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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.45 Lisboa mar. 2015

 

SISTEMAS POLÍTICO-PARTIDÁRIOS: OS CASOS ITALIANO E ESPANHOL

 

Ontologia e epistemologia da ordem internacional em Raymond Aron

Ontology and epistemology of the international order in Raymond Aron's thought

 

Vítor Ramon-Fernandes

Professor Auxiliar de Relações Internacionais na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Lusíada de Lisboa. Doutorado em Relações Internacionais pela FCSH-UNL. Auditor do Curso de Defesa Nacional do Instituto de Defesa Nacional. Mestre em Economia pela Universidade de Kent at Canterbury, Reino Unido e em Gestão de Empresas pelo ISCTE – IUL. Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa. Lecionou na Universidade de Cambridge no Reino Unido, em Jesus College, onde esteve como Graduate Visiting Student e membro de Robinson College, e também na University of Kent at Canterbury. Presentemente, é também Visiting Scholar na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, no Department of Politics and International Studies, e em Wolfson College, do qual é membro.

 

RESUMO

O objeto deste artigo é desafiar a ideia mais frequentemente avançada de que Raymond Aron é um autor realista. De facto, apesar das fortes afinidades com o realismo clássico o pensamento de Aron apresenta uma dimensão kantiana e um idealismo, atento a questões morais e a uma noção de liberdade, que o separam do realismo. Apesar disso, não parece correto considerá-lo como um autor idealista ou liberal das Relações Internacionais. O argumento é que o pensamento de Aron ganha em ser visto como o resultado de uma tensão entre realismo e liberalismo, que embora partindo de uma posição próxima do realismo clássico apresenta uma evolução para aquilo que é considerado a via media nas Relações Internacionais.

Palavras-chave: Raymond Aron, epistemologia, ontologia, poder.

 

ABSTRACT

The intention is to challenge the common perception that Raymond Aron is a realist author. Indeed, despite the author’s close affinities with classical realism Aron’s thinking displays a Kantian dimension and an idealist thinking concerned with moral issues and with a certain notion of freedom that set him apart from realism. The argument is that within the realm of International Relations the thinking of Raymond Aron is best seen as resulting from the existing tension between realism and liberalism, starting from a position close to classical realism that evolved towards what is considered to be the via media in International Relations.

Keywords: Raymond Aron; Epistemology; Ontology; Power.

 

Raymond Aron é frequentemente considerado como um autor realista devido às afinidades que o seu pensamento internacionalista apresenta com o realismo clássico nas Relações Internacionais1. No entanto, e apesar disso, o seu pensamento apresenta também uma dimensão kantiana e um liberalismo, muito atentos a questões morais e a uma noção de liberdade que o afastam dessa corrente de pensamento. O presente artigo pretende desafiar essa ideia de que Raymond Aron é um autor realista. Um olhar mais atento revela várias afinidades com autores como Martin Wight e Hedley Bull, embora também não seja possível considerar Raymond Aron como um membro da Escola Inglesa. O argumento é que o pensamento de Aron ganha em ser visto como o resultado de uma tensão entre realismo e liberalismo, que embora partindo de uma posição próxima do realismo clássico apresenta uma evolução para aquilo que é considerado a via media nas Relações Internacionais. No entanto, as inúmeras tensões e antinomias presentes no seu pensamento dificultam a sua classificação numa ou noutra corrente de pensamento internacionalista.

 

A IMPORTÂNCIA DA FILOSOFIA CRÍTICA DA HISTÓRIA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Raymond Aron considerava o conhecimento histórico, e o conceito do que é a história ao longo dos tempos, fundamental em relação ao pensamento humano, e essa importância advinha do facto de a história proporcionar um conhecimento mais eficaz sobre a natureza humana, e do homem sobre si próprio. Esse conhecimento, que a abrange também as relações internacionais, é adquirido por intermédio da compreensão das forças, das escolhas, e das circunstâncias que antecederam e estiveram na base daquilo que é o nosso presente a cada momento, e que nos permite Raymond Aron também pensar que é possível, enquanto seres humanos, aprendermos através da história. Para prosseguir este objetivo, Raymond Aron faz em Introduction à la philosophie de l’histoire: Essai sur les limites de l’objectivité de l’histoire2uma crítica tanto à filosofia especulativa de Hegel, muito particularmente no que respeita à existência de uma filosofia da história global e totalizante que explica de forma sistemática todo o passado humano através de um movimento determinístico de causalidades únicas e preestabelecidas, como ao positivismo3. A sua filosofia crítica da história4pretendia cumprir uma dupla função: por um lado, confirmar a objetividade do conhecimento histórico, definindo as próprias condições dessa objetividade, e, por outro, perceber os limites dessa mesma objetividade, isto é, o seu alcance5.

