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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.47 Lisboa set. 2015

 

ENSAIO BIBLIOGRÁFICO

 

Acerca de alguns impérios nados-mortos, defuntos e vivos

 

René Pélissier

Historiador. Autor de Les campagnes coloniales du Portugal, 1844-1941 (2004) e, com Douglas L. Wheeler, História de Angola (Tinta da China, 2009).

 

Palavras como «império», «colónia» e suas inúmeras derivadas têm demasiadas aceções para que numa modesta crónica se tente fazer o seu inventário. São expressões de tal forma polissémicas que até contaminam as línguas e as histórias que, à primeira vista, julgávamos impermeáveis aos seus ataques. Tomemos o caso dos países da Europa do Norte, que se presumem acima de qualquer maldade. Os intelectuais portugueses no exílio que atravessaram, em adultos, os últimos anos do Estado Novo, recordar-se-ão dos ataques verbais e financeiros contra a política colonial de Lisboa nos anos 1961-1974, tanto nas tribunas internacionais como no apoio aos meios nacionalistas da Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, vindos da Suécia. Se, na época, os diplomatas das Necessidades tivessem tido a possibilidade de ler o equivalente dos dois primeiros livros que se seguem, teriam tido uma arma retórica para lutar contra as denúncias de Estocolmo1e, por arrastamento, de Copenhaga2, Oslo3e mesmo Helsínquia4.

Em ambas as obras, os autores das várias contribuições que as compõem denunciam o colonialismo comprovado ou latente de quatro países que, apesar de há muito na charneira do combate anticolonialista em África, foram, ao mesmo tempo – pelo menos dois deles – colonialistas. Todavia, a população de cada um deles quase esqueceu essa carga vergonhosa, assim que a herança colonial foi marginalizada e afastada da história nacional.

Não sabíamos que os arqueólogos nórdicos – pelo menos os que participaram na primeira obra – eram influenciados pelas teorias pós-coloniais que fazem furor junto dos universitários anglófonos. Moda ou submissão cega aos diktats do «politicamente correto»? Julgávamos a disciplina a salvo dos turbilhões reservados aos politólogos, sociólogos, etnólogos e historiadores. Talvez se trate de irritação perante a boa consciência anticolonialista de certos homens políticos que pretendem desempenhar um papel internacional aproveitando o dinheiro do contribuinte.

A intenção, portanto, seria demonstrar que as autoridades escandinavas (pós-vikings) foram, ainda que atores secundários e apesar de tudo, participantes no colonialismo, nem piores nem melhores que os congéneres seus contemporâneos. Ou seja, a noção de «colonialistas bem‑intencionados» atualmente em voga junto de certos historiadores suecos ou dinamarqueses é combatida pela maior parte dos autores dos capítulos, dois dos quais islandeses, o que não nos surpreende, vindo de antigos colonizados. No primeiro título, a distribuição das partes é sobretudo geográfica: 1 – colonizar o Norte (a Islândia, a Gronelândia, a Lapónia); 2 – as colónias da América, da África e da Ásia (Nova Suécia no Delaware, Antilhas, Costa do Ouro/Gana, e Tranquebar, na Índia).

Em relação aos suecos, nos trópicos, a matéria concreta é muito escassa (um forte efémero na Costa do Ouro, a ilha de Saint-Barthélemy nas Antilhas, que não era uma verdadeira colónia com indígenas «de cor», mas um entreposto comercial entre os pequenos colonos brancos franceses). Os autores, por isso, recorrem aos projetos de colonização sueca no mundo. Os capítulos sobre o tratamento reservado aos saami (aliás, lapões), aos emigrantes finlandeses na Suécia e na América nos séculos XVIII-XIX e aos índios do Delaware no século xvii (sumarento) são bastante originais. Curiosamente, não aparecem os territórios ocupados e administrados pela Suécia imperialista nos países bálticos, na Polónia e na Alemanha dos séculos XVII-XVIII. Talvez a distinção entre colónia e território anexado repousasse sobre o fosso cultural e material mais ou menos grande entre conquistador e conquistado. Parece que na altura os suecos ainda não davam lições, nem eram virtuosos e irrepreensíveis. A sua doutrina em relação aos «exóticos» enunciava-se assim: cristianiza-los, mas não muito; civilizar os povos «inferiores» para que fossem úteis à «nossa» sociedade.

