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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.52 Lisboa dez. 2016

 

A CRISE DA DEMOCRACIA

 

A dupla ilusão

The double illusion

 

Pedro T. Magalhães

Doutorado em Ciência Politica pela FCSH-NOVA, e atualmente professor auxiliar convidado no Departamento de Estudos Políticos dessa mesma instituição. As suas principais publicações versam as questões da legitimidade e representação políticas em perspetiva teórica e histórica.

 

RESUMO

O presente ensaio visa contribuir para a reflexão em torno da crise da democracia contemporânea evocando dois clássicos modernos – Max Weber e Carl Schmitt – e um contexto epocal específico – a modernidade tardia da República de Weimar. Esboçando o caminho que vai da (des)ilusão do liberalismo segundo Weber à ilusão do totalitarismo segundo Schmitt, sugerimos que a democracia moderna habita o espaço crítico e incerto entre essa dupla ilusão.

Palavras-chave: Democracia, liberalismo, totalitarismo, modernidade.

 

ABSTRACT

This paper seeks to contribute to the debates on the crisis of contemporary democracy by evoking two modern classics – Max Weber and Carl Schmitt – and a specific historical context – Weimar’s late modernity. By sketching the troubled path from Max Weber’s disillusioned liberalism to Carl Schmitt’s totalitarian hopes, it suggests that modern democracy inhabits the critical and uncertain space between a double illusion.

Keywords: Democracy, liberalism, totalitarianism, modernity.

 

INTRODUÇÃO: CRISE(S) DA DEMOCRACIA

A democracia está em crise. O diagnóstico não é novo, nem tão‑pouco surpreendente. Com efeito, a ideia de crise parece bem enraizada nas perceções e atitudes políticas de uma parte considerável dos cidadãos das democracias ocidentais. Trata‑se de uma intuição largamente partilhada, difundida e amplificada pelos media e seus fazedores de opinião. Como tantas outras intuições, todavia, a crise da democracia não se deixa articular facilmente. Entre o intuir que a democracia está em crise e a capacidade de enunciar, com um mínimo de precisão, em que consiste essa crise vai uma distância considerável.

Para começar, a intuição colide com aquilo que, em olhar retrospetivo, se apresenta como uma história de sucesso. Nunca como hoje – e por «hoje» referimo‑nos aqui ao período que vai do final da Guerra Fria à atualidade – houve tantos regimes políticos democráticos espalhados pelo globo. É certo que muitas esperanças democráticas têm vindo a ser frustradas (pensemos, por exemplo, na Primavera Árabe). E é certo, também, que persistem profundas disparidades inter‑regionais no que toca à prevalência e ao grau de consolidação dos regimes democráticos. Em todo o caso, não se pode negar que a democracia deixou, em definitivo, de ser uma singularidade da Europa Ocidental e das sociedades que dela mais diretamente derivaram, passando a fenómeno global.

Essa expansão global, ou tendencialmente global, da democracia na sequência do colapso da União Soviética começou por ser pensada como um triunfo absoluto, ao qual um célebre artigo chegou mesmo a atribuir o significado de fim da história enquanto confronto de grandes alternativas político‑ideológicas. Mas o autor desse mesmo artigo, nas derradeiras páginas do livro em que expande e complementa a ousada tese1, trata de refrear o entusiasmo. À teleologia hegeliana do fim da história junta uma dose considerável de pessimismo antropológico de inspiração nietzschiana. Por outras palavras, o triunfo da democracia liberal‑capitalista sobre os seus rivais ideológicos do século XX (nazi‑fascismo e comunismo) pode ter resolvido – e segundo Fukuyama, resolveu‑a de uma vez por todas – a grande querela moderna sobre o melhor sistema político, mas é incapaz de satisfazer os anseios mais profundos, as expectativas últimas dos cidadãos enquanto seres humanos. A dupla condição de consumidor/eleitor pode bem suprir necessidades primárias, tanto em termos puramente materiais como de reconhecimento simbólico, mas não parece oferecer o horizonte de superação e transcendência necessário à verdadeira realização pessoal.

Nesta perspetiva, a crise da democracia é a crise do seu triunfo. Um triunfo que, sendo supostamente inequívoco e definitivo, se revela tanto mais vazio. Embora complementares, as reflexões de Fukuyama sobre o chamado «último homem» afiguram-se bem mais interessantes para pensar o presente e o futuro da democracia do que as elucubrações abstratas – por muito que o autor se dê ao trabalho de as suplementar profusamente com observações empíricas – sobre o fim da história. Com efeito, muitos dos sintomas de mal‑estar cívico que se foram acumulando nas sociedades ocidentais mais ou menos silenciosamente durante as décadas de 1980 e 1990 – decréscimo da participação eleitoral, quebra da militância nos principais partidos políticos e organizações sindicais, anemia da sociedade civil – encaixam no diagnóstico que Fukuyama faz do «último homem»: um ser acomodado, fechado sobre si próprio, esvaziado da vontade de lutar na esfera pública em nome de ideais, princípios ou valores últimos.

Contudo, a presente crise da democracia está longe de poder ser reduzida ao torpor desse «último homem» que emerge no suposto fim da história. Na verdade, essa imagem de platitude e letargia, ainda que assustadora no seu significado último, cedo se revelou demasiado otimista na pressuposição de que as democracias haviam efetivamente logrado subtrair os seus cidadãos à possibilidade de morte violenta por razões políticas. Os ataques de 11 de setembro de 2001, e a vaga de atentados que desde então tem posto em xeque a segurança das grandes metrópoles do Ocidente, vieram deitar por terra essa expectativa. Não se trata aqui de afirmar a superior aderência à realidade da tese do choque de civilizações2, por oposição a uma certa ingenuidade implícita no axioma do fim da história3. Todavia, afigura-se-nos indesmentível que o islamismo radical constitui um rival ideológico da democracia liberal, ainda que proveniente de fontes pré-modernas cujo poder de atração há muito se julgara esgotado. E se os alvos do radicalismo islamita começaram, em 2001, por ser símbolos óbvios de poder, nos últimos anos eles têm alastrado aos próprios redutos de lazer do «último homem»: esplanadas, salas de concerto, estádios de futebol, passeios marítimos, etc. A tensão entre segurança e liberdades democráticas, e o eventual sacrifício destas em nome daquela, voltou para ficar – se é que alguma vez chegara a desaparecer.

