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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.38 Lisboa jun. 2013

 

A metamorfose do Partido Comunista da China1

 

Sádiya Munir

Mestranda em Ciência Política e Relações Internacionais: Segurança e Defesa, no IEP–UCP. Licenciada em Relações Internacionais, pelo ISCSP–UTL. As suas áreas de interesse são a política externa chinesa e a política externa norte-americana.

 

David Shambaugh.

China’s Communist Party: Atrophy and Adaptation.

University of California Press, 2009, 256 páginas.

 

Com a chegada ao poder de uma nova liderança e, simultaneamente, com o aumento exponencial, da importância chinesa, no palco internacional, torna-se essencial estudar e, principalmente perceber, o funcionamento do aparelho político da China. Assim, David Shambaugh, académico na George Washington University, apresenta a sua abordagem na obra China’s Communist Party: Atrophy and Adaptation. O resultado é um livro fundamental para quem pretende compreender, quer o Partido Comunista da China (PCC), quer o próprio funcionamento da máquina política chinesa.

China’s Communist Party: Atrophy and Adaptation descreve a necessidade de adaptação, por parte do PCC, por este se encontrar num estado de atrofia. Através da questão «porque é que este partido sobreviveu, ao contrário de muitos outros partidos comunistas?» (p. 1), o autor traça o percurso percorrido pelo PCC até então, bem como o que o Partido poderá fazer para combater o estado de atrofia e se adaptar às realidades actuais.

O tema que gira em torno de toda a obra é bastante explícito no seu título: a atrofia existente, e a necessidade fundamental de adaptação. Posto isto, existem oito ideias principais e merecedoras de especial atenção: i) o verdadeiro interesse do PCC, e como sustenta o seu poder; ii) a possibilidade de o Partido ser híbrido; iii) as economias planificadas e o exemplo da URSS; iv) futuro optimista vs. futuro pessimista; v) a adaptação através da reforma; vi) a questão da democracia; vii) o «cancro» da corrupção; viii) e a explicação da atrofia existente.

 

O PARTIDO COMUNISTA DA CHINA

O primeiro aspecto corresponde ao objectivo basilar do PCC: fortalecer o unipartidarismo do PCC, conservando o seu poder, através do crescimento económico e do nacionalismo (pp. 3-4). Tendo em conta a ascensão da quinta geração, o timing, para sublinhar este aspecto pertinente, não poderia ser melhor. Na verdade, esta obra destina-se aos interessados, meros estudantes ou curiosos, que desejam saber os motivos que estão por detrás da longevidade deste partido. De forma bastante compreensível e sistematizada, David Shambaugh consegue simplificar a complexidade existente no funcionamento do sistema político chinês.

A segunda ideia, que desperta atenção, é a originalidade da possível característica híbrida deste Partido. O autor sublinha que, se o PCC conseguir perpetuar-se, irá alcançar algo que mais nenhum partido comunista conseguiu, isto é, adaptar-se e transformar-se num partido híbrido. Posto isto, é fundamental ter-se a consciência de que o PCC se encontra perante uma experiência política sem precedentes. Este hibridismo existente prende-se bastante com o facto de o partido ter aprendido com os erros de outros partidos comunistas e, simultaneamente, ter vindo a abraçar os aspectos positivos que os partidos não-comunistas podem oferecer (p. 6). No que toca à economia e, neste caso concreto, à economia planificada, foi, igualmente, alvo de algum estudo por parte de David Shambaugh. Deste modo, o autor destaca o facto de o PCC ter aprendido, quer por experiência própria, quer através do exemplo da URSS, com os problemas gerados pelas economias planificadas (pp. 16, 20).

 

O SISTEMA POLÍTICO E A DEMOCRACIA

Tendo em conta esta nova conjuntura política chinesa, qual o futuro reservado ao sistema político chinês? Shambaugh, com esta obra, oferece o seu contributo, ao sublinhar a existência de dois grupos fundamentais: i) os pessimistas, que caracterizam o sistema político chinês como frágil, e que se encontra em risco, devido à existência de vários elementos que contribuíram para o colapso soviético, este grupo está consciente que a China é uma «superpotência», porém, frágil (pp. 25-31); ii) os optimistas, por sua vez, adoptam uma posição positiva sobre o futuro económico e político do Estado chinês, bem como na capacidade de este se adaptar aos desafios que o esperam (pp. 32-33). A apresentação destas duas abordagens revela-se bastante pertinente. Por um lado, devido à importância que a China tem vindo a ganhar no palco internacional, é compreensível que hajam académicos esperançosos e optimistas em relação ao futuro económico-político chinês. Porém e, por outro, é fulcral estar-se consciente, quer em relação à existência (ou não) dos tais elementos que conduziram ao colapso soviético, quer ao perigo existente nos desafios que têm vindo a assombrar o Estado chinês.

