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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.54 Lisboa jun. 2017

https://doi.org/doi.org/10.23906/ri2017.54a03 

O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL EM ÁFRICA

O Tribunal Penal Internacional: Desafios atuais1

The International Criminal Court: current challenges

 

Patrícia Galvão Teles*2 e Daniela Martins**

* Professora de Direito Internacional da Universidade Autónoma de Lisboa. Consultora Jurídica do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Membro da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas (2017-2021).

** Finalista do curso de Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Assistente de Investigação da Professora Doutora Patrícia Galvão Teles (membro da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas)

 

RESUMO

O Tribunal Penal Internacional (TPI) entrou na sua segunda década de funcionamento e estabeleceu-se no centro de um sistema de justiça penal internacional e de proteção dos direitos humanos que também inclui jurisdições nacionais e outros tribunais internacionais. No entanto, o TPI continua a enfrentar vários desafios que resultam das suas próprias características e decorrem das especificidades do direito e das relações internacionais. Neste artigo examinamos, à luz de acontecimentos recentes, quatro desses desafios: 1) universalidade; 2) complementaridade; 3) cooperação; e 4) o crime de agressão. Esses desafios ilustram a forma como o TPI e a justiça penal internacional habitam tanto nas esferas da justiça como da política e como estes dois aspetos devem ser tidos em consideração para que esses desafios sejam superados, de modo a que a missão de um instrumento permanente e central para a luta contra a impunidade, que historicamente começou em Roma em 1998, se torne uma parte inerente do mundo atual.

Palavras-chave: Tribunal Penal Internacional, justiça penal internacional, direitos humanos, crimes internacionais.

 

ABSTRACT

The International Criminal Court (ICC) has entered into its second decade of operations and has established itself at the centre of an international criminal justice system and protection of human rights, comprising also domestic jurisdictions and other international courts and tribunals. However, many challenges continue to face the ICC and, indeed, such challenges are part of its own features and stem from the specificities of international law and relations. In this article we shall discuss, in light of recent events, four of such challenges: 1) universality; 2) complementarity; 3) cooperation; and 4) the crime of aggression. These challenges illustrate how the ICC and international criminal justice inhabit both the spheres of justice and politics and how these two aspects have to be taken into account in order for such challenges to be overcome, so that the mission of a permanent and central instrument for the fight against impunity, that historically started in Rome in 1998, becomes an inherent part of today’s world.

Keywords: International Criminal Court, international criminal justice, human rights, international crimes.

 

INTRODUÇÃO

O Tribunal Penal Internacional (TPI), uma das principais instituições internacionais que foram criadas no final do século XX, é hoje um dos atores fundamentais na proteção dos direitos humanos, em particular quando as violações desses direitos atingem um patamar de gravidade que constituem crimes internacionais.

Nos últimos anos, o TPI assistiu a um nível de atividade judicial sem precedentes. Esta tendência deverá continuar. Estão a ser realizados exames preliminares em dez situações distintas em todas as regiões do mundo (incluindo no Afeganistão, Colômbia, Iraque/Reino Unido, Palestina e Ucrânia), existem dez investigações em curso (incluindo na Geórgia) e três julgamentos foram concluídos em 2016.

Ao mesmo tempo, como se verá infra, o TPI está a atravessar momentos delicados do ponto de vista político, com a retirada do Estatuto de Roma no final de 2016 de três estados africanos (Burundi, África do Sul e Gâmbia, tendo estes dois últimos subsequentemente «retirado a sua retirada» no início de 2017), posições contraditórias de apoio e crítica por parte da União Africana (UA) e dos estados africanos e sinais antagonistas provenientes tanto da Rússia como da nova Administração americana após as eleições em novembro de 2016.

Simultaneamente, em virtude da falta de universalidade do Estatuto de Roma e do impasse no Conselho de Segurança das Nações Unidas, algumas situações em que crimes internacionais sérios estão a ser cometidos não podem ser levadas perante o TPI. Por esse motivo, continuará a verificar-se a necessidade de criar mecanismos ad hoc, apesar da existência de um tribunal penal permanente. Tal poderá suceder nos casos do Sudão do Sul e possivelmente da Síria, como se explicará mais adiante.

Quanto à questão da complementaridade, a conclusão do Protocolo de Malabo que altera o Estatuto do Tribunal Africano de Justiça e dos Direitos Humanos no contexto da UA criou a novidade, para além das jurisdições nacionais, de estabelecer uma complementaridade «regional» e a questão da sua compatibilidade com o Estatuto de Roma.

No plano da cooperação, as dificuldades continuam e afetam a capacidade do Tribunal de cumprir a sua missão, dado o elevado grau de dependência na cooperação dos estados partes. Isto tornou-se especialmente evidente, como se verá mais à frente, no que diz respeito à detenção e entrega de pessoas acusadas pelo Tribunal, em particular de Omar al-Bashir, do Sudão, um chefe de Estado em exercício, que evidencia a tensão entre o direito tradicional sobre imunidades e a justiça penal internacional.

Outro elemento de tensão que ressurgirá prende-se com o crime de agressão, já que a decisão sobre a ativação da jurisdição do Tribunal relativamente a este crime poderá ser tomada a partir de 1 de janeiro de 2017 – devendo o assunto ser discutido na Assembleia dos Estados Partes no outono de 2017 – e o crime de agressão tem sido um elemento contencioso do estatuto do TPI, especialmente para os membros permanentes do Conselho de Segurança.

Estes quatro desafios atuais, que serão abordados nas diferentes secções deste artigo após se fazer um breve balanço sobre o contributo do TPI para a proteção dos direitos humanos, continuam a colocar no centro das atenções as dificuldades de funcionamento de um mecanismo judicial num ambiente político. Se todo o trabalho judicial é feito neste contexto, em nenhum tribunal como o TPI essa dicotomia de justiça versus política se afigura mais evidente.

 

O TPI E O SEU CONTRIBUTO PARA A PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

O fim da Guerra Fria, a globalização, casos como o do Ruanda e o da Bósnia – onde foram cometidas gravíssimas atrocidades que chocaram a consciência humana – lançaram novo fôlego sobre o papel que um tribunal penal internacional poderia desempenhar em países devastados por conflitos armados e tragédias humanitárias3 . Ambos os casos mencionados proporcionaram a criação de tribunais com mandato e competência limitados (tribunais ad hoc), os quais, por sua vez, precipitaram o processo que culminou em Roma.

A aprovação do Estatuto de Roma em 1998, que criou o TPI, cuja competência se exerce relativamente a factos ocorridos depois da entrada em vigor do referido estatuto (julho de 2002)4 , é um marco fundamental no campo do direito internacional e é resultado de difíceis negociações e compromissos, especialmente no respeitante aos crimes contra a humanidade e ao crime de agressão. Fruto de um mundo em transição, o TPI anuncia e é portador de toda a carga jurídica internacional que o antecedeu e, ao mesmo tempo, assenta na novidade5 , desde logo porque, dotado de personalidade e capacidade jurídicas distintas dos estados que o compõem, materializa a ideia de uma justiça penal internacional permanente6 e independente.