Os suecos nunca foram grandes negreiros mas os dinamarqueses-noruegueses não tiveram muitos escrúpulos. Quando o tráfico foi abolido, a cadeia de fortes esclavagistas que possuíam na Costa do Ouro já não lhes servia de nada: venderam-nos por uma bagatela aos britânicos, como antes liquidaram os entrepostos na Índia. Aproveitaram-se também do medo que os Estados Unidos tinham de ver as ilhas Virgens dinamarquesas cair nas mãos dos alemães. Em 1917, venderam às autoridades de Washington, a um preço elevado, as suas últimas colónias tropicais. Acabava-se o fardo do homem branco.

Nenhum destes dois estados escandinavos possuía uma forte consciência colonial. Colonialistas, sim, mas mais por mimetismo diplomático, inadvertência e cálculo mercantil. Não existe uma emigração notável em direção ao sol, não existe uma herança cultural ou linguística sob os trópicos. Nada de nostalgias profundas. Nestas condições, é fácil esquecer um passado perturbador. Várias das contribuições do livro esforçam-se por o ressuscitar. Pode duvidar-se do seu impacto sobre o homem da rua. No máximo, os dinamarqueses de hoje podem outorgar grandes subsídios e enviar alguns turistas às muralhas de Tranquebar e à antiga santa trindade insular, a leste de Porto Rico. E os suecos organizar cruzeiros com os navios que deitam âncora em Saint-Barthélemy. E, evidentemente, nos dois casos, cada um pode financiar arqueólogos.

O primeiro livro aconselha-se às bibliotecas que pretendam criar um fundo colonial comparativista facilmente acessível aos que não leem as línguas escandinavas. Não é um estudo histórico global e completo; em certas páginas, contudo, ressalta um apelo ao nascimento de uma repentance (arrependimento). Já é muito bom saber-se o que se passou nos impérios continentais americanos, euro-asiáticos ou simplesmente asiáticos. Nos tempos que correm, os remorsos não envergonham muita gente, nestes países.

O segundo livro escandinavo reserva outras surpresas, em especial ao leitor português que pensa conhecer bem a história colonial recente de Angola e Moçambique. É uma recolha de ensaios de autores maioritariamente noruegueses. A tónica começa por ser posta nos setores que dão reputação à Noruega: a marinha mercante e a caça à baleia. Há um pequeno texto consagrado às bases costeiras norueguesas instaladas no Centro e no Sul de Angola, nomeadamente a de Porto Alexandre, aberta em 1909. Apesar das estações serem mais ou menos conhecidas, ignorava-se que as companhias baleeiras recrutavam africanos locais em regime de contratados. Ou seja, segundo o autor do estudo, os noruegueses aproveitavam-se (pp. 130-131) da legislação portuguesa para «comprar» às autoridades lusas trabalhadores forçados. Não obstante a sua ética protestante, estes capitalistas tornaram-se colonialistas sem colónias. Por razões diferentes, a atividade baleeira ao largo de Angola desmoronou-se em 1914-1915. Em contrapartida, desde 1908, os noruegueses recrutavam zulus para as estações das ilhas Kerguelen e da Geórgia do Sul. Em 1911, havia 300 a 400 zulus e cabo-verdianos na Geórgia do Sul. Em condições materiais difíceis (frio extremo, africanos muito mal pagos, greves de pessoal, mal‑entendidos entre noruegueses e cabo-verdianos, tratados de «pretos»), estas estações insulares tornaram-se anexos coloniais da pior espécie.

Ficamos ainda a conhecer a insólita história de um grande capitalista norueguês, Christian Thams, que dirigia em Moçambique a Sociedade do Madal, proprietária de um prazo e de uma grande plantação na Zambézia. São-lhe consagrados dois capítulos e o veredito dos autores é sombrio. À moda da época, o Madal só podia prosperar com a exploração do trabalho indígena. Ainda mais incrível, fica a saber-se que um dos acionistas principais da sociedade era nem mais nem menos que o príncipe Alberto I do Mónaco, o grande oceanógrafo do seu tempo, que desejava criar uma colónia monegasca (p. 271) encrustada nesta colónia portuguesa. A bandeira monegasca flutuava sobre os edifícios e a mania das grandezas habitava a mente do príncipe, que apenas renunciou – parece – ao seu sonho de império zambeziano por volta de 1911.

Entrados na utopia colonialista, lemos também que o chefe da delegação norueguesa às negociações do Tratado de Versalhes em 1919, Fritz Wedel Jarlsberg, reivindicava (pp. 8-9) para a Noruega uma colónia alemã (provavelmente o Tanganica), a fim de compensar as perdas da sua marinha mercante durante a Primeira Guerra Mundial. Nada mal para um país neutro, querer obter um território africano para onde enviar os seus emigrantes!