O argumento fundamental no pensamento de Aron que aqui nos interessa passa por admitir a existência de duas lógicas na aquisição de conhecimento no campo das ciências sociais e no conhecimento do passado: a lógica da compreensão, no sentido da palavra alemã Verstehen, que se encontra ligada à tradição histórica de Dilthey e de Max Weber, e que tem em consideração o facto de as questões relacionadas com os seres humanos terem de ser estudadas de uma forma diferente dos objetos, isto é, que tem em conta as suas especificidades, assim como a sua componente histórica, e uma outra lógica, da «explicação», que faz apelo a relações de causalidade e procura estabelecer qual a causa ou causas que são responsáveis por produzirem determinados efeitos. Raymond Aron sublinha a necessidade de distinguir entre as noções de «compreensão» e de «explicação», enquanto formas de proceder no estudo da história6. É possível explicar a natureza, mas no que respeita ao conhecimento humano este tem de ser compreendido de forma inteligível, sem necessidade de estabelecer relações causais. O compreender (Verstehen) não se refere ao entendimento de uma concepção racional, como por exemplo um problema de matemática, mas sim ao processo mental através do qual compreendemos a experiência humana. É algo que não se confunde com um processo puramente cognitivo. E é através desse processo que nos compreendemos e compreendemos os outros. Apenas a compreensão consegue captar as entidades individuais sem encarar forçosamente o individual como um meio para atingir o geral,o que permite também transcender a objetividade reducionista e não ficar como que espartilhada nela, tal como acontece com as ciências físicas e da natureza. Este é o ponto de partida para o desenvolvimento da sua reflexão epistemológica e que me parece ser essencial para entender a forma como Raymond Aron aborda o estudo das relações internacionais.

Raymond Aron encara a história como uma reconstituição elaborada por um sujeito vivo, o historiador, que acaba por ser, simultaneamente, sujeito e objeto dessa mesma história. Trata-se, pois, de pensar a história como uma reconstituição, efetuada pelos vivos7, cujo processo de construção ocorre de modo distinto da forma de produção de conhecimento no campo das ciências exatas. Nessa perspetiva, o conhecimento histórico não surge através de um ser transcendental, exterior à questão histórica, que se limita a observar ou a relatar a história, mas sim através de um homem do presente, de um ser histórico que tenta compreender o seu passado e o contexto em que se encontra.

É este quadro que permite compreender a importância da história e da filosofia da história no pensamento internacionalista de Raymond Aron, conjugada com a sociologia8, com a ideia de singularidade, e de compreensão dessa mesma singularidade. A questão da singularidade, do carácter único dos acontecimentos, é um elemento fundamental na análise que empreende sobre as relações internacionais. E é também essa singularidade da história que constitui um elemento-chave que condiciona a forma como devem ser analisadas as relações internacionais, em particular não permitindo generalizações e extrapolações simplistas.

 

RAYMOND ARON E O ESTUDO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

As implicações de natureza ontológica e epistemológica desta posição relativamente à filosofia da história são várias e determinantes para compreender o pensamento internacionalista de Aron, na medida em que configuram um tipo de posicionamento específico em relação ao mundo, ao que é o conhecimento do homem sobre si mesmo, e ao seu devir. Ao questionar a universalidade do conhecimento histórico e, consequentemente, a sua objetividade, enuncia também pressupostos gnosiológicos contrários a uma visão de tipo positivista, como escreveu na introdução da sua tese de doutoramento: «No plano superior, o nosso livro conduz a uma filosofia histórica que se opõe ao racionalismo cientista ao mesmo tempo que ao positivismo.»9

É também por essa razão que submete a um olhar crítico as tentativas de elaboração de uma teoria geral das relações internacionais, no sentido em que é feito, designadamente na teoria walrasiana na Economia, através de sistemas hipotético-dedutivos10. Esta análise de Aron pretende fundamentalmente, embora não de forma exclusiva, avaliar de um modo crítico a primeira tentativa de elaboração de uma teoria geral por Hans Morgenthau e exposta em Politics Among Nations11, obra publicada pela primeira vez em 1948. Morgenthau pretendia que a sua análise e forma de conceber a política internacional se traduzissem numa teoria que pudesse ser analisada e julgada de uma forma empírica e pragmática, segundo princípios lógicos e não abstratos12. Enquanto crítica epistemológica, esta teoria deveria ser capaz de testar os seus conceitos, em especial o de poder, segundo princípios semelhantes aos seguidos em economia para testar conceitos como o de utilidade13.

Ao refletir sobre esta teoria, Aron tendeu a considerá-la um falhanço e um limite da própria teoria, concluindo que seria impossível conceber uma teoria geral das relações internacionais pela evidente dificuldade em atribuir aos atores um objetivo único e a vontade, consciente ou inconsciente, de o maximizar, tanto ao longo dos séculos, como num dado sistema14. Na sua opinião, e esta é uma marca muito própria da contribuição de Raymond Aron em relação ao estudo das Relações Internacionais, e que se aplica a todos os fenómenos do social, o estudo das relações internacionais tem uma componente sociológica importante, e não é possível isolar um sistema de relações internacionais, na medida em que o comportamento dos atores envolvidos é determinado por um conjunto amplo de variáveis, cuja racionalidade não é compatível com a elaboração de uma teoria geral, com um sistema de relações de causalidade bem definido.