O TPI, que é estruturalmente composto por quatro órgãos7 , julga apenas pessoas físicas maiores de 18 anos, sem distinção da sua qualidade oficial (artigo 27.º), e tem competência para julgar os crimes de genocídio, crimes contra a humanidade8 , crimes de guerra e crimes de agressão (jurisdição ratione materiae: artigo 5.º), mas não possui um sistema coativo para impor as suas decisões.

O procedimento perante o TPI pode ser iniciado por uma de três formas: por um Estado Parte, pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas (com base no disposto no capítulo vii da Carta das Nações Unidas9 ), ou pelo procurador, desde que com a autorização da Câmara de Questões Preliminares. Tal estrutura, que deverá concretizar o propósito de acabar com a impunidade dos crimes mais graves, não tem sido isenta de dúvidas10 . A competência do TPI não é universal, dado que, nos termos do artigo 12º, restringe-se, em princípio, aos estados que ratificaram o Estatuto ou que mais tarde aceitaram tornar-se partes. Na verdade, «(e)nquanto o TPI não for um Tribunal verdadeiramente universal (se é que algum dia o poderá vir a ser), a sua jurisdição “parcial” ou “incompleta” continuará a ser um desafio, pois manter-se-ão abertos os tais “loopholes of accountability”»11 , como melhor se verá infra.

Com efeito, o Tribunal só pode exercer a sua jurisdição se o Estado do território em que o crime ocorreu ou o Estado da nacionalidade do acusado forem partes no Estatuto, mas existe outra possibilidade de exercício da jurisdição: a de estados que não são partes no Estatuto declararem aceitar ad hoc a competência do mesmo. Deste modo, nos temos dos n.os 2 e 3 do artigo 12.º, um Estado pode não ser parte no Estatuto e os seus nacionais virem a ser julgados, por terem praticado o(s) crime(s) no território de um Estado que aceite ad hoc a competência do TPI. Finalmente existe a hipótese de a jurisdição do TPI se estender ao território e aos nacionais de quaisquer estados, sempre que o Conselho de Segurança das Nações Unidas comunique uma situação junto do procurador (vide alínea b) do artigo 13.º do Estatuto de Roma)12 .

Contrariamente à solução de concorrência de jurisdições adotada nos tribunais ad hoc para a antiga Jugoslávia e para o Ruanda, a competência do TPI é complementar da dos estados13 , nos termos do consagrado princípio da complementaridade (Preâmbulo e artigos 1.º, 15.º, 17.º, 18.º, 19.º)14 , o que significa que apenas julga se os tribunais nacionais não o fizerem. Neste aspeto, é essencial, por conseguinte, que os estados aperfeiçoem os seus sistemas punitivos implementando as normas do Estatuto na sua legislação interna, a fim de que possam exercer a sua jurisdição primária, no caso de cometimento dos crimes previstos nesse mesmo Estatuto.

A cooperação interestatal, que é horizontal, não é acautelada no Estatuto de Roma, uma vez que este regula tão só as relações entre os estados partes e o TPI15 : neste aspeto, verificam-se situações como a inexecução de pedidos de entrega de arguidos, o que enfraquece a função do TPI e é um problema a aguardar solução. Ainda ao nível dos aspetos menos positivos do Estatuto, como seja a obscuridade de certas noções/definições16 , diversos autores têm tecido duras críticas ao TPI, seja por alegadamente corporizar uma justiça seletiva, seja pela sua pretensa dependência do poder político17. E se já em 1998 Andreas Zimmermann considerava que a independência e a eficácia são meios necessários para a punição efetiva dos crimes sobre os quais o Tribunal viria a exercer a sua jurisdição18 , a verdade é que a sua criação resultou da circunstância de a agenda dos direitos humanos ter passado a ocupar um lugar central nas Nações Unidas, passo capital num caminho que se abriu cheio de potencialidades.

O TPI não julga todos os crimes internacionais, como decorre dos n.os 1 e 2 do artigo 5.º do Estatuto de Roma. Com efeito, a sua jurisdição reporta-se ao crime de genocídio, aos crimes contra a humanidade, aos crimes de guerra e ao crime de agressão19 . A definição destes crimes mais graves, que interessam à comunidade internacional no seu todo, não pretende ser exclusiva nem completa e não deve afetar ou «alterar as caracterizações do Direito Internacional consuetudinário dinâmico»20 . Tais diferentes caracterizações, como aponta Jordan J. Paust, «are important for several reasons. For example, if future efforts are made to create a general or regional multilateral treaty proscribing crimes against humanity, the significant limits with respect to crimes against humanity set forth in Article 7 of the Rome Statute should not simply be copied»21 .

Como afirmou Paula Escarameia, «a própria existência do Tribunal corresponde a uma vitória fundamental da proteção dos direitos humanos mais básicos relativos a situações extremas de violência e de abuso do poder»22 , proteção que é redobrada pela «irrelevância da qualidade oficial» (artigo 27.º do Estatuto de Roma). No entender da autora, este pendor para a proteção do indivíduo revela-se, ainda, através do disposto no artigo 15.º quanto aos poderes proprio motu do procurador23 . Sendo inquestionável a importância da criação do TPI, a verdade é que «a sua tarefa é intrinsecamente difícil», por diversas razões, como acentuam Hyeran Jo e Beth Simmons, mormente porque não tem a sua própria força policial24 .

 

DESAFIOS ATUAIS

UNIVERSALIDADE

A ratificação universal do Estatuto de Roma do TPI tem sido um objetivo constante desde a sua aprovação. Em 2016, 124 estados eram partes no Estatuto, incluindo o Estado da Palestina. Destes, 34 são estados africanos, 19 são da Ásia-Pacífico, 18 são da Europa Oriental, 28 são da América Latina e das Caraíbas e 25 são da Europa Ocidental.

Em outubro-novembro de 2016, a África do Sul, o Burundi e a Gâmbia notificaram o secretário-geral das Nações Unidas, que é o depositário do Estatuto de Roma, da sua intenção de se retirarem do TPI – uma decisão que, de acordo com o Estatuto, produz efeitos jurídicos apenas um ano após a notificação. Estes países agiram por razões diferentes, incluindo razões políticas internas, mas estas decisões partilham uma crítica declarada ao funcionamento do Tribunal25 .

Porém, tanto a África do Sul como a Gâmbia notificaram no primeiro trimestre de 2017 a decisão de retirarem a sua decisão de retirada do TPI, sendo possível que esta questão volte a colocar-se no caso da África do Sul, onde a decisão de retirada foi declarada inconstitucional por razões formais, por não ter sido precedida de aprovação parlamentar.

Nos últimos anos, muitos estados africanos desenvolveram uma perceção negativa crescente relativamente ao TPI, especialmente tendo em conta que os primeiros casos apresentados a este tribunal se referiam todos a situações africanas, embora a maioria fosse autorreferência soberana dos próprios estados. Esta perceção negativa e as preocupações relativas à seletividade foram expressas nas reuniões da UA, da Assembleia Geral das Nações Unidas e do Conselho de Segurança e também na Assembleia dos Estados Partes no TPI26 .

