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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.35 Lisboa set. 2012

 

Portugal e o Programa de Ciência da nato (1958-1974) episódios de história da «política científica nacional»

Portugal and the nato scientific programme(1958-1974)

 

Tiago Brandão

Investigador e doutorando do Instituto de História Contemporânea, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (ihc, fcsh – unl). A desenvolver a tese intitulada A Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (1967-1974). Organização da Ciência e Política Científica em Portugal. Bolseiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (fct).

 

RESUMO

É a partir do segundo pós-guerra que o internacionalismo científico se liga, definitivamente, às estratégias de segurança. Nesse contexto, vários são os organismos internacionais que se irão debruçar sobre as questões da ciência. Importará salientar a nato, através do seu Comité Científico, que assumiu a preocupação de construir uma Comunidade Atlântica de investigadores com capacidades na ciência pura, entendida como fonte e esteio do crescimento económico, da harmonia política e da força militar. Este artigo visa, portanto, apontar para o papel da nato no desenvolvimento de uma cultura de política científica em Portugal, ainda que no circuito restrito de um conjunto de figuras da administração da ciência em Portugal.

Palavras-chave: nato, Portugal, Guerra Fria, política científica

 

ABSTRACT

It is from the second post-war that scientific internationalism became finally bonded to security strategy issues. Several international bodies created in the second post-war were focusing on issues of science. It should be noted nato, through its Science Committee, that took care to build an Atlantic community of researchers with skills in pure science, understood as the source and mainstay of economic growth, political harmony and military force. This article will explore the nato’s role in the emergence of a culture of scientific policy in Portugal, although limited to the strict circuit of international forums regarding the topic of science and research yet reveals some not so well known episodes.

Keywords: nato, Portugal, Cold War, scientific policy

 

A história da «política científica nacional» não é, efetivamente, uma história das relações entre a ciência e a defesa em Portugal, mas poderá aportar contributo nesse domínio. Também não configura uma história político-diplomática no sentido mais ortodoxo. Cruza-se com essas, vindo da história da ciência, sobretudo da história das instituições científicas e da história económica, naquilo que é um importante capítulo da história das políticas científicas, que tem que ver, essencialmente, com o contributo dos organismos internacionais para a difusão de uma cultura de política científica e de administração da ciência.

A influência dos organismos internacionais na «construção»1da política de ciência em Portugal é amplamente reconhecida, em maior ou menor medida, pela literatura especializada2. Vários autores abordaram a questão da inserção de Portugal em organizações internacionais. Por exemplo, há autores que salientam que «a síntese destes impulsos [contribuiu] decisivamente para a emergência de uma política científica»3.

Contudo, há que assinalar a carência de estudos prévios, não só sobre instituições e políticas científicas em Portugal, mas também sobre a forma como agendas internacionais e nacionais no âmbito da ciência se articularam, e inclusive sobre o papel da nato, no desenvolvimento científico português.

Em relação à nato destaca-se a ação do seu «Comité Científico» (scom – Science Committee), em articulação com a portuguesa Comissão invotan e, depois, com a própria Junta Nacional de Investigação Científica e Tec nológica (jnict), que incorporará a referida comissão por portaria de 1970 (n.º 141/70)4.

Este estudo pretende, portanto, apontar para o papel da nato no desenvolvimento de uma cultura de política científica em Portugal, ainda que no circuito restrito de um conjunto de figuras da administração da ciência em Portugal. Importa-nos sobretudo não deixar salientar a experiência da «Comissão Coordenadora da Investigação para a nato» (Comissão invotan) em termos de coordenação da política científica, isto é, vindo em parte a contribuir para a criação da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (jnict), primeiro organismo de apoio à investigação científica exclusivamente consagrado às questões de coordenação (e/ou racionalização) da política científica nacional. Com efeito, a infiltração do princípio da coordenação5, preocupação que caracteriza uma conceção «moderna» de política científica, beneficiou, e em larga medida, da «dinamização, mais ou menos orientada, de projetos e programas»6sob o estímulo de organismos internacionais como a nato, em particular através do financiamento e gestão de diversos programas de formação avançada de recursos humanos – introduzindo-se por aí práticas de administração da ciência até então pouco interiorizadas.

 

GUERRA FRIA E INTERNACIONALISMO CIENTÍFICO

«[…] acredito que o “sistema da Guerra Fria não influenciou tudo, mas influenciou muita coisa”. A questão é que sem a tentativa de compreender estas relações mais profundas, corremos o risco de ignorar alguns aspetos da Guerra Fria»7

A historiografia já tem assinalado que a história da Guerra Fria compreende um período de duração, complexidade e ambiguidade assinaláveis, capaz de abarcar, portanto, perspetivas extraordinariamente diferentes8. Importa ter presente que as relações entre Guerra Fria, ciência, tecnologia e diplomacia têm sido extensivamente estudadas9. Salvo contributos indiretos, não é ainda o caso em Portugal10. Pode-se, inclusive, apontar que têm sido sobretudo académicos norte-americanos e, naturalmente, restringindo-se sempre aos aspetos da Big Science11e da diplomacia norte-americana.

A história da Guerra Fria tem sofrido algumas revisões, que, em particular, têm contribuído para a reconceptualização da própria Guerra Fria, hoje em dia tratada num amplo conjunto de aproximações e interpretações. Um dos capítulos que tem merecido interessantes contributos é precisamente o dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos12.

Odd Arne Westad referiu mesmo como planos de interpretação promissores na reformulação do entendimento historiográfico da Guerra Fria a ideologia e a tecnologia13.

Concordamos com o autor, nomeadamente quando observamos que no plano da ciência se cruzam precisamente essas duas dimensões, numa instrumentalização da materialidade tecnológica em prol de narrativas ideológicas e estratégicas de legitimação e afirmação do poder. Que a tecnologia não é neutral, tal como a ciência, inclusive no seu estado mais puro, já não é novidade na literatura de especialidade. Que existem discursos ideológicos subliminares, é a conclusão imediata da historiografia recente sobre a ciência e a tecnologia, claramente visível à luz do complexo político e militar (com ligações à indústria e ao meio académico) de financiamento programado à investigação e ao desenvolvimento tecnológico que ambas as potências promoveram durante os anos 1950 e 196014.

Como é amplamente compreendido, os anos seguintes à II Guerra Mundial caracterizaram-se por uma alteração global, geopolítica e organizacional, da ordem mundial15. É nesse ambiente que a ciência e a tecnologia, quer como retórica política quer como força produtiva, surgiram no palco dos assuntos internacionais no desempenho de um importante papel.

Na realidade, a literatura sobre o tema assinala que a profunda transformação dos assuntos mundiais, durante o segundo pós-guerra, se deveu em boa medida à ciência. Por um lado, a ciência despoletou «competição», por via da bomba atómica e da centralidade do conhecimento técnico-científico para o establishment militar. Por outro, a ciência trabalhou uma dinâmica de «cooperação», nomeadamente porque politicamente lhe foi reconhecida a qualidade de se poder configurar como um «efetivo instrumento de paz»16.