Mas não se pode entender esta posição de Raymond Aron como uma negação da possibilidade de teorização nas Relações Internacionais, pois ao referir-se à teoria de Morgenthau, Aron afirma que é essa análise teórica que enfatiza os limites da teoria no seu sentido puro15. Assim, teorizar é sem dúvida possível, mas é também necessário ter consciência dos seus limites. E Raymond Aron não se limita a criticar aqueles que pretendem elaborar teorias de natureza científica relativas às relações internacionais, e dá-nos a conhecer a sua posição sobre o modo de abordar este campo disciplinar:

«Podemos determinar o campo das relações internacionais de duas maneiras. Ou nos esforçamos para apreender aquilo que faz a originalidade, a singularidade desse campo, entre os outros campos sociais; ou então partimos de conceitos que se aplicam a outros domínios que não ao das relações internacionais.»16

Raymond Aron opta abertamente pela primeira forma17. Mas a preocupação com o científico, e com a replicação dos métodos das ciências naturais ou físicas no campo das ciências sociais nunca deixou de estar presente em diversos autores que procuraram dotar a disciplina das Relações Internacionais de um carácter científico através da elaboração de uma teoria das relações internacionais unificadora da disciplina, o que, como anteriormente referi, Aron considerava não ser possível.

Essa tentativa surge com Kenneth Waltz, em 1979, no livro Theory of Internacional Politics18. Tendo em consideração as exigências associadas ao método científico, esta formulação é bem mais elaborada do que a de Hans Morgenthau e obedece aos critérios científicos acima referidos19.

Tal como Morgenthau, as considerações de Waltz em relação ao estudo das Relações Internacionais, de um modo geral, e respeitantes à elaboração de teoria, em particular, revelam um posicionamento ontológico e epistemológico completamente oposto ao de Raymond Aron. Enquanto este último considera que o mais importante é a compreensão dos detalhes e dos elementos que distinguem e singularizam as Relações Internacionais face a outros campos de estudo das realidades sociais, Waltz procura elementos aglutinadores e comuns que permitam sintetizar, simplificando, as variáveis relevantes ou tidas como tal. A pretensão de Waltz é apresentar explicações para a continuidade, e não para a exceção, ou para os casos particulares20.

Estas diferenças entre Aron, por um lado, e Morgenthau e Waltz, por outro, também se consubstanciaram em diferenças metodológicas, muito particularmente nas discussões que se verificaram no «segundo grande debate»21, e são demonstrativas de um afastamento de Aron do pensamento realista, seja na sua versão clássica ou neorrealista, e de uma aproximação ao pensamento de Wight e Bull, no sentido da Escola Inglesa22.

 

A TENSÃO ENTRE SISTEMA, SOCIEDADE E COMUNIDADE INTERNACIONAL

Importa ter em conta a análise de Raymond Aron relativamente ao sistema internacional, quando define noções como a homogeneidade ou heterogeneidade do sistema, que conduzem, por intermédio das técnicas de ação utilizadas, a diferentes relações de forças no sistema. No meu entender, estas duas noções são fundamentais na medida em que o primeiro tipo reúne os estados que têm uma concepção semelhante da política, e em que existe uma partilha de valores e regras, enquanto os sistemas heterogéneos se caracterizam por uma concepção oposta. Trata-se de uma diferença fulcral, pois tem implicações completamente diferentes ao nível do relacionamento entre estados, assim como entre a existência da paz e da guerra entre os mesmos. O que isto significa é que existe uma espécie de circularidade em que o cálculo de forças e toda a dialética que está associada aos regimes, ou às ideias, se revelam essenciais para interpretar a conduta diplomático-estratégica em, cada momento e circunstância, tendo a repartição de poder como um fator determinante no que respeita ao desenvolvimento do sistema. Trata-se de considerar uma versão da balança do poder como um aspeto fundamental, regulador do sistema internacional, mas que não está isolado de outras instituições, designadamente, a diplomacia, o direito internacional e a guerra, o que estabelece um ponto de convergência com Hedley Bull23.