Embora não se espere um êxodo em massa do Estatuto e seja ainda possível que essas decisões de retirada sejam revertidas, não obstante elas afetam a credibilidade e a legitimidade do Tribunal.

Outro aspeto que afeta a credibilidade e a legitimidade do TPI e põe em perigo a sua ambição de universalidade é o facto de que dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (p5) apenas dois são partes no Estatuto de Roma: a França e o Reino Unido. Os Estados Unidos, a Rússia e a China não são partes e isso torna a capacidade do Tribunal de exercer plenamente as suas funções muito dependente das atitudes tomadas, especialmente pelos Estados Unidos e pela Rússia, no contexto do Conselho de Segurança, atitudes essas que têm variado ao longo do tempo, mas que atualmente correm o risco de entrar numa fase particularmente antagónica.

Além disso, após os anos de George W. Bush, os Estados Unidos podem estar a caminho de um novo confronto com o TPI. O Tribunal está a dar início a uma investigação sobre possíveis crimes de guerra no Afeganistão que poderão incluir atos de tortura cometidos pelos militares dos Estados Unidos entre 2003 e 2014. Mesmo que isso não se concretize, tendo em conta os sinais dados pelo Presidente Donald Trump em questões de política externa, Nações Unidas e direitos humanos, prevê-se uma posição defensiva e hostil em relação ao TPI27 .

A Rússia, por sua vez, em novembro de 2016 «retirou formalmente a sua assinatura»28 do Estatuto do Tribunal – como fizeram os Estados Unidos29 alguns anos antes, em 200230 – depois de o Tribunal ter publicado um relatório classificando a anexação russa da Crimeia como uma ocupação.

Além da investigação em curso sobre os crimes cometidos na Geórgia em 2008, a Rússia também pode estar preocupada com uma possível investigação criminal na Síria, onde as suas forças têm sido repetidamente acusadas de crimes de guerra nos últimos meses. A Rússia assinara o Estatuto de Roma em 2000 e tinha cooperado com o Tribunal, mas não tinha ratificado o tratado e, portanto, permaneceu fora da jurisdição do TPI. Isto significa que este movimento, embora altamente simbólico, não mudará muita coisa na prática, mas é um sinal de uma atitude futura mais hostil para com o Tribunal.

Além das retiradas e posições antagónicas que ameaçam a pretensão de universalidade do Estatuto de Roma, o facto de o Estatuto não estar universalmente ratificado implica que a necessidade de continuar a criar mecanismos ad hoc – como foi feito no passado para a ex-Jugoslávia, Ruanda, Serra Leoa, Camboja ou Líbano – continua presente. Embora sejam mais difíceis de implementar, devido a dificuldades políticas e financeiras, é possível que esses mecanismos ad hoc sejam utilizados em pelo menos duas situações prementes: Sudão do Sul e Síria.

Desde dezembro de 2013 têm sido cometidas violações graves do direito internacional humanitário e dos direitos humanos no Sudão do Sul, com crimes que incluem homicídios extrajudiciais, violência étnica, violações e outras formas de violência sexual, e ataques a escolas, locais de culto, hospitais e a pessoal das Nações Unidas e de manutenção da paz que lhe está associado. Apelos à assunção de responsabilidade têm sido feitos em vários fóruns, incluindo o Conselho de Segurança, o Conselho de Direitos Humanos e o Conselho de Paz e Segurança da UA, bem como a sociedade civil. Em agosto de 2015, as partes no conflito adotaram um Acordo sobre a Resolução do Conflito, no qual acordaram estabelecer um Tribunal Híbrido para o Sudão do Sul. O Tribunal Híbrido será «um tribunal judicial híbrido independente» e será «instituído pela Comissão da UA para investigar e julgar os indivíduos responsáveis por violações do direito internacional e/ou leis aplicáveis ao Sudão do Sul» cometidas após 15 de dezembro de 2013. Em outubro de 2015, o Conselho de Segurança solicitou ao secretário-geral que disponibilizasse assistência técnica para a criação do Tribunal Híbrido. Esta é a primeira vez que as Nações Unidas têm a tarefa de prestar assistência técnica a uma organização regional para a criação de um tribunal híbrido. As Nações Unidas têm uma vasta experiência na criação e funcionamento de tribunais penais internacionais e tribunais apoiados pelas Nações Unidas e estão em articulação com a Comissão da UA para compartilhar as lições aprendidas com experiências passadas31 .

Após a resolução do Conselho de Segurança de submeter a situação síria ao TPI ter sido vetada pela Rússia e pela China em 2014, em 19 de dezembro de 2016 a Assembleia Geral das Nações Unidas votou a criação de uma equipa especial para «recolher, consolidar, preservar e analisar provas» e preparar casos sobre crimes de guerra e abusos de direitos humanos cometidos durante o conflito na Síria. De acordo com a Resolução da Assembleia Geral A/RES/71/248, a equipa trabalhará em coordenação com a Comissão de Inquérito das Nações Unidas na Síria, criada pelo Conselho de Direitos Humanos em Genebra em 2011 para investigar eventuais crimes de guerra. A Comissão de Inquérito, que elaborou uma lista confidencial de suspeitos de todas as partes que cometeram crimes de guerra ou crimes contra a humanidade, tem pedido repetidamente ao Conselho de Segurança que remeta a situação na Síria para o TPI. A equipa especial «preparará arquivos para facilitar e acelerar processos judiciais justos e independentes de acordo com as normas de direito internacional, em tribunais nacionais, regionais ou internacionais, ou em tribunais que tenham ou possam ter jurisdição sobre esses crimes». A repressão de Assad sobre os manifestantes pró-democracia em 2011 conduziu à guerra civil e os militantes do Estado Islâmico/Daesh têm usado o caos para conquistar território na Síria e no Iraque. Metade da população da Síria (cerca de 11 milhões de pessoas) foi deslocada e mais de 400 mil pessoas foram mortas32 .

A busca de universalidade dos membros e a tentativa de fazer do TPI o centro efetivo da justiça penal internacional a nível global certamente continuará no futuro, apesar dos contratempos recentes. No entanto, não podemos esquecer que o TPI é apenas um tribunal de último recurso para o mais grave dos crimes internacionais mais graves e que nunca terá capacidade, nem nunca tal se pretendeu, para substituir a jurisdição nacional e a responsabilidade original dos estados em matéria de responsabilização por crimes de atrocidade. É por isso que a complementaridade – a nível nacional ou, eventualmente, a nível regional – continua a ser uma característica fundamental da justiça penal internacional, como examinaremos na próxima secção.

COMPLEMENTARIDADE

O TPI baseia-se no princípio da complementaridade, de acordo com o artigo 17.º do seu estatuto. Trata-se de um tribunal de último recurso33 que intervém apenas quando o estado territorial ou de nacionalidade é «incapaz de, ou não quer» instaurar ações judiciais contra crimes internacionais graves que possam ter sido cometidos no seu território ou pelos seus nacionais.

