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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.50 Lisboa jun. 2016

 

25 ANOS DOS ACORDOS DE BICESSE

 

Regresso a Bicesse

 

António Monteiro

Embaixador jubilado, foi ministro dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas no XVI Governo Constitucional. Licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa. Exerce funções de membro não executivo do Conselho de Administração do Banco Privado do Atlântico – Angola, membro não executivo do Conselho de Administração da SOCO International, plc., vogal do Conselho de Administração do Banco Sabadell, em representação do Banco Comercial Português, presidente do Conselho de Curadores da Fundação Millennium BCP, presidente do Conselho de Curadores da Fundação Luso-Brasileira e presidente do Conselho Consultivo do Programa de Ajuda ao Desenvolvimento da Fundação Calouste Gulbenkian.

 

Quando nesse início de uma manhã de abril de 1990 parti para um encontro aprazado nos arredores de Lisboa, mal conseguia dominar a ansiedade de saber se ele se concretizaria. Chegado ao local, só muitos minutos depois pude respirar de alívio ao entrever na neblina matinal o carro do qual saíram, como combinado, os dois representantes da UNITA.

Na viagem para Évora, que logo a seguir encetámos, outra dúvida reacendia a minha inquietação: ter-se-ia também verificado a chegada (neste caso a Espanha) dos dois representantes do Governo de Angola?

A rápida confirmação mútua de que ambos cumpriam o acordado com o Governo português, permitiu que poucas horas depois se iniciassem nos arredores de Évora conversações exploratórias diretas entre os dois beligerantes angolanos, sob a égide portuguesa. Independentemente do que resultasse dessas primeiras discussões, o muro de desconfiança que opunha os opositores angolanos registava a primeira brecha. A fidelidade à palavra dada, dentro de uma discrição e secretismo inabituais nestas circunstâncias, significava que Governo e UNITA partiam com seriedade para a tentativa de construção de pontes de entendimento, confiando nos bons ofícios do Governo português.

O legado do seu relacionamento era um mar de equívocos, desencontros e violência, desde a rivalidade no tempo colonial, à luta armada que tornou o Acordo de Alvor impraticável e conduziu à guerra civil que há mais de uma década consumia vidas e recursos.

A interferência externa era um facto constante de ativação do conflito interno e mesmo tentativas internacionais de conciliação, como fora Gbadolite, haviam degenerado rapidamente em acréscimos de hostilidades a todos os níveis. Daí que a primeira preocupação do Governo português fosse assegurar a sua neutralidade face ao conflito interno, procurando ser visto pelos dois lados como um honest broker cuja única motivação era ajudar os angolanos a encontrar os caminhos da paz. Tarefa difícil para quem, como Portugal, se debatia ainda com as sequelas de uma descolonização traumática que havia transformado a questão de Angola também numa questão de política interna.

A sequência regular de rondas negociais que se realizaram ao longo de um ano, sem que fosse possível qualquer acordo de cessar-fogo, mesmo temporário, expressa bem a complexidade de posições antagónicas que à partida pareciam muitas vezes inconciliáveis. A necessidade de ir criando pilares de confiança entre os angolanos, levou Portugal a propor rapidamente a inclusão nas negociações, como observadores, das então ainda duas superpotências mundiais, Estados Unidos e União Soviética. Já então assumindo o papel de verdadeiro mediador, o Governo português entendia que a presença nas discussões dos dois principais fornecedores de armamento, respetivamente, à UNITA e ao Governo de Angola, podia ajudar a concluir mais depressa um acordo de cessar-fogo.

A sucessão de rondas negociais, se era prova da dificuldade de obtenção de consensos entre os angolanos, mostrava igualmente que a mediação portuguesa permanecia indispensável, não obstante as pressões que sobre ela se foram acentuando à medida que os protagonistas procuravam garantir posições de vantagem nos termos de um eventual acordo. Essa constatação levou a que o Governo português – temendo a erosão do clima de diálogo interno angolano devido à incapacidade de, ao fim de um ano, ver traduzido no terreno os avanços que se iam registando – pusesse em prática, com a concordância dos observadores, uma jogada de risco: promover uma ronda final de negociações non stop que culminasse com um acordo formal e abrangente.

