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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.39 Lisboa set. 2013

 

A hegemonia enquanto formação da arquitetura de paz das Nações Unidas

Hegemony as part of the United Nations peace architecture

 

Fernando José Ludwig

Atualmente é doutorando em Política Internacional e Resolução de Conflitos na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Centro de Estudos Sociais (CES). É bolseiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

 

RESUMO

O artigo visa, em primeiro lugar, discutir qual a função das Nações Unidas no que se refere a construção da paz no cenário internacional, essencialmente tendo em conta o conceito de hegemonia. Em segundo lugar, a partir de uma perspectiva neogramsciana, pretende-se explorar de que forma o conceito de paz tem sido instrumentalizado por instituições internacionais, neste caso, as Nações Unidas. Em suma, procura-se uma releitura acerca da construção da paz, a partir de uma análise de sua operacionalização internacional conduzida pelas Nações Unidas.

Palavras-chave: Paz, Nações Unidas, hegemonia, Antonio Gramsci

 

ABSTRACT

This article aims, firstly, to discuss the role played by the United Nations concerning the construction of international peace, bearing in mind the concept of hegemony. Secondly, it is indented to explore in which ways the concept of peace is instrumentalized by international institutions, that is, the United Nations. In sum, the main goal is to provide the reader a critical reading about the construction of peace in the international led by the United Nations peace operations.

Keywords: Peace, United Nations, Hegemony, Antonio Gramsci

 

É cada vez mais notória a discussão acerca de uma crise de legitimidade da atuação das Nações Unidas, que procura uma participação mais versátil no que diz respeito à construção de uma paz global. Sobre este assunto, inúmeros trabalhos acadêmicos mencionam as missões de paz da Organização das Nações Unidas (onu) enquanto fonte das mais variadas críticas, sob os mais diferenciados fatores, por exemplo: a duração das missões, a extensão dos mandatos, a definição de objetivos, relativamente à promoção de estados falhados, acerca de uma intervenção que viola o princípio da soberania, imperialismo humanitário1, entre outras. Neste sentido, com o intuito de buscar uma visão crítica da realidade que não se assente naquilo que Robert Cox designa como sendo uma «problem-solving theory», ou seja, uma resposta direta, direcionada a determinada perspectiva particular2, busca-se uma emancipação da visão tradicional das missões de paz onusianas. Deste modo, este mesmo autor advoga que tal perspectiva reflita sobre o processo teórico em si, e sua relação com outras perspectivas, formando assim uma perspectiva crítica e que questiona a origem da atual ordem, sua formação e para quem esta perspectiva serve3.

Assim, de modo a cumprir com o seu escopo, o presente artigo pretende, num primeiro momento, refletir acerca da arquitetura de paz, ou seja, sobre organizações e mecanismos coletivos que buscam fomentar a paz tanto internacionalmente quanto regionalmente e, assim sendo, verificar como esta está relacionada, nos dias de hoje, com a definição de paz que se pretende. Ao se observar as mais variadas reflexões acerca da construção da paz, identifica-se uma lacuna importante que o presente artigo pretende preencher, ou seja, refletir acerca da realidade no que toca a temática proposta a partir de uma visão neogramsciana. Assim sendo, se dará importância ao conceito de hegemonia e sua relação com a atual ordem de paz que se encontra, sobretudo, no seio das Nações Unidas. Num segundo momento, pretende-se verificar de que forma se traduz a influência de determinadas políticas em função da paz e quais os principais debates acerca desta tipologia de paz, isto é, uma paz positiva e duradoura, advogada pelo principal organismo internacional responsável pelo seu fomento, as Nações Unidas. Por fim, busca-se uma análise crítica dos objetos de análise propostos por tal noção de paz, ou seja, a perpetuação de valores, a formação de consenso, bem como a aplicabilidade local desta percepção no que concerne a formação da paz através das operações de paz4 das Nações Unidas.