Ainda mais insólito? Na Finlândia, mal obtiveram a independência, certos ativistas reclamaram a transformação da Ovambolândia namibiana (e por consequência étnica, talvez o Ovambo angolano) numa colónia finlandesa, apoiando-se nas suas missões na região. Sabiamente, as autoridades de Helsínquia, que já tinham problemas suficientes com os antigos tutores russos, recusaram (p. 12). Teria sido curioso ver o nascimento de uma administração finlandesa a alguns quilómetros de N’Giva e das guarnições portuguesas, após a morte do rei Mandume.

A lição que se pode retirar de tudo isto é que o colonialismo ou o imperialismo esperam apenas uma ocasião propícia para se manifestarem, na maior parte dos estados, sejam eles fracos (Mónaco = 1,5 quilómetros quadrados) ou fortes. A leitura dos jornais mostra-no-lo todos os dias.

Vejamos agora alguns imperialismos/colonialismos defuntos, dos quais um ilustre e multissecular. Comecemos por aquele que despertou tardiamente mas que não perdeu tempo: o italiano5. Publicado originalmente nesta língua, e aqui elegantemente traduzido para francês, este grande volume procura colmatar uma lacuna no estrangeiro: o interesse por um império territorialmente imponente com uma duração de escassos sessenta e dois anos, ou seja, pouco mais do dobro do alemão.

Um e outro foram varridos por duas guerras mundiais e se o de Berlim está relativamente bem estudado, na antiga metrópole e no exterior, não se pode dizer que o italiano atraia multidões, exceto na própria Itália, como testemunha a riqueza e a abundância (pp. 521-605) do estudo bibliográfico, com centenas de entradas (95 por cento das quais em italiano). É mesmo espantoso verificar o entusiasmo dos investigadores (e dos leitores, supomos nós) da Península e a raridade de trabalhos publicados acerca deste assunto além-fronteiras. É evidente que, como em Portugal – ou seja, o fascismo e o salazarismo nos seus prolongamentos ultramarinos –, estes estudos estão ligados a uma vontade atual de estilhaçar e desconstruir as contraverdades inculcadas durante mais de uma geração. O autor, que ataca o cliché «italianos boa gente», escreve (p. 410) que a guerra se afirmava como uma característica do colonialismo italiano. Mas então… Este livro destina-se – e é normal – a um público italiano bem informado acerca da política interna de Roma e, em geral, da política colonial nacional. O autor é um historiador que se dirige a colegas. Não vamos encontrar uma progressão cronológica, muito necessária a um estrangeiro. A cartografia é fraca e às vezes errónea. Pelo contrário, há uma grande insistência nestes campos: 1.º – O «imperialismo demográfico» impulsionado por Mussolini: por volta de 1940, existiam mais de 100 mil italianos na Líbia e algumas centenas de milhares na África Oriental italiana. 2.º – O apartheid de pacotilha dos fascistas: interdição das relações sexuais inter-raciais (para além de uma segregação na ocupação do solo urbano). De facto, se o mestiço era reconhecido pelo pai, obtinha a cidadania. Não reconhecido, permanecia sujeito indígena. Labanca recusa-se a falar de genocídio, mas insiste nos atos de barbárie, nas atrocidades e nos crimes de guerra cometidos pelos fascistas. Na nossa opinião, deveria ter dado ênfase à conquista militar, apressadamente partindo do princípio que o seu público já a conhece muito bem. Veja‑se a derrota de Adua (1896), tratada numa página e talvez justificada no original italiano, mas que ainda deixa o leitor estrangeiro insatisfeito. Afinal, esta é a mais grave catástrofe sofrida por um Estado europeu perante um poder africano, na época do colonialismo triunfante.

Em resumo, podemos considerar este texto particularmente útil a quem pretenda lançar-se num estudo social, económico, institucional, etc., comparado entre vários «imperialismos em andrajos», segundo a fórmula de Lenine de 1916 (p. 32). Abordemos um6 que interessou muita gente além-fronteiras , mas raramente por razões puramente científicas. É uma interpretação atualizada dos famosos «cinco séculos» dirigida ao grande público português. Vem acompanhada de três índices e de uma bibliografia considerável. Três autores, três partes (1415-1668: 199 pp.; 1650-1822: 136 pp.; c.1820-1975: 202 pp.), para além de notas (36 pp.), de bibliografia (52 pp.) e de índices (22 pp.). O leitor não tem de se queixar, a não ser, talvez, se, por acaso, procurava ler o conjunto da bibliografia numa biblioteca pública portuguesa. Onde encontrar tantas riquezas? Os autores apresentam as constantes e as variáveis, evitando demorar‑se em pormenores demasiado particulares ou conflituosos. Estão a par da literatura estrangeira e não procuram perturbar o que é aceite desde o «nascimento da nova historiografia colonial portuguesa» pós-1974.