Para que o sistema de complementaridade funcione, os estados têm de dispor de legislação nacional adequada e de instituições judiciais apropriadas. Naturalmente, isto é, só por si, um desafio.

A República Centro-Africana e o Sri Lanka são países que estão a desenvolver, com a ajuda das Nações Unidas e de outras organizações, a capacidade de promover a responsabilidade judicial pelos crimes cometidos durante as suas guerras civis.

Mas enquanto a complementaridade foi inicialmente vista como complementaridade entre o TPI e as jurisdições nacionais, a possível criação de um tribunal penal regional africano levantou a questão da complementaridade «regional»34 .

Em junho de 2014, a Assembleia dos Chefes de Estado e de Governo da UA, reunida em Malabo, Guiné Equatorial, adotou o Protocolo de Emendas ao Protocolo sobre o Estatuto do Tribunal Africano de Justiça e Direitos Humanos (Protocolo de Malabo) e convidou os estados-membros da UA a assiná-lo e ratificá-lo35 .

O Protocolo de Malabo alarga a jurisdição do Tribunal Africano de Justiça e Direitos Humanos (TAJDH) a crimes de direito internacional e crimes transnacionais. O plano original para o TAJDH era que fosse um tribunal com duas secções – uma secção de assuntos gerais e uma seção de direitos humanos. O Protocolo de Malabo introduz uma terceira secção: a secção de direito penal internacional. Assim, se o Protocolo de Malabo entrar em vigor, o TAJDH terá jurisdição para julgar os seguintes 14 crimes: genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra, crime de mudança inconstitucional de governo, pirataria, terrorismo, mercenarismo, corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de pessoas, tráfico de droga, tráfico de resíduos perigosos, exploração ilícita de recursos naturais e crime de agressão.

Assim, a secção de direito penal internacional do TAJDH poderia servir como um tribunal penal regional africano, com os mesmos objetivos do TPI, mas dentro de um contexto geográfico estritamente definido e sobre uma lista alargada de crimes.

A adoção do Protocolo de Malabo é certamente um passo na direção certa. O tribunal penal regional poderá desempenhar um papel positivo num continente muitas vezes atingido pelo flagelo do conflito e pela impunidade dos crimes internacionais.

Muitas vezes os governos nacionais não estão dispostos ou revelam-se incapazes de conduzir investigações atempadas, independentes, imparciais e eficazes sobre as alegações de crimes internacionais e fazer com que todos os suspeitos de responsabilidade criminal respondam perante a justiça em julgamentos justos. Um tribunal penal regional, tal como previsto no Protocolo de Malabo, tem potencial para preencher esta lacuna de responsabilização.

No entanto, existem preocupações sobre as motivações por detrás da proposta de criação da secção criminal do TAJDH. Alguns analistas36 argumentam que a proposta é uma tentativa por parte da UA de proteger os chefes de Estado africanos e altos funcionários do Estado de serem responsabilizados quando há motivos razoáveis para acreditar que são criminalmente responsáveis por crimes de acordo com o direito internacional. Além disso, há dúvidas quanto à compatibilidade com o Estatuto de Roma sobre a questão da complementaridade, prevista como uma complementaridade nacional, mas também dada a disposição expressa sobre a imunidade de processo em relação a chefes de Estado, governamentais ou outros funcionários do Estado.

A disposição do Estatuto emendado do TAJDH considerada como sendo a mais controversa é de facto uma cláusula de imunidade. A disposição pertinente (artigo 46.º-Abis) tem a seguinte redação: «Não serão iniciadas ou prosseguidas quaisquer acusações no Tribunal contra qualquer chefe de Estado ou de Governo da UA em serviço, ou contra qualquer pessoa que aja ou possa agir nessa qualidade, ou contra outros altos funcionários do Estado com base nas suas funções, durante os seus mandatos.»

Até à data, o Protocolo de Malabo ainda não entrou em vigor, tendo sido assinado apenas por nove estados (Benim, Chade, Congo, Gana, Guiné-Bissau, Quénia, Mauritânia, Serra Leoa e São Tomé e Príncipe) sem que tenha sido ratificado por nenhuma das 15 ratificações exigidas. Uma possível expansão do Protocolo de Malabo do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos poderá assegurar uma maior responsabilização, mas não prejudica o contributo do TPI para a justiça penal. Essa extensão do Tribunal Africano deve ser desenvolvida com pleno respeito e em conformidade com o Estatuto de Roma, que não prevê a imunidade de jurisdição para os chefes de Estado em exercício. Mas é justamente a questão da irrelevância da capacidade oficial de persecução penal que constitui o aspeto mais problemático do Estatuto de Roma para os estados africanos, como será discutido na próxima secção.

COOPERAÇÃO

Dos 23 pedidos de detenção e entrega emitidos pelo TPI, 12 ainda estão por executar: a) Costa do Marfim: Simone Gbagbo, desde 2012; b) República Democrática do Congo: Sylvestre Mudacumura, desde 2012; c) Quénia: Walter Barasa, desde 2013; d) Líbia: Saif Al-Islam Gaddafi, desde 2011; e) Darfur (Sudão): Ahmad Harun e Ali Kushayb, desde 2007; Omar al-Bashir, desde 2009; Abdel Raheem Muhammad Hussein, desde 2012; e Bahar Idriss Abu Garda, desde 2014; f) Uganda: Joseph Kony, Vincent Otti e Okot Odhiambo, desde 2005.

A detenção e a entrega de pessoas acusadas dependem da cooperação dos estados partes no TPI, mas também de todos os membros das Nações Unidas nos casos submetidos pelo Conselho de Segurança ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, como foi o caso do Sudão e da Líbia, que não são estados partes do TPI. O TPI pediu, sem sucesso, ao Conselho de Segurança que agisse sobre a não cooperação em relação a estas duas situações.

Estas detenções pendentes também afetaram significativamente a credibilidade do Tribunal e do sistema concebido pelo Estatuto de Roma.

O caso Bashir foi aquele em que as tensões foram mais evidentes. Em junho de 2015, enquanto participava numa cimeira da UA na África do Sul, a detenção e a entrega do Presidente Bashir foram objeto de um pedido de cooperação do TPI à África do Sul. O Tribunal Superior da África do Sul emitiu uma ordem exigindo que ele não fosse autorizado a deixar o país, mas o Governo sul-africano permitiu que o fizesse antes que o Tribunal Superior pudesse considerar o mérito do pedido. O Tribunal Superior viria posteriormente a decidir que isso era ilegal. Nos termos da parte IX do Estatuto de Roma, os estados partes – incluindo a África do Sul – têm a obrigação de cooperar com o Tribunal. Isto também se aplica à legislação da nação sul-africana que implementa o Estatuto de Roma.

O Governo da África do Sul37 argumentou que há uma questão jurídica não resolvida decorrente do facto de que o direito internacional prevê que os chefes de Estado em serviço estão imunes à jurisdição penal de outros estados, incluindo a imunidade de detenção e inviolabilidade pessoal. A questão que se levanta é se esta imunidade se mantém nos casos em que as autoridades nacionais são solicitadas a deter um chefe de Estado procurado pelo TPI. A questão torna-se ainda mais complicada quando o chefe de Estado é de um Estado que não é parte no Estatuto do TPI, embora o caso tenha sido interposto por uma resolução do capítulo VII do Conselho de Segurança.