 

A ATUAL ARQUITETURA DE PAZ ENGENDRADA ATRAVÉS DO CONCEITO DE HEGEMONIA

Com o despoletar de inúmeros conflitos intraestatais originados a partir do fim do conflito bipolar, o termo «paz» se tornou vulgar, muitas vezes entendido como ausência de violência direta, ou simplesmente enquanto antônimo de «guerra». Entretanto, uma análise que pretende desconstruir tal observação, deve, necessariamente, indagar seu processo de formação, neste caso o entendimento sobre a paz. Assim, em primeiro lugar, nesta seção, pretende-se observar a formação do conceito de paz dentro dos estudos para a paz e, em segundo lugar, verificar a formação do conceito neogramsciano de hegemonia em relação a instrumentalização da paz no cenário internacional, nomeadamente no que se refere a importância do papel das organizações internacionais.

Deste modo, torna-se fundamental salientar, no campo dos estudos para a paz e a fim de cumprir com os objetivos específicos do presente artigo, ao menos os trabalhos de Johan Galtung. Deste modo, Galtung publica em 1969 o artigo «Violence, Peace, and Peach Research» onde essencialmente distingue aquilo que chama de «paz negativa» e «paz positiva». Enquanto o primeiro está relacionado com a ausência de violência direta; o segundo, em contrapartida, se refere a inexistência de uma violência estrutural5. Nota-se que o autor define paz em contrapartida da presença ou não de violência, subsequentemente avaliando suas diferentes tipologias. Este artigo se tornou um divisor de águas no campo dos estudos para a paz pois institucionaliza a questão (ou questões) da paz sob uma égide normativa, inerente ao contexto analisado6.

Assim, em termos teóricos a paz negativa é caracterizada, por um lado, pelo cessar do conflito e das violências diretas e, por outro, pela manutenção de um determinado nível de injustiça social que passa por uma violência estrutural, sem que se possa identificar os atores que a exercem. No entanto, podemos falar de paz aquando se verifica a presença de violências diretas? Sob esta perspectiva, é importante salientar dois pontos fundamentais. Em primeiro lugar, o conceito de violência é um conceito amplo, que passa pela redução das potencialidades humanas e sociais, assim como a inevitabilidade ou não de determinadas ações7. Deste modo, transpondo para o sistema internacional, a paz positiva somente poderá se emancipar de sua característica utópica aquando esta coincidir com a vontade dos atores do próprio sistema internacional e, mais especificamente neste caso, das Nações Unidas. Em segundo lugar, esta proposta, embora sustentável do ponto de vista teórico, na prática – e especialmente no caso dos países em desenvolvimento – está longe de se tornar uma realidade, no sentido de que a própria ordem internacional (expressão dos valores dos estados do Norte) está assim configurada.

Ainda relativamente à questão da definição do conceito de paz e suas consequências, note-se que pretendemos seguir a definição de Richmond8 quando o mesmo se refere a arquitetura de paz enquanto,

«A criação de uma arquitetura internacional que tem como objetivo a manutenção da paz e a garantia da segurança entre estados paralelamente à emergência de atores não estatais, não governamentais e movimentos sociais desenvolvem uma agenda específica que, assim se espera, leva a uma paz sustentável sem a presença da ameaça do uso da força.»9

Entretanto, qual o contributo de uma perspectiva neogramscina de hegemonia no que se refere a arquitetura de paz e, em última análise, dentro do referencial teórico estudos para a paz? Argumenta-se que a arquitetura de paz promovida pelas Nações Unidas, apesar de no seu discurso advogar a promoção de uma paz positiva10, na prática utiliza a paz negativa enquanto premissa para suas intervenções (missões de paz), ou seja, embora a retórica das Nações Unidas seja a busca de uma paz ideal, a prática se traduz nas condições mínimas necessárias para a reconstrução das instituições políticas e sociais nos moldes da sociedade moderna ocidental. Ainda, esta mesma arquitetura de paz é fruto de uma estrutura de poder (econômico, político e ideológico) que utiliza as Nações Unidas enquanto um canal de transmissão e imposição de valores liberais (entre outros, mercado livre, formas de governo, eleições livres, etc.) por intermédio de suas operações de paz mantendo assim a hegemonia de um grupo de atores do sistema internacional, nomeadamente os estados do Norte. Assim, para melhor compreender o argumento, precisamos dar um passo atrás e verificar a ontologia e epistemologia do conceito de hegemonia que estamos a adotar aqui.

