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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.47 Lisboa set. 2015

 

PORTUGAL E AS NAÇÕES UNIDAS

 

Nota introdutória - Portugal e as Nações Unidas

 

Ana Santos Pinto

Professora auxiliar no Departamento de Estudos Politicos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH – NOVA). Investigadora no Instituto Português de Relacoes Internacionais (IPRI – Nova) e investigadora associada do Instituto da Defesa Nacional.

 

Por entre os escombros da Segunda Guerra Mundial, a 26 de junho de 1945, representantes de 50 estados subscreviam, em São Francisco, a Carta das Nações Unidas. Este documento afirmava aqueles que se constituiriam como os princípios basilares do sistema internacional do pós-guerra – a promoção da paz e segurança globais, do progresso social e desenvolvimento sustentável dos povos e a defesa dos direitos humanos – e criava a Organização das Nações Unidas (ONU), uma estrutura multilateral assente numa arquitetura institucional complexa e abrangente, cujos pilares fundamentais são a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança (CSNU). Sucessora da malograda Sociedade das Nações, cabia à ONU o desafio de conciliar os interesses das potências vencedoras, promover a integração de múltiplos estados numa nova estrutura de poder internacional e afirmar-se como garante do cumprimento do direito internacional. Ao longo dos últimos setenta anos, sobreviveu às dinâmicas do conflito bipolar que marcou as décadas da Guerra Fria, aos bloqueios e condicionantes de ação ditados pela afirmação de interesses próprios dos diversos estados-membros e às acusações de ineficácia e inação resultantes de um processo decisório complexo e moroso. Sobreviveu, mas não sem feridas profundas. Multiplicaram-se as críticas a uma estrutura burocrática desproporcionada e disfuncional, a uma ausência de representação de novos centros de poder – em particular face à ascensão de potências regionais – e à ineficiência de um processo decisório que poderá resultar na irrelevância da Organização face aos desafios impostos pelo ambiente internacional.

Mas as sete décadas de ação da ONU são, igualmente, marcadas por importantes resultados positivos, entre os quais se destaca: a edificação de uma arquitetura de direito internacional reconhecida em múltiplas áreas de ação e, em particular, na promoção e defesa dos direitos humanos; a realização de mais de 70 operações de paz com a participação de cerca de 3400 operacionais oriundos de 120 países; o auxílio a milhões de refugiados, deslocados internos e outras populações vulneráveis; e a promoção do progresso e desenvolvimento sustentável, em particular nas regiões mais desfavorecidas, de que são exemplo os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) definidos em 2000 e atualmente em reavaliação.

A celebração do 70.º aniversário da ONU é, assim, marcada por importantes desafios. A necessidade de reforma da estrutura institucional aos mais variados níveis e, em particular, no que concerne aos métodos de trabalho e ao funcionamento do CSNU constitui-se, certamente, como tema central de debate. Porém, o compromisso e participação dos estados‑membros na Organização, bem como a sua interpretação face ao papel da ONU no sistema internacional assume importância fundamental. Em 2015 celebram-se, igualmente, seis décadas da adesão de Portugal à ONU. Uma relação marcada, numa primeira fase, pela defesa da questão colonial pelo regime do Estado Novo e, num segundo momento, pela afirmação internacional do regime democrático na defesa da segurança coletiva. É este o contexto que dita a publicação deste dossiê especial dedicado a «Portugal e as Nações Unidas» que procura reunir um conjunto de contributos oriundos da história, relações internacionais, diplomacia, direito internacional, segurança e defesa.

O primeiro artigo deste dossiê, da autoria de David Castaño e intitulado «Portugal e a ONU: a primeira aproximação», descreve e analisa o processo relativo ao primeiro pedido de adesão de Portugal às Nações Unidas, apresentado em agosto de 1946, que viria a ser rejeitado pelo Conselho de Segurança da Organização, em resultado do veto da URSS e voto negativo da Polónia. De acordo com o autor, esta primeira formalização da intenção portuguesa em aderir à ONU inseria‑se numa estratégia de adaptação do regime do «Estado Novo» ao sistema internacional que emergia do pós-Segunda Guerra Mundial e que viria a resultar na adesão de Portugal à Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE), em 1948, e à Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), em 1949.