Segundo a África do Sul, os artigos 27.º38 e 98.º39 do Estatuto de Roma representam a interseção da lei sobre imunidades aplicável aos chefes de Estado e de governo e a obrigação de cooperação dos estados partes no Estatuto. A relação entre os estados partes e os partidos não estatais continua a ser regida pelo direito internacional consuetudinário que atribui a um chefe de Estado a imunidade ratione personae. A detenção de tal pessoa por um Estado Parte, em conformidade com as suas obrigações por força do Estatuto de Roma, pode, por conseguinte, conduzir a uma violação das suas obrigações em matéria de direito consuetudinário.

Este argumento foi rejeitado pelo TPI40 (embora não de uma forma totalmente coerente em termos dos argumentos jurídicos), e por muitos estados e doutrina, argumentando, inter alia, que o artigo 27.º do Estatuto de Roma, seguindo o precedente de Nuremberga, tornou irrelevante a capacidade oficial e as imunidades legais consuetudinárias para efeitos de persecução por tribunais penais internacionais para os estados partes do TPI. Além disso, uma vez que a situação do Sudão foi levada ao TPI pelo Conselho de Segurança numa resolução vinculativa ao abrigo do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, as obrigações de cooperação decorrentes deste caso também seriam vinculativas para todos os estados-membros das Nações Unidas e não apenas os estados partes do TPI41 .

Estes distintos pontos de vista jurídicos sobre esta questão têm persistido e os analistas e até mesmo a UA têm sugerido que esta questão deve ser objeto de um parecer consultivo do Tribunal Internacional de Justiça42 . Mesmo que não seja esse o caso, seria importante, jurídica e politicamente, esclarecer essa questão de forma definitiva e consensual, a fim de aliviar algumas das atuais tensões relacionadas com o TPI.

O CRIME DE AGRESSÃO

Na fase inicial e durante a Conferência Diplomática de Plenipotenciários para a Criação do Tribunal Penal Internacional (Roma, 1998), a discussão incidiu sobretudo sobre a inclusão ou não do crime de agressão no grupo dos outros três principais crimes internacionais: genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra. A discussão não era tanto sobre a possibilidade de instaurar processos crime contra a agressão a nível individual, uma vez que havia precedentes da Segunda Guerra Mundial (nomeadamente Nuremberga e Tóquio) sobre os então chamados «crimes contra a paz», mas sim se se deveria incluir um crime mais estreito abrangendo apenas «guerras de agressão» ou um mais amplo relacionado com «atos de agressão» contidos na resolução da Assembleia Geral de 1974, entretanto aprovada. A outra questão espinhosa era a relação entre o TPI e o Conselho de Segurança, ou seja, se o TPI deveria apenas instaurar processos contra crimes de agressão, uma vez que o Conselho de Segurança determinara a existência desse ato, ou não43 .

Durante a Conferência de Roma, várias delegações apresentaram propostas para a inclusão do crime de agressão. Muitos estados apoiaram a inclusão deste crime na jurisdição do Tribunal, desde que fosse possível chegar a acordo sobre uma definição e as condições para o exercício dessa jurisdição.

A fim de não comprometer o resultado global e inviabilizar as negociações, os artigos 5.º/1 e 2.º incluíram um compromisso no sentido de incluir o crime de agressão, mas deixando a definição e as condições para o exercício da jurisdição para consideração posterior, nomeadamente na primeira conferência de revisão. Um resultado misto foi assim o compromisso possível: o crime estava no Estatuto, mas o Tribunal não podia exercer jurisdição até novas negociações e acordo sobre as duas vias de definição e condições para o exercício da jurisdição.

A Resolução F da Ata Final da Conferência Diplomática confirmou que esta era uma questão a ser prosseguida e mandatou a Comissão Preparatória do TPI, ou Comissão Preparatória, para continuar a trabalhar na questão da agressão. A Resolução F mandatou a Comissão Preparatória a preparar propostas para uma disposição sobre a agressão, incluindo a definição e os elementos dos crimes, e as condições sob as quais o TPI exercerá sua jurisdição. Indicou também que a Comissão deveria apresentar essas propostas à Assembleia dos Estados Partes numa conferência de revisão, a fim de chegar a uma disposição aceitável sobre o crime de agressão para inclusão no Estatuto.

Na sequência da Conferência de Roma de 1998, a Comissão Preparatória do TPI (Com Prep, 1999-2002) e posteriormente o Grupo de Trabalho Especial sobre o Crime de Agressão (GTECA, 2003-2009) prosseguiram as negociações sobre as questões pendentes relativas ao crime de agressão. Em fevereiro de 2009, o GTECA, chegou a consenso sobre a definição do crime de agressão.

A Conferência de Revisão de 2010 em Kampala usou essa definição e pôde, assim, concentrar-se noutras questões pendentes, como por exemplo as «condições para o exercício da jurisdição». Os estados partes aproveitaram a oportunidade histórica e aprovaram a Resolução RC/Res.6 por consenso. A resolução alterou o Estatuto de Roma para incluir, entre outros, o novo artigo 8.º bis contendo uma definição do crime de agressão e os novos artigos 15.º bis e 15.º ter, que contêm disposições complexas sobre as condições de exercício da jurisdição.

O compromisso incluiu uma cláusula que impedia o Tribunal de exercer jurisdição sobre o crime de agressão de imediato. Em vez disso, a Assembleia dos Estados Partes teria de tomar mais uma decisão única para ativar a jurisdição do Tribunal, não antes de 2017, por uma maioria de dois terços dos estados partes. Além disso, um ano terá de ter decorrido após a 30.ª ratificação, já ocorrida em junho de 2016, antes que o Tribunal possa exercer a sua jurisdição sobre o crime de agressão44 .

A Assembleia dos Estados Partes está agora em posição de tomar uma decisão sobre a ativação do TPI relativamente ao crime de agressão. Os membros permanentes do Conselho de Segurança, incluindo as partes do TPI, França e Reino Unido, sempre questionaram esse crime, especialmente a relação entre o Conselho de Segurança, que tem a prerrogativa política de declarar que um ato de agressão foi cometido e o TPI, que terá de fazer uma análise judicial, e não política.

Embora as emendas de Kampala tenham salvaguardado muitas das preocupações dos P5, prevê-se que a ativação da jurisdição sobre o crime de agressão possa trazer outro nível de tensão no âmbito do TPI no atual contexto político. É, portanto, de extrema importância que este processo continue a ser construído numa base sólida na próxima Assembleia dos Estados Partes e que o compromisso de Kampala não seja reaberto.

 

ALGUMAS CONCLUSÕES: JUSTIÇA VS POLÍTICA

O Estatuto de Roma do TPI foi, sem dúvida, um dos tratados internacionais mais significativos assinados no pós-Guerra Fria, num momento em que o direito internacional e as instituições internacionais viviam um período muito positivo. Esteve no centro do discurso político na reação contra as atrocidades mais graves cometidas desde a Segunda Guerra Mundial, nomeadamente na antiga Jugoslávia e no Ruanda, e da promoção e proteção dos direitos humanos.