Esta ideia de operacionalização do conceito gramsciano de hegemonia num mundo globalizado segue os estudos de Robert Cox, que advoga que as organizações internacionais representam, entre outros aspectos, mecanismos de formação de consenso entre estados, conforme advoga:

«Um dos mecanismos pelos quais as normas universais de hegemonia se expressam são as organizações internacionais. Na verdade, as organizações internacionais funcionam do mesmo modo que o processo por meio do qual as instituições da hegemonia e sua ideologia são desenvolvidas. Entre as características da organização internacional que expressam seu papel hegemónico, temos as seguintes: (1) corporifica as regras que facilitam a expansão das ordens mundiais hegemónicas; (2) é, ela própria, produto da ordem mundial hegemónica; (3) legitima ideologicamente as normas da ordem mundial; (4) coopta as elites dos países periféricos; e (5) absorve ideias contra-hegemónicas.»11

Aqui, é possível verificar uma das vertentes que, de facto, transpõem o pensamento de Gramsci para o âmbito das relações internacionais. Nesta concepção é possível verificar a funcionalidade das Nações Unidas enquanto mecanismo de hegemonia, que canaliza e mantêm a hegemonia dos estados do Norte por meio de suas operações de paz, uma vez que estas buscam (re)estruturar as esferas política, econômica e social desses estados pós-conflito. Relativamente a esta relação nacional/internacional da teorização gramsciana, Cox argumenta ser possível se verificar a formação de um bloco histórico a nível internacional12, ou seja, que vai além das fronteiras estatais. Entretanto, tal transposição não ocorre sem críticas. Carnevali e Leysens13 salientam a inaplicabilidade do conceito gramsciano de bloco histórico na arena internacional, essencialmente devido a sua conexão e proximidade com classes sociais. Todavia, é fulcral mencionar a importância cada vez maior do surgimento de uma classe transnacional capitalista. Sob esta égide, parte desta «transnacionalização» dos blocos históricos seguirão um percurso semelhante ao da actual intitulada «classe capitalista transnacional»14, contudo no âmbito da globalização de valores. Em última análise, uma classe capitalista transnacional abarca uma concepção neoliberal, que se torna a pedra angular de suas premissas, assim sendo, inicia-se através de um projecto hegemónico liderado pelas elites orientadas a partir de grupos transnacionais, cujas intenções são reflectidas no campo do actual sistema neoliberal. De forma análoga, a actual conjuntura internacional no que se refere à construção da paz (neste caso, liberal), sendo as Nações Unidas a organização com capacidade e legitimidade, é dotada de ideias e valores hegemónicos, como democracia, direitos humanos, abertura de mercado (liberalismo), Estado de direito.

Até o momento vimos que a construção do conceito de paz nas Nações Unidas é instrumentalizada em função de interesses específicos, onde sua aplicabilidade encontra-se na evolução do(s) conceito(s) de manutenção e construção da paz (peacekeeping e peacebuilding, respectivamente) a partir da década de 1990, como veremos no próximo tópico. Deste modo, pretendemos analisar na próxima seção onde especificamente esta tipologia de paz pode ser encontrada e quais os autores que tiveram maior influência tanto na concepção teórica quanto na materialização prática das políticas de construção de paz onusianas.

 

AS MISSÕES DE PAZ DAS NAÇÕES UNIDAS E A ARQUITETURA DE PAZ

Um dos maiores dilemas das Nações Unidas relativamente à construção da paz na atualidade diz respeito ao processo de peacebuilding, tendo como base um de seus pilares, o statebuilding. Roland Paris diferencia estes dois conceitos:

«Statebuilding não é sinónimo de peacebuilding. Peacebuilding pós-conflito refere-se aos esforços para a criação de condições onde não se verifica a recorrência de violência. Statebuilding, por outro lado, é um subcomponente do peacebuilding. Suporte para um statebuilding pós-guerra não deve ser entendido enquanto uma tentativa de suplantar o peacebuilding, mas sim, enquanto um aviso para prestar mais atenção ao fortalecimento ou construção efetiva e legítima das instituições governamentais enquanto elemento importante para o peacebuilding15

São justamente nestes mecanismos, peacebuilding e statebuilding, que se assentam as mais diferenciadas críticas, normalmente relacionadas com a duração, tamanho, intensidade, objetivos e relacionamento com a sociedade civil em causa. O principal escopo desta seção é justamente verificar de que modo esta noção de «paz positiva» advogada pela onu nos dias de hoje se materializa e, mais ainda, quais são os corolários de tais noções relativamente a requisitos fundamentais usados de forma a solucionar tal complexidade que é a instauração da paz (leia-se, paz onusiana).

