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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.55 Lisboa set. 2017

https://doi.org/10.23906/ri2017.55a01 

ANÁLISE DE POLÍTICA EXTERNA: TENDÊNCIAS E DINÂMICAS

 

Nota introdutória: Análise de política externa: Tendências e dinâmicas

 

Nuno Severiano Teixeira* e Carmen Fonseca**

* Professor catedrático de Relações Internacionais e diretor do  IPRI-NOVA. Foi vice-reitor da Universidade NOVA de Lisboa. Doutorado em História pelo Instituto Universitário Europeu (Florença) e agregado em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade nova de Lisboa. Foi visiting professor na Universidade Georgetown (2000) e visiting scholar no Instituto de Estudos Europeus da Universidade de Califórnia, Berkeley (2004). Foi ministro da Administração Interna (2000-2002) e ministro da Defesa (2006-2009) do Governo português. Tem obra publicada sobre história militar, história das relações internacionais, história da construção europeia e segurança e defesa.

** Professora auxiliar na FCSH-NOVA e investigadora do IPRI-NOVA. Doutorada em Relações Internacionais pela FCSH-NOVA.

 

A análise de política externa (APE) é uma subdisciplina das relações internacionais cuja evolução teórica, metodológica e empírica, especialmente desde o fim da Guerra Fria, espelha a forma como os estados e outros atores internacionais desenvolvem o exercício da política externa, assim como os académicos foram recriando as abordagens propostas.

Tendo como pano de fundo a APE enquanto modelo de análise, o presente dossiê da revista Relações Internacionais tem como objetivo, por um lado, demonstrar como os tradicionais três níveis de análise são utilizados nos estudos contemporâneos da política externa e, por outro, como, no exercício da política externa, se dá a inter-relação entre aqueles níveis. Por fim, os estudos de caso apresentados inserem-se na tendência contemporânea da APE que complementa o recurso aos fatores materiais com os fatores ideacionais, e se foca não apenas nos resultados, mas também no processo de formulação da política externa.

O dossiê examina a política externa de quatro países – Estados Unidos, Rússia, Brasil e Indonésia – com características substancialmente distintas a nível económico, político, militar e, consequentemente, no que respeita ao seu posicionamento no sistema internacional. Apesar de tais diferenças, o quadro teórico e metodológico adotado pelos autores evidencia a tendência crescente da disciplina, tal como referido anteriormente – para as explicações da política externa não interessam apenas os elementos materiais do poder, competição ou cooperação que caracterizam o sistema internacional, mas também os elementos discursivos e ideacionais presentes nos níveis internacionais e internos assim como nas lideranças individuais.

O dossiê inicia-se com uma análise da política externa que tem vindo a ser desenvolvida pelos Estados Unidos nos primeiros meses da Administração de Donald Trump. Com este artigo, Luís da Vinha argumenta que a política externa norte-americana tem sido marcada pela incoerência resultante do estilo de liderança do Presidente. De certa forma, a eleição de Trump veio dar voz a um grupo de descrentes das vantagens que os Estados Unidos podem ter em liderar a ordem liberal – uma inquietação que se formou gradualmente após o fim da Guerra Fria. Tendo subjacente a corrente da APE que coloca o indivíduo no centro do processo de tomada de decisão, o artigo começa por analisar a campanha presidencial de Trump no que se refere ao domínio da política externa, na qual foi lançado o slogan «America First» e que serviu de mote a muitas das propostas apresentadas. É examinado depois o comportamento de política externa norte-americano – as relações com a China, com a Coreia do Norte, com a Rússia ou com os países de maioria muçulmana, o papel dos Estados Unidos no conflito da Síria ou na nato – onde sobressai um estilo pouco convencional do Presidente e a ausência de uma visão estratégica na política externa dos Estados Unidos. Este estilo é analisado e caracterizado por Luís da Vinha na última secção do artigo, considerando como previsível o discurso e as ações de política externa de Trump, que são, nas palavras do autor, ao mesmo tempo erráticos e contraditórios.

