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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.38 Lisboa jun. 2013

 

Nota Introdutória1

 

Raquel Vaz-Pinto

É professora auxiliar de Relações Internacionais na Universidade Católica Portuguesa e, desde março de 2012, presidente da Associação Portuguesa de Ciência Política. Tem trabalhado e escrito sobre política interna e externa chinesa, religião nas relações internacionais, os Estados Unidos e a Ásia-Pacífico, e a China em África. O seu livro A Grande Muralha e o Legado de Tiananmen, a China e os Direitos Humanos foi publicado pela Tinta-da-China

 

O impacto da China nas relações internacionais é um tema cuja pertinência dispensa apresentações. A China é, hoje em dia, um país incontornável e tem uma presença cada vez mais activa na sociedade internacional. Esta sua ascensão tem sido guiada pela estratégia desenhada por Deng Xiaoping de manter um low-profile em questões internacionais, de modo a permitir a concentração máxima no objectivo principal: crescimento económico. No entanto, é cada vez mais difícil à segunda maior economia do mundo defender uma abordagem discreta nas relações internacionais e reforçar a ideia de que a sua ascensão será pacífica. Do ponto de vista interno, sabemos que há um grande debate sobre qual o caminho que a China deve seguir: mais nacionalista e assertiva? Ou mais «globalista»?2

Paralelamente, assistimos no último Congresso do Partido Comunista da China (pcc), em Novembro de 2012, à passagem de testemunho para uma nova geração de líderes, a primeira sem a bênção directa ou indirecta da Longa Marcha. A tomada de posse do Presidente da República Popular da China, Xi Jinping, a 14 de Março deste ano, foi a pedra de toque na confirmação da «Quinta Geração» ao leme da China. Apesar do «ruído» causado pela «queda do anjo vermelho» de Chongqing, Bo Xilai, no Verão passado, esta transição foi feita de forma suave. E sem dúvida que a luta nos bastidores foi intensa entre o «Grupo de Xangai» e a «Liga da Juventude Comunista», mas a passagem de testemunho acabou por ser completa. Não só Xi é o secretário-geral do pcc e Presidente do Estado chinês como também dirige a poderosa Comissão de Assuntos Militares.

Pequim tem consciência da importância desta próxima década e dos enormes desafios que terá de enfrentar. Do ponto de vista interno, a liderança sabe que terá de manter um ritmo de crescimento económico elevado, ao mesmo tempo que terá de lidar com as crescentes tensões sociais, laborais e ambientais. Um aspecto fundamental e que tem sido reiterado por Xi Jinping, prende-se com a corrupção, seguindo aliás o caminho traçado pelo seu antecessor, que considerou a luta contra a corrupção como a luta de vida ou morte do Partido. Do ponto de vista externo, os desafios não são de menor escala e é sobre estes que incidem as reflexões propostas neste número.

Em primeiro lugar, é importante problematizarmos a relação da China com o seu contexto regional. Tendo em conta a enorme heterogeneidade do continente asiático a China tem procurado estabelecer uma «Grande Ásia», em que volta a assumir o seu papel de «Império do Meio». Esta «Grande Ásia» – um «supercomplexo» de segurança regional – está dividida em quatro sub-regiões: a Ásia do Norte, a Ásia do Sudeste, a Ásia do Sul e a Ásia Central. No entanto, para que a China seja capaz de levar este objectivo a bom porto teremos de olhar para a sua relação bilateral com Washington.

Para que a China volte a ser o Império do Meio terá de levar a cabo um reposicionamento em termos geoeconómicos, geopolíticos e estratégicos. Estas transformações implicarão retirar aos Estados Unidos a liderança na Ásia e, deste modo, diluir a centralidade inquestionável norte-americana. Esta questão torna-se mais premente se tivermos em consideração a intenção da Casa Branca de fazer com que este século seja o século do Pacífico americano3. Este redireccionar estratégico norte-americano, após o fim do esforço de guerra no Iraque e o «quase-fim» no Afeganistão, tem como principal propósito a contenção da China. De qualquer modo, é certo que ainda não somos capazes de fazer uma avaliação mais completa do empenho norte-americano concreto e, em especial, da sua eficácia.

