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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.45 Lisboa mar. 2015

 

RECENSÕES

 

Rumo ao dia que mudou a guerra*

 

Helena Ferreira Santos Lopes

Licenciada em História pela FCSH-UNL, mestre em Estudos Chineses e em Métodos de Investigação Histórica pela School of Oriental and African Studies, Universidade de Londres, e doutoranda em História pela Universidade de Oxford.

 

Eri Hotta, Japan 1941: Countdown to Infamy, Nova Iorque, Vintage Books, 2014, 323 páginas

 

O dia 7 de Dezembro de 1941 viveria na «infâmia», vaticinou Franklin D. Roosevelt no discurso que precedeu a declaração de guerra dos Estados Unidos ao Japão. Esse dia – que no Japão, devido à diferença horária, não era 7, mas já 8 – mudou o curso da história da II Guerra Mundial. O legado do que precedeu e se seguiu ao ataque japonês a Pearl Harbor teve consequências que duram até aos nossos dias. A historiadora Eri Hotta, em Japan 1941: Countdown to Infamy, pretende explicar o conjunto de decisões que conduziram ao início da guerra no Pacífico numa obra que se centra no lado japonês e explora os limites humanos das relações internacionais, não esquecendo os efeitos práticos que decisões político-diplomáticas têm obre populações em geral.

O argumento que norteia a obra de Eri Hotta é o de que o início da guerra no Pacífico se deve a um conjunto de decisões duvidosas tomadas por líderes japoneses, muitos deles não acreditando que era possível ganhar uma guerra contra os Estados Unidos. O percurso sinuoso e sincopado dessas decisões é explorado ao longo dos capítulos do livro. Neste ano em que se assinalam os cem anos do início da Primeira Guerra Mundial e se alude ao «sonambulismo» dos líderes europeus que permitiram o início de um conflito global que se julgava impensável, a obra de Eri Hotta dirige a atenção para o escalar de tensões na Ásia nos anos 1940 que culminaram naquilo a que chama uma «guerra suicida» (p. 18). Como a autora esclarece no prólogo, ainda que o ataque a Pearl Harbor – que teve lugar após meses de um penoso compasso de espera negocial – tenha sido recebido com entusiasmo no Japão, e embora «alguns líderes estivessem equivocadamente esperançosos», «nenhum confiava numa eventual vitória do Japão» (p. 11). As suas reservas seriam cruelmente comprovadas com a derrota em 1945, após a destruição calamitosa de muitas cidades do Japão por ataques aéreos americanos, o lançamento de duas bombas atómicas contra populações pela primeira e única vez na história, e milhões de mortos e feridos. Estiolado por sanções americanas, cada vez mais isolado internacionalmente desde a sua saída da Sociedade das Nações (sdn) em 1933 (após o relatório Lytton ter confirmado que o Japão agira como agressor na Manchúria), e depois de insistir num avanço territorial para a Ásia do Sueste, ao Japão de 1941, segundo boa parte dos líderes políticos militares que protagonizam a obra de Eri Hotta, já nada restava senão uma fuga para a frente que permitisse apostar tudo na jogada arriscada de um ataque contra os Estados Unidos. A única, e ténue, hipótese de sucesso era então e tinha de ser aproveitada. Os resultados, como Eri Hotta enfatiza, foram terríveis. A autora não poupa nas palavras:

«Justificar o comportamento do Japão é o menor dos meus objectivos ao recontar os oito meses que levaram à decisão de atacar Pearl Harbor. Pelo contrário, aos líderes do Japão cabe a derradeira responsabilidade de iniciar uma guerra que era evitável e impossível de ganhar. A guerra deveria ter sido resistida com mais vigor e muito mais paciência» (PP. 13-14).

