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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.41 Lisboa mar. 2014

 

ELEIÇÕES EUROPEIAS 2014

Nota Introdutória

As eleições europeias de 2014: o «gigante adormecido» já acordou?

Marco Lisi*

 

* É Professor auxiliar no Departamento de Estudos Politicos da Faculdade de Ciencias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Tem publicado vários artigos sobre partidos e comportamento eleitoral em revistas nacionais e estrangeiras. A sua obra mais recente, coordenada com Myrto Tsakatika, é a monografia Transformations of the Radical Left (Routledge, 2014).

 

Todas as eleições apresentam características próprias associadas ao contexto em que se realizam. As eleições europeias de 2014 não escapam a esta regra. Em relação às eleições europeias que ocorreram no passado, há pelo menos dois aspetos que contribuem para marcar a especificidade deste evento. Em primeiro lugar, é a primeira vez que os eleitores irão eleger um Parlamento Europeu (PE) com poderes reforçados, depois da entrada em vigor, em 2009, do Tratado de Lisboa. O PE terá uma maior capacidade de intervenção em algumas áreas fundamentais, tais como a livre circulação de pessoas, acordos de comércio internacionais ou a reforma da política agrária. Para além disso, pela primeira vez irá também eleger «formalmente» o presidente da Comissão Europeia. Neste sentido, a maioria política que irá sair das próximas eleições europeias terá um peso fundamental para influenciar um conjunto importante de políticas, nomeadamente o orçamento anual e as políticas associadas ao fiscal compact.

Estas razões seriam por si só suficientes para considerarmos o significado excecional das próximas eleições europeias. Mas a grande relevância destas eleições prende-se sobretudo com os efeitos da crise a nível doméstico e com a necessidade, por parte dos executivos nacionais, de implementar políticas de austeridade decididas nas instâncias europeias. Nunca como agora a política europeia determinou escolhas concretas para os governos membros da União Europeia (UE), relativas por exemplo ao futuro do estado social, da dívida pública e da regulação da economia. Neste sentido, a tradicional ausência da Europa nas campanhas para as eleições do Parlamento Europeu1poderá dar lugar a uma crescente relevância dos temas europeus, sobretudo nos países intervencionados. Por outras palavras, poderemos assistir a uma passagem de eleições nacionais de «segunda ordem»2, para eleições de «primeira ordem», em que as posições dos partidos e dos eleitores sobre questões europeias passam a constituir o principal eixo de competição.

É bem conhecida a metáfora da Europa como um «gigante adormecido», no sentido em que os temas europeus têm um grande potencial de contestação para os sistemas de partidos ao nível nacional, embora a relevância desta dimensão de competição acabe por ser muito reduzida devido ao facto de ser considerada como uma questão de política externa3. De Vries e outros autores evidenciam as duas condições necessárias para despertar o «gigante»4: por um lado, é necessário que as forças políticas assumam posições distintas acerca da integração europeia; por outro, esta dimensão deve assumir uma relevância significativa para os eleitores de forma a ser um dos elementos fundamentais da escolha de voto. Estas condições já se verificaram – embora pontualmente – em alguns países, tais como a Suécia ou a Dinamarca5.

A verificar-se, esta mudança representaria provavelmente a emergência de uma nova clivagem europeia, marcando um ponto de rutura em relação às eleições anteriores. Como vários autores já evidenciaram6, geralmente os partidos europeus competiram nestas eleições segundo os padrões e temas associados ao nível nacional, marginalizando as questões europeias ou interpretando-as numa ótica doméstica. Apesar dos efeitos da «grande recessão» na governação europeia e das mudanças institucionais no seio das instituições da União Europeia, não é fácil que possa emergir uma maior politização das questões europeias. É verdade que os políticos nacionais recorrem cada vez mais aos constrangimentos impostos ao nível europeu para justificar as escolhas tomadas na esfera doméstica. Mas é verdade também que o processo de crise tem reforçado as dinâmicas intergovernamentais, evidenciando o predomínio da Alemanha sobre os países periféricos e a impotência dos países devedores. Para além disso, como nota Maravall7, é sobretudo nos temas europeus que emerge claramente uma maior assimetria de informações entre as elites políticas e os eleitores, facto que se traduz num sentido de eficácia política muito reduzido, levando em última instância a uma dinâmica de desmobilização e impedindo uma clara responsabilização dos governantes. Finalmente, como mencionado anteriormente, a emergência de uma nova clivagem europeia depende não apenas das atitudes dos eleitores mas também da politização dos temas europeus por parte das elites políticas. Estas eleições colocam um desafio particularmente relevante para as famílias partidárias moderadas que tradicionalmente têm dominado a esfera europeia. Com efeito, a oposição dos partidos com ideologias mais extremadas quanto ao projeto de integração europeu, e à forma como foi gerida a crise atual, pode incentivar os partidos moderados a despolitizar a questão europeia e tentar neutralizar as críticas populistas ou «antissistémicas» contra a UE, tendo como objetivo evitar uma forte penalização nas urnas. A posição das forças políticas moderadas é difícil não apenas porque a dura realidade social e económica se presta a uma instrumentalização dos efeitos negativos da integração europeia em chave antieuropeísta, mas também porque se torna cada vez mais insustentável declarar-se pró-europeu e aceitar passivamente a manutenção do status quo, sobretudo para os partidos que estão na oposição a nível nacional.