Para melhor compreendermos as opções estratégicas e o seu debate em Beijing e, deste modo, tentarmos descortinar se há uma grande estratégia chinesa, é fundamental analisarmos a relação entre três conceitos: «ascensão/desenvolvimento pacífico», «sociedade/mundo harmonioso» e o «sonho chinês». Em relação a este último, enunciado por Xi Jinping, persistem ainda muitas dúvidas sobre o seu verdadeiro alcance e o saber até que ponto é uma mudança em relação aos anteriores. Esta questão também se manifesta na análise sobre o impacto da China na governação económica mundial. Tendo em consideração o peso da economia chinesa – segunda maior economia, a maior produtora industrial, a maior exportadora e segunda maior importadora de mercadorias, o segundo maior destino para o investimento directo estrangeiro, a maior detentora de reservas em moeda estrangeira e a maior credora mundial – será que continuará satisfeita com as regras do jogo financeiro e económico mundial ou tentará readaptá-las?

Paralelamente, é pertinente analisarmos as relações da China com dois dos seus vizinhos e membros dos brics: a Índia e a Rússia. Há uma grande competição com estes dois gigantes, com quem a China tem uma relação histórica complexa. Apesar da concordância na defesa da não-ingerência e multipolaridade, a relação entre Moscovo e Pequim é tensa e assimétrica a nível político, económico e securitário. Destas três dimensões o contraste económico é bastante revelador: entre a quase monodependência energética russa e a pujança económica chinesa.

No caso indiano, para além das questões fronteiriças e de uma «luta cartográfica», há um elemento de comparação inevitável: o seu regime político. Em muitas análises, a Índia é apontada como o contrapeso democrático à China e um exemplo de como um país tão heterogéneo – religiosa, étnica e linguisticamente – e com a segunda maior população mundial é governado de modo democrático. Para a sociedade indiana a democracia tornou-se um elemento de identidade desde que os seus cidadãos embarcaram naquilo a que Sunil Khilnani apelidou de «aventura de uma ideia política».

A disputa entre a Índia e a China pelos recursos naturais é visível no contexto regional asiático, mas não se fica por aí. Esta competição tem lugar noutras regiões, nomeadamente no Atlântico Sul, uma região com crescente relevância estratégica pelos seus recursos energéticos, minerais e alimentares. A dianteira na corrida por estes recursos tem sido chinesa, seja do ponto de vista comercial, seja a nível do investimento directo e financiamento – embora seja muito interessante a análise do impacto positivo da diáspora indiana e da indústria Bollywood. Na região do Atlântico Sul assume especial destaque o Brasil e iremos avaliar os efeitos da presença chinesa na América Latina, a partir da política externa brasileira durante os mandatos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva e Dilma Rousseff. Tendo em consideração o caso brasileiro, até que ponto é que podemos falar da substituição do Consenso de Washington pelo Consenso de Pequim?

Em suma, os desafios de política externa que a quinta geração em Zhongnanhai irá enfrentar são múltiplos e multifacetados. Só o tempo nos dirá se esta geração esteve à altura do objectivo enunciado por Xi Jinping: levar a cabo o «Grande Renascimento da Nação Chinesa».

 

NOTAS

1 A pedido da autora o texto não adopta as normas do Novo Acordo Ortográfico.

2 Leonard, Mark (ed.) – China 3.0. Londres: ecfr, 2013.         [ Links ]

3 Obama, Barack – «Remarks by President Obama to the Australian Parliament», Camberra, 17 de Novembro de 2011. Consultado em: 25 de Maio de 2013. Disponível em: http://www.whitehouse.gov/the-press-office/2011/11/17/remarks-president-obama-australian-parliament,         [ Links ] e Clinton, Hillary – «America’s Pacific Century». In Foreign Policy. N.º 189, Novembro de 2011, pp. 56-63.         [ Links ]