No que se refere ao primeiro aspeto, é necessário lembrar como no início da Guerra Fria a tecnologia nuclear esteve no centro do conflito17. A bomba (e depois o nuclear em geral) é sem dúvida um dos assuntos políticos inescapáveis de uma análise sobre a Guerra Fria18. A chamada geopolítica do nuclear legou uma noção que importa não perder de vista. Neste aspeto, James B. Conant19, a título de exemplo, terá sido o primeiro a considerar o alcance de longo prazo das novas armas, num ponto de vista que globalmente ponderava os critérios científico, político, diplomático e militar20.

A bomba foi entendida, antes de mais, como uma encenação de poder científico e industrial, e, igualmente, como a «última palavra» em termos de condução da diplomacia, tendo os políticos sedimentado a ideia de que o nuclear era uma garantia de dissuasão contra potenciais adversários21. Em geral, pode dizer-se que, na cúpula do poder da América, a crença era generalizada de que a destruição de Hiroxima era tanto necessária para a guerra como para a paz22. Seguindo também um raciocínio de John Lewis Gaddis, e indo um pouco mais além, fica então a ideia de que os políticos norte-americanos nunca depositaram esperanças no poder da bomba atómica para impedir o avanço do Exército Vermelho23; assim, prevaleceu sempre, entre as figuras cimeiras da Administração norte-americana, a tese de que a bomba tinha um papel essencialmente dissuasor, e seria sempre nessa medida que deveria ser explorada24.

Esta noção da bomba como tendo um papel essencialmente dissuasor teve, portanto, implicações a curto e longo prazo. Em primeiro lugar, implicou uma aposta da estratégia militar norte-americana na mobilidade das forças convencionais; em segundo, implicou a aposta numa estratégia preventiva, isto é, em políticas de distensão (em particular depois da Guerra da Coreia). Ou seja, a estratégia da dissuasão implicava que os Estados Unidos não ficassem para trás em nenhum setor, compreendendo portanto o know how técnico-científico, suporte de um complexo militar-industrial-académico que ficaria como legado do paradigma da Big Science.

Compreende-se assim o papel reconhecido ou atribuído à ciência e à tecnologia, que estaria na base da construção de uma política diplomática que tivesse presente uma estratégia de médio-longo prazo de distensão que garantisse, simultaneamente, um cenário internacional de paz e fortalecesse a posição norte-americana no palco internacional.

Desse modo, não apenas a tecnologia nuclear tem um lugar na história da Guerra Fria, mas também outras ligações e implicações existem entre a Guerra Fria e o desenvolvimento da ciência e da tecnologia25. Nos Estados Unidos, por exemplo, anos depois do conflito mundial, a despesa pública e privada em investigação e desenvolvimento industrial relacionava-se, direta e indiretamente, com projetos de defesa nacional. Áreas cruciais da tecnologia foram abertas através de financiamento relacionado com a defesa, tais como os sistemas de navegação, a exploração espacial, a eletrónica, as comunicações, etc., etc.26; todas elas marcando fases diferentes do período, as tais «variedades» da Big Science e, mesmo, algumas delas vindo, posteriormente, a contribuir para a forma como terminou a própria Guerra Fria (sendo exemplo paradigmático o das telecomunicações)27.

Resumindo, numa perspetiva histórica, parece interessante perceber que, se numa primeira fase do internacionalismo científico do segundo pós-guerra pareceu evidente a «centralidade do nuclear»28(«determinante do poder global»29), progressivamente equacionada para além dos fins militares, paulatinamente se foi instalando um internacionalismo científico de tipo tecnocrático30.

Assinale-se, porém, que até à data tem sido mais trabalhado o primeiro aspeto, a partir da «centralidade do nuclear» na diplomacia da Guerra Fria. Contudo, a cooperação científica e tecnológica teve uma proeminência igualmente importante, nomeadamente em programas de desenvolvimento, a partir da constituição de instituições internacionais, locais privilegiados de especialização tecnocrática, elaboração de programas de assistência técnica, formulação e sugestão de medidas de coordenação e harmonização de sistemas institucionais nacionais31.

No plano diplomático e estratégico foi-se afirmando, assim – progressivamente, não sem atravessar diversas vicissitudes e compromissos idiossincráticos, e inclusive confrontando-se com uma outra retórica tendencialmente militarista32–, a «ideia de cooperação científica» enquanto «assistência científica e técnica», sobretudo em projetos e programas que deveriam contribuir para o «desenvolvimento social e económico, a estabilidade política e a segurança internacional»33. Por outro, no contexto da Guerra Fria e no plano do discurso argumentativo das elites político-científicas, a aposta na ciência era também apresentada como, a médio-longo prazo, podendo vir a «confirmar a superioridade de sistemas político-económicos rivais»34.

Com efeito, na perspetiva da União Soviética, o futuro do socialismo foi associado à necessidade de competir com as realizações tecnológicas do chamado «imperialismo ocidental»35. Na verdade, por detrás da iminência de um conflito armado, a Guerra Fria legava a ideia de uma competição entre dois modelos, duas versões distintas de «modernidade», desempenhando nesse plano a ciência e a tecnologia um papel decisivo36.

Estamos, na realidade, a falar de um trajeto com impacto na evolução histórica das políticas científicas, daqui nascendo efetivamente uma política científica da Guerra Fria, um modelo progressivamente difundido mesmo, com repercussões nos moldes legitimadores das políticas para a ciência, pressionadas pela importância crescente da opinião pública, cada vez mais consciente de que a política de investigação passara a beneficiar, e em escala, dos recursos recolhidos junto do contribuinte. Sob este estímulo, e uma vez aberta a caixa de Pandora, a investigação passaria irremediavelmente a ter de se justificar em função de objetivos exteriores à ciência. No essencial, é de referir a constante necessidade de justificação da política científica, mormente em nome do interesse nacional; é ter presente a alteração dos próprios aspetos organizativos e institucionais, sobretudo a centralidade que a questão da coordenação à luz de uma agilização dos recursos científicos em nome do interesse nacional.

Em quase todas as sociedades industriais, em particular no Ocidente, este período correspondeu a uma acentuada mudança na forma como os governos passaram a olhar a ciência. Não que antes não fosse visível uma valorização cultural da ciência ou mesmo a existência de esquemas organizacionais e mesmo institucionais de promoção da ciência, inclusive promovidos pelo poder central. Todavia, a II Guerra Mundial veio dar um impulso importante, em particular na narrativa política do Ocidente e sobretudo no papel assumido pelo poder central, inclusive no que respeita ao volume e escala dos financiamentos alocados à ciência37.

Em suma, sabemos que o século xx foi um período em que se assistiu a uma aceleração dos pressupostos e princípios de afirmação de políticas científicas nacionais, período em que o Estado deliberadamente procurou organizar os recursos científicos, e em particular no interesse da nação. Neste aspeto, porém, foi o período da Guerra Fria que forçou o crescimento exponencial das relações entre as realidades tecnocientíficas, a política nacional e a geopolítica internacional. O resultado visível, no que se refere à ciência, foi a redução do espaço temporal entre a descoberta científica e a aplicação técnica. O resultado intangível foi a difusão subliminar, mais ou menos explícita, de inúmeras «visões da ciência»38– não cabendo aqui oportunidade de trabalhar tanto historicamente como filosoficamente este aspeto. Por fim, o resultado, no campo das relações internacionais, foi a construção do valor estratégico da ciência, crescentemente equacionada enquanto oportunidade geopolítica. Nestes vários vetores, parecem ter sido os norte-americanos a liderar este otimismo.