Houve, com o fim da Guerra Fria, um boom no que toca a importância das Nações Unidas no cenário mundial, através de uma atuação mais presente relativamente às missões, assumindo uma formulação de paz necessária para seu funcionamento e expansão. Este crescimento notório teve como principal reflexo a falta de interesses específicos (vindo essencialmente do bloqueio do Conselho de Segurança durante o período da Guerra Fria) por parte dos peacemakers em como atuar em casos de conflitos, bem como em sociedades pós-conflitos. Deste modo, devido essencialmente a esta urgência (e oportunidade) única de agir, que vimos um despoletar sem precedentes, até então, da atuação direta desta organização internacional em busca da paz, segundo a conceitualização de Galtung, «positiva»16.

Em seu contributo para os estudos para a paz, Oliver Richmond traçou uma genealogia do conceito de paz17 dividida em gerações que evoluíram de acordo com o seu tempo e a conjuntura internacional. Importa-nos, neste momento, verificar quais são as premissas da atual paz liberal e suas vicissitudes em função da arquitetura de paz proposta pelas Nações Unidas. Assim, o conceito de paz liberal está arraigado ao neoliberalismo18, como afirma Duffield, «a ideia de paz liberal […] combina e reune “liberal” (como doutrina económica e política contemporânea) com “paz” (a presença de políticas preferências direcionadas a resolução de conflitos e reconstrução social)»19. Este processo também conta com outros valores da sociedade ocidental, como o Estado de direito e a democracia, por exemplo. Neste sentido, a evolução, ou mesmo justaposição, de paz positiva para paz liberal não se deu ao acaso. Devido aos atuais contextos, nacionais e internacional, o neoliberalismo se tornou uma ferramenta útil que, ao mesmo tempo, legitima a atuação das Nações Unidas (pautando-se em uma longa reflexão, sendo Kant apenas um deles, que argumenta que os estados com valores liberais seriam necessariamente mais pacíficos), bem como atribui ao processo de construção da paz um carácter mais complexo, meandroso, somente tangível a longo prazo.

Assim, a noção de paz liberal, em suma, está imbuída de valores, que se concentram na concepção de uma sociedade capitalista transnacional do Norte. Ainda, nota-se uma concepção de paz liberal – dominante entre acadêmicos e peacemakers nos dias de hoje20 – que converge no sentido de que, contrariamente à noção de uma paz universal, é caracterizada por ser uma paz liberal hegemônica. Entretanto, críticos da raison d’être da paz liberal apresentam sua própria incoerência em termos ontológicos, como advoga Richmond,

«… o projeto de paz liberal é ontologicamente incoerente. Ele oferece diversos estados de ser: um mundo estado-centrista dominado pelas democracias constitucionais soberanas, um mundo dominado por instituições, e um mundo onde os direitos humanos e a autodeterminação são válidos. O único caminho onde este sistema de paz pode ser coerente é no caso de ser compreendido enquanto hierárquico e regulativo, liderado por hegemonias que definem as prioridades políticas e económicas, e que providencia a estrutura que os direitos humanos e a autodeterminação podem ser observados.21

Esta argumentação vai ao encontro do proposto pelo artigo, sendo a paz dominante neste contexto a liberal. Neste sentido, Ian Taylor advoga que a função da paz liberal é justamente construir uma estrutura institucional que permite o setor privado trabalhar em espaços pós-conflitos22. A linha de argumentação deste mesmo autor vai ao encontro do raciocínio de Cox23 – supramencionado – onde admite as organizações internacionais, como as Nações Unidas e o Fundo Monetário Internacional, enquanto pontos de encontro de redes transnacionais que atuam a fim de estreitar suas ligações e defender seus interesses24. E essencialmente nota:

«As ideias da classe dominante são em cada época as ideias dominantes, isto é, a classe que é a força material da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força intelectual dominante. […] As ideias dominantes nada mais são que a expressão da relação de dominação material, esta relação é entendida enquanto ideias; deste modo são estas relações que fazem de uma classe a dominante, consequentemente, as ideias de sua dominação.»25

Neste aspecto, o que importa salientar é que a construção da paz liberal, juntamente com a atuação da paz onusiana, coincide com os interesses de uma classe transnacional, o que chamamos neste trabalho de bloco histórico transnacional. Esta elite transnacional, por sua vez, está cada vez mais integrada e interdependente, ocupando uma posição de poder privilegiada26. Assim, um dos grandes dilemas das missões de paz da onu apresentados por David Chandler está justamente na concepção do papel das instituições internacionais se fazerem superiores as instituições locais27, entretanto o que comumente não se tem em conta é justamente se ter como modelo institucional ideal o modelo ocidental de governação, o que frequentemente não se encontra funcional na prática.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do presente artigo tentou-se apresentar as principais características da arquitetura de paz das Nações Unidas e de que forma o conceito de neograsmciano de hegemonia poderia ajudar a melhor compreender a realidade internacional. Assim sendo, algumas considerações finais podem ser apresentadas em função do argumento do presente trabalho.

Como vimos, o discurso político das Nações Unidas se baseia na busca de uma paz somente tangível a longo prazo, complexa e que requer uma ação conjunta dos diferentes setores da sociedade. Em suma, busca-se uma paz positiva. Apesar deste discurso, tentou-se demostrar que, na prática, os vários tipos de missões de paz onusianas se fundam na busca ou manutenção de uma paz negativa, ou seja, uma ausência de conflitos diretos. Este paradoxo pode ser melhor compreendido quando se inclui democracia e liberalismo na arquitetura de paz. Assim, valores e ideias (econômicas, políticas e ideológicas) são instrumentos legitimadores de tais intervenções.

No entanto, a esta imposição de valores (coerção) vinculada a ideia de uma paz positiva e duradoura, que pode ser alcançada através da instauração do livre-mercado, da democracia, etc. (consenso), preenche os requisitos do conceito de hegemonia gramsciano. Deste modo, podemos concluir que a formulação da paz liberal nos dias de hoje é hegemônica (e não universal).

 

Data de receção: 2 de julho de 2012 | Data de aprovação: 27 de maio de 2013

 

NOTAS

1 Bendaña, Alejandro – «From peace-building to state-building: one step forward and two backwards». In Nation-building, State-building and International Intervention: Between “Liberation” and Symptom Relief. Paris: ceri, 2004;         [ Links ] David, Charles-Philippe – «Does peacebuilding build peace?: Liberal (mis)steps in the peace process». In Security Dialogue. Vol. 30, N.º 1, 1999;         [ Links ] Paris, Roland – «Peacebuilding and the limits of liberal internationalism». In International Security. Vol. 22, N.º 2 1997;         [ Links ] Paris, Roland, e Sisk, Timothy (eds.) – The Dilemmas of Statebuilding: Confronting the Contradictions of Postwar Peace Operations. Nova York: Routledge, 2009;         [ Links ] Richmond, Oliver – «UN peace operations and the dilemmas of the peacebuilding consensus». In International Peacekeeping. Vol. 11, N.º 1, 2004;         [ Links ] Ramsbotham, Oliver – «Reflections on un post-settlement peacebuilding». In International Peacekeeping. Vol. 7, N.º 1, 2000;         [ Links ] Richmond, Oliver, e Franks, Jason – «The emperors’ new clothes? Liberal peace in East Timor». In Richmond, Oliver, e Franks, Jason – Liberal Peace Transitions: Between Statebuilding and Peacebuilding. Edimburgo: Edinburgh University Press, 2009.         [ Links ]

2 Cox, Robert – «Social forces, states and world orders: beyond international relations theory». In Millennium – Journal of International Studies. Vol. 10, 1981, pp. 128-130.         [ Links ]

3 Ibidem.

4 Segundo a Doutrina Capstone das Nações Unidas, operações de paz é definida como «Field operations deployed to prevent, manage, and/or resolve violent conflicts or reduce the risk of their recurrence». Cf. united nations peacekeeping department un – «United Nations Peacekeeping Operations Principles and Guidelines», 2008, p. 98.