O livro Japan 1941: Countdown to Infamy não é o primeiro em que Eri Hotta se debruça sobre o Japão da Segunda Guerra. Na sua primeira obra, Pan-Asianism and Japan’s War, 1931-1945, a historiadora explorara os meandros da ideologia que, em parte, ajudou a explicar o imperialismo japonês na Ásia, indissociável da eclosão da Segunda Guerra Mundial nesse continente. No seu mais recente trabalho, publicado originalmente em 2013 e reeditado em paperback no Verão de 2014, a autora centra-se nos acontecimentos que conduziram à decisão irreversível de atacar os Estados Unidos em 1941. Trata-se de uma obra em que política interna e externa se interligam, alicerçada sobretudo em fontes primárias japonesas. O livro inclui ainda alguns extras, como páginas de fotografias, uma lista das «personagens principais» e uma cronologia de acontecimentos de relevo da história do Japão antes de Abril de 1941. Infelizmente, falta-lhe uma bibliografia que permita o acesso à lista completa de fontes consultadas, uma vez que as notas finais com referências bibliográficas, embora extensas, nem sempre são exaustivas, alguns exemplos curiosos necessitando de indicação da fonte.

 

O FRACASSO DOS CÉPTICOS

Ao longo de cerca de três centenas de páginas, Eri Hotta pinta um quadro vívido do quão dividida e hesitante estava a liderança japonesa nos meses que precederam o dia que mudou a guerra. Uma poderosa observação de uma obra de 1949 do cientista político Maruyama Masao, citada no livro, ilustra bem as contradições das vésperas de Pearl Harbor:

«Tremendo perante a possibilidade de fracasso, (os líderes) insistiam ainda em seguir em frente com as mãos tapando os olhos. Se perguntarmos, “Queriam eles a guerra?” a resposta é sim; e se perguntarmos, “Queriam eles evitar a guerra?” a resposta também é sim. Embora querendo a guerra, queriam evitá-la; embora querendo evitá-la, escolheram deliberadamente o caminho que a ela conduziu» (PP. 18-19).

As divisões existiam no topo da hierarquia política e militar. «Segundo a constituição», refere a autora, «os militares podiam “aconselhar” o imperador independentemente do governo civil», o que podia gerar «dois governos com políticas externas completamente contraditórias» (p. 19). Acresce a isto as querelas entre Exército e Marinha, cada um «dividido nas suas simpatias políticas, mundividências, cliques, e preferências estratégicas e inimigos principais» (p. 19).

Quem eram as figuras (o livro de Hotta faz uma peculiar incursão na história dos «grandes homens», embora a sua abordagem não seja apenas de cima para baixo) que protagonizaram o caminho para Pearl Harbor? A autora recolheu uma série de dados biográficos destas personalidades, ajudando a explicar as suas influências e contradições e tornando mais complexo o seu retrato.

Entre as figuras destacadas está o príncipe Konoe Fuminaro, chefe de Governo quando a guerra com a China eclodiu abertamente em 1937, a quem a autora imputa parte da responsabilidade pelo escalar desse conflito (p. 190) e pelos falhanços nas relações com os Estados Unidos que culminariam em Pearl Harbor. Hotta é, por vezes, cáustica nas descrições:

«No final, ele (Konoe) era mais um chauvinista japonês do que um nacionalista asiático. E como muitos chauvinistas, o seu argumento para a grandeza nacional estava associado a uma grande medida de insegurança e medo de rejeição» (p. 37).

No entanto, o retrato que traça de Konoe é colorido por uma série de pormenores interessantes que matizam a imagem crítica, como a sua associação ao seu mentor, o liberal príncipe Saionji Kinmochi, que Konoe acompanhou à Conferência de Paz de 1919. Segundo Hotta, Saionji foi ficando progressivamente desapontado com Konoe, acreditando, ao contrário deste, que, por exemplo, o Japão deveria aceitar Chiang Kai-shek como «um parceiro de negociação legítimo» (p. 38) – Konoe foi um dos responsáveis pelo reconhecimento de um governo alternativo ao Kuomintang de Chiang, o do colaboracionista Wang Jingwei. Da descrição de Konoe emerge uma das contradições por detrás do longo conflito entre a China e o Japão: «Ele admirava a sua antiga civilização (da China) mas sentia-se ameaçado pelo seu crescente nacionalismo» (p. 38).

Um dos retratos mais interessantes do livro é o de Matsuoka Yosuke, o ministro dos Negócios Estrangeiros («dos mais influentes da história do Japão», garante Hotta) que negociou um pacto de neutralidade com a União Soviética em Abril de 1940. «Se Konoe era o Hamlet melancólico, Matsuoka era Dom Quixote, sofrendo de um caso sério de megalomania» (p. 59). Um self-made man que vivera uma parte da juventude nos Estados Unidos, Matsuoka passou também algum tempo na China e na Rússia, integrou a delegação japonesa à Conferência de Paris e foi depois presidente da poderosa South Manchurian Railway.