Por não termos competência para o período anterior a 1820, vamos concentrar os nossos comentários sobre a terceira parte, assinalando os pontos fortes: um texto equilibrado e claro, nomeadamente a propósito das tergiversações portuguesas face às pressões antiesclavagistas da Grã-Bretanha. O autor é razoável sobre o Ultimato, exaustivo acerca das grandes companhias em África, sem chauvinismo quando apresenta o essencial da Realpolitik dos três impérios entre 1890 e 1910 (e para lá disso), e realista na abordagem da Primeira República e das suas colónias, do autonomismo e das missões religiosas. Recomendamos os capítulos «Um império para encher o olho? (1926-1961)» e «Uma descolonização fora de horas (1961-1975)». É claro que o último não agradará aos nostálgicos, aos retornados (reais ou não) e a certos militares e antigos combatentes.

A qualidade essencial do livro é não procurar a polémica, e poder servir de introdução e sustentação científica a estudos parcelares vindouros. Estamos a um ano-luz do que servia de manuais de história acerca do Estado Novo. De assinalar que não existe um hiato ou um conflito ideológico entre os três autores. Pode considerar-se que se virmos esta história imperial, antes de tudo, do ponto de vista do colonizador e raramente do dos colonizados, será uma entrada na modernidade historiográfica. O fenómeno não é assim tão frequente nas antigas metrópoles, onde certos autores se julgam originais por mostrar os dentes aos adversários políticos. Quanto aos PALOP continentais, em matéria de ensino da história nacional ainda estão a atravessar as doenças infantis do nacionalismo.

O livro seguinte surpreenderá porventura certos leitores – supondo, claro está, que tenham sido informados da sua existência. Porquê? O conteúdo não está em causa; é um livro salutar e mesmo necessário aos portugueses que se ficaram pela celebração do heroísmo dos seus oficiais nas colónias, segundo os cânones em vigor no Estado Novo. E há muitos mais do que julgamos. O que nos sensibiliza e entusiasma é ver um professor de sociologia, ex-oficial da Marinha (desertor do Estado Novo), por vezes mordaz, encontrar um editor benevolente para um grande volume, mesmo no seio das Edições Culturais da Marinha. Até ao fim da nossa vida, os portugueses continuarão a espantar-nos e a fascinar-nos. Mesmo com uma tiragem de 200 exemplares, esta antologia7 muito bem editada deveria ter encontrado um circuito comercial privado menos inesperado que uma instituição que supomos militar e, portanto, oficial.

A obra é importante, qualquer que seja a editora. Trata-se de um conjunto de extratos de livros e de artigos em português, e até de peças de arquivo, acompanhados de comentários e de notas profundas do compilador, por vezes muito detalhadas. É uma visão de sociólogo, que classifica as fontes reproduzidas segundo o que revelam das modalidades de imposição da soberania colonial, dos territórios percorridos, da etnologia e da sociologia dos povos encontrados, do desenrolar das operações militares, do papel da Marinha colonial, da economia local e da administração (o que é e o que deveria ser, segundo os autores escolhidos). A introdução de João Freire que precede o capítulo sobre as operações militares é ao mesmo tempo original, útil e extremamente crítica (pp. 115-126). O que talvez tenha favorecido a aceitação do livro numa editora tão oficial foi a importância que dá à Marinha em Angola, na época. Em todo o caso, os oficiais da Marinha deveriam servir de exemplo aos outros ramos das forças de defesa portuguesas. O liberalismo raramente faz parte das noções que ainda aí se exprimem, mais de uma geração depois do fim do Império.

Enquanto historiadores, admiramos sobretudo a profusão de peças que «milagrosamente» foram «reencontradas» nos arquivos frequentados pelo compilador. Trabalhar nestas condições torna-se um prazer (pp. 190-215) e se tivéssemos tido estas facilidades quando elaborávamos, antes de 1974, a nossa tese, esta teria sido consideravelmente enriquecida. Este livro é uma verdadeira mina de informações, obtidas sem restrições políticas. Todos os arquivistas dos impérios defuntos ou ainda em plena atividade deveriam inspirar-se neste exemplo português, no qual sopra o vento da liberdade e da honestidade reencontradas.