Mas o espectro da insegurança não é o único a ensombrar as democracias contemporâneas. Desde a crise financeira de 2007‑2009, que resultou num longo período de recessão económica ainda não ultrapassado em muitos países, as democracias ocidentais – umas mais do que outras, evidentemente – enfrentam o desafio da ausência de expectativas de crescimento e prosperidade. É bom lembrar que a consolidação das democracias ocidentais no pós‑Segunda Guerra decorreu num contexto de crescimento económico forte e prolongado, interrompido apenas por breves períodos de recessão. Essa coincidência levou Fukuyama a sugerir que as democracias capitalistas haviam logrado libertar os seus cidadãos do marxiano «reino da necessidade» de forma bem mais satisfatória do que os regimes que reclamavam para si a herança de Marx4. Essa libertação, contudo, estava longe de ser absoluta, definitiva e irreversível. Hoje, deparamo-nos com os efeitos adversos do crescimento anémico e dos fenómenos a ele associados na qualidade dos regimes democráticos, de tal forma que a noção de crise, no imaginário comum, se refere quase indistintamente aos domínios financeiro, económico e político.

Nas linhas que se seguem procurarei contribuir para a reflexão sobre esta multifacetada crise da democracia evocando um contexto mais dramático do que o atual: a Europa entre guerras. Aí a crise das democracias, apesar das muitas transições democráticas que tiveram lugar na sequência da Primeira Guerra, não pôde ser confundida com uma crise de acomodação perante a ausência (ou o colapso) de alternativas. Bem pelo contrário, durante o período entre guerras os rivais ideológicos da democracia liberal, à esquerda e à direita, atingiram o auge da sua força. Na transição da década de 1930 para a de 1940, com um novo conflito militar de grande escala a principiar, as democracias estavam na defensiva, contando‑se praticamente pelos dedos das duas mãos os regimes democráticos que, a custo, sobreviviam.

A comparação servirá não tanto para relativizar a magnitude da crise contemporânea, mas sobretudo para melhor discernir os limites da democracia, para olhar para as suas fronteiras últimas. Em bom rigor, olhando aos valores que a animam, a democracia jamais conseguirá resolver a tensão que lhe está inscrita no âmago: liberdade e igualdade, seus princípios axiais, embora não mutuamente exclusivos, são irrealizáveis na sua plenitude. Se um máximo de liberdade esvaziaria o princípio da igualdade, reduzindo‑o a formalismo oco, um máximo de igualdade, por seu turno, aniquilaria toda e qualquer perspetiva de liberdade individual. As democracias abrem‑se, portanto, e necessariamente, à crítica de ambos os flancos: ora censuradas pela incapacidade de contrariar as desigualdades existentes, ora condenadas por asfixiarem a liberdade dos indivíduos.

A democracia habita o espaço aberto entre as duas grandes ilusões suscitadas por cada um dos seus princípios fundamentais: a ilusão do liberalismo, que se contentaria com uma igualdade meramente formal, e a ilusão coletivista/totalitária, que transfere o sujeito da liberdade para uma entidade coletiva (classe, nação, raça, povo, etc.) de cuja suposta substância todos os membros participariam em igual medida. Ora, o período entre guerras permite‑nos explorar esta dupla ilusão nos seus termos básicos e consequências últimas. No final da Primeira Guerra, a crise do liberalismo parecia irremediável. Combatido politicamente, e de forma crescentemente eficaz, por reacionários, conservadores e socialistas ao longo do século XIX, e vendo os seus fundamentos filosóficos postos em causa tanto pela consolidação do historicismo como pela emergência dos existencialismos tardo‑modernos, o liberalismo parecia ter exaurido definitivamente a sua capacidade de atração e mobilização. O símbolo maior desse desencanto liberal será porventura Max Weber, cujas investigações histórico‑sociológicas e pensamento político esbarram inevitavelmente nos limites estritos à liberdade impostos pelas constantes do mundo moderno. Mas o cavalgar da crise do liberalismo desemboca rapidamente, como veremos através do exemplo de Carl Schmitt, na ilusão totalitária, cujas duas grandes manifestações – nazi‑fascismo e comunismo – marcaram os mais negros episódios do século XX.

No pós‑Segunda Guerra, as democracias ocidentais, fugindo às alternativas últimas dessa dupla ilusão, quiseram ser simultaneamente liberais e sociais: liberais para evitar a tentação totalitária de extermínio das liberdades individuais (a qual, por outro lado, como demonstrava o comunismo «realmente existente», estava longe de cumprir os seus propósitos igualitários); e sociais, ao assumirem, embora em graus diferentes, o compromisso coletivo de mitigar as desigualdades necessariamente criadas pelo normal funcionamento de uma economia de mercado. O liberalismo renasceu na frente filosófica, com um regresso às doutrinas do direito natural e ao contratualismo clássico, mas sob roupagens mais igualitárias (pense‑se na teoria da justiça de John Rawls). E se os limites à ingerência estatal na esfera individual foram ancorados constitucionalmente, os estados democráticos nem por isso prescindiram de um largo escopo de intervenção em matéria económica e social.

O fim da Guerra Fria perturbou em certa medida esse equilíbrio. O colapso de um rival ideológico histórico fez desaparecer do horizonte próximo a ameaça totalitária, ao mesmo tempo que o liberalismo se desfez progressivamente das amarras igualitárias que o moderaram por longos anos5. As democracias parecem ter esquecido momentaneamente a dupla ilusão que as acompanha como sombra. E isso pode ter consequências sérias: ignorar a ilusão liberal tornar‑nos‑á predispostos a naturalizar e despolitizar as desigualdades; desconsiderar a tentação totalitária toldará a capacidade de identificar novos focos de autoritarismo – só aparentemente mais benignos que as ideologias totalitárias de outrora – que cresçam no seio das democracias. Propomos, por isso, uma curta viagem pela dupla ilusão democrática no contexto histórico em que ela se revelou de forma mais pungente. Uma viagem por tempos sombrios para lançar luz sobre os limites da democracia.

 

A (DES)ILUSÃO DO LIBERALISMO OU A MAIORIDADE DA MODERNIDADE

Apesar de ter inspirado as grandes revoluções que marcaram o início da modernidade política, o liberalismo esteve longe de triunfar em toda a linha no próprio espaço cultural da Europa Ocidental que constitui o seu berço6. Na Alemanha, por exemplo, os liberais não lograram desalojar do poder as elites feudais prussianas. A revolução burguesa fracassou ou, para sermos mais precisos, restringiu‑se às esferas económica (pujante capitalismo industrial) e social (forte movimento associativo)7. O jovem Max Weber testemunhou em primeiríssima mão o fracasso do liberalismo político alemão no final da década de 1870, escutando os lamentos dos parlamentares liberais que se reuniam frequentemente em casa dos seus pais – e cujas expectativas haviam esbarrado na astúcia do chanceler Otto von Bismarck8.