Consequentemente é necessária a abordagem da adaptação através da reforma. O autor descreve, de forma bastante clara, que o PCC não aceitará a sua condenação à extinção, à estagnação ou implosão. Posto isto, o PCC tem tomado medidas indispensáveis para inovar e reforçar a sua forma de governação, de forma indefinida. Entendendo que só através da reforma se conseguem adaptar e tornarem-se flexíveis. Esta será a conclusão mais importante que o PCC tirou após o colapso da URSS: a chave para o colapso de um sistema reside na inflexibilidade do partido com uma ideologia política dogmática, uma economia estagnada e isolada da sociedade internacional. Para evitar cometer o mesmo erro, a China encontra-se numa reforma constante, reajustando a dinâmica do Partido, em que este é, simultaneamente, proactivo e reactivo (pp. 121-123).

Foi na era Hu-Wen que o conceito «democracia» se inseriu, totalmente, no vocabulário do PCC. David Shambaugh introduz a perspectiva de diversos académicos que defendem que numa primeira etapa é primordial introduzir a democracia intra-PCC, e só depois estendê-la ao resto da população. Assim, a democracia tem de percorrer três caminhos: i) é necessário começar pelos níveis locais e, posteriormente, ser alargada aos níveis mais elevados do Partido; ii) iniciar-se no Partido e, futuramente, alargar-se à sociedade; iii) partir da pequena competição até à maior. O autor explicita, de forma clara e concisa, a consciência existente, por parte dos líderes chineses, de que a democracia, na China, tem de ser construída com base na sociedade e não através de simples réplicas de democracias praticadas noutros países. Deste modo, a China tem de criar e seguir o seu próprio caminho (pp. 121-123).

O PCC não está alheio à corrupção que se espalha como um «cancro» por toda a sociedade e, portanto, esta problemática não passou despercebida ao autor. Na verdade, parece-nos que Shambaugh enriquece a sua obra ao sublinhar que, para combater a corrupção, é fundamental intensificar a supervisão dos líderes do PCC e dos quadros, combinar o controlo dentro do partido com a supervisão dos membros do congresso, e monitorizar os corpos especiais do Governo, através da Comissão Central de Inspecção Disciplinar do Partido Comunista da China (CCDI). Este «cão de guarda» da disciplina e da corrupção desfruta da agregação no comité do Partido, e goza de poderes de supervisão autónomos (pp. 131-134).

 

NOTA FINAL

Outro autor que trata a temática da corrupção, igualmente de forma bastante clara, é Richard McGregor, na sua obra The Party: The Secret World of China’s Communist Rulers. McGregor faz uma abordagem diferente mas, simultaneamente, pertinente desta questão, salientando que a corrupção é desenvolvida em áreas onde o Estado tem uma maior importância: impostos, venda de terrenos, desenvolvimento de infra-estruturas, e aquisição de outros sectores dependentes da regulamentação do Governo2.

Por fim, importa elucidar a existência desta atrofia que é abordada ao longo desta obra de David Shambaugh. Como pode o PCC manter-se relevante perante o crescimento de uma sociedade cada vez mais exigente e diversa? O autor conclui que a China não partilha as mesmas variáveis económicas e internacionais do antigo Bloco Soviético, mas possui as mesmas características políticas, sociais, culturais e coercivas da ex-URSS, o que justifica a atrofia existente no Partido. Há diferenças significativas, nomeadamente, a questão das reformas económicas. O Partido tem plena consciência das suas vulnerabilidades e, portanto, tenta combatê-las (pp. 161-164). A adaptação pode ser uma arma bastante poderosa para esta superpotência emergente.

 

NOTAS

1 A pedido da autora o texto não adopta as normas do Novo Acordo Ortográfico.

2 MCGREGOR, Richard – The Party: The Secret World of China’s Communist Rulers. Nova York: Harper, e-book, 2010, p. 61.         [ Links ]