Peguemos agora em dois livros onde se fala de impérios – alguns sem colónias – mas todos em guerra uns contra os outros. O primeiro8 cobre a evolução dos impérios existentes em 1914. Impérios puramente continentais ou ultramarinos, os autores têm vistas largas. O período que consideram estende‑se do início da conquista da Líbia (1911) até à assinatura do Tratado de Lausanne que reconheceu a soberania de Istambul e de Ancara sobre toda a Anatólia (1923). Examinam, capítulo a capítulo, os impérios otomano, italiano, alemão, austro‑húngaro, russo, francês, português, japonês, chinês e americano. Desdobram o britânico (África colonial, depois Domínios, Irlanda e Índia). Quanto ao papel dos belgas em África, as menções são demasiado raras, o que é uma omissão injusta, pois a força pública congolesa teve uma participação fundamental na conquista da África Oriental alemã (e marginal na dos Camarões). É dada muito mais importância à estagnação dos italianos na Líbia do que aos esforços lamentáveis de Lisboa em Moçambique.

Todavia, em relação aos portugueses em Angola e no norte do Zambeze, o problema é extensamente tratado (pp. 178‑196). Recordemos que Portugal foi o único país europeu beligerante que perdeu mais homens em África do que na Europa, porque durante quatro anos teve de enviar contingentes metropolitanos para África (oficialmente para proteger as duas grandes colónias da invasão alemã; oficiosamente porque as tropas coloniais eram incapazes de esmagar as resistências e revoltas locais. Os autores tomados em conjunto permitem, portanto, medir a intensidade dos confrontos que, apesar de tudo, permaneceram limitados (salvo na África Oriental alemã, um pesadelo para as tropas imperiais britânicas devido à dificuldade do terreno e à obstinação do general Von Lettow‑Vorbeck). Este prussiano esquivo deu‑se mesmo ao luxo de assinar um armistício especial só para si, a 25 de novembro de 1918, e ainda por cima sobre o território inimigo que acabara de invadir (Rodésia do Norte!).

O leitor que deseje saber um pouco mais das atividades militares de Portugal nos territórios africanos – mesmo antes de declarar guerra à Alemanha em março de 1916 (ao contrário da Espanha, que teve a habilidade de se manter numa prudente neutralidade) – poderá consultar um outro texto do professor João Freire, que analisa a evolução colonial do terceiro império português e em particular o papel desempenhado pela marinha de guerra na luta antinegreira. O ensaio passa igualmente em revista as opiniões a favor ou contra a entrada numa guerra muito além dos meios humanos, financeiros e técnicos do país, e depois sobrevoa as duas grandes campanhas travadas no Sul de Angola9.

São factos já profundamente estudados, ao longo de décadas, por vários autores, mas depois da guerra colonial de 1961-1974 apagaram-se mais ou menos das memórias nacionais. João Freire é original nas cinquenta páginas que consagra às duas primeiras expedições ao Norte de Moçambique. Teve a sorte de poder consultar o relatório inédito do tenente-coronel Massano de Amorim sobre a primeira expedição (1914) ao Território da Companhia do Niassa, onde os interesses dos capitalistas e dos diplomatas alemães convergiam. Uns e outros esperavam que estes cerca de 200 mil quilómetros quadrados fossem engolidos pela África Oriental alemã. A fonte torna o livro um trabalho importante a esse respeito. E já que estamos acampados no Norte de Moçambique, gostaríamos de chamar a atenção para um pequeno texto sobre a participação dos africanos na guerra portuguesa durante a Primeira Guerra Mundial, que arrisca passar despercebido numa recolha10 mais filosófica e sociológica do que propriamente histórica ou política.

Ao contrário do que é habitual, este volume em inglês tem origem na Universidade de Coimbra que, até agora, não era reputada pelos interesses africanistas, salvo algumas exceções. Aparentemente, o Centro de Estudos Sociais de Coimbra, que apresenta aqui quatro investigadoras, está em condições de inverter a tendência. Nalgumas páginas (pp. 154-177), as duas autoras da contribuição moçambicana atacam um assunto mal conhecido: o papel dos soldados africanos e sobretudo das dezenas de milhares de carregadores arregimentados à força nas colunas portuguesas durante o período 1914-1918. É um episódio dramaticamente vergonhoso na história colonial de Portugal. Este estudo dirige-se a um leitor que não conhece bem o contexto local, o que inevitavelmente reduz as páginas consagradas à Companhia do Niassa que, sob os seus diferentes avatares, vampirizou cerca de 200 mil quilómetros quadrados e os seus habitantes. Em matéria de exploração brutal, as expedições metropolitanas mais não fizeram que agravar a situação, pois estenderam o recrutamento a uma grande parte do Centro e Sul de Moçambique. A bibliografia contém algumas entradas que nos são desconhecidas, mas que não conseguimos acreditar estarem na Biblioteca da Universidade de Coimbra. Enquanto não tivermos uma tese de doutoramento séria e ambiciosa publicada, que faça a história local e internacional da companhia citada, vegetar-se-á tropeçando em lacunas e em buracos negros. Os fantasmas do Rovuma não são todos brancos e a maior parte jamais viu o seu leito ou os seus afluentes. O que vale também para os seus descendentes de 1964-1974.