A convergência entre Raymond Aron e Hedley Bull pode também ser corroborada pela importância que Aron atribui às ideias e às emoções na relação entre os estados24, as quais não ocorrem nunca num estado de arbitrariedade pura, tal como refere Aron25. Não obstante, atribui também grande relevância à relação de forças entre os estados. Nas civilizações, existem regras e com frequência um código que rege, de alguma forma, essas relações designadamente no que respeita a forma de tratar os embaixadores de cada país ou, inclusive, os prisioneiros durante e após as guerras. Existem convenções e tratados que condicionam os comportamentos dos estados, o que não significa, nem implica, que exista um direito internacional que regulamenta as relações entre os estados, com um sentido semelhante ao que ocorre com as leis internas de um Estado. As emoções e as ideias a que Raymond Aron faz referência, que podem existir em maior ou menor grau, são vistas em função do grau de homogeneidade que existe num dado sistema em determinada altura, definindo sistemas internacionais homogéneos ou heterogéneos. Esta forma de caracterizar um sistema internacional, quando considerado homogéneo (isto é, que favorece uma maior solidariedade e uma limitação da violência), estabelece também pontos de convergência com a noção de sociedade internacional de Martin Wight e de Hedley Bull, na medida em que num sistema internacional homogéneo os homens regem-se por padrões semelhantes, frequentemente enraizados na tradição e nos costumes26. Quanto mais homogéneo for o sistema, maior será a solidariedade entre os seus membros e a limitação da violência27. Por outro lado, um sistema heterogéneo tem consequências contrárias. Mas também nunca existe uma forma de autorregulação e de solidariedade mais abrangente entre os membros do sistema.

Por seu lado, Martin Wight sublinha que a história internacional tem sido fértil em guerras, e que o contexto internacional deve ser descrito como anárquico, com uma multiplicidade de soberanos, e sem um poder central, ao contrário do que ocorre no contexto interno dos estados28. Não obstante esta posição, existe da parte de Martin Wight o reconhecimento da existência de uma sociedade internacional, e a rejeição da ideia de que esta não poderia existir devido à possibilidade de ocorrência de guerras e à ausência de um poder soberano29. Mas a ausência de uma autoridade central não impede que exista cooperação entre os estados, assim como uma lei internacional, um sistema diplomático, e outras instituições, tais como a balança de poderes e, obviamente, a guerra. Estas instituições têm um impacto no sistema internacional e na «política de poder» que não é negligenciável. Na opinião de Wight, admitir a existência de um sistema internacional, definido como um conjunto de unidades políticas que estabelecem e mantêm relações entre si, independentemente de poderem entrar em conflito, acaba por nos ajudar a «admitir a existência de uma sociedade; pois uma sociedade consiste num conjunto de indivíduos juntos num sistema de relações, com vista a prosseguirem certos objetivos comuns»30.

Apesar deste comentário, para Martin Wight a sociedade internacional difere de todas as outras, pois apresenta características que a distinguem, em especial o facto de ser composta por estados, de possuir um número reduzido de membros, e uma heterogeneidade própria31. A mesma constatação é válida para Raymond Aron e para Hedley Bull. Esta noção da existência de objetivos comuns à sociedade internacional, composta por um grupo de estados que partilham valores e interesses comuns, tem assim várias instituições: leis internacionais, tratados e pactos entre estados, que embora não tenham as mesmas características da lei interna dos estados, delimitam e condicionam, de forma considerável, o comportamento e a ação dos estados.

A realidade é que o objetivo da lei internacional não deixa de ser o de definir normas e regras de comportamento e ação dos estados, delimitando de alguma forma as esferas de atuação destas entidades. Por esse motivo, o facto de essas normas e regras estarem largamente baseadas nos usos e costumes da ação internacional também lhes confere uma legitimidade na regulação, independentemente de não existir por parte de nenhuma entidade a capacidade de as fazer cumprir e de sancionar os estados infratores. Mesmo as instituições internacionais que possam ter a pretensão de o fazer, e que reúnam a capacidade de condicionar as ações dos estados, não possuem recursos comparáveis aos dos estados nacionais. É nesse contexto que a guerra, tal como as alianças, a diplomacia, e a neutralidade, pode ser considerada parte integrante das instituições da sociedade internacional32. Na mesma linha de pensamento de Martin Wight, importa também salientar a caracterização de um sistema internacional por parte de Hedley Bull como um conjunto de dois ou mais estados independentes que mantêm relações regulares entre si, e em que esse contacto é suficiente para afetar as decisões de ambos33. Este tipo de interação pode assumir várias vertentes, designadamente de natureza política, estratégica, económica ou social34.

 

O PROBLEMA DA ORDEM EM RAYMOND ARON

Na sua análise sobre a sociedade internacional, Hedley Bull faz referência a Raymond Aron distinguindo-o de outros autores, nomeadamente realistas, indiciando que considerava existir em Aron alguma evolução teórica para a via media, no sentido em que é vulgarmente considerado nas Relações Internacionais, isto é, um posicionamento entre realismo e idealismo35no sentido de Martin Wight e Hedley Bull. Em minha opinião, existe em relação à possibilidade do recurso à guerra uma diferença significativa entre a posição acima referida e a que se verifica nas correntes realistas, em que a luta pelo poder surge como o objetivo principal. Na caracterização que faz do sistema internacional, Hedley Bull36 sublinha que uma das questões predominantes se prende com a natureza das interações entre os estados, em que a influência de uns sobre outros gera um sistema em que todos fazem parte de um todo. Numa situação de eventual conflito, a guerra surge como uma saída, podendo ocorrer de forma generalizada37.