 

A NATO E A CIÊNCIA

O trajeto que leva ao envolvimento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (nato) nos assuntos científicos assenta em três aspetos: i) como vimos, a dinâmica política da Guerra Fria e que conduziu à afirmação e inserção retórica do «internacionalismo científico» no seio da diplomacia internacional durante os anos 1950 e 1960; ii) a interpretação dos princípios fundadores do próprio Tratado do Atlântico Norte; iii) a recriação da nato durante os anos 1960, inscrita na «filosofia» de consulta alargada consagrada no «exercício Harmel», que se insere, por sinal, na dialética de distensão que ciclicamente acompanhou a Guerra Fria39.

Assinado em 1949, o Tratado do Atlântico Norte foi inicialmente interpretado no sentido de fazer face à ameaça de uma nova guerra mundial e desenvolver meios de resolver disputas internacionais40. Contudo, a evolução da conjuntura internacional, dos equilíbrios da Guerra Fria veio proporcionar o aprofundamento de outras leituras em torno do Tratado do Atlântico Norte, e desde logo a partir de meados da década de 1950.

Nomeadamente, em torno do artigo 2.º, a referência a uma melhor compreensão dos princípios fundadores, bem como a referência à «promoção de condições de estabilidade e bem-estar»; esses dois aspetos vieram colocar questões sobre a perceção do Ocidente enquanto civilização (os seus princípios ou valores comuns, aquilo que ligava os membros do Pacto, para além da mera necessidade, conjuntural ou eventual, da defesa coletiva no campo militar) e, sobretudo, colocando questões sobre «consulta» e «cooperação» e, particularmente, sobre a «cooperação não-militar» ou mesmo a «cooperação económica».

Assim, logo em meados da década de 1950, o reconhecimento sobre a necessidade de melhorar e alargar a cooperação entre os Aliados nos campos não militares fez com que, em maio de 1956, o Conselho do Atlântico Norte nomeasse um comité constituído por três ministros dos Negócios Estrangeiros da Aliança – Lester B. Pearson do Canadá, Gaetano Martino da Itália e Halvard Lange da Noruega –, encarregue de formular recomendações e identificar oportunidades para a cooperação não militar.

É, efetivamente, com o conhecido «Relatório dos Três Sábios» que – elaborado a partir de encontros intergovernamentais e consultas diversas coordenadas pelos referidos ministros dos Negócios Estrangeiros – se abre toda uma nova área de cooperação entre os membros da nato, isto é, a área da «cooperação não militar».

No essencial, esse relatório aconselhava o aprofundamento e o fortalecimento da cooperação política dentro da Aliança, e particularmente no sentido de melhorar a coordenação das políticas económicas e de incentivar o intercâmbio cultural. No mesmo relatório, isolava-se já como «área de especial importância» para a Comunidade Atlântica a área da ciência e da tecnologia. O progresso neste campo era mesmo encarado como «crucial para o futuro» da nato41.

Assim, do impulso do Relatório dos Três Sábios nasceu o Comité Científico da nato (scom), ou, mais precisamente, no seguimento das recomendações do Relatório, aprovado pelo Conselho, foi resolvido nomear uma task force, em junho de 1957. Entre as recomendações, derivadas do trabalho dessa task force estava então a recomendação de se criar o scom e nomear um conselheiro científico para o secretário-geral da nato (será o secretário-geral assistente), o que veio efetivamente a acontecer.

Assim se criou o primeiro comité civil da Aliança Atlântica (scom). No entanto, o processo de abertura da Organização aos assuntos científicos prosseguiu durante os anos 1960, até ao momento em que se viria a criar um outro comité civil, o Comité para os Desafios à Sociedade Moderna (cdsm, 1969).

Tenha-se presente que a nato nos anos 1960 enfrentou uma aparente distensão das relações Este-Oeste, sobretudo na Europa, o que levou a Organização a procurar demonstrar, por um lado, que havia mais em causa do que a contenção da ameaça soviética e, por outro, que o desenvolvimento económico comprovaria a estabilidade e a harmonia política do bloco ocidental42.

Corolário desta lenta evolução em curso entre os fins da década de 1950 e os anos 1960, apenas aqui relatado sucintamente nos seus principais marcos, foi a chamada «doutrina Nixon»43. À imagem de um outro célebre discurso de um Presidente norte-americano, Dwight D. Eisenhower, de 1953 (8 de dezembro), que perante a Assembleia Geral das Nações Unidas deu o primeiro passo do programa «Átomos para a Paz»44, vindo a insuflar os setores do internacionalismo científico; um novo discurso do Presidente norte-americano (9 de abril de 1969) – desta feita perante o Conselho do Atlântico Norte, num momento em que a Aliança fazia vinte anos45–, veio reequacionar os assuntos científicos no plano das relações multilaterais, dando novamente voz aos circuitos do internacionalismo científico, e uma vez mais sob a liderança norte-americana46.

Um aspeto da política externa norte-americana a ter presente, e de certa forma transversal de Truman a Nixon, é que, em complemento às orientações de segurança regional do mundo ocidental, esteve sempre presente uma atitude de economia política perante as dinâmicas do processo de modernização. Neste plano, numa tentativa de conciliar «segurança e modernidade», em diversos momentos entenderam os norte-americanos que se devia ir além da estabilização do cenário político internacional e procurar, igualmente, o desenvolvimento das estruturas domésticas das regiões aliadas47.

Relembremos, em suma, enquadrando o lançamento do Programa de Ciência da nato, como foi visível a progressiva afirmação de um vetor de cooperação científica no contexto bipolar do período, desenvolvendo-se, vindo-se mesmo a consagrar enquanto oportunidade geopolítica, uma autêntica diplomacia científica no quadro da Guerra Fria. Uma oportunidade geopolítica que não passou despercebida aos estrategas dos membros do Pacto do Atlântico Norte, tanto na ótica da competição militar, tecnológica e económica entre os blocos, como sob o prisma de garantir a coesão interna da Aliança Atlântica.

 

A CRIAÇÃO DA COMISSÃO INVOTAN (1959)48

Em 1958 o Comité Científico da nato estabeleceu um programa de bolsas, lançando-se assim a Organização nos assuntos científicos; era, como vimos, uma perspetiva que via o progresso da ciência e da tecnologia como crucial para as nações da comunidade atlântica, nomeadamente complementando-se com as medidas de contenção próprias do quadro da Guerra Fria.

No ano seguinte surgiu a portuguesa invotan, composta por representantes setoriais e presidida pelo presidente da Junta de Energia Nuclear – José Frederico do Casal Ribeiro Ulrich49. Criada a 4 de agosto de 1959, era designada Comissão Coordenadora da Investigação para a invotan. Há que ter presente, antes de mais, que a Comissão invotan (inicialmente fora referida como invesnato) surge no contexto de uma série de outras comissões criadas no âmbito de um processo de reorganização da política de defesa em Portugal.