Para todos os gostos, eis agora um império11 fotográfico, ou melhor, fotografado e comentado, não apenas até 1960 mas até ao seu desaparecimento. Trinta e um autores pertencentes a diversas disciplinas partilham 30 secções, espraiando-se por páginas de grande formato (21 x 27 cm). Diante de uma tal riqueza temática e geográfica, sentimo-nos de tal forma desarmados para apresentar este monumento que optámos pelo arbitrário: escolher algumas contribuições que nos fazem descobrir coisas novas e nos interessam pessoalmente, pois respondem a questões que nos colocávamos antes de encontrar esta gruta do Ali Babá. A primeira contribuição diz respeito ao Sul de Angola. Porque é que o grande etnólogo Charles Estermann nunca pôde publicar o seu não menos grandioso Álbum Etnográfico de Angola (previsto em dez volumes), contentando-se com a edição de um livro bastardo (Negros, 1941) com um amador (advogado, jornalista e fotógrafo trabalhando na fronteira da legalidade)?

Como não nos lembramos de ter tocado no assunto com ele em 1966, nem na nossa correspondência ulterior, sentimo‑nos muito contentes em ter, por fim, uma explicação luminosa, mesmo quarenta e oito anos depois. Também apreciámos conhecer melhor, depois da leitura do texto consagrado a José de Anchieta, a personalidade deste naturalista pioneiro, e o papel de Mariano de Carvalho em Moçambique em 1890, num capítulo a ele dedicado. Mais próximo das preocupações atuais da maior parte das pessoas está o artigo acerca da utilização de imagens dos massacres de março de 1961 em Angola. Recorda-nos os tempos em que o horror da película tinha um valor político para o regime e era psicologicamente importante para os reforços enviados por Salazar para a reconquista do Noroeste.

Esta espécie de museu da imagem imperial é, em suma, muito mais do que um catálogo. É um sucesso na forma e na substância.

Com os dois livros que se seguem entra-se num passado relativamente recente. Nutrimos uma forte simpatia pelos geógrafos da Escola de Lisboa, e perdoar-nos-ão a continuada recordação da imensa figura que foi o professor Orlando Ribeiro12, que pôs em órbita os estudos académicos de geografia tropical, em Portugal. Por razões que ignoramos, a primeira edição, de 1981, no mesmo editor institucional, passou largamente despercebida. Era uma época em que os portugueses não queriam olhar de olhos bem abertos para a sua herança colonial. Ora Orlando Ribeiro, com a sua forma franca de falar, era um crítico incisivo quando se ocupava dos homens: em Angola, os colonos e os colonizados. Pouco amigo do antigo regime, pouco inclinado a admirar a política de povoamento enquadrado (os «quistos brancos» dos colonatos, como o de Matala), não hesitando em denunciar as discriminações raciais, nomeadamente em Sá da Bandeira e em Moçâmedes (pp. 96-97), também não podia aprovar a expoliação das terras dos pastores indígenas e a alcoolização dos africanos. Por essa razão, o número de leitores entre os retornados era igualmente fraco. Atacado pela doença que não lhe permitia grandes esforços intelectuais, adotara o estilo discursivo das reflexões breves, que oscilavam entre a história colonial, o Brasil, o Congo Belga, a economia, a política, os erros, a falsidade da propaganda oficial, etc. Espera-se que a geração de africanistas atuais se renda à evidência: ele tinha razão. Resta saber se são suficientemente numerosos para fazer deste livro, com uma tiragem de mil exemplares, um sucesso comercial, ainda que modesto. Em tempos de crise, as Cassandras retroativas raramente são colocadas num pedestal.

