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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.35 Lisboa set. 2012

 

História

 

Thiago de Almeida Carvalho

Investigador do ipri – unl e do Centro de Estudos de História Contemporânea (cehcp) do iscte – iul. Doutorando em História no ics – ul, onde prepara uma tese sobre as relações luso-brasileiras entre 1974 e 1985. Autor de Do Lirismo ao Pragmatismo. A Dimensão Multilateral das Relações Luso-Brasileiras: 1974-1976. (Instituto Diplomático, 2009).

 

Amado Luiz Cervo, A Parceria Inconclusa. As Relações entre Brasil e Portugal

Belo Horizonte, Fino Traço, 2011, 142 pp.

Publicado no âmbito da série «Parcerias Estratégicas do Brasil», editado pela Fino Traço, o livro de Amado Luiz Cervo reflete sobre os sentidos, limites e potencialidades das relações luso-brasileiras. O autor define o conceito de parceria como o conjunto de interpenetrações entre um país e outro, que concorre para moldar a sua identidade nacional e internacional. No que diz respeito a Portugal e ao Brasil, a interpenetração manifesta-se por meio de fatores de ordem étnica, cultural, económica, institucional, estratégica e política. Ao longo de seis capítulos, Amado Cervo analisa, no tempo longo, como esses fatores têm influenciado a parceria entre Lisboa e Brasília e propõe um modelo explicativo para a sua compreensão.

As relações luso-brasileiras são percebidas de modo distinto no tempo e no espaço, ora desempenhando centralidade na elaboração da política externa, outrora apresentando um baixo perfil. Esta ambiguidade decorre da diferenciação do interesse nacional português e brasileiro e da coexistência entre os fatores de interpenetração e de divergência. Gradualmente o tradicional culto à fraternidade foi substituído pelo realismo político, e a complementaridade dos vínculos bilaterais pela sua instrumentalização com benefícios cada vez menos evidentes. Segundo Amado Cervo, a parceria inconclusa resulta de relações económicas incipientes e de opções externas diferentes. Esse quadro é pontualmente invertido quando ocorre a «simbiose logística» entre o Estado e a sociedade, e se adotam modelos de desenvolvimento económico e de inserção internacional convergentes. Portanto, a parceria é inconclusa na sua forma e efeitos e não na sua substância. Não depende apenas das contingências políticas e económicas do momento mas, também, das perceções e estratégias adotadas pelos decisores.

Olivro recenseado distingue-se metodologicamente por elaborar uma análise diacrónica e transdisciplinar das relações luso-brasileiras, que faculta ao leitor uma síntese valiosa da escassa bibliografia sobre o objeto. Identifica os seus elementos de continuidade – o lastro histórico--cultural que favorece o diálogo – e de descontinuidade – a variação nos objetivos externos a atingir. De modo consistente, o autor demonstra como os elementos de continuidade permanecem importantes no processo de decisão política e económica, e são um traço de diferenciação das relações luso-brasileiras. Por sua vez, os elementos de descontinuidade refletem perceções distintas acerca do outro e do significado dos vínculos bilaterais, fazendo com que os mesmos fatores possam aprofundar ou obstruir as relações, e que a parceria oscile entre a eficácia e a ineficácia.

 

Eli Alves Penha, Brasil-África e Geopolítica do Atlântico Sul

Salvador, EDUFBA, 2011, 244 pp.

Olivro Brasil-África e Geopolítica do Atlântico Sul

resulta da tese de doutoramento em Geografia de Eli Alves Penha, defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1998. O facto de o trabalho só vir a lume em 2011 é elucidativo das transformações pelas quais passaram a política externa e a agenda científica brasileira nos treze anos que separam a defesa da tese e a sua publicação.

A diplomacia de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) atribuiu pouco relevo às relações com a África, priorizando os vínculos com o hemisfério Norte, de acordo com o modelo de desenvolvimento neoliberal adotado. Essa estratégia foi alterada durante o Governo Lula (2003-2011), que enfatizou as relações Sul-Sul, nomeadamente o seu vetor africano, com o propósito de dinamizar a cooperação horizontal. A inflexão na política externa brasileira foi concomitante à ascensão do país ao estatuto de potência emergente e ao interesse renovado pelo Atlântico Sul, enquanto nova fronteira de recursos naturais, em boa medida devido às reservas de petróleo offshore. Este é o contexto político e económico em que a obra recenseada foi publicada.

Eli Alves Penha estuda, no tempo longo, o pensamento geopolítico brasileiro sobre o Atlântico Sul e a África. Na primeira parte do livro, examina a importância geopolítica do oceano a partir do eixo Brasil-África. Na segunda, avalia as estratégias de poder implementadas pelos países lindeiros e a sua interação com o sistema internacional. Na terceira, analisa os diversos significados que a África assume para o Brasil desde os anos 1960, percebida inicialmente como fronteira ideológica e de segurança e atualmente como área de cooperação e de afirmação de uma identidade internacional específica. Por fim, o autor considera a centralidade geoestratégica que o Atlântico Sul volta a desempenhar na primeira década do milénio.

