entusiastas nas virtudes comerciais e geopolíticas do acordo. Por último, as eleições presidenciais nos Estados Unidos de finais de 2016 – que levaram à eleição de Donald Trump com um programa político muito desfavorável aos acordos de comércio livre multilaterais –, complicaram, ainda mais, as possibilidades de acordo. Neste contexto político turbulento e incerto, mesmo com argumentos económicos e geopolíticos a seu favor, ainda que exagerados, sobretudo para o lado europeu, a TTIP tem um futuro particularmente incerto. No pior cenário, arrisca-se a engrossar o lote dos projectos de zonas de comércio livre euro-atlânticas que já ficaram pelo caminho. 

 

BIBLIOGRAFIA

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Data de recepção: 19 de Setembro de 2016 | Data de aprovação: 21 de Junho de 2017

 

NOTAS

1 Este artigo corresponde fundamentalmente à comunicação apresentada no VIII Congresso da Associação Portuguesa de Ciência Política, que decorreu na FCSH-UNL, em Lisboa, a 10-12 de Março de 2016. Foram efectuadas pontuais alterações e actualizações, tendo em conta os desenvolvimentos posteriores do tema, especialmente a nível político. O autor agradece ainda os comentários e sugestões da arbitragem científica anónima, os quais contribuíram para a melhoria da versão final agora publicada. O texto foi escrito segundo as regras do antigo acordo ortográfico.

2 Neste texto, incluindo nas citações – que, para efeitos de harmonização da linguagem do artigo, adaptámos, se necessário, face ao texto original –, usamos «a» TTIP, no feminino (e não «o» TTIP), por referência abreviada a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento.

3 Informação fundamentalmente disponível em EUROPEAN COMMISSION – EU Negotiating Texts in TTIP. (Consultado em: 28 de Janeiro de 2016). Disponível em: http://trade.ec.europa.eu/doclib/press/index.cfm?id=1230; e Office of the United States Trade Representative (USTR) – Transatlantic Trade and Investment Partnership (T-TIP). S. d. (Consultado em: 28 de Janeiro de 2016). Disponível em: https://ustr.gov/TTIP.

4 Cf. VILLLE, Ferdy de, e SILES-BRÜGGE, Gabriel – TTIP: The Truth about the Transatlantic Trade and Investment Partnership. Cambridge: Polity, 2015. Introdução «Why TTIP now?». As citações de publicações em formato ebook electrónico do tipo epub (electronic publication/publicação eletrónica) – como é o caso deste livro –, ou de outro equivalente (iBook, Kindle, etc.), são feitas indicando a introdução (int.) ou o capítulo (cap.) e o parágrafo (pgf.), dado estas não terem uma paginação convencional.

5Cf. VILLLE, Ferdy de, e SILES-BRÜGGE, Gabriel – TTIP.

6 Cf. EUROPEAN COMMISSION – The Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP). TTIP Explained. 19 de Março de 2014. (Consultado em: 9 de Fevereiro de 2016). Disponível em: http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2014/may/tradoc_152462.pdf.

7No texto original da Comissão pode ler-se o seguinte: «EU countries are major investors in the US. Their combined investments in the us top €1.6 trillion, making the EU the biggest investor in the US.» A referência a trillion provavelmente corresponde ao bilião em língua portuguesa. Isto porque entre nós se utiliza – como sistema de nomenclatura de números –, a escala numérica longa, ao contrário dos Estados Unidos e países anglo-saxónicos, onde é usada habitualmente a nomenclatura curta.

8 Cf. MOREIRA, Vital – «TTIP». In Diário Económico. 19 de Novembro de 2014). (Consultado em: 9 de Fevereiro de 2016). Disponível em http://economico.sapo.pt/noticias/TTIP_206313.html.

9Ibidem.

10 PLATAFORMA «Stop TTIP!» – Manifesto. (Consultado em: 8 de Fevereiro de 2016). Disponível em https://www.nao-ao-TTIP.pt/manifesto/.

11 Cf. VILLLE, Ferdy de, e SILES-BRÜGGE, Gabriel – TTIP, cap. 1, ponto/título «Economic modelling and the “management of fictional expectations”».

12Ibidem, cap. «The politics of economic modeling».

13Ibidem.