Ao aceitar o desafio, os dois interlocutores, além de não quererem arcar com a responsabilidade de uma rutura do diálogo, mostraram, sobretudo, acreditar na viabilidade de um resultado positivo. E havia razões para isso. Sendo capazes de ultrapassar, em frente-a-frente diretos, ao longo de um ano, pontos de vista politicamente divergentes, ressentimentos de longa data e percursos e motivações pessoais e coletivas tão opostos, seria uma traição ao próprio esforço até aí desenvolvido não dar uma oportunidade aos pontos de convergência que eles próprios haviam construído: a unidade do território nacional; a recusa de posições étnicas ou tribais; a progressiva consciência de impossibilidade de uma vitória militar; a perceção das mudanças que o mundo conhecia e que tanto impacto estavam a ter na África Austral; a convicção de que era chegada a altura de dar uma oportunidade à paz através da abertura do país ao multipartidarismo e à iniciativa privada, em simultâneo com o termo das presenças militares externas em território nacional; e, talvez acima de tudo, a constatação, durante as longas horas de negociação, de que as divisões que persistiam não obstavam à convivência entre os angolanos.

A rubrica dos chamados Acordos de Bicesse, culminou um mês de trabalho intensivo, em regime de internato, na inacabada Escola de Hotelaria daquela localidade, em que a mediação portuguesa, apoiada pelos observadores e, pela primeira vez, pelas próprias Nações Unidas, impulsionou a definição pelos angolanos das bases que permitiriam ao país, após longos anos de luta armada, começar a viver em paz. No fundo, todos os intervenientes estavam conscientes de que a alternativa ao rompimento das negociações seria inevitavelmente o seu recomeço num futuro incerto. A opção militar já se mostrara inconclusiva e não se coadunava, nem com a dinâmica evolutiva da África Austral iniciada pelos Acordos que haviam permitido a independência da Namíbia, nem com a evolução do final da Guerra Fria, que tanto alimentara o conflito angolano. Um cessar-fogo efetivo a partir de meados do mês permitiu a assinatura formal dos Acordos de Paz no último dia de maio de 1991.

O período que mediou até às eleições poderá hoje (facciosamente) ser lembrado pelas vicissitudes, imponderáveis, incumprimentos e até desacertos que acompanharam a implementação daqueles Acordos a nível político e militar. Mas seria injusto não dar maior ou igual crédito ao trabalho desenvolvido que permitiu a realização dessas eleições, lançando Angola, definitivamente, na senda da vivência democrática. E seria também não dar valor à transformação ocorrida nessa altura numa sociedade que foi progressivamente perdendo o medo de tatear os caminhos da liberdade. Talvez por isso fosse ainda mais traumático o regresso à violência que acompanhou a recusa, pelo líder da UNITA, dos resultados eleitorais de setembro de 1992.

É frequente encontrar em estudos ou comentários a afirmação de que os «Acordos falharam por falta de vontade política». Qualquer acordo implica em si mesmo a obrigação de cumprir o estipulado e de aceitar as consequências da sua execução. O que na realidade faltou foi a motivação subjacente a essa vontade política. Se bem que, às vezes penosamente, o ciclo que conduziu à realização das eleições tenha sido concluído, mantendo os dois responsáveis angolanos pela estabilidade do processo a expectativa de vitória eleitoral. Mas, perante os resultados, falhou a motivação para aceitar a outra face da moeda: a derrota eleitoral.

Relacionado com este aspeto, invoca-se muitas vezes também a ausência de um compromisso em Bicesse para evitar uma situação de winner takes all. Tal aconteceu apenas porque os dois contendores entenderam sempre estar preparados para uma disputa eleitoral aberta, exigindo apenas que as Nações Unidas certificassem terem sido justas e livres (como se veio a verificar). Nem estou certo de que a introdução desse facto fosse suficiente para alterar o rumo dos acontecimentos, como o que se passou a seguir veio confirmar. Com efeito, ao reacender pós-eleitoral do conflito sucederam-se de imediato as tentativas de regresso ao diálogo. Impulsionado pelas Nações Unidas e pela troika de observadores, o elemento aliciador inicial dessas tentativas foi procurar assegurar a realização de uma segunda volta das eleições presidenciais, pelo que foi interrompida uma contagem de votos que podia prejudicar esse objetivo.