5 Para maiores informações sobre «paz negativa» e «paz positive», cf. Galtung, Johan – «Violence, peace, and peach research». In Journal of Peace Research. N.º 6, 1969.         [ Links ]

6 Há, entretanto, uma terceira vertente que posteriormente, em 1990, é explorada por este mesmo autor, a que designa como «violência cultural», e define: «By “cultural violence” we mean those aspects of culture, the symbolic sphere of our existence – exemplified by religion and ideology, language and art, empirical science and formal science (logic, mathematics) – that can be used to justify or legitimize direct or structural violence», cf. Galtung, Johan – «Cultural violence». In Journal of Peace Research. N.º 27, 1990, p. 291.         [ Links ]

7 Galtung, Johan – «Violence, peace, and peach research».

8 Richmond, Oliver – Peace in International Relations. Abingdon: Routledge, 2008.         [ Links ]

9 Ibidem, p. 34. Tradução livre do autor do original em inglês: «The creation of international architecture aimed at keeping the peace and guaranteeing security amongst states paralleled the emergence of non-state, non-governmental actors and social movements developing a specific agenda that would, it was hoped, lead to a sustainable peace not resting on the presence of the threat of force».

10 Como podemos verificar na Carta das Nações Unidas, em seu preâmbulo, onde determina: «to save succeeding generations from the scourge of war, which twice in our lifetime has brought untold sorrow to mankind, and; to reaffirm faith in fundamental human rights, in the dignity and worth of the human person, in the equal rights of men and women and of nations large and small, and; to establish conditions under which justice and respect for the obligations arising from treaties and other sources of international law can be maintained, and; to promote social progress and better standards of life in larger freedom» (Charter of the United Nations, Nova York: United Nations Press, 1945).

11 Cox, Robert – «Gramsci, hegemony and international relations: an essay in method». In Millennium – Journal of International Studies.Vol. 12, N.º 2, 1983, p. 172.         [ Links ] Tradução livre do autor do original em inglês: «One mechanism through which the universal norms of a world hegemony are expressed is the international organization. Indeed, international organization functions as the process through which the institutions of hegemony and its ideology are developed. Among the features of international organizations which express its hegemonic role are the following: (1) they embody the rules which facilitate the expansion of hegemonic world orders; (2) they are themselves the product of the hegemonic world order; (3) they ideologically legitimate the norms of the world order; (4) they coopt the elites from peripheral countries and (5) they absorb counter-hegemonic ideas».

12 Ibidem, pp. 171-173.

13 Carnevali, Giorgio – «A teoria política internacional em Gramsci». In Mezzaroba, Orides (ed.) – Gramsci: Estado e Relações Internacionais. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005, p. 45;         [ Links ] Leysens, Anthony – The Critical Theory of Robert W. Cox: Fugitive or Guru?. Londres: Palgrave, 2008.         [ Links ]

14 Cf. Sklair, Leslie – «The transnational capitalist class and global politics: deconstructing the corporate-state connection». In International Political Science Review. Vol. 23, N.º 2, 2002;         [ Links ] Robinson, William I., e Harris, Jerry – «Towards a global ruling class? Globalization and the transnational capitalist class». In Science & Society. Vol. 64, N.º 1, 2000;         [ Links ] Sklair, Leslie – The Transnational Capitalist Class. Oxford: Blackwell, 2001;         [ Links ] Robinson, William I. – «Gramsci and globalisation: from nation-state to transnational hegemony». In Bieler, Andreas, e Morton,Amadam David (eds.) – Images of Gramsci: Connections and Contentions in Political Theory and International Relations. Londres: Routledge, 2006.         [ Links ]

15 Paris, Roland, e Sisk, Timothy – «Understanding the contradictions of postwar statebuilding». In Paris, Roland, e Sisk, Timothy (eds.) – The Dilemmas of Statebuilding: Confronting the Contradictions of Postwar Peace Operations,p. 14. Tradução livre do autor do original em inglês: «Statebuilding is not synonymous with peacebuilding. Post-conflict peacebuilding refers to efforts to create conditions in which violence will not recur. Statebuilding, by contrast, is a sub-component of peacebuilding. Support for postwar statebuilding should thus not be misconstrued as an attempt to supplant peacebuilding, but rather, as a call for paying greater attention to strengthening or constructing effective and legitimate governmental institutions as an important element of peacebuilding.»