A reflexão sobre o legado de Bismarck acompanhou Weber até ao final da sua vida, sendo um dos temas centrais dos seus escritos políticos. Aquilo que mais surpreenderá o leitor nessa reflexão será porventura o quanto ela se afasta do padrão de uma denúncia liberal do autoritarismo. O que incomoda Weber em Bismarck não é o militarismo, o temperamento autocrático ou a sede de poder. Pelo contrário, na correspondência da sua juventude, Weber enfurece‑se principalmente com a adoção do sufrágio universal masculino, um presente envenenado do chanceler que constituiria «o erro fundamental do cesarismo bismarckiano»9 e que Weber concebe como origem de uma cadeia casual conducente ao crescimento eleitoral da social‑democracia (primeiro) e à restrição de direitos e liberdades conquistados pelos liberais (depois). Mais tarde, durante a Primeira Guerra, Weber lamentará sobretudo o facto de Bismarck, ao manietar o Parlamento, ter privado o sistema político da Alemanha imperial do instrumento que poderia com sucesso garantir a sua continuidade na ausência de um talento político extraordinário.

O desenho institucional de Bismarck sucumbiu perante «o problema da sucessão», esse eterno «calcanhar de Aquiles do cesarismo»10. Como veremos em maior detalhe mais adiante, a defesa weberiana do parlamentarismo deve menos a uma crença firme na superioridade moral desse sistema de governo do que ao reconhecimento de certos benefícios instrumentais no que respeita quer à garantia da estabilidade política, quer à seleção das elites dirigentes.

Como em muitos outros intelectuais liberais na transição do século XIX para o século XX, as referências axiológicas do discurso político de Weber migraram dos temas da liberdade individual e dos direitos cívicos para as imediações da ideia de nação, concebida como possuidora de uma missão histórica específica. Em boa verdade, não é que as questões de direitos e liberdades estejam em absoluto ausentes da sua reflexão, mas Weber parece tratá‑las como conquistas de uma era passada. Um estranho misto de dívida e distância relativamente à herança das Luzes e do liberalismo político clássico revela‑se numa carta dirigida ao filósofo Hermann von Keyserling, em que Weber escreve que, por muito que nos possamos rir da «infantilidade» dos princípios da Revolução Francesa, devemos‑lhes «coisas sem as quais a vida se tornaria insuportável»11. Mais tarde, no mesmo sentido, argumentaria tratar‑se de «um pedaço da mais crua autodeceção pensar‑se que até o mais conservador entre nós conseguiria continuar a viver hoje sem as conquistas da era dos “Direitos do Homem”»12. Contudo, essas «conquistas» não persuadiam Weber da existência, pressuposta – com Kant à cabeça – pela maioria dos filósofos do iluminismo, de uma razão natural partilhada por todos os seres humanos. Em carta dirigida à sua amante Mina Tobler no verão de 1915, Max Weber ridiculariza «a crença infinitamente ignorante e infantil no poder da razão»13. As «conquistas da era dos “Direitos do Homem”», sendo inegáveis e indispensáveis aos olhos de Weber, não eram mais do que o legado de um capítulo fechado da história do Ocidente. As urgências políticas dos novos tempos eram outras.

Para compreendermos o desencanto do liberalismo segundo Max Weber, não bastam as ocorrências epistolares e os textos de intervenção política até agora citados, por muito reveladores que eles sejam. Importa também convocar a sua teoria sociológica e a visão da modernidade que resulta da sua reflexão sobre a singularidade histórica do Ocidente.

Ora, a sociologia weberiana é essencialmente uma sociologia da dominação, cujo propósito essencial consiste em perceber as razões que, consoante o contexto histórico, socioeconómico ou cultural, levam determinados grupos de indivíduos a comandar e outros a obedecer. A retórica iluminista da liberdade, da igualdade e dos direitos diz muito pouco ao projeto científico‑social de Weber, que assenta justamente no pressuposto de que a dominação do homem pelo homem, embora possa assumir formas assaz diversas, é um horizonte empiricamente inultrapassável. Porém, importa notar que a dominação interessa a Weber menos como manifestação de um poder fáctico – i.e., como capacidade concreta de impor a própria vontade aos outros, superando a sua eventual resistência14– do que como expressão de legitimidade. Quando Weber, numa passagem frequentemente citada, fala do Estado moderno como detentor do «monopólio da violência física legítima num dado território»15, a palavra‑chave, que assinala o reconhecimento generalizado da autoridade estatal pelos seus sujeitos políticos, é legítima. A legitimidade remete para «os fundamentos últimos da validade de uma dominação»16, pelo que se afigura decisivo aqui perceber que configuração precisa de legitimidade está associada ao Estado moderno, esse produto da «era dos “Direitos do Homem”» e casa das suas indispensáveis «conquistas».

Como é evidente, dos três tipos ideais de dominação legítima17 classicamente distinguidos por Weber, é a legalidade racional, garantida por um aparelho administrativo burocrático, aquele de que mais se aproxima a realidade do Estado moderno. Trata‑se de uma dominação impessoal – obedece‑se, em última instância, a regras, não a pessoas –, assente na crença nos méritos da igualdade formal e da equidade garantida por procedimentos abstratos18. Mas essa é uma crença que Weber não partilha. Apesar de reconhecer a superior eficácia da dominação de tipo legal‑racional – ou, porventura, justamente devido a esse reconhecimento –, o autor treme perante a perspetiva de um mundo onde apenas a legalidade racional surja como fonte de legitimidade; um mundo onde o poder se concentraria, portanto, nas mãos dos aparelhos burocráticos que controlam o dia a dia das grandes organizações da sociedade moderna (empresas, estados, partidos políticos, grupos de interesse, etc.).

Em boa verdade, como notam vários comentadores, a equivalência formal das três fontes weberianas de dominação legítima, enquanto tipos ideais de uma ciência social que se quer axiologicamente neutra, encobre a prioridade lógica, aos olhos de Weber, do carisma tanto sobre a tradição como sobre a legalidade racional19. Para o autor, o carisma20, caracterizado pela devoção de um grupo às qualidades extraordinárias de um líder inspirador, é a origem de toda a dominação legítima. É o carisma que cria originalmente os símbolos, as ideias, os valores e as crenças a que a dominação tem de referir‑se para garantir a sua legitimidade. Citando uma passagem de Economia e Sociedade, «o carisma, nas suas formas mais potentes, rompe inteiramente com a dominação racional e com a tradição», assumindo‑se como «a força especificamente criativa e revolucionária da história»21.

