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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.53 Lisboa mar. 2017

https://doi.org/10.23906/ri2017.53r03 

RECENSÃO

Diferenças e semelhanças nos sistemas de informações na Europa

 

João Estevens

BOB DE GRAAFF E JAMES M. NYCE, COM CHELSEA LOCKE (EDS.). The Handbook of European Intelligence Cultures. Lanham, Rowman & Littlefield, 2016, 496 páginas.

 

O aumento do número de publicações sobre a temática das informações (intelligence), alargado do mundo anglo‑saxónico à Europa continental (p. XXXII), evidencia um interesse crescente da comunidade académica por um tema ainda pouco explorado, em parte devido à natureza secreta da produção de informações, e envolto em narrativas fantasiosas sobre espionagem e agentes secretos em tempos de guerra. No que concerne as relações internacionais, o tema é sobretudo tratado como uma área dos estudos de segurança, sendo reconhecida a sua importância no campo da segurança nacional1. Atualmente, a sua maior presença no espaço público deriva não só de uma maior exploração do tema no meio académico, como de uma politização e mediatização crescentes, em particular após o caso Snowden; a incapacidade de atuação preventiva no domínio de ataques terroristas como os de Nova York, Washington DC, Bali, Madrid, Londres, Mumbai, Paris, Nice ou Berlim; e a legitimação de uma polémica intervenção militar no Iraque por parte dos Estados Unidos. Não obstante, não é apenas no âmbito dos estudos de segurança que as informações ganham relevo.

Da mesma forma, as informações económicas (competitive intelligence) revelam‑se cada vez mais necessárias no setor empresarial, onde o mercado global traz novos desafios às empresas, que procuram vantagens competitivas nas informações económicas. A necessidade de prever o futuro e antecipar os desafios provenientes de um mundo complexo e incerto justifica o interesse na temática das informações, também elas em transformação2, e abre espaço para o aprofundamento do seu estudo, quer numa abordagem interdisciplinar ao serviço de diferentes ciências sociais3, quer, quiçá, com a sua emancipação enquanto disciplina autónoma4.

 

AS CULTURAS DE INFORMAÇÕES

É dentro deste enquadramento que surge The Handbook of European Intelligence Cultures, um volume organizado por Bob de Graaff e James M. Nyce, com Chelsea Locke, e editado pela Rowman & Littlefield. Graaff tem vindo a trabalhar intensivamente o tema das informações, desde o início do século, tendo já publicado diversas obras e artigos de referência, estando o percurso de Nyce sobretudo ligado às informações militares. Trata‑se de dois autores com uma vasta experiência, fazendo este livro parte de uma série coordenada por Jan Goldman sobre segurança e informações iniciada em 2008.

The Handbook of European Intelligence Cultures é uma obra que perceciona as informações na perspetiva dos estudos de segurança. Não obstante, tenta ir um passo adiante, procurando refletir sobre os sistemas de informações nacionais, não só em termos da sua estrutura organizacional, mas similarmente sobre a sua interação com outros sistemas nacionais. Na contracapa, é apresentada uma premissa central, que dá o mote para o que o leitor irá encontrar, designadamente o facto de as culturas de informações nacionais estarem dependentes da história e do ambiente político-securitário em que o país se encontra, sendo influenciadas por dinâmicas nacionais como a cultura política existente, e transnacionais como os modelos de informações existentes em outros países (p. XXX).

Outra ideia fundamental da obra pode ser encontrada no título, nomeadamente a inexistência de uma cultura de informações europeia una, mas sim de várias culturas de informações distintas, o que não constitui uma surpresa porquanto os determinantes da cultura de informações apresentam variação entre os casos.