16 Note que este capítulo não intenta analisar nenhuma missão de paz em específico, muito menos em termos de sucessos ou fracassos das intervenções das Nações Unidas, para tal cf. Druckman, Daniel, e Stern, Paul C. – «Evaluating peacekeeping missions». In Mershon International Studies Review. Vol. 41, N.º 1, 1997;         [ Links ] Dandeker, Christopher, e Gow, James – «The future of peace support operations: strategic peacekeeping and success». In Armed Forces and Society. Vol. 23, N.º 3, 1997.         [ Links ]

17 São elas: peacekeeping, resolução de conflitos, a paz liberal e o statebuilding, paz hibrida – cf. Richmond, Oliver P. – «A genealogy of peace and conflict theory». In Richmond, Oliver P. (ed.) – Palgrave Advances in Peacebuilding: Critical Developments and Approaches. Nova York: Palgrave, 2010.         [ Links ]

18 Para mais informações sobre o neoliberalismo e sua ascensão no sistema internacional, cf. Miller, David – «How neoliberalism got where it is: elite planning, corporate lobbying and the release of the free market». In Birch, Kean, e Mykhnenko,Vlad (ed.) – The Rise and Fall of Neoliberalism: The Collapse of an Economic Order?. Londres: Zed Books, 2010.         [ Links ]

19 Duffield, Mark – Global Governance and the New Wars – The Merging of Development and Security. Londres: Zed Books, 2001, pp. 9-10. Tradução livre do autor do original em inglês: «[t]he idea of liberal peace […] combines and conflates ‘liberal’ (as in contemporary liberal economic and political tenets) with ‘peace’ (the present policy predilection towards conflict resolution and societal reconstruction)».

20 Como podemos verificar, «Clearly, the liberal peace is the dominant conceptualisation deployed in these processes, and represents an amalgam of mainstream approaches to ir theory», In Richmond, Oliver – Peace in International Relations, p. 15.

21 Richmond, Oliver P. – «A genealogy of peace and conflict theory», p. 29. Tradução livre do autor do original em inglês: «… the liberal peace project is ontologically incoherent. It offers several different states of being: a state-centric world dominated by sovereign constitutional democracies, a world dominated by institutions, and a world in which human rights and self-determination are valued. The only way in which this peace system can be coherent is it if is taken to be hierarchical and regulative, let by hegemons who set political and economic priorities, and this provides the framework in which human rights and self-determination can be observed.»

22 Taylor, Ian – «Liberal peace, liberal imperialism: a gramscian critique»; Richmond, Oliver P. (ed.) – Palgrave Advances in Peacebuilding: Critical Developments and Approaches,p. 158.

23 Cox, Robert – «Gramsci, hegemony and international relations: an essay in method», pp. 162-175.

24 Taylor, Ian – «Liberal peace, liberal imperialism: a gramscian critique», pp. 154-174.

25 Marx apud Ibidem, p. 155. Tradução livre do autor do original em inglês: «The ideas of the ruling class are in every epoch the ruling ideas, i.e. the class which is the ruling material force of society, is at the same time its ruling intellectual force ... The ruling ideas are nothing more than the ideal expression of the dominant material relationships, the dominant material relationships grasped as ideas; hence of the relationships which make the one class the ruling one, therefore, the ideas of its dominance.»

26 Conforme Taylor argumenta, «Transnational class formation has spread from the North to the South, linking an emergent fraction of Southern-based elites with their Northern counterparts at the core of a concentric circle of social, economic, and political power» (Ibidem, p. 154).

27 Chandler, David – «The state-building dilemma: good governance or democratic government?». In Hehir, Aidan, e Robinson, Neil (eds.) – State-building: Theory and Practice. Londres: Routledge, 2007, p. 71.         [ Links ]