Ora, apesar desse papel insubstituível na fundação de toda a dominação legítima, o carisma é necessariamente um fenómeno efémero, característico de períodos extraordinários e sujeito mais cedo do que tarde à normalização. Como assevera Weber, trata‑se de «um fenómeno típico de movimentos proféticos ou de movimentos políticos em expansão nas suas fases iniciais», que «mal a dominação esteja bem estabelecida, (…) cede o seu lugar às forças da rotina quotidiana»22. O precedente e o hábito fazem do carisma tradição, e a norma escrita transforma‑o em legalidade racional. Crua e sucintamente, é esta a narrativa weberiana da racionalização, que pouco ou nada tem a ver com o entendimento iluminista do conceito de razão. Longe de se tratar de um triunfo moralmente significativo sobre os instintos mais primários da natureza, a racionalização de que fala Weber refere‑se sobretudo à eficácia da repetição, da rotina e da positivação legal na consolidação de uma norma. Nesse sentido, como sugere Joachim Radkau, estamos perante um processo ubíquo – e, paradoxalmente, quase instintivo –, presente de algum modo em todas as instâncias de socialização humana, desde a linha de montagem industrial até aos «ritos mágicos de povos supostamente “primitivos”». O mais recente biógrafo de Weber chega mesmo a sugerir uma afinidade entre a noção weberiana de racionalização e a que Ernest Jones introduziria, em 1908, no campo da psicanálise, «designando um procedimento que visa dotar um comportamento em si mesmo irracional de uma forma – visual, lógica ou moralmente – aceitável»23.

Quando Weber escreveu a sua Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, na primeira metade da década de 1910, não tinha ainda cunhado a tipologia da dominação legítima. No entanto, a sua reflexão sobre as consequências imprevistas e não intencionais da doutrina ética protestante na esfera económica, lida retrospetivamente, ilustra o processo de «rotinização do carisma» teorizado na sua sociologia da dominação. Ao pretender «remodelar o mundo e concretizar terrenamente os seus ideais»24, o ascetismo protestante acabou inadvertidamente por inspirar «a luta para racionalizar o mundo»25 que caracteriza a modernidade nas suas múltiplas dimensões (capitalismo, Estado, ciência). Ou seja, as «forças da rotina quotidiana» emanciparam‑se efetivamente das suas origens carismático‑religiosas, ganhando vida e lógica próprias à medida que logravam esvaziar as relações sociais dos significados transcendentes que outrora carregavam consigo. Trata‑se, como Weber afirma em tons schillerianos noutro texto fundamental, de um «desencantamento do mundo»26. E se esse «desencantamento», por um lado, pode corresponder a uma há muito desejada libertação do jugo de velhas cosmologias teológicas, por outro anuncia a possível emergência de um «casulo de ferro»27 que encarcerará a humanidade em rotina funcionalista privada de sentido último.

Nos inesquecíveis parágrafos finais da Ética Protestante, Weber não deixa de estabelecer o paralelismo entre o destino paradoxal do ascetismo religioso e o «desencantamento» do iluminismo. Tal como o espírito religioso se evapora do «casulo de ferro» da modernidade quando o «capitalismo vitorioso (…) deixa de precisar do seu suporte», o iluminismo, «herdeiro ridente» do ascetismo protestante, «também parece desvanecer irremediavelmente»28. Por outras palavras, se na idade de ouro dos «“Direitos do Homem”», as ideias políticas do iluminismo haviam inspirado revoluções bem‑suce‑didas na América e na Europa, agora que a modernidade atingia a maioridade enquanto formação social complexa, assente no desenvolvimento do capitalismo industrial e na consolidação/expansão administrativa do Estado, a capacidade de atração desse ideário político esgotava‑se, vítima do inelutável processo de racionalização que o reduz a mero positivismo jurídico.

No mais desenvolvido dos seus escritos políticos publicados durante a Primeira Guerra, Weber sustenta que a democracia de massas, enquanto expressão máxima da modernidade política, caminha inexoravelmente para uma dominação de tipo racional‑buro‑crático, a cujo aparelho administrativo se refere como a «máquina viva» que, em conjunto com a «máquina morta» do capitalismo industrial, ameaça erigir «o invólucro dessa servidão futura à qual os homens terão porventura de submeter‑se, impotentes, tal como os escravos do antigo Estado egípcio»29. Dada esta «todo‑poderosa tendência rumo à burocratização», o autor questiona a possibilidade de «salvar quaisquer vestígios de liberdade de movimento “individual” em qualquer sentido»30. No entanto, só o leitor mais desatento confundirá esta angústia weberiana com uma típica preocupação liberal com a liberdade individual. Na verdade, a defesa que o autor faz do parlamentarismo está muito longe de restringir‑se à – ou de concentrar‑se na – prioridade liberal em assegurar ao indivíduo uma certa esfera de não interferência estatal ou governamental.

Com efeito, o que torna o espectro da burocratização tão assustador aos olhos de Weber não é tanto a sua potencial desconsideração dos direitos individuais, mas sim a perspetiva sombria de uma era de petrificação política onde as formas racional-legais de dominação se tornem totalmente incontestáveis. De entre os ameaçados «vestígios de liberdade», Weber pretende, sobretudo, resgatar a liberdade criativa do líder político como fator catalisador de inovação e capaz de dotar a autoridade política de um fundamento carismático. Nesse sentido, o autor concebe o parlamento não primeiramente como instância de controlo do exercício do poder por parte do governo eleito, mas antes como órgão de seleção e treino de lideranças carismáticas capazes de ultrapassar os «estritos limites internos»31 da dominação de tipo burocrático.

Esse foco do parlamentarismo na seleção e treino de lideranças carismáticas corresponde às concessões elitistas que toda a democracia de massas, por mais igualitária que se apregoe, se vê obrigada a fazer. Weber nunca duvidou da «superior capacidade de manobra de pequenos grupos de elites»32 enquanto atores políticos, e sempre apontou para a frequente transmutação das democracias em regimes de natureza cesarista33. Por outro lado, contudo, o líder carismático tinha também de fazer concessões substanciais ao contexto racionalizado e burocratizado em que agora emergia, abdicando nomeadamente da ambição de operar grandes transformações políticas e sociais. Weber viveu uma revolução, mas não acreditava (mais) em revoluções. Quando, numa Munique a ferro e fogo, se dirigiu a uma plateia de estudantes para falar da «política como vocação», avisou todos «os que compartilham da intoxicação que esta revolução significa» que o futuro lhes reservaria, muito provavelmente, «uma era de reação», uma longa «noite polar de gélida escuridão e dureza»34. Com efeito, numa passagem de Economia e Sociedade que versa os efeitos do avanço da dominação burocrática, o autor nota que «a criação forçada de formações de autoridade inteiramente novas» se tornara «cada vez mais impossível». «O lugar das “revoluções”», concluía Weber, «seria tomado por golpes de Estado»35. O resultado das revoluções socialistas a que assistia, em primeira mão ou à distância, seria o despertar de uma amarga reação que colocaria em risco o indispensável, ainda que agora desencantado, acervo de conquistas das Luzes.