A obra centra‑se na Europa, contemplando os países pertencentes à União Europeia, com a exceção de Chipre, Hungria, Letónia e Malta, e países que não pertencem à União, casos da Albânia, Bósnia e Herzegovina, Islândia, Montenegro, Sérvia, Suíça e Ucrânia. Embora não seja apresentada uma justificação clara sobre a escolha dos casos, existiu a preocupação em selecionar países com uma proximidade regional, na medida em que esta proximidade e as interações entre diferentes sistemas de informações podem influenciar a cultura de informações nacional (p. XXXIV). A seleção alargada de países permite, ainda, refletir sobre sistemas de informações muito pouco conhecidos como os dos países da Europa do Leste e dos Balcãs, considerando conjuntamente casos historicamente mais trabalhados e conhecidos dos leitores, como são os da Alemanha, Inglaterra ou França. São trinte e dois os capítulos, um por país, organizados alfabeticamente, sendo estes precedidos por uma introdução assinada pelos organizadores, onde são explicitados os objetivos e o contributo esperado.

É, também, na introdução que é apresentado o esquema de análise sugerido aos trinte e oito autores dos capítulos, pese embora nem todos o tenham adotado, o que, apesar de não enfraquecer o livro, confere ao leitor uma leitura mais trabalhosa, visto existirem autores que optam por seguir sobretudo uma narrativa histórico‑legal enquanto outros optam por se focar maioritariamente nas transformações organizacionais dos sistemas de informações. Esta variação, associada aos diferentes períodos de análise para cada país, que são justificados com uma dissemelhante evolução histórica, tornam menos imediata a identificação das semelhanças e diferenças existentes entre as culturas de informações nacionais.

O esquema de análise procura incidir sobre três grandes eixos: (1) o impacto do ambiente contextual nas informações, considerando elementos como a integração nos sistemas político, militar e securitário, os choques exógenos que originaram transformações na cultura de informações ou a relação com os consumidores da produção de informações, por exemplo; (2) a dimensão organizacional, incluindo fatores como a dimensão, a liderança, o processo de produção de informações, o recrutamento e a integração de colaboradores, entre outros; e (3) o impacto da cultura de informações no ambiente contextual, designadamente ao nível da influência no policy-making nacional, nos modelos de transparência e fiscalização, na cooperação com outras forças e serviços de segurança, dentre outros elementos (pp. XXXV-XXXVIII).

 

A RELEVÂNCIA E O CONTRIBUTO

Trata‑se de um manual numa área em que ainda não existem muitos e que interessa a qualquer académico que trabalhe estes temas, como a quem trabalha e gere (n)os serviços de informações. Tendo em consideração algumas obras com características semelhantes5, como Democracy, Law and Security. Internal Security Services in Contemporary Europe, de 2003, os dois volumes de PSI Handbook of Global Security and Intelligence,de 2008, ou Intelligence Elsewhere, de 2013, há duas observações que importa ressalvar. A primeira, no que concerne o número de casos selecionado, tornando este manual no estudo comparado mais alargado sobre informações, notando, ainda, que a análise da cultura de informações nacional se reporta ao sistema de informações, englobando as dimensões civil e militar, não se focando num serviço em particular, permitindo, assim, captar a estrutura organizacional do sistema, bem como apontamentos sobre as competências e as práticas de informações levadas a cabo em diferentes serviços.

A segunda, reporta‑se à tentativa de sistematização da informação recorrendo ao supramencionado esquema de análise proposto pelos organizadores, que ajuda o leitor a efetuar as inevitáveis comparações entre os casos. Ademais, em razão de todos os autores que recorrem, nos respetivos capítulos, a fontes secundárias para complementar a informação pública existente nos websitesdos diferentes serviços e o levantamento das disposições legais que enquadram e regulamentam o funcionamento dos mesmos, existe uma concentração de sugestões de leitura adicionais.

Em sentido contrário, não deixa de se estranhar a inexistência de uma secção conclusiva, que sumarie padrões de variação, designadamente ruturas e continuidades, nos sistemas de informações, ao longo do tempo e no espaço, e em função de algumas conjunturas críticas transversais como a Segunda Guerra Mundial, a democratização, o final da Guerra Fria ou o 11 de Setembro. Essas variações vão sendo exploradas caso a caso, não existindo uma avaliação para a globalidade dos casos abordados.