Assinale-se que segundo a Lei n.º 2084, que promulgou a organização geral da Nação «para o tempo de guerra», o Presidente do Conselho delegava poderes de coordenação no ministro da Presidência (depois ministro de Estado adjunto da Presidência do Conselho) e, igualmente, no ministro da Defesa Nacional. Assim, na base ix do diploma, definia-se que ao ministro da Presidência cabiam «poderes de coordenação e de direção relativos à preparação e execução da mobilização civil, nos domínios psicológico, científico, económico, administrativo, de assistência às populações e salvaguarda dos bens públicos ou particulares»50.

Na sequência desta disposição, o Decreto-Lei n.º 41 383 criava a Secretaria-Geral da Presidência do Conselho, compreendendo os seguintes serviços: a) Repartição Administrativa; b) Inspeção Superior do Plano de Fomento; c) Inspeção Superior da Mobilização Civil. Importa aqui notar que à Inspeção Superior da Mobilização Civil competia, enquanto serviço de «coordenação, estudo e inspeção», [artigo 4.º, 2.º ponto] «elaborar diretrizes gerais para a mobilização civil e a assistência e proteção [...] [das populações civis em caso de guerra]», «incluindo a mobilização dos recursos científicos da Nação, a mobilização industrial e da mão-de-obra e o abastecimento e repartição de matérias-primas e produtos industriais»51. Isto por um lado, pois, por outro, era reconhecido também, no que respeita à criação da invotan, que Portugal era «país-membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte, que se ocupa, a nível internacional, dos mesmos objetivos e das mesmas finalidades»52, em termos de política de defesa.

É então que deste enquadramento organizacional começam a ser propostas comissões para diversos aspetos que interessavam à Defesa, pelo menos oito – todas criadas num período entre 1957 e 1959 –, ainda que nem todas tenham tido correspondente na nato, embora à maioria tenha correspondido de facto a existência de um comité congénere na nato – ou então e apenas a um documento oficial de referência:

• Comissão Coordenadora da Mobilização da Aviação Civil (avcic), criada em 18 de novembro de 1957 (início de atividade em 11 de fevereiro de 1958);

• Comissão Coordenadora do Planeamento e Mobilização das Telecomunicações Civis (teleciv), criada em 20 de janeiro de 1958 (início de atividade em 9 de junho de 1958);

• Comissão Coordenadora da Mobilização dos Recursos Médicos e de Assistência (medassis), criada em 17 de fevereiro de 1958 (início de atividade em 2 de junho de 1958);

• Comissão Coordenadora de Assistência às Populações Civis (capociv), criada em 8 de maio de 1958 (início de atividade em 31 de julho de 1958);

• Comissão Coordenadora da Mobilização Industrial e da Mão-de-Obra (mobciv), criada em 8 de maio de 1958 (início de atividade em 30 de abril de 1959);

• Comissão Coordenadora da Salvaguarda dos Bens Públicos (salvaguarda), criada em 28 de julho de 1958 (início de atividade em 10 de abril de 1959);

• Comissão Coordenadora das Medidas Necessárias à Manutenção da Autoridade Governamental (autgov), criada em 18 de novembro de 1958 (início de atividade em 12 de novembro de 1958);

• Comissão Coordenadora da Investigação para a nato (invotan), criada em 4 de agosto de 1959 (início de atividade em 9 de outubro de 1959).

Em relação à invotan, tanto se procurou «dar cumprimento às disposições da lei, relativamente à mobilização dos recursos científicos da Nação», no âmbito da política nacional de defesa, como igualmente se pretendeu «assegurar a nossa representação no Comité Científico da nato e estudar e coordenar, no plano nacional, os assuntos afetos ao mesmo Comité»53, criando-se para tal a Comissão Coordenadora da Investigação Científica para a nato.

Posteriormente, aliás logo na primeira sessão da invotan (9 de outubro de 1959), viria a cair a designação «Científica», argumentando-se que a expressão «Científica» tornava a designação da Comissão demasiado restritiva. Por outro, assinalava também o representante do Ministério das Obras Públicas, o engenheiro Manuel Rocha54(também diretor do lnec) «a conveniência de ficar bem claro que o âmbito da Comissão abrange, não só a investigação científica como também a investigação aplicada»55. Parece evidente no seio da elite dirigente no campo da administração da ciência, em Portugal, um ambiente de tensa coexistência de diferentes agendas, as quais devemos percecioná-las à luz de um certo personalismo arreigado que caracterizava fortemente a comunidade científica portuguesa.

Assinale-se, porém, que o entendimento do Comité Científico da nato era de que se não contemplaria as chamadas ciências sociais e humanas. Para isso existia um outro departamento no seio da nato – o Comité de Relações Culturais. Inicialmente o escopo das bolsas era o da investigação fundamental (ou de base), que era a palavra de ordem da era pós-Sputnik, e preferencialmente no âmbito do núcleo duro das ciências (matemáticas, física, química). Haverá, contudo, uma abertura para investigação aplicada (ou aquilo que também se começou a chamar como «investigação fundamental tematizada»), criando-se uma política de programas e projetos transdisciplinares que veio valorizar áreas como a oceanografia, a meteorologia, as eco-ciências, etc., etc. Por outro, desde cedo no seio do Comité Científico da nato houve uma perceção de que a investigação militar deveria ser encaminhada para um comité próprio, o que veio a acontecer efetivamente em 1964.

Em relação ao processo de criação da invotan, importa dar conta com alguma minúcia, e até numa lógica documentalista, pois, na realidade, parte do desconhecimento contemporâneo em relação a este órgão decorre da forma como foi criado, dando azo a algumas imprecisões na literatura disponível sobre as instituições científicas portuguesas.

Há um primeiro documento, de datação e autoria incertas, apesar de em nota manuscrita se revelar ser um «Documento entregue pessoalmente» pelo então brigadeiro Carlos da Silva Freire56, na altura subchefe do Estado-Maior do Exército, ao ministro da Presidência Pedro Teotónio Pereira57(1958-1961). Intitulado A Investigação Científica para a Defesa Nacional, alinha uma série de notas, por pontos, que se revelam particularmente reveladoras daquilo que terá sido, em determinada altura, a tomada de consciência das autoridades portuguesas da situação desarticulada em que se conduzia a política científica do Estado58.

Este documento, apesar de frágil do ponto de vista da sua crítica interna, revela a situação do sistema de ciência e tecnologia na transição para a década de 1960, e não apenas no âmbito setorial da defesa. De facto, em termos gerais, assinale-se como à cabeça se chamou a atenção para a grande questão pendente da organização da ciência em Portugal: a questão da coordenação e o papel que o Instituto de Alta Cultura (1929-1936/1936-1952-1976) não desempenhava. Parece inclusive ter sido então a partir deste documento comprometida a ideia inicial, presente ainda em ofícios dos primeiros meses do ano de 1959, de se incumbir o Instituto de Alta Cultura no papel de agência nacional responsável pela administração dos fundos do Comité Científico destinados a Portugal.