Já o contributo de Fernando Martins, no artigo «“A crise da paz” – Portugal e a Organização das Nações Unidas: das origens à admissão (1945-1955)», visa perceber e explicar de que forma algumas personagens e instituições ligadas à definição e execução da política externa portuguesa, entre 1941 e 1955, enfrentaram vários desafios decorrentes da criação e, mais tarde, da existência da ONU. Para Martins, a relação de Portugal com as Nações Unidas, durante este período, refletia o modo como um pequeno país, com o estatuto de potência neutral no decurso da Segunda Guerra Mundial, assistiu e se preparou para uma mudança profunda na forma como a sociedade internacional se organizou e o poder foi distribuído entre os seus membros. O autor considera que, face aos desenvolvimentos verificados, a política externa e a diplomacia de Portugal foram capazes de se adaptar a essas mudanças e de as incorporarem sem, no entanto, haver um sacrifício daquilo que considerava ser o essencial do interesse nacional.

O terceiro artigo deste dossiê, elaborado por António Costa Lobo, versa sobre o que se entende ser um dos pilares fundamentais da ação da ONU: a defesa dos direitos humanos. Segundo o autor, a prossecução desta tarefa desenvolve-se através de quatro elementos fundamentais: a proclamação dos direitos humanos em múltiplas declarações e acordos; a criação de órgãos com responsabilidades específicas nesta matéria; a identificação e aprofundamento de princípios com relevância na proteção dos direitos humanos, de que é exemplo a «responsabilidade de proteger»; e, finalmente, o apoio à criação e funcionamento de instituições que prosseguem objetivos convergentes, como o Tribunal Penal Internacional (TPI). Não sendo o TPI um órgão das Nações Unidas, considera o autor que este se constitui como um importante instrumento para a realização dos objetivos daquela Organização, uma vez que dispõe de competência direta para julgar determinado tipo de crimes e uma ação que, globalmente, tem um efeito dissuasor relativamente a violações de direitos humanos.

Órgão central à prossecução da missão e funcionamento da ONU é o CSNU, composto por cinco membros permanentes – Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China – e dez membros eleitos pela Assembleia Geral da Organização, com mandatos de dois anos. Assim, a participação dos membros não-permanentes nas decisões do CSNU tende a assumir uma importância fundamental na política externa destes estados, que entendem esta ocasião como uma oportunidade para afirmar as suas posições e interesses na definição da agenda internacional. Joana Mendes, no artigo «Um novo papel internacional para Portugal? A participação no Conselho de Segurança das Nações Unidas», elabora uma análise comparativa das três participações portuguesas no CSNU (1979-1980; 1997-1998; 2011-2012), recorrendo à teoria institucionalista para compreender como estas funcionaram como condicionante e instrumento da política externa nacional, possibilitando a atribuição de um novo papel internacional para Portugal enquanto helpful fixer, e a sua evolução para uma média potência do sistema internacional.

O dossiê encerra com o artigo de Carlos Branco dedicado à «Participação portuguesa em missões de paz da ONU». Da análise do contributo das Forças Armadas e de Segurança nacionais para missões das Nações Unidas ao longo dos últimos vinte e três anos – que se consubstancia na participação em 35 missões de paz, em quatro continentes, com cerca de 8400 militares e polícias – o autor considera que se destacam três aspectos fundamentais: o aumento do número de teatros de operações em que as forças nacionais operaram, assim como a distância entre eles; o facto de as forças nacionais passarem a operar em regiões que não se inseriam nas áreas tradicionais de interesse nacional; e, num significativo número de casos, a participação nacional ter-se efetuado através de contribuições individuais, diminutas e de curta duração (um/dois anos).

Este dossiê dedicado a «Portugal e as Nações Unidas» procura, desta forma, contribuir para uma compreensão mais aprofundada da evolução da participação nacional na ONU, salientando a importância dos contextos político-institucionais na definição das estratégias da política externa portuguesa ao longo das últimas seis décadas.

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