As próximas eleições europeias levantam um cenário de grande incerteza em relação ao futuro das instituições europeias e dos sistemas políticos dos estados-membros. Os sinais que emergiram nas últimas eleições nacionais de vários países auspiciam um reforço das forças políticas que se posicionam contra o projeto europeu. Neste sentido, uma incógnita importante das próximas eleições será o consenso que os partidos antieuropeus – uma frente muito heterogénea e pouco coesa – irão obter na próxima competição ao nível europeu.

O impacto dos partidos de protesto – isto é, das forças políticas que procuram mudar o rumo da UE – pode ser extremamente negativo para o futuro do projeto europeu se conseguirem obter um sucesso inequívoco, que altere os equilíbrios existentes, sobretudo às custas dos atores mais moderados. Contudo, se este sucesso for limitado pode ser um catalisador para levar a cabo importantes reformas institucionais e políticas, contribuindo para resolver as contradições patentes no atual funcionamento da UE. Em última instância, isto poderia reforçar o processo de construção europeia quer a nível institucional, quer a nível político.

Para além dos efeitos diretos das eleições europeias sobre os equilíbrios das forças políticas a nível nacional e supranacional, há também efeitos indiretos importantes como, por exemplo, a crescente distância que separa as elites dos seus respetivos eleitores. Nalguns casos – como por exemplo no Partido Socialista francês na altura do referendo constitucional em 2005 – já se tornou evidente o desfasamento entre o europeísmo das lideranças partidárias e as fortes críticas das respetivas bases partidárias. Com efeito, a proporção de cidadãos que apresenta posições críticas em relação ao processo de integração europeia tem vindo a aumentar de forma significativa8. Considerando esta mudança da opinião pública europeia e a estabilidade das posições europeias dos principais partidos moderados, as próximas eleições europeias podem contribuir para aumentar a distância entre elites e eleitores.

As previsões eleitorais são ainda muito incertas, mas há pelo menos duas considerações que podem orientar uma primeira leitura dos resultados das próximas eleições. A primeira relaciona-se com a (provável) perda de votos dos partidos mais moderados. No momento em que se escreve, as estimativas apontam para uma descida dos consensos obtidos pelos três principais grupos moderados (Partido Popular Europeu, Socialistas e Democratas e Liberais) que passariam dos atuais 72 por cento de representantes no Parlamento Europeu para 65 por cento9. O segundo elemento prende-se com a possibilidade de haver um novo grupo parlamentar baseado no eixo Le Pen–Wilders. Atualmente, para poder formar um grupo no PE é necessário eleger um mínimo de 15 deputados em, pelo menos, um quarto dos estados-membros. Segundo as sondagens disponíveis, os dois líderes que encabeçam esta iniciativa teriam a possibilidade de formar um novo grupo obtendo cerca de 38 deputados em sete países diferentes. Contudo, ocorre evidenciar que o desempenho destes partidos será, pelo menos em parte, limitado devido às contradições internas dos partidos antieuropeus. Um dos casos mais evidentes é a divergência entre a Frente Nacional francesa, por um lado, e a Liga Norte italiana, por outro, duas forças políticas que apresentam uma visão completamente incompatível no que à soberania nacional diz respeito.