Noutros pontos, reveladores do que era a situação do que atualmente se designaria como «sistema de ciência e tecnologia nacional», depreende-se o impacto que o financiamento estatal à área dos estudos de energia nuclear (1952-1954, 1954-) tinha tido no meio político-científico e mesmo militar português59, por um lado, e, por outro, a referência à emergência da Fundação Gulbenkian (1956), que se tornaria uma instituição científica e cultural de referência. Pelo meio, as ilusões que se tinham com o inii (1957, 1959-) também não deixam de estar presentes60. Por fim, é de destacar a perceção de que as «necessidades da Defesa transcendiam o âmbito militar».

Um aspeto que explica a razão da Comissão invotan ter de facto passado algo despercebida na história das instituições e políticas científicas em Portugal, e sobretudo na opinião pública nacional, no passado e até no presente, julgamos prender-se com o facto desta entidade não ter sido objeto de um diploma de constituição, um instrumento jurídico «institucionalizador», mas antes ter apenas sido objeto de um despacho manuscrito, que não foi publicado (em Diário do Governo)61.

É possível que a invotan não tenha sido inicialmente institucionalizada – em um instrumento jurídico – para contornar melindres, evitar conflitos e uma certa sobreposição das atribuições legalmente atribuídas ao Instituto de Alta Cultura. Com efeito, em sessão da direção do iac de novembro de 1959, a propósito da Comissão invotan, e depois de várias sessões em que se refere o tópico das bolsas do Comité Científico da nato, mas sem se adiantar nada de substancial, nessa sessão, ficou enfim a declaração de que se não devia deixar sem reparo «a progressiva redução das atribuições conferidas ao i.a.c., em contraste com o desenvolvimento que está a ser dado a outros organismos, o que parece traduzir uma falta de confiança na orientação do Instituto e do critério com que este concede as suas bolsas.»62 Mais, já no ano de 1961, a direção do iac mostraria estranheza pelo facto de as bolsas da nato serem atribuídas à margem de qualquer intervenção do Instituto63.

Enfim, foi numa informação da Inspeção Superior da Mobilização Civil que surgiu a proposta de criação da Comissão Coordenadora da Investigação para a nato (invotan), a criar-se na Presidência do Conselho e prevendo-se já uma constituição «interministerial», tendo como objetivo «o estudo e a coordenação, no plano nacional, dos assuntos afectos ao Comité Científico da Organização do Tratado do Atlântico Norte»64. Por fim, ao manuscrito sobre essa Informação 20/59, datada de 30 de julho de 1959, foi dada concordância pela mão de Teotónio Pereira à referida proposta que criava então a invotan65.

 

EM TORNO DA EXPERIÊNCIA INVOTAN

A Comissão invotan é um episódio no processo histórico de construção da política científica em Portugal. Qual o seu significado? Muitos têm já reconhecido que a invotan foi efetivamente uma etapa interessante nesse processo histórico de implantação da ideia de uma «política científica nacional»66. Antes, porém, importa perceber o que significava a «política científica nacional», expressão propositadamente equívoca.

A ambivalência era a seguinte: a «política científica nacional» ou a «política nacional de investigação científica e tecnológica» fazia eco do caráter nacionalista do regime e das suas elites políticas, acomodando a noção do interesse e da defesa nacional, tão aguda durante o período da Guerra Fria. Mas não era só. Sob o manto das oportunidades históricas jazia uma problemática, menos conhecida hoje, relativa ao tema his tórico da organização da ciência. Isto é, parece claro que no quadro de um regime demarcadamente nacionalista, acomodou-se bem a retórica de uma «política científica nacional», ainda que na prática isso viesse confrontar uma série de interesses estabelecidos. Ou seja, por detrás dos ventos da história, e das lógicas da Guerra Fria, bem como por detrás da natureza do regime, a ideia de uma política científica nacional, além da evidente oportunidade conjuntural, vinha na realidade voltar a insistir, depois de vários anos, na magna questão da coordenação.

Com efeito, como comprova um longo debate em torno das reformas do Instituto de Alta Cultura67, tenha-se bem presente que a questão da coordenação não era um assunto de mera organização administrativa; num meio arreigadamente personalista, como era o dos nichos da ciência durante o Estado Novo, era de facto, por motivos óbvios, uma aspiração polémica. Acompanhando, pelo menos desde os anos 1930, a assunção de um papel para o Estado no que respeita à promoção da ciência, mas juntando-se agora pressões exógenas de natureza diversa, a elite da administração da ciência em Portugal debateu em vários momentos68 a lógica da coordenação aplicada à «política científica nacional». Estamos a falar da coordenação enquanto preocupação da gestão dos recursos científicos e que tem sido entendida como estando no centro de uma conceção «moderna» de política científica – e na realidade motivo de implantação de uma segunda geração de instituições de política científica, à qual viria a pertencer a jnict69.

Especificamente, pouco se sabe sobre a Comissão invotan, sobretudo no que se refere aos contornos da sua ação. Sabe-se apenas o que significou a sua criação, enquanto novo estímulo para a coordenação da investigação científica em Portugal70. Ou seja, importará não perder de vista aquilo que terá sido a experiência proporcionada pela Comissão nato e pela participação no Programa de Ciência da Aliança, e, particularmente, em termos de difusão e afirmação da lógica de coordenação, tão cara à ideia de construção de um «sistema de ciência e tecnologia», durante este período, nomeadamente através de práticas de administração da ciência claramente diferentes daquelas que tinham marcado a existência tanto da Junta de Educação Nacional como dos institutos de Alta Cultura71.

Com efeito, do primeiro presidente da invotan, o engenheiro José Frederico Ulrich, logo nas palavras de abertura da primeira sessão da nova comissão, ficou registado ter manifestado (nessa sessão de 9 de outubro de 1959), depois de várias considerações sobre os objetivos desta Comissão, «a esperança de que ela venha a ser no futuro o embrião de um Organismo Coordenador de todas as actividades científicas nacionais»72.

A própria demissão de J. F. Ulrich, entre outros motivos de caráter pessoal, parece ter ficado ligada ao facto de essa evolução ter tardado. Segundo Leite Pinto, que viria a ser presidente da invotan a partir de abril de 1966 (depois de ter recusado o primeiro convite, em solidariedade com os motivos apresentados por Ulrich), contara como já em 1962 o engenheiro Ulrich se queixara do facto de a invotan não estar institucionalizada, defendendo «o ponto de vista de que era necessária – absolutamente necessária – a criação de um Organismo coordenador de toda a investigação científica nacional», registando inclusive que, nessa altura (em plenos anos 1960), «a falta de um organismo coordenador vinha sendo apontada por outras pessoas responsáveis»73.

Igualmente, no contexto da reunião de Lisboa do Comité Científico da nato (outubro de 1966) – e que revelou um envolvimento, pode dizer-se, assinalável por parte das autoridades portuguesas neste tipo de cooperação internacional –, a questão da coordenação e em particular da necessidade de um órgão coordenador volta a emergir. Segundo o Diário de Lisboa, nesse momento de receção ao Comité Científico da nato, a Aliança Atlântica aproveitou para promover no dia 14 de outubro, no Instituto de Medicina Tropical, um colóquio sobre a situação atual da investigação científica nos três países ditos «subdesenvolvidos» da nato (Portugal, Grécia e Turquia). Pretendeu-se nesse encontro apresentar soluções conducentes a um desenvolvimento da investigação nesses países – seguindo-se a lógica de que promovendo o desenvolvimento dos recursos científicos desses países se aprofundava a coesão da Aliança.