No fim dos seus dias, Weber era um liberal inteiramente desencantado, que assumia a condição de epígono crepuscular de uma era cujo soçobrar se desenhava num horizonte próximo. Em derradeira instância, nem a crença na instituição parlamentar, alfa e ómega do liberalismo político independentemente das funções precisas que se julgasse constituírem a sua prioridade, sairia ilesa. Na verdade, a capitulação alemã de novembro de 1918 concretizou, quase da noite para o dia, as exigências de parlamentarização plena que Weber havia repetido incansavelmente durante o conflito militar. Mas as eleições para a Assembleia Constituinte de janeiro de 1919, fazendo uso de um método de conversão de votos em mandatos assente no princípio da proporcionalidade, que Weber sempre criticara, anunciavam um parlamento dominado por meros delegados de interesses particulares, por «políticos profissionais sem vocação»36. Weber temia agora, juntando a sua a outras vozes liberais37, um chamado «absolutismo do parlamento»38. Mas terá ido porventura mais longe do que a generalidade dos seus congéneres liberais ao evocar explicitamente, na sua defesa de uma solução constitucional de tipo presidencialista, uma antinomia entre parlamentarismo e democracia39. Se a luta pelo reforço dos poderes do parlamento tinha sido absolutamente necessária no contexto autoritário da Alemanha guilhermina, a situação do pós‑guerra caracterizava‑se, aos olhos do autor, pelo «sucumbir de todas as propostas constitucionais a uma fé crua e cega na infalibilidade e omnipotência da maioria – da maioria no parlamento, não do povo». Ou seja: «havia‑‑se caminhado para um extremo oposto, mas igualmente pouco democrático»40. Mais à frente, numa passagem que parece anunciar o ocaso histórico do parlamentarismo em favor de um entendimento plebiscitário da democracia, Weber insta os parlamentos a seguirem as pisadas dos mais inteligentes monarcas de outrora, que voluntariamente lhes haviam cedido as prerrogativas de legislação e governo, reconhecendo na figura presidencial diretamente eleita pelo povo «a Magna Carta (…), o paládio de uma democracia genuína»41.

Mas, nessa polémica constitucional da qual haveria de emergir a República de Weimar, Max Weber, mesmo ciente da condição crepuscular do seu liberalismo, talvez estivesse longe de imaginar que, no espaço de uma década, a oposição entre parlamentarismo e democracia – e entre a legalidade daquele e a legitimidade desta – seria levada às últimas consequências.

 

A ILUSÃO TRÁGICA DO TOTALITARISMO

A afinidade entre as ideias políticas do liberal Max Weber, sobretudo nos primórdios da República de Weimar, e as do reacionário Carl Schmitt, nomeadamente no período da crise final dessa primeira experiência democrática alemã, é objeto de debate acalorado entre historiadores e pensadores políticos. Wolfgang Mommsen, na conclusão da sua colossal obra sobre Max Weber e a Política Alemã, foi o primeiro a sugeri‑la, argumentando que a teoria schmittiana da legitimidade plebiscitária do presidente do Reich como verdadeiro representante da vontade popular – que o autor opunha ao fragmentário pluralismo político‑partidário que paralisava o parlamento – constituía uma prossecução válida, ainda que porventura unilateral, das exigências weberianas durante os pri‑meiros passos da democracia de Weimar42. Poucos anos mais tarde, em intervenção polémica na conferência que celebrava o centenário de Weber, Jürgen Habermas evocava Schmitt como «“pupilo legítimo” de Weber»43,44.

Para os propósitos do presente ensaio, mais do que aferir questões de paternidade intelectual, importa sublinhar que a desilusão do liberalismo, amadurecida por décadas de expansão industrial, urbanização, conflito social e guerras imperialistas, cedo alimentou uma nova ilusão, para a qual se haveria de cunhar o termo totalitarismo45. E, com efeito, os escritos de Carl Schmitt durante a década de 1920 e inícios de 1930 permitem percorrer – vertiginosamente, diríamos – o caminho que vai da crise do liberalismo à expectativa de um Estado total.

Em 1923, quando a República de Weimar parecia finalmente recuperar do seu traumático nascimento rumo a uma relativa estabilidade, Carl Schmitt publica um ensaio sobre a condição histórica e intelectual do parlamentarismo46. Trata‑se de uma das mais penetrantes críticas da democracia parlamentar alguma vez escritas. Nela, a tensão entre parlamentarismo e democracia, que Weber já havia versado, é transformada em oposição fundamental, em contradição insanável. A estratégia argumentativa do autor é relativamente simples: contrastar os princípios elementares do parlamentarismo liberal, por um lado, com os valores fundamentais da democracia e, por outro, com a realidade da moderna democracia de massas, para, sublinhando a distância entre uns e outros, proferir um veredicto de falência tão necessária quanto iminente.

Para Schmitt, o princípio‑chave do parlamentarismo é a discussão pública entre representantes eleitos e independentes. Por discussão, porém, não deve entender‑‑se um mero sinónimo de negociação ou de acomodação de interesses divergentes. Diferentemente, «(d)iscussão significa uma troca de opiniões dominada pela finalidade de convencer o opositor mediante argumentos racionais de uma verdade e adequação ou deixar‑se convencer pela verdade e adequação»47. Nessa medida, o princípio da discussão tem um alcance epistemológico e metodológico, que, segundo Schmitt, define o liberalismo como «sistema metafísico»48. Longe de poder ser identificada de modo absoluto e imediato, como julgavam os arautos do despotismo esclarecido, a razão que deve inspirar o exercício dos poderes públicos é vista como resultado de um processo dialógico de competição entre opiniões rivais, análogo à livre concorrência no mercado económico. As leis gerais e abstratas que tipicamente brotam da discussão pública em sede parlamentar surgem, assim, como a aproximação possível à verdade e à justiça, como manifestação de uma «soberania da justiça e da razão»49.