Atualmente, provavelmente não seria possível repetir essa façanha e criar algo a partir das instituições mais inovadoras na arena internacional, rompendo com o modelo vestefaliano de soberania, mas ao mesmo tempo fortemente ancorado nesse modelo, dada a dependência na participação voluntária do Estado e na cooperação.

O TPI, em conjunto com os estados, esforça-se por promover o Estado de direito, o respeito pelos direitos humanos e a paz sustentável, de acordo com o direito internacional e com os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas.

Com o crescente volume de trabalho do Tribunal, todos os esforços de cooperação são fundamentais para a credibilidade do Tribunal e para que o TPI desempenhe o papel que lhe foi conferido pelo Estatuto de Roma, não só para garantir a responsabilização dos autores dos crimes mais graves que preocupam a comunidade internacional no seu todo, mas também para assegurar que os direitos das vítimas prevalecem. Deve igualmente salientar-se que o TPI tem um caráter complementar e que não foi criado para substituir os estados. Levar os responsáveis pelos crimes mais graves à justiça é, em primeiro lugar e acima de tudo, uma responsabilidade dos estados e o Tribunal deve agir apenas quando as autoridades nacionais falham ou não estão em condições de tomar as medidas necessárias para garantir a responsabilização por tais crimes.

No entanto, não podemos esquecer que o TPI, apesar de ser uma instituição judicial, habita no mundo da realpolitik. Tal como foi dito: «Este é um ambiente duro para a planta delicada da justiça internacional. Mas também é um mundo onde a procura e a necessidade de responsabilização nunca foram tão grandes.»45

Como vimos, os desafios são imensos e o momento político é delicado para a instituição. Mas o TPI estará para durar, tornando-se num elemento inerente ao mundo de hoje. Ambos os aspetos da justiça e da política têm de ser considerados para superar esses desafios, para que a missão de um instrumento permanente e central na luta contra a impunidade e que historicamente começou em Roma em 1998, se torne parte definitiva do mundo atual.

 

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Data de receção: 6 de março de 2017 | Data de aprovação: 9 de maio de 2017

 

NOTAS

1 O presente artigo inspira-se parcialmente em textos publicados previamente em TELES, Patrícia Galvão– «The International Criminal Court and the evolution of the idea of combating impunity: an assessment 15 years after the Rome Conference». In Janus.Net. Vol. 5, N.º 2, 2014-2015, e TELES, Patrícia Galvão – «The ICC at the centre of an international criminal justice system: current challenges». In Janus.Net. Vol. 8, N.º 1, 2017.

2 O presente contributo é escrito numa capacidade meramente pessoal.

3 Já anteriormente, em 1948, por altura da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, a Assembleia Geral das Nações Unidas tinha reconhecido a necessidade de criar um Tribunal Permanente Internacional.

4 Jurisdição ratione temporis prospetiva (artigo 11.º).

5 A título exemplificativo, refira-se a tomada em consideração das vítimas, que não encontra precedentes nesse sentido. As formas de reparação das vítimas estão previstas no artigo 75.º e existem vários mecanismos com vista à efetivação dessa reparação. Como refere Julie Vincent: «L’article 75 du Statut de Rome concède à la Cour un pouvoir lui permettant d’ordonner la réparation des préjudices causés. Ainsi, une personne condamnée pour un crime international pourrait devoir indemniser les victimes de ses délits. Comparativement au mode d’attribution des tribunaux ad hoc, il s’agit d’une véritable restructuration du système d’indemnisation. La CPI prend en charge le registre des réparations sans le déléguer aux juridictions nationales. Il s’agit d’un changement très important à l’égard des victimes, leur permettant d’obtenir une indemnisation dès lors que leur est reconnue la qualité de victime.» (VINCENT, Julie – «Le droit à la réparation des victimes en droit pénal international: utopie ou réalité?». In Revue juridique Themis. Vol. 2, 2010, pp. 84 e segs.).

6 «(…) the ICC can play an additional important role in preventing international crimes. Contrary to other international(ized) criminal tribunals, the ICC is not an ex post facto judicial institution but a permanent body that can help to prevent future mass atrocities through timely intervention in situations where mass criminality is happening (…)» (HOLVOET, Mathias, e MESMA, Medlir – «The International Criminal Court and the responsibility to protect». In FIOTT, Daniele, e KOOPS, J. (eds.) – The Responsibility to Protect and the Third Pillar. 2015, p. 22.

7 O Tribunal é composto pela Presidência, por uma Secção de Recursos, por uma Secção de Julgamento em 1.ª instância, e uma Secção de Instrução, pelo Gabinete do Procurador e pela Secretaria (artigo 34.º).

8 A este respeito enfatiza Darryl Robinson: «Article 7 of the ICC statute is a significant contribution to the refinement of international criminal law, as it is the first instance of a definition of crimes against humanity developed by multilateral negotiations among 160 states» (ROBINSON, Darryl – «Defining crimes against humanity». In The American Journal of International Law. Vol. 93, N.º 1, janeiro de 1999, p. 56.

9 Neste caso, se o Conselho de Segurança remeter o caso ao TPI, a jurisdição deste estende-se ao território de qualquer Estado. Na ausência de uma remessa do Conselho de Segurança, o TPI não poderá investigar crimes cometidos por nacionais de um Estado que não tenha ratificado o Estatuto de Roma, ou no território de um Estado que igualmente também não tenha ratificado o referido Estatuto.

10 Tais dúvidas prendem-se com a capacidade de iniciativa do procurador, no sentido de iniciar uma investigação, por poder potenciar a politização do TPI. Contudo, a subordinação da sua iniciativa ao exame da Câmara de Questões Preliminares parece tornar não totalmente fundados os ditos receios. Quanto ao Conselho de Segurança, pode por resolução determinar que um processo a iniciar ou já iniciado não prossiga, o que constitui uma limitação à independência do procurador.

11 Cf. TELES, Patrícia Galvão – «The International Criminal Court and the evolution of the idea of combating impunity», p. 4.

12 Trata-se dos casos em que o Conselho de Segurança determina que existe um ato de agressão concreto, uma violação da paz ou uma ameaça para a paz. Nesta situação, o TPI tem jurisdição universal sobre os factos, sendo indiferente a nacionalidade do suspeito/acusado e o território onde tenham sido praticados.

13 Segundo Mohamed M. El Zeidy, «(t)his principle requires the existence of both national and international criminal justice functioning in a subsidiary manner for the repression of crimes of international law. When the former fails to do so, the latter intervenes and ensures that perpetrators do not go unpunished» (EL ZEIDY, Mohamed M. – «The principle of complementarity: a new machinery to implement International Criminal Law». In Michigan Journal of International Law. Vol. 23, 2002, p. 870). Ainda sobre a complementaridade, afirma Cherif M. Bassiouni: «(t)he statute does not provide for an obligation to prosecute or extradite as between state parties, and thus complementarity as between state parties does not exist. Lastly, complementarity does not exist between the ICC and non-state parties. The future of international criminal justice does not depend on the ICC. Instead, it depends on states to carry out domestically the task of investigating and prosecuting Crimes Against Humanity.» (BASSIOUNI, Cherif M. – «Crimes against humanity: the case for a specialized convention». In Washington University Global Studies Law Review. Vol. 9, N.º 4, 2010, p. 588).