14 Cf. TEIXEIRA FERNANDES, José Pedro – «Vendendo ilusões: a União Europeia e o acordo de Parceria Transatlântica». In Público online. 4 de Janeiro de 2016. (Consultado em: 19 de Setembro de 2016). Disponível em: https://www.publico.pt/mundo/noticia/vendendo-ilusoes-a-uniao-europeia-e-o-acordo-de-parceria-transatlantica-1719038.

15 Cf. VILLLE, Ferdy de, e SILES-BRÜGGE, Gabriel – TTIP, cap. 3, ponto/título «The bottom line: cutting the red tape».

16Ibidem, cap. «Regulatory politics in the EU and the US».

17Ibidem, cap. 2, «Setting global standards», ponto / título «Regulatory coperation: the devil is in the mode». Os autores fazem uma citação de Joel Trachtman a propósito da natureza desregulatória do reconhecimento mútuo.

18 RINES, Samuel – «Can TTIP save the West?». In The National Interest. 29 de Outubro de 2013). (Consultado em: 8 de Fevereiro de 2016). Disponível em: http://nationalinterest.org/commentary/can-TTIP-save-the-west-9325.

19 VILLLE, Ferdy de, e SILES-BRÜGGE, Gabriel – TTIP, cap. 2, «Setting global standards», ponto/título «TTIP is unlikely to lead to global standards».

20Ibidem.

21Ibidem.

22Ibidem.

23 Para além dos Estados Unidos, os estados que originalmente negociaram a Parceria Trans-Pacífico foram o Canadá, o Chile, o México, o Perú, a Austrália, a Nova Zelândia, o Japão, a Malásia, o Vietname, o Brunei e Singapura. O acordo foi assinado a 4 de Fevereiro de 2016 e está em processo de ratificação pelos estados signatários. Todavia, em inícios de 2017, o actual Presidente republicano dos Estados Unidos, Donald Trump, decidiu abandonar o mesmo, o que coloca grande incerteza sobre a sua futura entrada em vigor.

24 Cf. EUROPEAN COMMISSION – «Commission proposes new Investment Court System for TTIP and other EU trade and investment negotiations». Press release. 16 de Setembro de 2015. (Consultado em: 8 de Fevereiro de 2016). Disponível em: http://europa.eu/rapid/press-release_IP-15-5651_en.htm.

25 O Órgão de Recurso da OMC insere-se no âmbito do Órgão de Resolução de Litígios da Organização Mundial do Comércio. «É composto por 7 especialistas, nomeados por 4 anos, 3 dos quais deverão analisar cada caso, o que lhe garante maior estabilidade face aos painéis, de composição muito variável o que se reflecte numa menor homogeneidade dos relatórios.» Cf. MOREIRA, Teresa – «O sistema de resolução de litígios da OMC». In Janus 2004. (Consultado em: 8 de Fevereiro de 2016). Disponível em: http://janusonline.pt/2004/2004_3_2_6.html.


26 Cf. EUROPEAN COMMISSION – «Commission proposes new Investment Court System for TTIP and other EU trade and investment negotiations».

27 No seu artigo para o Deutsche Welle, sobre este assunto, intitulado «German judges slap TTIP down», de 4 de Fevereiro de 2016, Ben Knigh compara mesmo esta dura crítica a «uma bofetada na cara da União Europeia» (cf. KNIGH, Ben – «German judges slap TTIP down». In Deutsche Welle. 4 de Fevereiro de 2016).

28Ibidem.

29Ibidem.

30 Neste ponto são retomados os argumentos já explanados no artigo de TEIXEIRA FERNANDES, José Pedro – «Vendendo ilusões».

31 Ver sobre esse assunto (e as discussões sobre o papel do comércio numa concepção abrangente e multidimensional de segurança), TEIXEIRA FERNANDES, José Pedro – A Segurança da Europa Ocidental: Uma Arquitectura Euro-Atlântica Multidimensional. Lisboa: fct-fcg, 2002.

32 Cf. US DEPARTMENT OF DEFENSE – Special Report: Asia-Pacific Rebalance. (Consultado em: 28 de Janeiro de 2016). Disponível em http://www.defense.gov/News/Special-Reports/0415_Asia-Pacific-Rebalance.

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