A crença nas virtudes da discussão pública entre representantes independentes da nação colidia, contudo, com certas tendências implícitas ao avanço da ideia democrática – um avanço irresistível, sinónimo de progresso, perante o qual toda a resistência surgia como expressão desesperada de conceções ultrapassadas. Segundo Schmitt, a democracia, ao contrário do sistema parlamentar, remete, primeiramente, não para o princípio da representação política, mas para «o princípio da identidade do povo consigo próprio como unidade política»50, sendo que

«todos os argumentos democráticos assentam numa série de identidades (…): identidade de governantes e governados, dominantes e dominados; identidade de sujeito e objeto da autoridade estatal; identidade do povo com a sua representação no parlamento; identidade do Estado e do povo votante em cada caso; identidade do Estado e da lei; por último, identidade do quantitativo (maioria numérica ou unanimidade) com o qualitativo (adequação da lei)»51.

Ora, mesmo sendo a identidade plena uma quimera democrática, nem por isso deixou, a partir de determinado momento, de exercer pressão sobre os elementos tipicamente aristocráticos do parlamentarismo. Com efeito, para Schmitt, o parlamentarismo liberal era uma forma mista de governo situada algures entre a negação do absolutismo monárquico e a assunção plena da soberania popular. Se na luta contra as monarquias de direito divino sobressaíra a sua dimensão democrática, quando aquelas desapareceram como antagonista sério os parlamentos ficaram crescentemente expostos a serem denunciados, numa perspetiva democrática, como instrumentos de dominação do povo por uma elite aristocrática52.

Em boa verdade, a realidade da moderna democracia de massas já havia subvertido na prática os princípios do parlamentarismo. Longe de serem portadores de «argumentos racionais» numa discussão destinada a descobrir dialogicamente a razão e o bem comum, os partidos de massas que dominavam o panorama político exprimiam profundas clivagens económicas, sociais e culturais, relacionando‑se uns com os outros não como complementares «partículas de razão»53, mas como blocos de poder. A negociação e os compromissos ad hoc tomaram o lugar da discussão e dos consensos substantivos. Os mecanismos legais e institucionais que supostamente garantiriam a discussão pública entre representantes independentes da nação como um todo já não eram mais do que formalidades esvaziadas de significado político real. A contradição entre os princípios basilares do parlamentarismo liberal e o desenvolvimento da democracia de massas era inegável e irresolúvel54.

Feito o diagnóstico e proferida a sentença de morte, Schmitt dedica as páginas finais do seu ensaio sobre o parlamentarismo às alternativas ideológicas que prometiam superá‑lo, desde o racionalismo absoluto da ditadura marxista às teorias irracionalistas da ação direta (anarcossindicalistas, primeiro; fascistas e nacionalistas, depois)55. Mas para compreendermos a transmutação trágica da crise do liberalismo na ilusão do totalitarismo, os escritos de Schmitt que coincidem com a agonia final da democracia de Weimar revelam‑se mais interessantes.

Neles, basicamente, Schmitt conduz o desencanto do Weber tardio relativamente aos partidos políticos e ao estado da democracia parlamentar às suas consequências últimas. Essa radicalização manifesta‑se em três aspetos distintos, ainda que complementares. Em primeiro lugar, toca a apreciação da natureza e função dos partidos políticos. Weber, apesar da crítica contundente dirigida às organizações partidárias e suas burocracias de políticos profissionais que viviam da política e não para a política, nunca deixou de considerar os partidos elementos indispensáveis à moderna democracia de massas, nomeadamente nos momentos de competição eleitoral. Schmitt, por seu turno, vislumbra uma oposição irreconciliável entre os partidos de massas modernos e o próprio conceito de Estado: os partidos fragmentam irremediavelmente a unidade política do povo que a ideia de Estado deveria exprimir, colocando no seu lugar a identificação de parcelas do povo consigo próprias como blocos de poder em conflito permanente. Os partidos surgem assim, aos olhos de Schmitt, como os veículos da dissolução pluralista do Estado moderno, «abatendo o poderoso Leviatã para cortarem do seu corpo o respetivo pedaço de carne»56. A noção liberal do partido de opinião como associação voluntária fluída – e muitas vezes restrita aos períodos de competição eleitoral – estava completamente ultrapassada. Os partidos modernos eram «partidos totais»57, que procuravam impor a coesão das suas bases sociais de apoio através de uma miríade de organizações paralelas (que em Weimar iam do grupo coral ou desportivo a organizações paramilitares).

Ora, e aqui transitamos para o segundo aspeto, se o aparelho legislativo do Estado estava efetivamente refém desse tipo de organizações, como poderia o parlamento produzir normas que, em virtude da sua universalidade abstrata e racionalidade formal, deveriam ser consensualmente reconhecidas como válidas? Já aos olhos de Weber, como vimos, a legalidade racional, apesar da predominância no contexto moderno, não era fonte original de legitimidade. Mas Schmitt transforma esse nexo frágil numa oposição conceptual absoluta entre legalidade e legitimidade. A crença na racionalidade e justiça das normas abstratas dimanadas do parlamento fora uma peculiaridade histórica do constitucionalismo liberal oitocentista, insustentável no quadro da emergência do moderno Estado de «partidos totais», que havia já transformado a instituição parlamentar em «mero reflexo da divisão pluralista do próprio Estado»58. O parlamento tornara‑se obstáculo à afirmação de qualquer tipo de legitimidade política, e o autor chega mesmo ao ponto de argumentar que uma sua eventual dissolução, longe de constituir atentado flagrante à Constituição de Weimar, corresponderia ao espírito democrático da constituição como um todo59.

Restaria, assim, ao presidente do Reich enquanto encarnação do princípio plebiscitário conduzir a República de Weimar para lá das suas inconsistências internas. Se Weber vira no presidente diretamente eleito o pináculo do sistema democrático e o garante da sua conservação, devido à relação imediata com a vontade popular, Schmitt – e ainda que o desenho constitucional de Hugo Preu tenha ficado aquém do que Weber exigi‑ra! – reinterpreta‑o como agente de uma verdadeira revolução constitucional, como legislador extraordinário ao qual caberia, como portador do único tipo de legitimidade (a plebiscitária) cuja validade era reconhecida no contexto da política de massas60, operar a dissolução da legalidade parlamentar. A velha teoria liberal do poder neutral e moderador do chefe de Estado, nascida no quadro das monarquias constitucionais, colapsava assim numa doutrina de neutralização do parlamentarismo.

Estava aberto o caminho para o «Estado total», um dos temas favoritos de Schmitt no início da década de 1930. Num ensaio, publicado em fevereiro de 1933, sobre o «desenvolvimento do Estado total na Alemanha», o autor distingue duas conceções – quantitativa e qualitativa – de «Estado total». O Estado pluralista, dominado pelos «partidos totais» de Weimar, era já um «Estado total». Tratava‑se, no entanto, de uma totalidade «meramente quantitativa»61, que designava a sua intervenção em praticamente todas as esferas de atividade humana. Este Estado dinamitara a dicotomia oitocentista entre o público e o privado, assumindo‑se como uma espécie de «auto‑organização da sociedade»62, mas a sua totalidade era, aos olhos de Schmitt, expressão de fraqueza, indecisão e despolitização. Com efeito, apenas a autoridade do presidente do Reich, um legado de «tempos pré‑pluralistas», havia logrado dotar esse todo caótico de uma «aparência de ordem»63.