O conjunto de artigos reunidos neste volume contribui para examinar e compreender os principais desafios das próximas eleições europeias. O texto de António Goucha Soares analisa o debate institucional no seio da UE, evidenciando os principais traços de continuidade e descontinuidade do processo de integração desde a aprovação do Tratado de Lisboa até à gestão da recente crise económica. Como é enunciado no texto, não é claro qual será o impacto das reformas incluídas no novo tratado sobre os futuros equilíbrios institucionais. Apesar de, na teoria, os poderes do Parlamento saírem reforçados, a crise do euro determinou na prática uma maior concentração de poderes a nível intergovernamental. Esta ambivalência pode tornar-se ainda mais problemática com a escolha da nova Comissão e dos representantes das instituições europeias.

O texto de Calossi e Pizzimenti examina a evolução dos partidos ao nível europeu – ou partidos transnacionais. Utilizando um quadro conceptual elaborado para a análise dos partidos nacionais, os autores sublinham as características peculiares destas organizações, assim como as principais razões da falta de institucionalização. Deste ponto de vista, os autores sugerem a modalidade de financiamento como um elemento que tem inibido o desenvolvimento destas organizações e a sua autonomia em relação aos partidos nacionais. Para além disso, não houve incentivos para que se criassem ligações diretas entre a sociedade civil e os partidos europeus. O texto conclui com algumas considerações acerca das possíveis reformas para consolidar estas organizações e reforçar a esfera supranacional.

Os artigos seguintes examinam alguns dos desafios que se colocam para os partidos nas eleições europeias de 2014. Não sendo possível aqui tratar todas as famílias partidárias, estes contributos concentram-se em dois grupos políticos distintos para os quais as próximas eleições assumem um significado e uma importância fundamental.

Fabien Escalona examina as características e evolução dos partidos de esquerda, distinguindo entre os socialistas (ou social-democratas) e as forças da esquerda radical. Estas duas famílias são comparadas em termos dos traços ideológicos, desempenho eleitoral e posicionamento em relação à integração europeia. O artigo destaca a dificuldade do relacionamento entre estes dois grupos de partidos, sobretudo ao nível europeu. Em primeiro lugar, isso prende-se com a grande heterogeneidade dos partidos da esquerda radical, caracterizados por fortes divergências a nível programático, nomeadamente no que diz respeito à questão europeia e à globalização em geral. Em segundo lugar, é evidente a distância e o desentendimento entre as duas famílias partidárias no que diz respeito à democracia e às questões económicas. Como sublinha o autor, estas diferenças ideológicas parecem, no estado atual das coisas, aparentemente inultrapassáveis, apesar de haver um interesse estratégico para a cooperação, sobretudo num contexto supostamente favorável como o que se proporciona nestas eleições europeias. Para além disso, os partidos da esquerda radical têm tido uma grande oscilação em termos de desempenho eleitoral, facto que torna mais complexa a orientação desta família partidária enquanto grupo, assim como o seu relacionamento com os partidos moderados de esquerda.

O artigo de Frederico Rocha debruça-se sobre a direita radical, uma das famílias partidárias que mais esperanças deposita nas próximas eleições europeias, não apenas para ultrapassar o «gueto» para o qual foi relegada até agora ao nível europeu, mas também para subir ao palco principal da política doméstica. Também neste caso o autor salienta as principais dificuldades que os partidos deste quadrante ideológico têm que ultrapassar para conseguir obter um bom desempenho eleitoral: o personalismo que domina estes partidos, por um lado, e as suas fragilidades internas, caracterizadas por cisões e fortes divergências, por outro. Estes fatores reflectem-se, em última instância, na grande instabilidade eleitoral desta família partidária. Finalmente, há também divergências em relação à melhor estratégia para garantir o sucesso eleitoral. Se há forças partidárias que apostam na credibilidade para atrair mais eleitores e poder alcançar uma maior integração política e institucional, existem também alguns partidos da direita radical que continuam a basear-se nos apelos antissistémicos e populistas, procurando atrair principalmente o voto dos descontentes ou dos mais distantes da vida política. O posicionamento dos partidos portugueses em relação aos temas europeus é o tópico explorado por Jorge Fernandes e José Santana-Pereira. A partir da análise dos manifestos eleitorais apresentados pelas principais forças políticas que competem nas eleições europeias de 201410, este estudo permite esclarecer as diferenças mais relevantes entre os partidos, evidenciando os traços de continuidade e descontinuidade do (anti)europeísmo a nível das elites políticas. Neste caso a intervenção externa da troika proporciona um contexto diferente com respeito às eleições anteriores, levando os partidos a adaptarem as suas orientações programáticas ao aumento das atitudes negativas dos cidadãos em relação ao processo de integração europeia. Esta questão coloca um dilema sobretudo para o Bloco de Esquerda (BE) que, quer a nível nacional, quer a nível europeu, tem de tentar conciliar as críticas à UE com uma orientação mais pragmática defendida por uma parte relevante do seu eleitorado tradicional.