Mas a envolvente internacional sofre alterações ao longo do tempo, em função de várias circunstâncias. Em relação às situações que podem ocorrer no contexto internacional, considero que merece destaque a análise que Martin Wight faz sobre a política internacional, na qual distingue três tradições: a realista, a racionalista e a revolucionária38. Na mesma linha de pensamento, embora mais atenta a noções como solidariedade e comunidade do que a de Martin Wight, encontra-se a obra de Hedley Bull, The Anarchical Society, em que o autor define e elabora sobre as tradições realista, grociana e kantiana, ou universalista. O seu argumento é que a sociedade internacional reflete as três tradições, mas que em determinados momentos ou geografias, e tendo em consideração diferentes políticas adotadas pelos estados, um desses elementos pode preponderar sobre os demais39. A ideia fundamental subjacente a esta perspetiva racionalista, ou grociana, é a de que as relações entre os estados são condicionadas pela prudência, mas também por imperativos morais e de cooperação. Tanto Martin Wight como Hedley Bull consideram que esta perspetiva se situa entre as perspetivas realista e kantiana, e daí a designação de via media.

É verdade que na sua definição base de sistema internacional Raymond Aron não faz nenhuma referência a objetivos comuns por parte dos estados ou a qualquer partilha de valores comuns ou outros propósitos. Por essa razão, não pressupõe ou implica nenhum tipo de relação comparável ao que se encontra na definição de Hedley Bull de sociedade internacional. Mas é meu argumento que a noção de sistema internacional homogéneo de Aron apresenta pontos de contacto e de convergência com a definição de sociedade internacional40, em que é admitida a noção de cooperação e progresso entre os estados. Ao contrário, um sistema heterogéneo assemelha-se mais à tradição realista. Isto é, o sistema internacional definido por Raymond Aron não tem forçosamente, nem apenas, a mesma interpretação que lhe é dada pelas correntes realistas, que consideram que ocorre uma constante luta pelo poder. Esta interpretação é reforçada com a noção de sistema homogéneo de Raymond Aron, que assim se aproxima de forma mais óbvia da noção de sociedade internacional de Bull e de Wight, o que reafirma o vínculo entre Raymond Aron e estes autores, apesar de não ser possível classificá-lo como um membro da Escola Inglesa, e apesar dos pontos de convergência com o pensamento realista clássico. A Escola Inglesa tem sofrido uma grande evolução ao longo do tempo, mas na versão de Bull e Wight a discussão essencial centra-se à volta da existência de uma sociedade internacional e da sua natureza, na tradição de Hugo Grotius, e, mais concretamente, das instituições que constroem essa sociedade, tais como a guerra, a diplomacia e a balança do poder. Aron tem uma visão diferente destas instituições, com uma ótica mais pluralista, enquanto Hedley Bull e Martin Wight têm uma visão mais solidarista. Para além disso, a verdade é que Aron nunca participou em qualquer das reuniões do British Committee nem teve nenhuma contribuição a nível dos seus estudos e análises41.

Do que se trata também é de reconhecer que o pensamento de Aron resulta de um conjunto de tensões e antinomias42, que dificultam a sua classificação numa ou noutra corrente de pensamento internacionalista, e que podem ser consideradas como uma tensão entre realismo e idealismo. Esse idealismo a que faço referência, ocorre num sentido kantiano do termo, manifestando-se na sua preocupação com a liberdade43designadamente nos diálogos que estabeleceu com Jacques Maritain em relação às antinomias de Max Weber44, entre a ética da responsabilidade e a ética da convicção, optando por uma «moral de bom senso»45, como que estabelecendo um ponto intermédio entre o maquiavelismo absoluto e o moralismo, optando por uma perspetiva de um maquiavelismo moderado46. Raymond Aron apresenta, assim, esta moral que classifico como um compromisso entre os dois extremos acima referidos, e que, na sua opinião, se coaduna mais com a natureza da política internacional, tomando em consideração tanto a dimensão social como a antissocial das relações internacionais e da conduta diplomático-estratégica. Comparada com o moralismo, ela não exclui a força e os elementos associados ao poder, refugiando-se em elementos abstratos e genéricos. Mas, por outro lado, e ao contrário do maquiavelismo absoluto, também não ignora completamente aspetos morais e éticos. O que isto significa também é que a balança do poder não é o único mecanismo para a criação e a manutenção da ordem internacional, tal como ocorre com o pensamento realista.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em jeito de conclusão, e desafiando a ideia de que Raymond Aron é um autor realista, considero importante salientar que para o autor as interações entre os estados são mais complexas do que meras relações de coexistência e equilíbrio de poderes. As interações entre os estados demonstram uma institucionalização de normas e regras visando a obtenção e manutenção da ordem política que serve interesses comuns de configuração variável. Idealismo e realismo não são contraditórios, entre si, mas complementares, o que é também indicativo das tensões normativas e antinomias que estruturam o pensamento de Raymond Aron. E é nesse sentido que, embora próximo do pensamento realista clássico, o autor também apresenta traços daquilo que em Relações Internacionais é visto como idealismo (a crença no efeito «causal» das ideias, da consciência, da normatividade) e que o aproxima do que intitulei de via media.