Em alternativa, Schmitt ansiava por um Estado «total no sentido da qualidade e energia», capaz de «distinguir amigo e inimigo»64 e de afirmar‑se como unidade política ante as forças fragmentárias da modernidade. Todo o verdadeiro Estado seria, nesse sentido, um «Estado total». Para sobreviver nas condições modernas, tal Estado teria de chamar a si, sem hesitação, o controlo de todas as novas técnicas e instrumentos de poder. O salto qualitativo do «Estado total» abraçaria, necessariamente, a sua abrangência quantitativa. Ainda Schmitt olhava para a Itália de Mussolini como grande esperança e já Hitler tinha ascendido ao poder – a expressão mais aterradora do Estado total estava a nascer.

 

CONCLUSÃO

O Estado totalitário – qualitativa e quantitativamente total, para usarmos os termos de Carl Schmitt – foi certamente a grande tragédia do século XX. As obras de Hannah Arendt, Aleksandr Solzhenitsyn e Claude Lefort, entre tantos outros, não nos permitirão tão cedo esquecê‑la. Todas as democracias, após 1945, procuraram em primeiro lugar, e acima de tudo, resguardar‑se da ameaça totalitária, aprofundando o seu Estado de direito para garantir firmemente direitos e liberdades fundamentais. Se as teorias iluministas do direito natural estavam em crise profunda nas primeiras décadas do século XX, a filosofia política ocidental do pós‑Segunda Guerra, nos seus máximos expoentes – de John Rawls a Jürgen Habermas –, não é mais do que um regresso sofisticado a essa herança das Luzes. Hoje, no sentido preciso em que não abdicamos, apesar de podermos discordar quanto aos seus limites, de uma esfera inviolável de direitos e liberdades individuais, somos todos liberais. E é bom que o sejamos.

Mas esse mínimo denominador comum que herdámos do constitucionalismo liberal não nos pode bastar como democratas. Porque a democracia realmente existente não é uma construção ideal derivável de uma mão‑cheia de princípios claros. Pelo contrário, é lugar de tensões insanáveis, paradoxos irresolúveis e projetos inacabados, habitado ainda e sempre por hiatos intransponíveis entre intenções e consequências. Max Weber, um pensador sedento de realidade como poucos, cedo se apercebeu da insuficiência do horizonte liberal clássico para pensar a política moderna, e é nos seus escritos que brota, em toda a sua complexidade, o imaginário político do século XX. Esse choque de realidade foi duro e difícil, mas necessário. Os problemas da democracia moderna continuam desde então a desafiar‑nos. No fundo, são problemas de solução impossível: Como garantir a liberdade e, ao mesmo tempo, construir a igualdade? Como encurtar, sem o abolir ou denegar, o fosso entre governantes e governados? Como moderar o poder de intervenção do Estado sem o esvaziar ou reduzir a instrumento ao serviço de interesses particulares? E por aí em diante.

No final de «The profession and vocation of politics», o tom de melancolia dominante não impede Weber de admitir que o que é humanamente possível «nunca teria sido atingido se, neste mundo, os homens não tivessem repetidamente tentado o impossí‑vel»65. Tentar o impossível, no entanto, pode dar origem ao indesejável. Mas desse risco não podemos escapar. A atual crise da democracia só conduzirá ao desespero quem tiver levado o otimismo do final do século XX excessivamente a sério – ou quem tiver lido Fukuyama apenas pela metade. O caminho entre a dupla ilusão que acompanha a democracia moderna desde o berço será sempre sinuoso. Todo o gesto que vise transcender a ilusão do liberalismo, cujos princípios básicos, ainda que indispensáveis, não captam o drama real das democracias, contém, pelo menos em potência, a tentação do totalitarismo. Poucos invejarão a condição democrática vista desta perspetiva, pois testar os limites do possível é uma responsabilidade pesada. Mas é nesse espaço fugidio e incerto, entre uma ilusão confortável e outra perigosa, que a democracia deve buscar a sua casa.

 

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Data de receção: 17 de setembro de 2016 | Data de aprovação: 24 de outubro de 2016

 

NOTAS

1Fukuyama, Francis – The End of History and the Last Man. Nova York: Free Press, 1992, pp. 287 e segs.

2Huntington, Samuel P. – The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order. Nova York: Simon & Schuster, 1996.

3A meu ver, tanto as teses de Huntington como as de Fukuyama, apesar das intuições válidas e estimulantes que transportam consigo, revelam-se em derradeira instância insuficientes para uma compreensão plena – ou tão plena quanto possível – dos impasses do mundo contemporâneo.

4Fukuyama, Francis – The End of History and the Last Man, p. 132.

5Significativamente, quem hoje se considera liberal (no sentido europeu do termo) não tem em Rawls, mas sim em alguns dos seus principais críticos, a sua bússola filosófica.

6E mesmo nos casos (aparentemente) mais óbvios de sucesso liberal – Grã--Bretanha, Estados Unidos e França – o nexo entre a liberalização/parlamenta-rização dos respetivos regimes políticos e a sua democratização não é óbvio, nem imediato. O parlamentarismo liberal assentou durante longas décadas em limitações censitárias e capacitárias ao direito de voto que hoje são inconciliáveis com a definição mínima de democracia. Como nota Bernard Manin em The Principles of Representative Government, os sistemas de governo representativo que emergiram das revoluções atlânticas mesclam elementos democráticos e aristocráticos.

7Cf. Blackbourn, David, e Eley, Geoff – The Peculiarities of German History: Bourgeois Society and Politics in Nineteenth-Century Germany. Oxford: Oxford University Press, 1984.

8Cf. Radkau, Joachim – Max Weber: Die Leidenschaft des Denkens. Munique: Carl Hanser, 2013, p. 144.

9Weber, Max – Jugendbriefe. Marianne Weber (ed.). Tübingen: Mohr Siebeck, 1936, p. 143. Salvo indicação em contrário, as traduções – tanto do alemão como do inglês – são da responsabilidade do autor.

10Weber, Max – «Parliament and government in Germany under a new political order» (1917). In Political Writings. Cambridge: Cambridge University Press, 1994, pp. 227-228.

11Max Weber para Hermann Graf Keyserling (21 de junho de 1911), citado por Radkau, Joachim – Max Weber: Die Leidenschaft des Denkens, p. 497.