O trabalho de Alves Penha colmata a ausência de informação sistematizada e atualizada sobre o pensamento geopolítico brasileiro em relação ao Atlântico Sul e à África, e permite ao menos três conclusões: nas últimas décadas o Brasil foi substituído pela China e pela Índia enquanto exportador alternativo de bens, serviços e tecnologia para o continente; o regresso à África decorre de uma decisão política secundada pelos agentes económicos não estatais; a nova política africana do Brasil assenta no incremento substancial das relações comerciais e no êxito da cooperação, em especial com os palop. Como no passado, a África continua a sero espaço onde o Brasil redefine e projeta a sua identidade internacional.

 

José Flávio Sombra Saraiva, África Parceira do Brasil Atlântico. Relações Internacionais do Brasil e da África no início do Século XXI

Belo Horizonte, Fino Traço, 2012, 166 pp.

Durante o Governo Lula (2003-2011) a diplomacia brasileira atribuiu ênfase ao continente africano, recuperando um vetor que perdera influência na década de 1990. O recente livro de José Sombra Saraiva incide nas relações do Brasil com a África no princípio do século xxi, procurando identificar e concetualizar o modo como esses vínculos se têm desenvolvido nos últimos anos. Autor de referência sobre a história da política externa brasileira, a sua obra OLugar da África, publicada em 1996 pela Universidade de Brasília, é incontornável para compreender o despertar do interesse do Brasil pelo continente africano na segunda metade do século passado, bem como a importância que o Atlântico Sul assume na geopolítica brasileira. Em África Parceira Atlântica do Brasil, Saraiva revisita as intermitentes relações entre as duas margens do oceano, do pós-guerra à passagem do milénio, aprofundando o estudo sobre a década passada quando os vínculos afro-brasileiros receberam novo impulso. Segundo o autor, o regresso do atlantismo -brasileiro, na sua vertente africana, decorreu da reformulação da política externa, que, refletindo o compromisso de inclusão social assumido no plano interno, procurava delinear uma nova geografia política internacional. Sombra Saraiva observa que a construção da identidade internacional do Brasil possui uma dimensão utópica de reconciliação com as forças, internas e externas, que estiveram até então na periferia do processo decisório.

A tese central do autor é a de que no princípio do século xxi os interesses globais do Brasil e da África voltaram a coincidir, justificando o renovado ímpeto nos contactos bilaterais. O Estado brasileiro empenhou-se em identificar os pontos de convergência na agenda política – autonomia decisória, inclusão social, desenvolvimento sustentável; e agricultura – para implementar um novo paradigma de cooperação com o continente. Em contraposição às relações desenvolvidas com as antigas potências coloniais, e mais recentemente com a China, o Brasil propõe à África maior equidade na parceria, de modo a que essa seja percebida como mutuamente benéfica.

Sombra Saraiva salienta que o vetor africano da política externa brasileira é parte de uma estratégia mais ampla que pretende revigorar as relações Sul-Sul, consubstanciando o ideal de cooperação horizontal. Nesse sentido, as relações afro-brasileiras recuperam o seu conteúdo político. Já não são perspetivadas segundo os limites ideológicos da Guerra Fria ou com o desinteresse da década de 1990, mas sim como o veículo para a instituição de um novo paradigma de cooperação e de desenvolvimento que questiona a ordem global.

 

Enrique Krauze, Redentores, Ideas y Poder en América Latina

Barcelona, Debate Editorial, 2011, pp. 584

O mais recente livro do historiador mexicano Enrique Krauze não é apenas um ensaio sobre a cultura política da América Latina. Ao biografar doze personalidades latino-americanas de nacionalidades, períodos e espectros ideológicos distintos, o autor escreve a sua interpretação da história das ideias políticas do subcontinente, desde finais do século xix até ao presente. Como refere o título, o livro versa sobre a relação entre as ideias e o poder, as controvérsias e dilemas do debate político e cultural latino-americano, muitas vezes polarizado pelo enfrentamento histórico entre a democracia liberal e a revolução, à direita ou à esquerda. Segundo Krauze, as elites latino-americanas foram propensas a acreditar numa conceção difusa de redenção por via da revolução, independente do campo político-ideológico em que se situavam. Neste contexto, o autor observa que fenómenos tão distintos como o peronismo e o bolivarianismo, representam ruturas com a democracia liberal e constituem experimentos que questionam o Estado de direito ao procurar estabelecer uma nova ordem.

No momento em que existe algum pessimismo quanto ao futuro de vários países latino-americanos, Enrique Krauze relativiza a imagem de um continente onde as instituições democráticas são frágeis e o Estado incapaz de cumprir as suas funções, e entende a América Latina como um espaço dinâmico em que o conflito resulta da busca pelo progresso. Em primeiro lugar, o autor observa que o subcontinente é composto por realidades distintas, o que impede que a resposta aos desafios que se lhe colocam seja dada ao mesmo tempo e do mesmo modo. Em segundo, defende que os estados estão a meio de um processo modernizador – de que a transição para a democracia e para a economia de mercado são um exemplo – aparentemente irreversível.

O livro de Krauze analisa o legado político e cultural da América hispânica – o autor não contempla o Brasil no seu estudo – e questiona alguns estereótipos que persistem sobre a região. As biografias selecionadas demonstram o empenho das elites políticas e culturais em formular um projeto coerente e racional para o continente. Em contraposição à imagem de uma América Latina propícia a regimes autoritários e populistas, o autor argumenta que ao longo do século xx o ideal de redenção pela força foi sendo substituído pelo da conciliação. Neste sentido, defende que a história da América Latina, quando comparada com o que foi na realidade e não com uma visão idealizada do seu passado, progrediu em direção à modernidade.