Coube ao enérgico Matsuoka o discurso com que o Japão deixou a sdn em 1933. Apesar de ter celebrado uma aliança com a URSS, Matsuoka adoptaria pouco depois um discurso de confronto que clamava por ataques a Singapura e à URSS como forma de pressionar os Estados Unidos, país cuja postura calcularia mal.

O general Tojo Hideki, que seria inúmeras vezes representado como a face do Japão em materiais de propaganda de guerra aliados, «sentia-se dividido» (p. 10) nas vésperas do conflito e terá, aliás, tentado evitá-lo por via diplomática assim que se tornou primeiro-ministro em Outubro de 1941. Também ele, porém, foi incapaz de parar a marcha em direcção à guerra, que via, de igual modo, como forma de honrar os militares japoneses já mortos na China. A retórica de um Japão acossado por potências coloniais ocidentais empenhadas em negar-lhe o que elas gozavam apoderou-se até de personalidades que Hotta descreve sob uma luz mais positiva, Togo Shigenori, que seria ministro dos Negócios Estrangeiros a partir de Outubro de 1941, e que ela descreve como alguém que «fez mais do que qualquer outra pessoa nos círculos decisórios de topo para resistir à guerra» (p. 241) mas que, publicamente, acabou por «abandonar a coragem das suas convicções» (p. 241.)

A figura do imperador merece um tratamento bastante discreto por parte de Eri Hotta, longe do tom acusatório de outros historiadores, um dos mais conhecidos no Ocidente sendo porventura Herbert P. Bix. Nas suas referências ao imperador, Hotta descreve-o como alguém pouco favorável à ideia de uma guerra com os Estados Unidos e para quem «a diplomacia devia vir antes» (p. 174), mas que era como «um outsider no estranho processo de tomada de decisões em Tóquio» (p. 175), dividido perante «a sua responsabilidade como comandante supremo das Forças Armadas, cujo papel era garantir a sobrevivência do Japão através da preparação militar» (p. 175). Em suma, a posição de Hotta é a de uma absolvição, ainda que crítica: «O imperador tornou-se uma metáfora para o Japão, uma nação pressionada a tomar uma acção indesejável devido a algumas forças externas incontroláveis, apesar das suas preferências pacíficas» (p. 176). Os efeitos de uma crise económica, ultranacionalismo crescente e manipulação dos media juntaram-se numa bola de neve difícil de suster. Personalidades nos altos escalões da política, diplomacia, Exército e Marinha japoneses sabiam que os recursos do país dificilmente suportariam um conflito prolongado com os Estados Unidos, mas a ideia de um Japão encurralado de forma injusta ajudou a convencer os cépticos de que o confronto era a única via possível. Quatro conferências imperiais em 1941 e uma série de outras reuniões e encontros delinearam uma travessia que fez Pearl Harbor parecer inevitável. Discussões paralelas, umas com vista a uma solução diplomática e outras em prol de um conflito armado, prosseguiram até à hora H.

Uma «grande ironia» de todo este processo, como constata a autora, foi o facto de o ataque a Pearl Harbor ter sido projectado por uma figura «fundamentalmente contra a guerra» (p. 20), o almirante Yamamoto Isoroku, um veterano da guerra russo-japonesa de 1905 que frequentou a Universidade de Harvard e foi adido militar na Embaixada japonesa em Washington nos anos 1920. Em Setembro de 1940, após meses a desenvolver um plano de ataque contra os Estados Unidos, Yamamoto continuava duvidoso e terá mesmo afirmado que «uma guerra com tão poucas hipóteses de sucesso não deve ser combatida» (p. 192). Em Agosto de 1941, num relatório ao primeiro-ministro, um grupo de académicos do Total War Research Institute concluiu: «Caso o Japão entrasse em guerra com os Estados Unidos e os seus aliados, o Japão iria necessariamente perder» (p. 164). Apesar de todas as advertências, começaram os preparativos para um conflito cuja taxa de sucesso era questionável. Se os laços entre o Japão e os Estados Unidos são um dos focos centrais do livro, a China é a chave para boa parte das atribulações daquele relacionamento mútuo. O facto de a Administração Roosevelt ter enviado uma série de sinais de apoio à República da China liderada por Chiang Kaishek, que desde 1937 resistia à ocupação japonesa, foi um dos factores de maior tensão, nomeadamente o facto de os Estados Unidos terem recusado atribuir qualquer autoridade ao Governo colaboracionista em Nanjing, o qual o Japão reconhecera como legítimo representante chinês em 1940.