A Rússia é o país tratado no segundo artigo do dossiê, da autoria de Maria Raquel Freire. Partindo de uma perspetiva construtivista, a autora analisa a política externa russa combinando elementos dos níveis interno e internacional, e elementos materiais e ideacionais. Raquel Freire considera que as explicações sistémicas e materiais devem ser complementadas com as explicações que valorizam a importância do discurso, das motivações e dos contextos sociais na formulação da política externa. A análise centra-se no período entre 2000 e 2012, que corresponde à eleição presidencial de Vladimir Putin, em 2000, e à sua eleição como primeiro-ministro em 2008, sob a presidência de Dmitri Medvedev. Para o período em apreço são apresentadas as principais alterações implementadas tanto ao nível do discurso como da ação, com vista à prossecução do principal objetivo da política externa russa: o reconhecimento do país como grande potência. Maria Raquel Freire evidencia, contudo, que a leitura dos discursos e práticas não deixa antever a existência de uma correspondência plena entre as opções tomadas e o objetivo pretendido.

O caso da política externa do Brasil no período entre 2003 e 2010, que corresponde aos anos do Presidente Lula da Silva, é analisado por Carmen Fonseca. A autora olha para a política externa brasileira a partir de três níveis analíticos – interno, internacional e individual –, com vista a evidenciar a sua inter-relação na formulação do objetivo de projeção internacional do Brasil. Apesar de a maioria dos estudos contemplar as razões sistémicas e, em menor grau, as razões internas na formulação da política externa, Carmen Fonseca salienta como a leitura dos interesses e visões dos principais líderes, em particular o triângulo composto por Celso Amorim, Marco Aurélio Garcia e Samuel Pinheiro Guimarães que acompanhava o Presidente, foi fundamental na definição do principal objetivo de política externa do Brasil. O artigo apresenta uma retrospetiva das principais tendências de atuação internacional durante os anos do Presidente Lula, evidenciando continuidades e ajustes, para depois analisar, separadamente, a influência da dimensão interna, do sistema internacional, e das ideias e interesses dos indivíduos na definição do objetivo de «Brasil potência».

Por fim, Pedro Emanuel Mendes analisa a política externa da Indonésia desde a transição para a democracia, em 1998, até aos dias de hoje. O autor sublinha a importância dos interesses, dos decisores e dos contextos na construção das ideias e políticas para que se compreenda plenamente a política externa indonésia. Partindo de uma abordagem sociocultural, o autor começa por estudar a construção dos interesses dos estados para depois se centrar no caso indonésio, analisando as presidências de Habibie, Wahid, Sukarnoputri, Yudhoyono e Jokowi. Tal caracterização evidencia as alterações internas, económicas e sociais que se registaram e permite analisar a sua influência na política externa, no posicionamento e identidade internacional do país. Adicionalmente, a chegada ao poder do Presidente Jokowi, em 2014, pareceu trazer também uma reorientação da política externa colocando no centro dos interesses da Indonésia o nível regional em detrimento do internacional.

A leitura dos quatro artigos permite concluir que os estados maximizam de diferentes formas e com diferentes fins as oportunidades geradas pelos sistemas internacional e interno. Ao contrário dos Estados Unidos de Trump, a única grande potência aqui analisada, os outros três países estudados, enquadrados comummente na categoria de potências emergentes, partilham o recurso à política externa como forma de afirmarem o seu protagonismo e influenciarem a agenda internacional. Não obstante, verifica-se um grau de ambição diferente entre a Rússia, o Brasil e a Indonésia.

Ao mesmo tempo, os artigos demonstram que as explicações para a formulação e exercício da política externa, incluindo a definição das suas prioridades e as decisões tomadas, e os resultados obtidos, não se devem apenas às condições encontradas no sistema internacional, mas também à sua inter-relação com as dinâmicas internas e entre aquelas e o perfil dos decisores de política externa.

Espera-se que este dossiê possa contribuir para o debate sobre a evolução da APE e dos seus modelos, assim como para o mapeamento das variáveis independentes dos casos aqui estudados, como forma de adicionar diferentes perspetivas sobre um tema que nas últimas décadas tem sido recorrente nos estudos das relações internacionais: a política externa. 

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