Rapidamente se constatou que esse aliciante era claramente insuficiente. E o passo seguinte consistiu em ensaiar fórmulas de «partilha de poder» (power sharing) que tivessem simultaneamente em conta a necessidade de respeitar formalmente os resultados eleitorais e a constatação pragmática da situação militar no terreno, onde a UNITA havia conseguido expandir o seu domínio a quase dois terços do território. Depois de uma breve tentativa interna no Namibe, foi em Adis Abeba e em Abidjan que, sob a égide das Nações Unidas, se promoveu uma plataforma de acordo nessa base, que viria finalmente a ser bem-sucedida em Lusaka, com a assinatura de um Protocolo Adicional aos Acordos de Paz. Na realidade, porém, a «partilha de poder» nele acordada também não conseguiu nem impor a paz, nem evitar a retoma de guerra aberta.

A par das fórmulas ensaiadas de «partilha de poder» em Angola, foi às vezes promovida do exterior a ideia de que a situação do país impunha na realidade uma verdadeira partilha de Angola entre o Governo e a UNITA. Apoiando-se numa «visão de conveniência» segundo a qual a paz não tem preço, essa tese nunca vingou. Para além de chocar frontalmente com um princípio fundador da então Organização da Unidade Africana (inviolabilidade das fronteiras coloniais), ela esbarrou, sobretudo, no sentido nacional maioritário dos dois partidos, MPLA e UNITA, e no facto de ambos nunca haverem denunciado formalmente os Acordos de Bicesse e o Protocolo de Lusaka. Mantendo-se em vigor, eles serviram de enquadramento legal à paz assinada em 2002, vigorando até às eleições de 2008, que lançaram definitivamente o país na normalidade democrática.

Outra crítica comum é o curto prazo com que foram preparadas e levadas a cabo as eleições de 1992 e a ausência de espaço político com que a sociedade civil se debateu. Creio que esses reparos são fundados e que teria sido mais vantajoso para Angola prever nos Acordos de Paz períodos mais dilatados, antes de confrontar os cidadãos com a escolha eleitoral. A mediação portuguesa chegou inicialmente a avançar com uma proposta de governo de transição inclusive por um período de três anos que preparasse as eleições. Tal não foi aceite e o precedente amargo do Alvor talvez aí estivesse presente. Na verdade, o «preço» da assinatura de um acordo efetivo de cessar-fogo foi a realização de eleições no mais curto prazo possível exigido pela UNITA para pôr termo ao regime de partido único.

O entendimento entre os dois interlocutores nas negociações foi também o de que devia ser o Governo de Angola o responsável pela preparação e realização do ato eleitoral, cabendo às Nações Unidas fiscalizar o processo. Foi, aliás, já no decorrer da execução dos Acordos que se gerou o consenso quanto à conveniência de alargar as competências da missão das Nações Unidas, reforçando as que já detinha em relação ao desarmamento e desmobilização das duas forças militares e atribuindo-lhe agora um estatuto mais interventor na organização, fiscalização e certificação das eleições. Para isso, o secretário­-geral das Nações Unidas nomeou uma representante especial, o que elevou consideravelmente o estatuto da UNAVEM II. A corrida contra o tempo, que foi a preocupação primária de cumprir o acordado entre Governo e UNITA, deixou pouco espaço de manobra para que outras forças políticas ou movimentos cívicos se impusessem na cena política angolana. A prioridade residia em preservar o clima de paz e não era fácil fugir ao estatuto dominador que a prolongada guerra civil tinha concentrado nos dois beligerantes. Isso mesmo era notório na Comissão Conjunta Política Militar (CCPM) onde Governo e UNITA, na esteira do período negocial, decidiam por consenso, reservando-se o exclusivo da capacidade decisória. À troika de observadores, em que coube a Portugal um papel central, competia uma função de aconselhamento e moderação, enquanto as Nações Unidas viram o seu estatuto de convidado evoluir na prática, com o andamento dos trabalhos, para o de supervisor.