Sobre Portugal apresentaram relatórios António Gião74(da Faculdade de Ciências de Lisboa e do Centro de Cálculo Científico da Fundação Gulbenkian) e António Gouveia Portela75 (do Instituto Superior Técnico e do Centro de Investigação da cuf), respetivamente sobre investigação fundamental e investigação aplicada – portanto, categorias consagradas pelo «ocedeísmo»76 e importadas da metodologia «Frascati»77. A terminar as notas sobre esse colóquio, importa assinalar, entre outras ideias sugeridas para alavancar o nosso «sistema de c&t», como nos deixou a então relatora Beatriz Ruivo, algumas críticas à organização da ciência em Portugal, colocando-se então o problema nos seguintes termos e que sublinhavam uma vez mais a necessidade de coordenação:

«Existem em Portugal vários laboratórios dependentes de diferentes Ministérios, e em certos casos há uma sobreposição de esforços, daí nos parecer que era fundamental um organismo centralizador, um Ministério da Ciência, em que agrupados nele os próprios investigadores decidissem do caminho a seguir para o desenvolvimento da investigação.»78

Sem dúvida, a questão da coordenação é problemática premente da história da construção das políticas científicas, e o caso português não foge a esse problema, que foi identificado desde cedo como central na área de formulação de políticas estatais para a investigação científica79. Num país periférico e com escassos recursos, onde a noção de ausência de «massa crítica» esteve sempre latente, a ideia da coordenação era também o centro de um discurso simultaneamente estratégico e pragmático que se acomodava e convivia com outro discurso mais conservador, pouco atreito a esbanjar créditos do erário público com os assuntos da ciência e bastante preocupado com possíveis duplicações ou sobreposições institucionais, que poderiam, inclusive, ferir egos diversos de uma comunidade científica assente num personalismo arreigado.

Neste contexto, é plausível ter sido enfim no âmbito da Comissão invotan, e até conforme depoimento de Jaime da Costa Oliveira80, que Leite Pinto terá conseguido vencer uma batalha iniciada muitos anos antes, com o objetivo de ver criado, em Portugal, um organismo claramente vocacionado para a coordenação da investigação tanto científica como tecnológica, tanto a fundamental como a aplicada, articulando inclusive universidade e indústria e, assim, autorizado a imiscuir-se transversalmente em diversas zonas de influência (i. e., a jnict).

Insista-se no papel de Francisco Leite Pinto, de um já típico voluntarismo na conjuntura do Estado Novo. Leite Pinto foi, efetivamente, uma dessas figuras que, não obstante o ideário conservador e tradicionalista do regime e o seu inequívoco alinhamento com o regime, teve a clara noção da importância da ciência e da técnica, e em particular do palco da «ciência internacional», reportando-se, insistentemente, à necessidade de uma diplomacia nacional capaz de compreender a «alta importância para o País» dos problemas científicos que à «escala mundial» eram equacionados.

Igualmente, uma constante em Leite Pinto é uma clara perceção da voragem do devir histórico, nomeadamente sob o impulso da ciência e da técnica, vórtice que lhe levantava ainda outras preocupações de natureza político-filosófica, sobre «culturas em evolução», como gostava de referir, num meio de relações internacionalizadas determinadas por «jogadas rápidas», novas regras de um xadrez que vinha perturbar o calmeiro de uma sociedade e, em particular, de uma elite política enquistada num discurso de carateres «estáveis e mesmo imutáveis». A ciência e a técnica eram essas «novas culturas» que vinham obrigar a um reposicionamento do antigo discurso doutrinário das elites políticas do regime81.

Com efeito, sobre a posição de Oliveira Salazar no que respeita à ciência, o discurso veiculado não permitia criar grandes expetativas quanto ao apoio do Estado Novo a um projeto dessa natureza. De facto, se porventura o discurso de Oliveira Salazar assumira, inicialmente, uma feição «tecnocrática» defendendo que «a improvisação [cedeu] definitivamente o passo à preparação científica»82, falando da «inteligência preparada para a acção» e defendendo inclusive que «nunca se havia feito tão largo apelo à técnica nas suas várias especialidades; […] nunca se havia feito esforço comparável ao que se faz para pôr a ciência ao serviço dos interesses nacionais»83, colocando mesmo o esforço da ciência como «a primeira grande exigência do País em relação à escola»84; o mesmo discurso assumia outra vertente, a da necessidade de preservar os valores essenciais da Nação, construção ideológica que desde cedo foi vinculada à própria razão de existir do regime e que, pode dizer-se, prevaleceu politicamente sobre um setor mais industrialista e tecnocrático. É assim que, em discurso de abril de 1941, Salazar veio mostrar que a ciência e a técnica não eram tudo.

Poderia, aliás, ser célebre, de particularmente elucidativo, o trecho de um discurso de 1937, em que Salazar declarava não «seduzir» nem «satisfazer» «nem o luxo da técnica, nem a aparelhagem que diminua o homem, nem o delírio da mecânica, nem o colossal, o imenso, o único, a força bruta, se a asa do espírito os não toca», adiantando ainda que «(d)uma civilização que regressa cientificamente à selva separa-nos sem remissão o espiritualismo», no sentido de «a todo o transe preservar da onda que cresce no mundo a simplicidade de vida, a pureza dos costumes, a doçura dos sentimentos, o equilíbrio das relações sociais, esse ar familiar, modesto mas digno da vida portuguesa – e, através dessas conquistas ou reconquistas das nossas tradições, a paz social»85.

Ou seja, a partir deste discurso, antes de mais conciliador das forças e interesses presentes na sociedade portuguesa, compreende-se o género de permanências e de resistências e, daqui, a conveniência de levantar todo um conjunto de obstáculos à construção e à afirmação de lógicas e medidas de política científica, que ficavam assim estritamente dependentes de circunstâncias diversas, da influência das personalidades e, sobretudo, afastadas do cerne da economia política do Estado Novo.

Não obstante, como aludimos, a partir da influência de algumas personalidades, brechas foram-se abrindo, em particular durante os anos 1950 e 1960. E, neste aspeto, um manuscrito de Leite Pinto é suficientemente explícito:

«o Presidente Salazar, que embora não estivesse convencido de que a Ciência e a Tecnologia já orientam em grande parte a Política das Grandes Potências (que têm o Poder porque dispõem do Saber e da Técnica ao serviço de uma população sã de corpo e instruída (1) [em nota: “Esta arreigada convicção é do signatário, está bem de ver...?], aceitou que Portugal se não podia atrasar no desenvolvimento da investigação científica e tecnológica e que devia colaborar nos projetos de âmbito internacional»86.