Fica, ainda, por explicar se o reforço cooperativo entre serviços de informações nas esferas interna, onde diferentes serviços competem por recursos, e externa, verificado após o 11 de Setembro6, tem contribuído para uma aproximação na cultura de informações e para uma maior harmonização das práticas de informações no espaço europeu. Estando em curso uma europeização das informações, em particular no seio de estruturas comunitárias como a Europol, a Frontex e o European Union Intelligence Analysis Centre (INTCEN), de que forma é que esta se pode constituir como um fator facilitador para a criação de uma agência europeia de informações?7

De facto, são várias as interrogações deixadas por este manual, que, na verdade, pretendia constituir‑se como um ponto de partida para futuras análises (p. XXXVIII). Assim, trata‑se de uma contribuição que merece a atenção de cientistas políticos, historiadores, sociólogos e de outros cientistas sociais, pois são muitas as «informações» sobre a evolução histórica e a atual configuração dos sistemas de informações.

 

NOTAS

1 SCOTT, Len – «British strategic intelligence and the Cold War». In JOHNSON, Loch K. (ed.) – The Oxford Handbook of National Security Intelligence. Nova York: Oxford University Press, p. 141.

2 DUYVESTEYN, Isabelle, DE JONG, Ben, e VAN REIJN, Joop (eds.) – The Future of Intelligence: Challenges in the Twenty-First Century. Londres-Nova York: Routledge, 2014.

3 Gill, Peter, e Phythian, Mark – «What is intelligence studies?». In The International Journal of Intelligence, Security, and Public Affairs. Vol. 18, N.º 1, 2016, pp. 5-19.

4 Marrin, Stephen – «Improving intelligence studies as an academic discipline». In Intelligence and National Security. Vol. 31, N.º 2, 2016, pp. 266-279.

5 BRODEUR, Jean-Paul, GILL, Peter, e TOLLBORG, Dennis (eds.) – Democracy, Law, and Security: Internal Security Services in Contemporary Europe. Aldershot, Burlington: Ashgate, 2003; FARSON, Stuart et al. (eds.) – PSI Handbook of Global Security and Intelligence. Westport: Praeger Security International, 2008; DAVIES, Philip, e GUSTAFSON, Kristian (eds.) – Intelligence Elsewhere: Spies and Espionage Outside the Anglosphere. Washington, DC: Georgetown University Press, 2013.

6 MÜLLER-WILLE, Björn – «EU intelligence cooperation. A critical analysis». In Contemporary Security Policy. Vol. 23, N.º 2, 2002, pp. 61-86; CROSS, Mai’a K. Davis – «A European transgovernmental intelligence network and the role of IntCen». In Perspetives on European Politics and Society. Vol. 14, N.º 3, 2013, pp. 388-402; FAGERSTEN, Björn – «European intelligence cooperation». In DUYVESTEYN, Isabelle, DE JONG, Ben, e VAN REIJN, Joop (eds.) – The Future of Intelligence, pp. 94-112; GRUSZCZAK, Artur – Intelligence Security in the European Union. Building a Strategic Intelligence Community. Londres: Palgrave Macmillan, 2016.

7 NOMIKOS, John M. – «European Union Intelligence Analysis Centre (INTCEN): next stop to an agency?». In Journal of Mediterranean and Balkan Intelligence. Vol. 4, N.º 2, 2014, p. 11; DEN BOER, Monica – «Counter-terrorism, security and intelligence in the EU: governance challenges for collection, exchange and analysis». In Intelligence and National Security, Vol. 30, N.º 2-3, 2015, p. 418; GRUSZCZAK, Artur – Intelligence Security in the European Union, p. 277.

 

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