Neste âmbito, importa salientar as implicações normativas, para além das explicativas, do pensamento de Raymond Aron para a compreensão das relações internacionais. O próprio salienta que existem sempre implicações normativas numa teoria das relações internacionais47. Neste contexto, o que também está em causa é a possibilidade de mudança ou transformação da sociedade internacional, elemento que decorre do pensamento de Aron, mas não é contemplado pelos realistas para quem a mudança se restringe a alterações na balança de poderes.

Finalmente, vale a pena salientar ainda que, para além de rejeitar o positivismo e aceitar o pluralismo metodológico, Raymond Aron levantou questões que apenas foram objeto de maior atenção após a sua morte, com o terceiro debate nas Relações Internacionais, que é um debate essencialmente epistemológico. A verdade é que muitas dessas questões encontram-se atualmente nas teses construtivistas. Aron foi precursor de muitas dessas ideias que apenas foram mais discutidas no terceiro debate após a sua morte em 1983. Verifica-se alguma convergência, em particular, em relação ao construtivismo de Alexander Wendt. Essa convergência respeita à possibilidade de aquisição de conhecimento objetivo, que é uma preocupação de natureza epistemológica, mas, simultaneamente, uma dimensão de intersubjetividade, relativa à aceitação da importância das ideias partilhadas, das normas, numa dimensão ontológica que oscila entre objetivismo e subjetivismo. E aqui existe também uma dimensão normativa, tal como ocorre com Raymond Aron. Nesse contexto, a noção de anarquia em Wendt apresenta semelhanças notórias com a de Aron, na medida em que é vista como resultado do entendimento e da compreensão que os estados fazem da situação em que se encontram. Para lá do realismo mais estrito, Aron certamente subscreveria que a anarquia é aquilo que os estados fazem dela48.

 

Data de receção: 28 de maio de 2014 | Data de aprovação: 5 de março de 2015

 

NOTAS

1 No presente texto, utilizo em letra minúscula a expressão «relações internacionais» sempre que me refiro às dinâmicas que se estabelecem entre os atores da comunidade internacional, utilizando a mesma expressão em letra maiúscula quando me refiro à disciplina que estuda essas mesmas dinâmicas e que está associada à criação do departamento de Política Internacional, em 1919, na Universidade de Aberystwyth no País de Gales.

2 Aron, Raymond – Introduction à la philosophie de l’ histoire: Essai sur les limites de l’objectivité de l’histoire. Paris: Éditions Gallimard, 1986 (1938). Trata-se da sua tese de doutoramento principal apresentada e defendida em 26 de março de 1938 na Sorbonne.

3 Tal como indica Sylvie Mesure, que reviu e anotou a edição de 1986 de Aron, Raymond – Introduction à la philosophie de l’histoire: Essai sur les limites de l’objectivité de l’histoire, p. 464, o positivismo deve ser aqui visto como a corrente teórica que entende a história como um conjunto de factos históricos que já existem, e apenas podem ser descritos e relatados pelo historiador. A edição de 1986 é anotada e comentada por Sylvie Mesure, contendo um extenso anexo da autoria dessa investigadora.

4 Expressão também consagrada no título de uma das suas obras, Aron, R. – La philosophie critique de l’histoire. Paris: Éditions du Seuil, 1969 (1938), que é também a sua tese de doutoramento complementar.

5 ARON, Raymond – Mémoires. Paris: Éditions Robert Laffont, 2003 (1983), p. 110.

6 Aron, Raymond – Introduction à la philosophie de l’ histoire: Essai sur les limites de l’objectivité de l’histoire, p. 58.

7 Aron, Raymond – Dimensions de la conscience historique. Paris: Plon, 1964 (1961), p. 12.

8 Aron, Raymond – La sociologie allemande contemporaine. Paris:Presses Universitaires de France, 1966 (1935).

9 Aron, Raymond – Introduction à la philosophie de l’ histoire: Essai sur les limites de l’objectivité de l’histoire, p. 13. No original, «Sur le plan supérieur, notre livre conduit à une philosophie historique qui s’oppose au rationalisme scientiste en même temps qu’au positivisme».

10 Aron, Raymond – «Qu’est-ce qu’une théorie des relations internationales?». In Aron, R. (ed. 1972). Études politiques. Paris: Éditions Gallimard, 1967, PP. 357-381. Os estudos a que faço referência assumem que estamos perante simplificações da realidade, substituindo os atores reais por representações simplificadas, com carac-terísticas também elas simplificadas, e muitas vezes homogéneas, o que não ocorre na realidade, mas é considerado como essencial para a elaboração dessa teoria.