Assim, no que respeita em concreto à experiência da invotan, uma autêntica janela de oportunidades, aberta na paisagem do conjunto das instituições científicas portuguesas (de certa forma à semelhança do que vinha possibilitando o projeto do nuclear), não é de facto difícil compreender como, a partir de «alguns pedidos que chegavam» à comissão portuguesa, se acabava por transcender «as respetivas competências», tendo-se assim gerado «a oportunidade de criação da jnict», então «aproveitada de modo sábio» por Leite Pinto (que a partir de 1966 será o presidente da invotan, acumulando o cargo com o de presidente da Junta de Energia Nuclear). Neste aspeto dos protagonismos, a vontade de Leite Pinto, confirmando um já típico voluntarismo que encontramos em algumas personalidades deste período do Estado Novo, deve pois ser realçada, tanto mais que o método por ele usado foi sempre o mesmo: i) a identificação da oportunidade; ii) a criação de um argumento ajustado à política governamental; e iii) a utilização da pressão dos organismos internacionais e dos atores nacionais relevantes87.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde a II Guerra a tendência tem sido para o crescimento da despesa pública em investigação e desenvolvimento (i&d), nomeadamente como resultado de políticas destinadas a emparelhar ciência e desenvolvimento económico tendo em vista um reforço substancial do crescimento económico88.

Um dos fenómenos mais visíveis deste processo foi a afirmação de cientistas, engenheiros e todo o género de especialistas no seio dos círculos do poder. Na realidade, proeminentes figuras científicas estiveram na base da assunção pelo Estado de uma responsabilidade no apoio à investigação científica e, consequentemente, na alocação de recursos do erário público a recém-criadas plataformas organizacionais destinadas à gestão e distribuição desses recursos.

Durante o período do entre-guerras as fórmulas organizacionais de apoio governamental à ciência foram maioritariamente nacionais, e as relações científicas nacionais decorriam de enquadramentos bilaterais, sobretudo vocacionados para o intercâmbio89. No entanto, no segundo pós-guerra e nas décadas subsequentes assistimos a uma proliferação de organizações científicas internacionais de diferentes âmbitos e, sobretudo, assentes numa lógica distinta das congéneres do entre-guerras90.

Numa conjuntura em que eram, portanto, visíveis forças de internacionalização, este autêntico movimento de «transnacionalização» baseou-se igualmente em forças de «racionalização e coordenação», que muito contribuíram durante os anos 1950 e 1960 para configurar e moldar os sistemas nacionais de política científica. Tem-se defendido que essas forças transcenderam as fronteiras nacionais e lograram instalar-se tanto por natureza intrínseca da ciência como por via dos contextos económicos e políticos, quer nacionais quer internacionais91.

Daqui se compreende como o contributo dos organismos internacionais para a difusão de uma cultura de política científica e de administração da ciência teve um lugar importante na história das instituições e políticas do Estado português. É, portanto, enquanto força de «racionalização e coordenação» que devemos apreender a influência dos organismos internacionais na construção da política de ciência em Portugal, construída assim historicamente enquanto «síntese de impulsos»92, ora endógenos ora exógenos.

Se há aspeto que esta história pôde iluminar, por via da forma como historicamente alguns dirigentes portugueses abordaram a cooperação científica internacional, é a questão do valor estratégico da ciência. A partir dessa perceção houve, de facto, um reforço deste capítulo das relações externas a partir da segunda metade da década de 1950 e, sobretudo, a partir dos finais da década de 1960, o que não passou despercebido à diplomacia portuguesa.

A terminar, pretendemos com este trabalho demonstrar o potencial de estudo das insuficientemente exploradas ligações entre ciência e poder político, entre administradores de ciência e diplomatas, inclusive convergentes no interesse da segurança nacional93. Procurámos apresentar novas perspetivas sobre a forma como a ciência e a política externa se relacionaram, e inclusive como é que a partir da cooperação internacional no quadro das relações científicas veio criar-se um novo papel profissional para figuras de formação científica94. Estes pontos emergentes, contudo, não se encontram nem totalmente estudados nem esgotam os enfoques pertinentes de um cruzamento entre a história da ciência – e sobretudo das políticas de ciência – e a história das relações internacionais.

 

NOTAS

1Sobre a «emergência» (ou construção) da política científica em Portugal, nomeadamente a perceção de compreender globalmente e numa perspetiva histórica a instituições e políticas científicas portuguesas, cf. Brandão, Tiago – A Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (1967-1974). Organização da Ciência e Política Científica em Portugal. Dissertação de mestrado em História Contemporânea. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2008.         [ Links ]

2Henriques, Luísa – The Dynamics of a National System of Innovation and the Role of the Non-Profit Space: Portugal as a Research Laboratory. Dissertação de doutoramento em Economia e Inovação. Lisboa: iseg, 2006;         [ Links ] Gonçalves, Maria Eduarda – «Ciência II – A construção da política científica em Portugal 1967-1997». In Portugal nas Artes, nas Letras e nas Ideias. 45-95, Lisboa: Centro Nacional de Cultura, 1998, pp. 245-261;         [ Links ] Ruivo, Beatriz – As Políticas de Ciência e Tecnologia e o Sistema de Investigação. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1998.         [ Links ]

3Gago, José Mariano, Abreu, Armando Trigo de, Correia, Augusto Melo, Rodrigues, Maria de Lurdes, e Pereira, Sandra – «A ciência e a defesa em Portugal – Elementos para uma agenda de estudos futuros». In BARATA, Manuel Themudo e TEIXEIRA, Nuno Severiano (Coord.) – Nova História Militar de Portugal, Lisboa: Círculo de Leitores, 2004, vol. v, p. 492.         [ Links ]

4Diário do Governo. 1.ª Série, N.º 60, 12 de março de 1970.

5Compreenda-se, porém, que a lógica da coordenação aplicada à política científica não decorreu apenas da experiência invotan. É de sublinhar, também, a experiência que o percurso e respetiva criação e ação da Junta de Energia Nuclear (1952/1954-) igualmente propiciou, bem como a ação que o próprio Instituto de Alta Cultura (enquanto descendente da Junta de Educação Nacional de 1929) não deixou de desempenhar no campo da organização da ciência já desde os remotos anos 1930. Cf. os trabalhos de Jaime da Costa Oliveira, mas em particular Rollo, Maria Fernanda, Queiroz, Maria Inês, e Brandão, Tiago – «Pensar e mandar fazer ciência. Princípios e pressupostos da criação da Junta de Educação Nacional na génese da política de organização científica do Estado Novo». In Ler História. N.º 61, 2011, pp. 105-145;         [ Links ] Rollo, Maria Fernanda, Queiroz, Maria Inês, Brandão, Tiago, e Salgueiro, Ângela – Ciência, Cultura e Língua em Portugal no Século XX. Da Junta de Educação Nacional ao Instituto Camões, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2012.         [ Links ]

6Gago, José Mariano, Abreu, Armando Trigo de, Correia, Augusto Melo, Rodrigues, Maria de Lurdes, e Pereira, Sandra (Coord.) – «A ciência e a defesa em Portugal – Elementos para uma agenda de estudos futuros», p. 484.         [ Links ]

7Westad, Odd Arne – «Bernath lecture: the new international history of the Cold War: three (possible) paradigms». In Diplomatic History. Vol. 24, N.º 4. Malden, MA-USA, Oxford, UK: Blackwell Publishers, 2000, p. 564.         [ Links ]