Além da questão chinesa, também a aliança com a Alemanha influenciou as relações Japão-Estados Unidos. Uma das questões que surge como particularmente relevante no livro de Hotta é a de como a participação do Japão no Pacto Tripartido (1940), com a Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini, manchou irremediavelmente a imagem da potência asiática aos olhos dos Estados Unidos, sendo um dos principais pontos de discórdia que frustrou as negociações bilaterais. Hotta demonstra como a aliança com a Alemanha tinha vários críticos no establishment japonês (a começar pelo então embaixador do Japão em Berlim, Kuruso Saburo). No entanto, mesmo quando o pressuposto que motivara a aliança – que a Alemanha triunfaria na Europa – se começava a revelar menos inevitável, e embora

«não subscrevessem uma verdadeira ideologia fascista, os líderes do Japão recusaram-se a fazer algo para se desembaraçarem da aliança do Eixo. Isto porque, presumivelmente, ninguém queria assumir os erros de ter apoiado acriticamente a invencibilidade da Alemanha».

Assim, «o Japão permaneceria uma potência fascista por associação e teria uma hipótese diminuta de conseguir chegar a acordo diplomático com os Estados Unidos» (p. 184).

No início de 1941, o almirante Nomura Kichisaburo, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, foi enviado para Washington DC como embaixador, encarregado de negociar uma solução pacífica para as relações com os Estados Unidos em estado de tensão sobretudo depois do avanço japonês para a neutral Indochina francesa, o que motivara uma série de sanções contra o Japão, designadamente um embargo petrolífero (em 1940, os Estados Unidos forneciam 93 por cento do petróleo japonês (p. 27)). Em Novembro desse ano, Kuruso Saburo, um experiente diplomata casado com uma americana, juntou-se a Nomura para tentar conseguir o quase impossível. Hotta refere que, apesar dos esforços de Kuruso, a escolha deste foi problemática, uma vez que foi ele que assinou o Pacto Tripartido (do qual discordava) no ano anterior.

Propostas e conversações continuamente abortadas seriam recorrentes até ao eclodir da guerra. As atribuladas iniciativas diplomáticas, incluindo uma nunca realizada cimeira com Roosevelt, são descritas por Hotta com um crescente fatalismo, à medida que se aproxima o prazo apontado como ponto de não retorno. Esse prazo era desconhecido dos dois principais negociadores japoneses em Washington mas a autora sugere que não o seria dos seus interlocutores americanos que deles tinham conhecimento via comunicações interceptadas. Ao mesmo tempo que se refaziam propostas para memorandos de entendimento, intensificavam-se os preparativos para uma guerra. A «Nota Hull», entregue no final de Novembro, assumia uma postura americana pouco conciliatória, e era intransigente em questões referentes à China. As suas propostas seriam impossíveis de obter acordo a curto prazo, muito menos nos dias antes da deadline rígida estabelecida pelos dirigentes em Tóquio. Visto como uma provocação e uma humilhação quando recebido no Japão, o documento marcaria o fim da linha para quem ainda acreditava numa solução diplomática para a crise.

Na madrugada do dia 7, o Japão atacou a frota norte-americana no Pacífico, na base de Pearl Harbor. Os representantes japoneses nos Estados Unidos foram avisados com poucas horas de antecedência (p. 279) e, devido a uma série de complicações, entregaram a declaração de guerra formal horas depois do ataque, mas «ignorando completamente que o seu país já havia atacado os Estados Unidos» (p. 279). Terá sido enorme o choque pelo facto consumado – afinal, tanto Nomura como Kuruso estavam ali em nome de uma última réstia de paz, que acabara de se extinguir.