14 O TPI pauta-se, entre outros, pelos princípios ne bis in idem (artigo 20.º), nullum crimen sine lege (artigo 22.º), nulla poena sine lege (artigo 23.º), não retroatividade (artigo 24.º), responsabilidade individual criminal (artigo 25.º).

15 Como referem Olympia Bekou e Robert Cryer: «(t)he general obligation to cooperate is found in Article 86 of the Rome Statute. This Article is the first of a total of 17 provisions dealing with cooperation contained in Part 9 of the Statute. The general obligation to cooperate is supplemented by a reminder of this in Articles 89(1) and 93(1), which deal with arrest and surrender and other forms of cooperation respectively» (BEKOU, Olympia, e CRYER, Robert – «The International Criminal Court and universal jurisdiction: a close encounter?». In The International and Comparative Law Quarterly. Vol. 56, N.º 1, 2007, p. 61).

16 Refira-se, a título exemplificativo, acerca do ne bis in idem: «a incerteza reinante quanto à exata conformação deste princípio – não só quanto à sua definição, mas também quanto à sua eficácia puramente intraestadual, ou, diversamente, internacional ou interjurisdicional» (CAEIRO, Pedro – «Alguns aspetos do Estatuto de Roma e os reflexos da sua ratificação na proibição constitucional de extraditar em caso de prisão perpétua». In Separata – direito e cidadania. Ano V, N.º 18, setembro-dezembro de 2003, p. 45).

17 Afirma Hans Kochler: «the noble idea of international criminal justice, administered by the ICC as a permanent institution, has been compromised from the outset and in two basic respects: Since the Court, per se, can only exercise jurisdiction vis-à-vis citizens of states that have ratified the Rome statute or persons who are suspected of having committed crimes on the territory of those states, the Court is structurally condemned to practice selective justice (...) This predicament is aggravated even further by two provisions in the Rome Statute that completely undermine the independence of the Court from (power) politics, domestic as well as international. Although the Court is not in any way part of the United Nations system – it is an independent entity created by intergovernmental treaty –, Arts. 13(b) and 16 of its Statute tie it to the United Nations Security Council in a manner that renders the fundamental principle of the separation of powers entirely meaningless and makes the Court vulnerable to political interference at any moment. It is to be noted that both provisions require the Council’s action under Chapter vii of the un Charter which sets out that body’s coercive powers» (KOCHLER, Hans – «Global justice or global revenge? The ICC and the politicization of international criminal justice». In International Progress Organization Online Papers. 2009, pp 2-4).

18 Cf. ZIMMERMANN, Andreas – «The creation of a permanent international criminal court». In Max Plank Yearbook of United Nations Law. Vol. 2, 1998, p. 231.

19 O crime de genocídio só se tornou independente dos crimes contra a humanidade com a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio de 1948; os crimes contra a humanidade foram tipificados pela primeira vez na Carta do Tribunal de Nuremberga e o conceito de crime de guerra surgiu após o fim da Primeira Guerra Mundial, no Tratado de Versalhes. Estabelece-se no Estatuto de Roma a imprescritibilidade de tais crimes (artigo 29.º).

20 «(t)he recognitions in Articles 5, 10, and 22 are important with respect to the reach of ICC jurisdiction over crimes against humanity and war crimes because the definitions or lists within the Rome Statue concerning such crimes are facially incomplete. Additionally, with respect to crimes against humanity set forth in Article 7, the first paragraph in Article 7 uses the limiting phrase ‘(f)or the purpose of this Statute, ‘crime against humanity’ means.’ This phrase necessarily implies recognition of the fact that other definitional orientations under international law exist and that they are not fully reflected in Article 7 of the Statute. The same limiting phrase appears in Article 8, paragraph 2 with respect to an otherwise lengthy list of war crimes covered under the Rome Statute,9 thereby providing the same recognition concerning war crimes reflected in the Statute» (PAUST, Jordan J. – «The international criminal court does not have complete jurisdiction over customary crimes against humanity and war crimes». In John Marshall Law Review. Vol. 43, 2010, p. 682).

21 Ibidem.

22 Cf. ESCARAMEIA, Paula – «Prelúdios de uma Nova Ordem Mundial: o Tribunal Penal Internacional». In Revista Nação e Defesa. N.º 104, 2.ª série, 2003, p. 25.

23 Ibidem, pp. 25-26: «esta proteção é decididamente reforçada pela ausência de quaisquer imunidades baseadas na qualidade oficial do autor dos crimes em causa (…) Este pendor para a proteção do indivíduo revela-se ainda em campos mais inovadores, como sejam a possibilidade que o Procurador tem, segundo o art.15º do Estatuto, para motu proprio, intentar uma ação junto do Tribunal, tendo recebido informações sobre o caso em questão de qualquer entidade, inclusive uma organização não governamental.»

24 Assim, Hyeran Jo e Beth A. Simmons: «The International Criminal Court (ICC) provides a challenging opportunity to probe the possibilities for international law to reduce human suffering in inter- and intrasstate conflict. The Court has jurisdiction in a domain where military and strategic logic generally prevails, though it does not have its own police force and must instead rely on domestic law enforcement or third parties to arrest people charged with crimes under its jurisdiction. The ICC’s task is inherently difficult: it can prosecute state agents, including heads of state, as well as non-state actors such as rebel group leaders over whom international institutions traditionally have scant authority.» (JO, Hyeran, e SIMMONS, Beth A. – «Can the International Criminal Court deter atrocity?». In Faculty Scholarship. Paper 1686, p. 3). No mesmo sentido, Matthias Goldmann afirma que «the ICC needs to rely on the cooperation of states, in particular its states parties, as it has no police force of its own which could execute its orders, collect evidence, or arrest suspected persons» (GOLDMANN, Matthias – «Implementing the Rome Statute in Europe: from sovereign distinction to convergence in international criminal law?». In KLABBERS, Jan, e CREUTZ, Katja (eds.) – Finnish Yearbook of International Law. Vol. 16, 2005-2008, p. 8).

25 Para a totalidade dos argumentos avançados pela África do Sul, veja-se a «Declaração da República da África do Sul sobre a decisão de se retirar do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional». (Consultado em: 31 de março de 2017). Disponível em: https://treaties.un.org/doc/Publication/CN/2016/CN.786.2016-Eng.pdf.