No domínio das relações internacionais, seria imperdoável passar em silêncio sobre um trabalho que nos parece essencial para compreender as relações ambíguas entre a República Federal da Alemanha e o Estado Novo que acabava com Marcello Caetano. A Guerra Fria impunha muitos compromissos entre um chanceler social-democrata e um Estado autoritário emaranhado numa guerra colonial. O apelo dos negócios e o realismo juntavam-se, face a adversários africanos que ainda não tinham podido impor-se no terreno (à exceção da Guiné-Bissau e depois de Moçambique). As investigações aprofundadas de Rui Lopes13 tratam as dimensões sociais, económicas, militares e diplomáticas deste 1968-1974, mandato crepuscular de seis anos, ainda com os recursos necessários ao pagamento dos fornecedores de ajuda, alemães e outros. E já que acabámos de evocar os imperativos da Guerra Fria, vejamo-los projetados em algumas manifestações militares. Comecemos por um adversário14 resoluto do império soviético, um jornalista germanófono de extrema-direita, antimarxista indomável, ao ponto de se ter tornado soldado voluntário no exército rodesiano em 1977. É um duro, que consagrou quase 350 páginas às suas reportagens no Afeganistão contra os soviéticos e na Nicarágua (do lado dos Contras). É também, nestas ocasiões, um combatente sitiador das guarnições comunistas. De 1980 a 1989 efetua várias visitas aos pontos quentes detidos pelos insurgentes afegãos. Em 1986 e 1987 cobre igualmente os combates contra os sandinistas, e encontramo-lo em Angola do lado da Unita em 1988. Não é homem para se contentar com uma visita rápida à Jamba de Savimbi. É um caminhante de mérito, já que em poucos meses sobe do Cuando Cubango numa coluna em que o itinerário é traçado e seguido por Savimbi (via rádio), o que lhe permite assistir – provavelmente o único repórter estrangeiro – aos combates na província de Malange (Baixa do Cassange) da primavera de 1988. Sairá de Angola pela província do Uíge. Em Moçambique contentar-se-á com uma longa reportagem em maio de 1989 na Gorongosa, o feudo da Renamo, a propósito da qual fornece detalhes inéditos sobre a organização dos «khmers negros», evitando naturalmente mencionar as atrocidades cometidas por estes curiosos defensores dos direitos do homem e dos valores do Ocidente. Como para os partidários incondicionais do MPLA e da Frelimo, é a luta do Bem (a sua) contra o Mal (os outros). Nenhum oftalmologista poderia curar a sua visão unilateral.

Ao fim de alguns anos, dispomos, num sentido diametralmente oposto, de vários testemunhos de oficiais soviéticos que combateram em Angola ao lado dos cubanos e do MPLA contra o império sul-africano, saído da sua semicolónia do Sudoeste Africano (a atual Namíbia). Foram publicados em Moscovo e na África do Sul, em russo ou em inglês. O mais recente, hoje (no início de 2015), data de 201415.

Este livro é essencial para avaliar o papel dos conselheiros, intérpretes, materiais e armamentos soviéticos de 1981 a 1989, no Sul de Angola, sobretudo a partir de Menongue e do Cuíto Cuanavale, mas também de Lubango, Moçâmedes e no Ovambo angolano. O texto contém 17 testemunhos de antigos combatentes (oficiais e suboficiais), especialistas (artilheiros, tanquistas, aviadores) e sobretudo intérpretes soviéticos que estiveram no terreno. Nesta fonte, o número de baixas de sul-africanos, soviéticos, cubanos e angolanos (FAPLA e Unita) não corresponde aos que se encontram nas publicações de Luanda (raras), Havana, Jamba e Cabo, Pretória e Joanesburgo. Era previsível; o nacionalismo exerce o seu império sobre a maior parte dos antigos combatentes e suas instituições militares, desde a Antiguidade. Ter-se-á um novo exemplo com a leitura da obra que Richard Dale16 consagra à SWAPO e à sua luta contra a citadela avançada do império de Pretória no tempo do apartheid.

O autor é um politólogo, antigo professor universitário e da Army’s School of International Studies. Poder-se-ia portanto esperar que desenvolvesse os capítulos relativos às operações militares conduzidas pelos nacionalistas namibianos da SWAPO e seus adversários, tanto no norte como no sul da fronteira entre Angola e a Namíbia. Mas não é o que o preocupa prioritariamente. O que lhe interessa são os contextos conceptuais, jurídicos e políticos nos quais intervêm as forças sul-africanas (SADF). O texto é extremamente trabalhado: uma nota de rodapé a cada três linhas! Passa por cima de dezenas de operações das SADF, ainda que amplamente documentadas, preferindo discutir as teses de uns e outros acerca da identidade dos namibianos pós-independência. É muito forte na diplomacia, economia, organização interna da SWAPO, e os seus problemas. Reconhece que o poderio sul-africano dominava a guerrilha dos namibianos, em virtude, nomeadamente, da eficácia da polícia de Pretória na Namíbia. Talvez este trabalho considerável pudesse merecer um título ligeiramente diferente. Em todo o caso, em matéria de expansão imperial, as autoridades sul-africanas foram muitas vezes derrotadas. Depois da Primeira Guerra Mundial cobiçavam o Sul de Moçambique e sobretudo o seu porto. Obtiveram apenas a colónia alemã mais germanizada (depois do genocídio das populações do Sul e do Centro, mas não dos ovambos, que constituem o motor da SWAPO). Se espreitarmos as relações históricas entre Windhoek e Pretória, a SWAPO herdou um país desenvolvido (pelo menos na economia e infraestruturas, totalmente intactas após a retirada da potência ocupante). Não é negligenciável, se se comparar com as ruínas provocadas pela guerra civil e internacional em Angola, tristemente refém e vítima de si mesma e da Guerra Fria. Haveria impérios mais hábeis do que outros, mesmo depois da sua morte? Ou o «desaparecimento» oficial seria uma simples camuflagem de conveniência? Os dois grandes PALOP saberão agora defender-se melhor dos apetites imperiais que nascem ou renascem sob formas mais subtis?