A CCPM foi instituída nos Acordos como um órgão de gestão do seu cumprimento. Delineada nos termos de uma organização internacional temporária sui generis, serviu desde logo para ultrapassar o escolho que constituía a decisão norte-americana de só reconhecer o Governo de Luanda que saísse das eleições. Graças à sua existência, os três países observadores puderam abrir missões temporárias, permitindo aos Estados Unidos instalarem-se em Luanda, com as inerentes prerrogativas diplomáticas, sem oficializarem as relações bilaterais com Angola. Tratou-se de uma solução original, que teve um profundo impacto no período de transição até ao ato eleitoral. A CCPM acabou por arcar frequentemente com a responsabilidade de decisões e inações que desagradaram ou frustraram expetativas dos diversos setores da sociedade angolana. Mas durante a sua vigência abriu as portas à promoção de entendimentos políticos e militares entre o Governo do MPLA e a UNITA que viabilizaram a realização das eleições na data acordada em clima de relativa estabilidade.

Particularmente difícil e complexo foi o acompanhamento dos processos de desarmamento e desmobilização das duas forças militares, FAPLA e FALA, em simultâneo com a constituição das Forças Armadas de Angola (FAA). O défice de confiança entre as partes fez-se sentir criticamente neste domínio, na medida em que cada uma delas procurou preservar uma «reserva de força» para o caso de o conflito reacender. Atrasos sucessivos nos calendários previstos e fiscalizados pelas Nações Unidas tornaram inevitável que a declaração de extinção das duas forças militares e da criação das Forças Armadas únicas fosse sobretudo um ato formal, embora responsabilizasse politicamente os angolanos. Não havia, em qualquer caso, alternativa à aceitação dessa declaração quase de último minuto como sendo o ato de cumprimento do compromisso assumido nos Acordos. Os ténues sinais de que as novas forças integradas pudessem, se fosse caso disso, resistir a um retrocesso à divisão anterior, alimentavam alguma esperança (ou melhor, wishful thinking), mas não resistiam a uma análise mais realista da situação.

Creio ser devido um reconhecimento ao papel desempenhado pelos militares portugueses destacados para acompanharem no terreno a preparação e formação das FAA. Com um claro sentido do que profissionalmente lhes era exigido e uma total entrega pessoal, mantiveram sempre um relacionamento aberto e equilibrado com as duas forças angolanas, nunca perdendo de vista a prioridade do estabelecimento de pontes que conduzissem ao objetivo da sua unificação.

O modo como atuaram foi o melhor desmentido das vozes que interna mas, sobretudo, externamente, invocavam o fantasma do conflito colonial para desaconselhar as responsabilidades que os Acordos de Paz lhes atribuíram. A despeito da evolução trágica pós-eleitoral e do regresso à luta armada, o trabalho conjunto levado a cabo nesse período foi o cimento de uma nova era de cooperação a nível militar entre Angola e Portugal que, felizmente, se tem vindo a manter.

Não é fácil resumir as «heranças» de Bicesse. Para os angolanos, em geral, as transformações impostas pela progressiva execução dos Acordos mostraram ser viável um país liberto das amarras do omnipresente conflito interno. A enorme adesão ao registo eleitoral e ao voto, em setembro de 1992, foi disso prova. A abertura à economia de mercado, então iniciada, rapidamente deixou também antever as potencialidades de desenvolvimento do país.