O último artigo, da autoria de André Freire e Catherine Moury, centra-se na análise das atitudes dos cidadãos e das elites em relação à Europa antes e depois da crise. Vários autores já evidenciaram o impacto que a crise em curso tem sobre os sistemas políticos e, em particular, sobre os processos eleitorais11. Este artigo complementa esta análise com um duplo contributo. Em primeiro lugar, compara os efeitos da crise sobre os países da Europa do Sul com o resto dos países europeus. Em segundo lugar, analisa não apenas as mudanças nas opiniões dos indivíduos mas também ao nível das elites. Os resultados principais deste estudo indicam que a confiança na UE diminuiu sobretudo a partir de 2010, não se registando efeitos significativos nos primeiros anos que se seguiram à grande recessão. O mesmo padrão se verifica em relação aos benefícios percecionados pela integração europeia, embora neste caso o declínio não seja tão evidente. Contudo, o efeito parece ser determinante na avaliação da integração na UE apenas no caso das elites, enquanto para os cidadãos este efeito é mais reduzido.

As eleições europeias de 2014 irão ser decisivas em termos dos equilíbrios políticos – irão os partidos moderados de esquerda recuperar a maioria no PE? – do futuro dos partidos antieuropeus – qual será o sucesso da frente eurocética?, assim como em relação às respostas das instituições da UE perante a crise económica. Embora sejam necessários mais estudos para examinar estas questões e o verdadeiro impacto dos resultados destas eleições, os contributos reunidos neste volume representam um primeiro passo para compreendermos melhor rumo da UE e o significado das eleições europeias de 2014.

 

Notas

1Vreese, Claes H. de, Lauf, Edmund, e Jochen, Peter – «The Media and European Parliament elections: second-rate coverage of a second-order event?». In Van Der Brug, W., e Van Der Ejik, C. (eds.) – European Elections and Domestic Politics: Lessons from the Past and Scenarios for the Future. Paris: University of Notre Dame Press, 2006, pp. 116-130;         [ Links ] Vreese, Claes H. de, Banducci, Susan, Semetko, Holli A., e Boomgaarden, Hajo – «The news coverage of the 2004 European Parliamentary election campaign in 25 countries». In European Union Politics. Vol. 7, N.º 4, 2006, pp. 477–504;         [ Links ] Maier, Michaela, Strömback, Jasper, e Kaid, Lynda Lee (eds.) – European Political Communication: Campaign Strategies, Media Coverage, and Campaign Effects in European Parliamentary Elections. Farnham: Ashgate Publishing, 2006.         [ Links ]        [ Links ]        [ Links ]        [ Links ] Kriesi, Hanspeter – «The role of European integration in national election campaigns». In European Union Politics. Vol. 8, N.º 1, 2007, pp. 83-108;         [ Links ] Adam, Silke, e Maier, Michaela – «National parties as politicizers of eu integration? Party campaign communication in the run-up to the 2009 European Parliament election». In European Union Politics. Vol. 12, N.º 3, 2011, pp. 431-53.         [ Links ]        [ Links ]        [ Links ] Bartolini, Stefano – Restructuring Europe: Centre Formation, System Building, and Political Structuring between the Nation State and the European Union. Oxford: Oxford University Press, 2005.         [ Links ]        [ Links ] Spoon, Jae-Jae – «How salient is Europe? An analysis of European election manifestos, 19792004». In European Union Politics. Vol. 13, N.º 4, 2012, pp. 558-579;         [ Links ] ver também o número temático organizado por Nicolò Conti na revista Perspetives on European Politics & Society. Vol. 11, N.º 2, 2010.        [ Links ] Bartels, Larry M. – «Elections in hard times». In Juncture. Vol. 19. N.º 1, 2012, pp. 44-50.         [ Links ] Ver também o número temático coordenado por Pedro Magalhães na revista Journal of Elections, Public Opinion and Parties . Vol. 24, N.º 2, 2014.