 

PARA ALÉM DOS LÍDERES

Se boa parte de Japan 1941 pode ser considerada uma obra sobre os meandros da política e diplomacia japonesas centrada em grandes figuras masculinas, Eri Hotta pontilha o seu livro com passagens que demonstram os efeitos sobre o comum dos cidadãos do que era jogado nesses círculos. Para isso serve-se de algumas personagens que surgem recorrentemente ao longo do livro e que servem para elucidar sobre as condições de vida cada vez mais desesperantes da população japonesa.

Uma destas figuras é Nagai Kafu, um poeta hedonista da primeira metade do século xx de cujo diário a autora usa vários excertos como voz de uma silenciosa oposição ao crescente militarismo, limitação de liberdade individual e carência de géneros que afectou a maioria dos japoneses. Bem diferente de Kafu é o soldado U, que Hotta reduz ao anonimato de uma letra tornando-o uma espécie de representante colectivo. Alistado no exército japonês, enviado para a China e depois para a Ásia do Sueste, o soldado U está lá para ilustrar os horrores bélicos no terreno, o resultado prático das decisões – e indecisões – dos grandes homens dos gabinetes.

Muito antes de Pearl Harbor já os efeitos da guerra – uma guerra que decorria com a China desde 1937 (alguns historiadores fazem-na remontar a 1931, com a ocupação da Manchúria) – se faziam sentir sobre a população japonesa. Cartazes desencorajando luxo e promovendo hábitos austeros surgiam nas cidades onde outrora o esplendor consumista de anúncios e de department stores seduziam um novo público cosmopolita. A escassez de combustível fez com que os autocarros tivessem de circular movidos a carvão vegetal (p. 26). Em Abril de 1941, em seis grandes áreas metropolitanas «anteriormente repletas com todas as conveniências da vida moderna, as pessoas já só conseguiam obter arroz com senhas de racionamento», situação que se estenderia a 99 por cento do Japão em Dezembro desse ano (p. 4).

Embora a ênfase em grandes personalidades confira ao livro de Eri Hotta uma dimensão essencialmente de história político-diplomática, a autora não esquece um lado de história social que contrapõe o universo dos líderes ao da maioria da população, mantida à margem de muitas das discussões que afectariam a sua existência. «As pessoas pouco sabiam de como as suas vidas se tornariam muito baratas, mesmo sem valor algum, graças ao governo que elas tão sinceramente apoiaram com o dinheiro que arduamente ganharam e pouparam» (p. 148).

A meio do primeiro capítulo, Eri Hotta faz um interessante flashback para «tudo o que poderia ter sido» do Japão que a guerra mudou. É o retrato de um país ainda internacionalista, que em 1936 ganhara a corrida para organizar os Jogos Olímpicos de 1940 (que viriam a ser cancelados), cujo pavilhão vencera o grande prémio na Exposição de Paris em 1937 e cuja associação ao termo «Kamikaze» era, não ataques suicidas, mas uma aeronave pilotada por dois aviadores a bater um recorde de travessia entre Tóquio e Londres para comemorar a coroação do rei Jorge VI (p. 50). O epílogo refere o que se seguiu a Dezembro de 1941, reflectindo na persistência de algumas questões ainda debatidas sobre o papel do Japão na guerra. Para Hotta, parece ser claro que a chave da destruição dessa imagem de um Japão alternativo está no facto de os líderes no topo da cadeia hierárquica não terem tido «vontade, desejo e coragem suficientes para travar o momentum para a guerra» (p. 286), estando reféns de estruturas de decisão colectivas que enfatizavam uma ilusão de que ninguém «detinha qualquer responsabilidade individual» (p. 286). A história da Segunda Guerra Mundial na Ásia tem atraído um interesse crescente na historiografia em língua inglesa dos últimos anos. Este trabalho de Eri Hotta insere-se nessa corrente e coloca o Japão no centro da análise procurando compreender, sem desculpabilizar, a sua posição à época. Num tempo de tensões como as que se vivem actualmente, na Ásia e não só, Japan 1941 é um alerta sóbrio sobre os perigos de decisões irreflectidas para saltos no desconhecido e da desistência de soluções pacíficas quando elas são possíveis e desejáveis.

 

NOTAS

* A pedido da autora o texto não adopta as normas do Novo Acordo Ortográfico.

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