Para o MPLA e o seu Governo, os Acordos abriram a via da legitimidade democrática tão contestada enquanto prevaleceu o regime de partido único. O reconhecimento diplomático por parte de Washington concretizou-se, como previsto, na esteira das eleições, a despeito do regresso ao conflito armado (maio de 1993). A UNITA, por seu turno, ganhou em Bicesse a batalha contra uma mera «integração dos seus elementos», vendo-se reconhecida como partido político de pleno direito. A sua posterior participação no Governo de Unidade Nacional (GUM) e o estatuto de maior partido da oposição, adquirido nas eleições seguintes, decorreram dessa conquista.

Os Estados Unidos e a União Soviética tiveram, no decurso das negociações de paz, por iniciativa portuguesa, a oportunidade de encetar um diálogo formal com os até aí respetivos «inimigos angolanos». Continuaram, é certo, a apoiar os seus aliados, mas já numa perspetiva de contribuição para a paz e não de sustentação da luta armada. Com o mundo bipolar em desmoronamento, as duas superpotências nucleares encontraram no processo angolano a oportunidade de transformar o seu principal terreno de confrontação em África durante a Guerra Fria no melhor exemplo de concertação no continente. Esse entendimento adquiriu especial significado a nível do Conselho de Segurança das Nações Unidas (onde ambos usufruem do controverso direito de veto), sendo, regra geral, alargado à participação portuguesa.

As Nações Unidas enfrentaram em Angola um dos seus mais inovadores desafios, numa época em que o fim da Guerra Fria lhes parecia reservar uma intervenção mais efetiva a nível mundial. Com um mero estatuto de convidada na letra dos Acordos, o papel da organização evoluiu rapidamente para o de ator indispensável na CCPM, após a nomeação, pelo secretário-geral, de uma sua representante especial para Angola. O que não houve foi tempo para acautelar os recursos de que a missão das Nações Unidas em Angola necessitava para levar a bom termo um mandato mais robusto. As lições retiradas do caso angolano, nomeadamente no que respeita à adequação dos meios aos objetivos fixados nos mandatos, contribuíram para moldar casos futuros similares, como a Costa do Marfim.

Bicesse constituiu para Portugal, antes de mais, a oportunidade de corrigir os equívocos de uma descolonização particularmente traumática em Angola. Ao envolver-se com os angolanos, a pedido destes, na busca de uma solução para o conflito interno, 
o Governo português afastou o «fantasma» do abandono e deixou bem claro que a nova era de relações Estado a Estado e de respeito pela soberania de uma ex-colónia podia coexistir perfeitamente com o risco político de um envolvimento mais crucial nas suas questões internas. Numa outra perspetiva: Bicesse não «curou o mal» da tentação frequente de transpor o conflito angolano para a cena política portuguesa, mas criou as condições para que os dois países e sociedades civis se reaproximassem, dando um novo alento à singularidade de um estreito relacionamento bilateral em que a convivência permanente se sobrepõe a sobressaltos conjunturais.

A paz definitiva em Angola só se concretizou em fevereiro de 2002. Tinham passado dez anos sobre as esperanças frustradas das eleições de 1992, o recomeço do pesadelo da luta armada e os sofrimentos adicionais impostos ao povo de Angola por uma violência que não resiste à reflexão de Fernando Pessoa no seu Livro do Desassossego sobre a banalização de guerras e revoluções: «Não é a crueldade de todos aqueles mortos e feridos, o sacrifício de todos os que morrem batendo-se, ou são mortos sem que se batam, que pesa duramente na alma: é a estupidez que sacrifica vidas e haveres a qualquer coisa inevitavelmente inútil.»

A angústia desse tempo perdido dilui-se, no entanto, na imagem da Angola atual. 
O país tem-se vindo a reerguer e vai superando fraquezas e sequelas de uma longa jornada de luta pela liberdade e pela conciliação de interesses contrários. A paz consolidou-se e é hoje o mais firme sustentáculo do progresso a que aspiram todos e cada um dos angolanos. Continua a não ser uma caminhada fácil, mas as condições estão criadas para que a promoção dos recursos e dos direitos dos angolanos constitua a prioridade nacional. Com energia e determinação, o país vai alicerçando no presente o futuro que, no passado, a muitos pareceu inalcançável.

 

Lisboa, 17 de maio de 2016

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