12Weber, Max – «Parliament and government in Germany», p. 159.

13Max Weber para Mina Tobler (24 de agosto de 1915), citado por Radkau, Joachim – Max Weber: Die Leidenschaft des Denkens, p. 544.

14Cf. Weber, Max – Economy and Society. Berkeley: University of California Press, 1978, p. 926.

15Weber, Max – «The profession and vocation of politics» (1919). In Political Writings, pp. 310-311.

16Weber, Max – Economy and Society, p. 953.

17A saber: carisma, tradição e legalidade racional.

18Cf. Kalyvas, Andreas – Democracy and the Politics of the Extraordinary: Max Weber, Carl Schmitt and Hannah Arendt. Nova York: Cambridge University Press, 2008, p. 50, 21.

19Cf. Mommsen, Wolfgang J. – Max Weber: Gesellschaft, Politik und Geschichte. Frankfurt: Suhrkamp, 1974, p.128; Hanke, Edith – «Max Webers „Herrschaftssoziologie“: Eine werkgeschichtliche Studie». In Hanke, Edith, e Mommsen,Wolfgang J. (eds.) – Max Webers Herrschaftssoziologie. Tübingen: Mohr Siebeck, 2001, p. 32.

20Conceito que Weber tomou de empréstimo a Rudolf Sohm, teólogo protestante e historiador do direito canónico que o usara para referir-se à homogeneidade espiritual do cristianismo primitivo, por oposição à posterior deriva legalista e burocrática da Igreja de Roma. Cf. Sohm, Rudolf – Kirchenrecht. Leipzig: Duncker & Humblot, 1892.

21Weber, Max – Economy and Society, p. 1117.

22Ibidem, p. 252.

23Radkau, Joachim – Max Weber: Die Leidenschaft des Denkens, p. 544.

24Weber, Max – The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism (1904-1905). Londres: Routledge, 1992, p. 124.

25Ibidem, p. 64, n. 30.

26Weber, Max – «The social psychology of the world religions». In Gerth,H. H., e Mills,C. Wright (eds.) – From Max Weber: Essays in Sociology. Nova York: Oxford University Press, 1947, p. 290.

27Weber, Max – The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism, p. 123.

28Ibidem, p. 124.

29Weber, Max – «Parliament and government in Germany», p. 158. Trata-se, evidentemente, de uma variação da metáfora do «casulo de ferro» que emergia na conclusão da Ética Protestante.

30Weber, Max – «Parliament and government in Germany», p. 159.

31Ibidem.

32Ibidem, p. 174.

33Weber, Max – Economy and Society, pp. 961-962.

34Weber, Max – «The profession and vocation of politics», p. 368.

35Weber, Max – Economy and Society, p. 989.

36Weber, Max – «The profession and vocation of politics», p. 351.

37Entre as quais a do jurista Hugo Preuẞ, que haveria de arquitetar a inovadora solução semipresidencialista da Constituição de Weimar.

38Cf. Mommsen, Wolfgang J. – Max Weber und die Deutsche Politik 1890-1920 (1959). 2.ª edição. Tübingen: Mohr Siebeck, 1974, pp. 371-378.

39De resto, já em «Parliament and government» (p. 210), havia o autor alertado para a frequente, ainda que porventura não necessária, tensão entre democratização e governo de natureza parlamentar.

40Weber, Max – «The President of the Reich» (1919). In Political Writings, p. 307. 41Ibidem, p. 308.

42Cf. Mommsen, Wolfgang J. – Max Weber und die Deutsche Politik 1890-1920, pp. 408-413.

43Habermas, Jürgen – «Discussion on value-freedom and objectivity». In Stammer, Otto (ed.) – Max Weber and Sociology Today. Nova York: Harper & Row, 1971, p. 66. Em nota de rodapé, Habermas corrige a expressão para «“um filho natural” de Weber».

44Para uma visão matizada desta controversa afinidade, ver Magalhães, Pedro T. – «A contingent affinity: Max Weber, Carl Schmitt, and the challenge of modern politics». In Journal of the History of Ideas. Vol. 77, N.º 2, 2016, pp. 283-304.

45A palavra nasce em Itália, no contexto da emergência do fascismo.

46Schmitt, Carl – Die geistesgeschichtliche Lage des heutigen Parlamentarismus (1923). 9.ª edição. Berlim: Duncker & Humblot, 2010.

47Ibidem, p. 9. Cito aqui a tradução de João Tiago Proença: Schmitt, Carl – «Democracia e parlamentarismo». In Aurélio, Diogo Pires (coord.) – Representação Política, Textos Clássicos. Lisboa: Livros Horizonte, 2009, p. 182.

48Schmitt, Carl – Die geistesgeschichtliche Lage des heutigen Parlamentarismus, p. 45.

49Schmitt, Carl – Verfassungslehre. 10.ª edição. Berlim: Duncker & Humblot, 2010, p. 201.

50Ibidem, p. 205.

51Schmitt, Carl – Die geistesgeschichtliche Lage des heutigen Parlamentarismus, p. 35. Cito aqui novamente a tradução de João Tiago Proença: Schmitt, Carl – «Democracia e parlamentarismo», p. 201.

52Cf. Schmitt, Carl – Verfassungslehre, pp. 216-219.

53Schmitt, Carl – Die geistesgeschichtliche Lage des heutigen Parlamentarismus, p. 44.

54Cf. Ibidem, pp. 10-11.

55Ibidem, pp. 63 e segs. A alternativa fas-cista/nacionalista surge claramente, aos olhos de Schmitt, como a mais prometedora.

56Schmitt, Carl – «Staatsethik und pluralistischer Staat» (1930). In Positionen und Begriffe im Kampf mit Weimar – Genf – Versailles. 3.ª edição. Berlim: Duncker & Humblot, 1988, p. 152.

57SCHMITT, Carl – «Weiterentwicklung des totalen Staats in Deutschland». In Positionen und Begriffe, p. 214.

58 Schmitt, Carl – Der Hüter der Verfassung. Tübingen: Mohr Siebeck, 1931, p. 89.

59Cf. Schmitt, Carl – Legalität und Legitimität. Munique: Duncker & Humblot, 1932, pp. 14-19.

60Ibidem, p. 93.

61Schmitt, Carl – «Weiterentwicklung des totalen Staats in Deutschland»», p. 213.

62Schmitt, Carl – Der Hüter der Verfassung, p. 78.

63Schmitt, Carl – «Weiterentwicklung des totalen Staats», p. 216.

64Ibidem, pp. 212-213.

65Weber, Max – «The profession and vocation of politics», p. 369.

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