11 Morgenthau, Hans – Politics among Nations The Struggle for Power and Peace. Nova York: McGraw-Hill, 1985 (1948).

12 Ibidem, p. 10.

13 A ideia de Morgenthau era que, partindo da noção de que o conceito de utilidade surge na economia como relativamente unívoco, com uma lógica bem definida, e que é aceite como o elemento que cada indivíduo pretende maximizar, se poderia transpor esta mesma lógica para o conceito de poder no âmbito dos estudos nas Relações Internacionais.

14 Aron, Raymond, 1967 – «Qu’est-ce qu’une théorie des relations internationales?», p. 368.

15 Ibidem, p. 368.

16 Ibidem, p. 362. No original, «On peut déterminer le champ propre des relations internationales de deux manières. Ou bien on s’efforce de saisir ce qui fait l’originalité, la singularité de ce champ parmi les champs sociaux; ou bien on part de concepts qui s’appliquent à d’autres domaines que celui des relations internationales».

17 Ibidem, p. 368.

18 Waltz, Kenneth – Theory of International Politics. Nova York: McGraw-Hill, 1979.

19 Ibidem. Na opinião de Waltz, o trabalho de investigação inicia-se com as questões teóricas que são colocadas, pois as respostas a questões factuais constituem perplexidades a que a teoria poderá responder e fornecer material para a investigação. Uma teoria tem de indicar os fatores que são mais importantes e especificar a relação entre eles. Não se pode ter a pretensão de responder a questões específicas, e muito menos acidentais, ou fora do habitual. Por esse motivo, a teoria necessita de isolar um campo ou subsistema determinado dos outros para o poder analisar e explicar, sendo essa uma condição necessária para a elaboração de teoria.

20 A questão pode ainda colocar-se, como fez Raymond Aron, em Aron, R., 1967. «Qu’est-ce qu’une théorie des relations internationales?», PP. 357-381, em saber se a dificuldade não advém da própria natureza do campo das Relações Internacionais. Sobre esta questão, podemos recorrer-nos do argumento de Stanley Hoffman (Hoffman, S., 1977. «An American social science: International Relations». In Derian, J. Der (ed. 1995). International Theory: Critical Investigations. Londres: Macmillan, PP. 212-241), quando na p. 229 salienta que o próprio Raymond Aron tinha demonstrado por que razão uma teoria de comportamentos que não são facilmente determináveis não podia dar origem a um conjunto de proposições que explicassem leis gerais e com as quais se poderia fazer previsões.

21 Este debate é sobretudo conhecido pela oposição que ocorreu entre Hedley Bull pelo lado tradicionalista e Morton Kaplan pelo lado behaviorista.

22 De notar, no entanto, que com esta referência ao segundo debate não estou a sugerir que Morgenthau e Waltz sejam behavioristas ou tenham uma posição semelhante a Morton Kaplan no que concerne as metodologias a utilizar para o estudo das Relações Internacionais. O ponto que pretendo salientar é sobretudo relativo à abordagem de Aron que se assemelha à de Hedley Bull e Martin Wight.

23 Bull, Hedley – The Anarchical Society: A Study of Order in World Politics. Nova York: Palgrave, 2002 (1977), em especial PP. 71 e 102.

24 Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations. Paris: Calmann-lévy, 2004 (1962), p. 108.

25 Ibidem, p. 115.

26 Em boa verdade, o próprio Hedley Bull (Bull, H., The Anarchical Society: A Study of Order in World Politics, p. 238) faz referência à caracterização de Raymond Aron sobre esta questão, referindo que «the states system in the past, as Raymond Aron has noted, have undergone phases at least of relative ideological homogeneity in the intervals between the wars of religion (...)». E afirma concordar com Raymond Aron quando este diz que nestes períodos a coincidência entre os períodos de grandes guerras e de heterogeneidade da sociedade internacional não é acidental, não só por considerar que os sucessivos conflitos ideológicos são as principais causas dessas guerras, mas também por essas guerras tenderem a agravar e acentuar essas divergências de natureza ideológica. Ao invés, os períodos de homogeneidade têm sido caracterizados por uma maior tolerância em relação às diferenças ideológicas, mais do que por uma uniformidade das mesmas.

27 Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, p. 109.

28 Wight, Martin – In Bull, H., e Holbraad, C. (eds.), – Power Politics. Londres: Continuum, 2004 (1978), PP. 100-101.

29 Vale a pena notar que a aceitação da ideia de que a guerra constitui um dos modos de resolver conflitos entre estados, leva Martin Wight (Ibidem, p. 104), a referir que Clausewitz tem alguma razão ao afirmar que a guerra é a continuação da política por outros meios. É também conhecida a admiração de Aron por Clausewitz que é, aliás, um dos autores mais citados por Aron em Paix et guerre entre les nations.