26 Cf. WADDELL, Nicholas, e CLARK, Phil – Courting Conflict? Justice, Peace and the ICC in Africa. The Royal African Society, 2008; ARIEFF, Alexis, MARGESSON, Rhoda, e BROWNE, Marjorie Ann – International Criminal Court Cases in Africa: Status and Policy Issues. Diane Publishing, 2010; KEPPLER, Elise – «Managing setbacks for the International Criminal Court in Africa». In Journal of African Law. Vol. 56, N.º 1, 2012, pp. 1-14; GUERREIRO, Alexandre – A Resistência dos Estados Africanos à Jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Coimbra: Almedina, 2012; TELES, Patrícia Galvão – «The International Criminal Court and the evolution of the idea of combating impunity».

27 Cf. United Nations University Center for Policy Research – «The UN in the Era of Trump». (Consultado em: 31 de janeiro de 2017). Disponível em https://cpr.unu.edu/the-un-in-the-era-of-trump.html.

28 Numa comunicação recebida em 30 de novembro de 2016, o Governo da Federação Russa informou o secretário-geral do seguinte: «Tenho a honra de informar Vossa Excelência sobre a intenção da Federação da Rússia de não aderir ao Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, adotado em Roma em 17 de julho de 1998 e assinado em nome da Federação da Rússia em 13 de setembro de 2000. Gostaria, senhor secretário-geral, que considerasse este instrumento como uma notificação oficial da Federação Russa de acordo com o parágrafo (a) do artigo 18 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969.» (Cf. https://treaties.un.org/pages/ViewDetails.aspx?src= TREATY&mtdsg_no=XVIII-10&chapter=18&clang=_en. (Consultado em: 31 de março de 2017)).

29 Numa comunicação recebida em 6 de maio de 2002, o Governo dos Estados Unidos informou o secretário-geral do seguinte: «Informamos, no âmbito do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional adotado em 17 de julho de 1998, que os Estados Unidos não pretendem tornar-se parte do tratado e, portanto, os Estados Unidos não têm obrigações legais decorrentes da sua assinatura em 31 de dezembro de 2000. Os Estados Unidos pedem que sua intenção de não se tornar parte, como indicado na presente carta, seja refletida nas listas de status de depositário relativas a este tratado.» (Cf. https://treaties.un.org/pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=XVIII-10&chapter=18&clang=_en (Consultado em: 31 de março de 2017)).

30 Legalmente, o ato de «retirar a assinatura» de um tratado não existe. O que a Rússia e os Estados Unidos fizeram foi comunicar a sua intenção de não se tornarem parte no Estatuto de Roma, a fim de evitar as obrigações de boa-fé decorrentes da assinatura, como previsto no artigo 18 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969.

31 Cf. http://legal.un.org/ola/media/info_from_lc/mss/speeches/MSS-ILC-statement17-May2016-EN-FR.pdf (Consultado em: 31 de março de 2017).

32 Cf. https://www.un.org/press/en/2016/ga11880.doc.htm; e http://mobile.reuters.com/article/idUSKBN14A2H7?il=0 (Consultados em: 31 de março de 2017).

33 MENDES, Errol – Peace and Justice at the International Criminal Court: A Court of last resort. Elgar, 2010.

34 JACKSON, Miles – «Regional complementarity: the Rome Statute and public international law». In Journal of International Criminal Justice. Vol. 14, N.º 5, 2016--2017, pp. 1061-1072.

35 Relativamente a este assunto, veja-se AMNESTY INTERNATIONAL – Malabo Protocol – Legal and institutional implications of the merged and expanded African Court, 2016. Disponível em: https://www.amnesty.org/en/documents/afr01/3063/2016/en/.

36 Vejam-se, entre outros, http://kptj.africog.org/wp-content/uploads/2016/11/Malabo-Report.pdf; e http://www.ejiltalk.org/a-case-of-negative-regional-complementarity-giving-the-african-court-of-justice-and-human-rights-jurisdiction-over-international-crimes/. (Consultados em: 31 de janeiro de 2017).

37 Cf., entre outros, «Declaratory statement by the Republic of South Africa on the decision to withdraw from the Rome Statute of the International Criminal Court». (Consultado em: 31 de março de 2017). Disponível em: https://treaties.un.org/doc/Publication/CN/2016/CN.786.2016-Eng.pdf.

38 «1. O presente Estatuto aplica-se igualmente a todas as pessoas sem qualquer distinção baseada na capacidade oficial (…). 2. As imunidades ou regras processuais especiais que possam ser atribuídas à capacidade oficial de uma pessoa, quer por força do direito nacional ou internacional, não impedem o Tribunal de exercer a sua jurisdição sobre essa pessoa.»

39 «1. O Tribunal não pode fazer um pedido de entrega ou de assistência que imponha ao estado requerido uma atuação incompatível com as suas obrigações por força do direito internacional em relação ao estado ou à imunidade diplomática de uma pessoa ou de bens de um estado terceiro, a menos que o Tribunal obtenha primeiro a cooperação desse estado terceiro para a renúncia à imunidade. 2. O Tribunal não pode fazer um pedido de entrega que obrigue o estado requerido a agir de forma incompatível com as suas obrigações por força de acordos internacionais nos termos dos quais o consentimento do estado que envia é exigido antes de entregar uma pessoa desse estado ao Tribunal, a menos que o Tribunal tenha primeiro obtido a cooperação do Estado que envia relativamente ao consentimento sobre a entrega.»

40 Cf. Decisões sobre o Malawi (ICC-02/05-01/09-139-Corr de 13 de dezembro de 2011), Chade (ICC-02/05-01/09-151 de 26 de março de 2013) e África do Sul (ICC-02/05-01/09-242 de 13 de junho de 2015).

41 Cf., entre outras, as discussões sobre esta matéria em: AKANDE, Dapo – «International law immunities and the International Criminal Court». In American Journal of International Law. Vol. 98, N.º 3, 2004, pp. 407-433; GAETA, Paola – «Does President Al Bashir enjoy immunity from arrest?». In Journal of International Criminal Justice. Vol. 7, N.º 2, 2009, pp. 315-332; JALLOH, Charles Chernor – «Reflections on the indictment of sitting Heads of State and government and its consequences for peace and stability and reconciliation in Africa». In African Journal of Legal Studies. Vol. 7, N.º 1, pp. 43-59.

42 Cf. http://www.ejiltalk.org/an-international-court-of-justice-advisory-opinion-on-the-ICC-head-of-state-immunity-issue/; e http://au.int/en/sites/default/files/decisions/9651-assembly_au_dec_416-449_xix_e_final.pdf. (Consultados em: 31 de março de 2017).

43 Veja-se BARRIGA, Stefan, e KREß, Claus – The Travaux Préparatoires of the Crime of Aggression. Cambridge University Press, 2012.

44 Veja-se KREß, Claus, e HOLTZENDORFF, Leonie Von – «The Kampala compromise on the crime of aggression». In Journal of International Criminal Justice. Vol. 8, N.º 5, 2010, pp. 1179-1217, e BARRIGA, Stefan, e GROVER, Leena – «A historic breakthrough on the crime of aggression». In American Journal of International Law. Vol. 105, N.º 3, 2011, pp. 517-533.

45 http://blog.oup.com/2015/11/three-challenges-international-criminal-court/. (Consultado em: 31 de março de 2017).

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