 

TRADUÇÃO: MARTA AMARAL

 

NOTAS

1 NAUM, Magdalena, e NORDIN, Jonas M. (eds.) – Scandinavian Colonialism and the Rise of Modernity. Small Time Agents in a Global Arena. Heidelberga/ /Nova York/Dordrecht/Londres: Springer, 2013, X-327 pp., ilustrações a preto e branco e a cores, índice.

2 Ibidem.

3 KJERLAND, Kirsten Alsaker, e BERTELSEN, Bjørn Enge (eds.) – Navigating Colonial  Orders. Nor wegian Entrepreneurship in Africa and Oceania. Nova York/Oxford: Berghahn Books, 2015, xviii-395 pp., fotografias a preto e branco, índice.

4 Ibidem.

5 LABANCA, Nicola – Outre-Mer. Histoire de l’expansion coloniale italienne. Grenoble: ELLUG, Université Stendhal, 2014, 629 pp., índice.

6 COSTA, João Paulo Oliveira e, RODRIGUES, José Damião, e OLIVEIRA, Pedro Aires – História da Expansão e do Império Português. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2014, 679 pp.+ 32 pp. de ilustrações a preto e branco, a sépia e a cores, índice.

7 FREIRE, João – Olhares Europeus sobre Angola: Ocupação do Território, Operações Militares, Conhecimento dos Povos, Projetos de Modernização (1883-1918). Antologia de Textos de Época. Lisboa: Comissão Cultural da Marinha. Edições Culturais da Marinha, 2011, 448 pp., fotografias a preto e branco.

8 GERWARTH, Robert, e MANELA, Erez (eds.) – Empires at War 1911-1923. Oxford:Oxford University Press, 2014, XVIII, 283 pp., fotografias a preto e branco, índice.

9 FREIRE, João – Portugal Face à Grande Guerra em 1914-1915. Lisboa: Edições Colibri, 2014, 188 pp., fotografias a preto e branco.

10 ARAÚJO, Marta, e MAESO, Silvia R. (eds.) – Eurocentrism, Racism and Knowledge. Debates on History and Power in Europe and the Americas. Basingstoke (Inglaterra): Palgrave Macmil lan, 2015, XI-257 pp., índice.

11 VICENTE, Filipa Lowndes (org.) – O Império da Visão. Foto grafia no Contexto Colonial Português (1860-1960). Lisboa: Edições 70, 2014, 503 pp., fotografias a preto e branco.

12 RIBEIRO, Orlando – A Colonização de Angola e o Seu Fracasso. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda. 2.ª edição revista. 2014, 337 pp.

13 LOPES, Rui – West Germany and the Portuguese Dictatorship, Between Cold War and Colonialism. Basingstoke – (Inglaterra): Palgrave Macmillan, 2014, XI-269 pp., fotografias a preto e branco, índice.

14 HACK , Dittmar – Als Kriegreporter in den Leichenkellern des Kalten Krieges. Tagebuch über den Untergang des Sowjetimperiums. Beltheim-Schnell bach (Alemanha): Sinus Verlag, 2014, 480 pp. + LXXII pp. de fotografias a cores.

15 SHUBIN, Gennady, ZHDARKIN, Igor, BARABULYA, Vyacheslav, e KUZNETSOVA-TIMONOVA, Alexandra (eds.) – Cuíto Cuanavale. Frontline accounts by Soviet Soldiers. Auckland Park (África do Sul): Jacana Media, 2014, 222 pp. + 16 pp. de fotografias a preto e branco, sépia e cores.

16 DALE, Richard – The Namibian War of Independence, 1966-1989. Diplomatic, Economic, and Military Campaigns. Jefferson (Carolina do Norte): McFarland, 2014, XIV-202 pp., índice.

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