30 Wight, Martin – In Bull, H., e Holbraad, C. (eds.), – Power Politics, p. 105. No original, «to admitting that there is a society; for a society is a number of individuals joined in a system of relationships for certain common purposes».

31 Ibidem, p. 106.

32 Ibidem, p. 111.

33 Bull, Hedley – The Anarchical Society: A Study of Order in World Politics, PP. 9-10.

34 A este propósito, é relevante assinalar que não será casual a referência feita por Hedley Bull (Ibidem, p. 10) relativamente a Raymond Aron, quando afirma que:

«pode ser suficiente, tal como subjaz à definição de sistema internacional de Raymond Aron, que as comunidades políticas independentes “mantenham relações regulares entre si” e “possam estar implicadas numa guerra generalizada”». No original, «it may be enough, as Raymond Aron’s definition of an international system implies, that the independent political communities ‘maintain regular relations with each other’ and “are capable of being implicated in a generalized war”».

35 Opta-se aqui pela expressão idealismo porque essa é a expressão normalmente utilizada por Raymond Aron, designadamente em Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, se bem que a revisitação dos grandes debates em Relações Internacionais privilegie a expressão liberalismo e limite o idealismo a uma das suas fases, entre-guerras. Sobre o debate entre idealistas e realistas ver, por exemplo, Schmidt, B. – «On the history and historiography of International Relations». In Carlsnaes, W., Risse, T., e Simmons, B. A. (eds.) 2005 – Handbook of International Relations. 2.ª ed. Londres: Sage Publications, PP. 3-22. Sobre liberalismo ver, por exemplo, Dunne, T. – «Liberalism». In Baylis, J., e Smith, S. (eds.) 2014. The Globalization of World Politics. Oxford e Nova York: Oxford University Press, 2005 (2013), cap. 7, PP. 113-125.

36 Bull, Hedley – The Anarchical Society: A Study of Order in World Politics.

37 Na lógica de Raymond Aron, este facto constitui uma característica autonomizadora da disciplina das Relações Internacionais.

38 Wight, Martin, 1994. Edição e notas de Wight, G., e Porter, B. – International Theory The Three Traditions. Londres: Leicester University Press.

39 Bull, Hedley – The Anarchical Society: A Study of Order in World Politics, p. 39.

40 Tal como definida por Hedley Bull e Martin Wight.

41 Sobre a Escola Inglesa merece a pena consultar, Dunne, Tim – Inventing International Society: A Histor y of the English School, Houndmills: MacMillan Press, Ltd, 1998; Linklater, A., e Suganami, H., – The English School of International Relations: A Contemporary Reassessment. Cambridge University Press, 2006.

42 Designadamente, paz versus guerra, o todo versus as partes, o singular versus o recorrente, o problema maquiavélico ver-sus o problema kantiano, idealismo versus realismo.

43 Este tema é tratado com detalhe no seu texto publicado em 1964 no European Journal of Sociology com o título «La définition de la liberté», texto também publicado em Aron, R., 1998 (1965) – Essai sur les libertés. Paris: Hachette Littératures. Nesse texto, Raymond Aron confronta o pensamento de Tocqueville e de Marx sobre a liberdade, mais precisamente sobre as liberdades formais e as liberdades reais.

44 Que se encontram, designadamente, num artigo intitulado «La querelle du Machiavélisme», publicado a 15 de junho de 1943 na Fr ance Libre, durante a Segunda Grande Guerra, sob o pseudónimo de René Avord, e de novo publicado em 1993 na obra póstuma Aron, R., 1993 – Machiavel et les t y r annies modernes (edição de texto, apresentação e anotações de Rémy Freymond. Paris: Éditions de Fallois), e num conjunto de outras notas, designadamente, a de Jacques Maritain sobre a querela do maquiavelismo, que foi originalmente publicada no seu livro Œuvres, 1940-1963, e poste-riormente incluída num anexo do livro de Aron (1993) – Machiavel et les tyrannies modernes com o título «Note de J. Maritain sur la querelle sur le machiavé-lisme» e a carta de Maritain a Aron, com o título «Lettre de Jacques Maritain à Raymond Aron».

45 No original, «morale de la sagesse».

46 Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, p. 596. É no quadro desta análise que mais facilmente se compreendem os dois problemas praxiológicos identificados por Raymond Aron, em Aron, R. – Paix et guerre entre les nations, p. 565, e a que o autor se refere como o problema maquiavélico e o problema kantiano. O problema maquiavélico decorre, essencialmente, da problemática sobre os meios legítimos que podem ser utilizados pelos estados nas suas relações, enquanto o problema kantiano decorre da eventualidade de a força ser banida dessas mesmas relações, atingindo-se a paz universal.

47 Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, p. 563.

48 Wendt, A., 1992 – «Anarchy is what states make of it: the social construction of power politics». In International Organization. N.º 46, Vol. 2, p. 395.

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