8Gaddis, John Lewis – The Long Peace: Inquiries into the History of the Cold War. Nova York: Oxford University Press, 1987, p. 3.         [ Links ]

9Krige, John, e Barth, Kai-Henrik – «Introduction: science, technology, and international affairs: new perspetives». In KRIGE, John, e kai-henrik, Barth (coord.) – Osiris. N.º 21 – Global Power Knowledge. Science and Technology in International Affairs. Chicago: University of Chicago Press Journals, 2006, p. 3;         [ Links ] Reynolds, David – «Science, technology, and the Cold War». In LEFFLER, Melvyn P. e WESTAD, Odd Arne (coord.) – Cambridge History of the Cold War. Cambridge: Cambridge University Press, 2010, vol. 3, pp. 378-399.         [ Links ]

10Assinale-se, sem dúvida, os importantes contributos da historiografia portuguesa que antecedem, e portanto viabilizaram, a possibilidade de se poder agora configurar uma área de pesquisa sobre as relações e diplomacia científicas. Em particular, Maria Fernanda Rollo tem desbravado aspetos da história da diplomacia económica até então insuficientemente explorados. António José Telo, por seu lado, chamara já a atenção para se aprofundar a dimensão política da Aliança Atlântica, nomeadamente no quadro da narrativa histórica. No quadro específico da diplomacia científica e das relações científicas, a historiografia portuguesa creio ter, porém, ainda muito que explorar, embora seja de destacar que as possibilidades de investigação têm sido identificadas por estas aproximações pioneiras. Ou seja, embora as relações e diplomacia científicas não tenham sido objeto de estudo específico, muitos autores têm percebido e compreendido a existência do tema. Realçaria em particular um artigo de Rollo, Maria Fernanda – «Inovação e produtividade: o modelo americano e a assistência técnica americana a Portugal no pós-guerra». In brito, J. M. Brandão de, heitor, Manuel e rollo, Maria Fernanda (Coord.) – Momentos de Inovação e da Engenharia em Portugal no Século XX, Lisboa: Dom Quixote, 2004, vol. 1, pp. 41-82.         [ Links ] Tenha-se igualmente presente a dissertação de doutoramento da mesma autora, rollo, Maria Fernanda – Portugal e a Reconstrução Económica do Pós-Guerra. O Plano Marshall e a Economia Portuguesa dos Anos 50. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 2004 (publicada na coleção «Biblioteca Diplomática»,         [ Links ] Ministério dos Negócios Estrangeiros, 2007). Em relação a António José Telo, assinalaria passagens importantes nos seguintes textos: «Portugal, os eua e a nato (1949-1961)». In Regimes e Império: As Relações Luso-Americanas no Século XX, Lisboa: flad, 2006, pp. 45 e segs.; «Portugal e a nato: 1949/61 e 1961/76». In AaVv – Portugal e os 50 Anos da Aliança Atlântica, 1949-1999, Lisboa: Ministério da Defesa Nacional, 1999, p. 71.

11Entenda-se Big Science – «catchphrase» dos anos 1960, atribuída a Alvin M. Weinberg, físico nuclear norte-americano, diretor do Oak Ridge National Laboratory, durante e depois do Manhattan Project , enquanto termo que consagra a escala e a natureza dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos da Guerra Fria. Apesar de difícil de definir precisamente, o termo encontra-se conotado com uma combinação de volumosos financiamentos, grandes equipamentos, equipas alargadas de investigadores, com um enfoque específico em algumas áreas-chave, cruzando ciência pura, tecnologia e engenharia. Reynolds, David, One World Divisible: A Global History Since 1945. Londres: Allen Lane, 2000, p. 495;         [ Links ] Galison, Peter, e Hevly, Bruce(eds.) – Big Science: The Growth of Large-Scale Research. Stanford: Stanford University Press, 1992;         [ Links ] Leslie, Stuart W. – The Cold War and American Science: The Military-Industrial-Academic Complex at MIT and Stanford. Nova York: Columbia University Press 1993.         [ Links ]

12Westad, Odd Arne – «Bernath lecture: the new international history of the Cold War: three (possible) paradigms», pp. 551 e 565.

13Ibidem, p. 551.

14Ibidem, p. 554.

15Miller, Clark A. – «“An effective instrument of peace”: scientific cooperation as an instrument of us foreign policy, 1938-1950». In krige, John, e kai-henrik, Barth (coord.) – Osíris. N.º 21 – Global Power Knowledge. Science and Technology in International Affairs. Chicago: University of Chicago Press, 2006, p. 133.         [ Links ]

16Ibidem, p. 133.

17Westad, Odd Arne – «Bernath lecture: the new international history of the Cold War: three (possible) paradigms», p. 557.

18Leslie, Stuart W. – «Science and politics in Cold War America». In JACOB, Margaret C. (coord.) – The Politics of Western Science. Atlantic Highlands, N.J.: Humanities Press, 1992, p. 207.         [ Links ]

19James B. Conant, figura particularmente envolvida na evolução do programa americano de armas nucleares, que atuara enquanto conselheiro no Manhattan Project, fazendo de intermediário entre a Casa Branca, por um lado, e os cientistas/académicos, industriais e militares envolvidos no projeto, por outro.

20Hershberg, James – James B. Conant: Harvard to Hiroshima and the Making of the Nuclear Age. Nova York: Knopf, 1993, p. 5.         [ Links ]

21Ibidem, p. 280.

22Ibidem, p. 282.

23Gaddis, John Lewis – The Long Peace: Inquiries into the History of the Cold War, p. 112.

24Ibidem, pp. 104 e segs.

25Westad, Odd Arne – «Bernath lecture: the new international history of the Cold War: three (possible) paradigms», p. 557.

26Ibidem, p. 558.

27Ibidem, p. 558. Vide ainda os trabalhos de David Reynolds.

28Krige, John – «Atoms for peace, scientific internationalism, and scientific intelligence». In KRIGE, John, e KAI-HENRIK, Barth (coord.) – Osiris. N.º 21 – Global Power Knowledge: Science and Technology in International Affairs.         [ Links ]

29Krige, John, e Barth, Kai-Henrik – «Introduction: science, technology, and international affairs: new perspetives», pp. 5 e segs.

30A morte de Estaline (março de 1953), o fim da Guerra da Coreia (julho de 1953) e o lançamento do programa «Átomos para a Paz» (dezembro de 1953) deram uma nova oportunidade ao espírito de cooperação científica internacional. O internacionalismo científico nesta primeira fase pode ainda ter como referências cronológicas o lançamento do primeiro satélite pelos soviéticos (Sputnik – outubro de 1957) e o International Geophysical Year (1957-1958).

31Ibidem, p. 133.

32Maria Fernanda Rollo deu já nota de uma fação conservadora norte-americana, que pretendia uma política externa (no que respeita ao programa de auxílio europeu) baseada numa política de defesa e rearmamento – «Inovação e produtividade: o modelo americano e a assistência técnica americana a Portugal no pós-guerra», p. 43 e segs.

33Miller, Clark A. – «“An effective instrument of peace”: scientific cooperation as an instrument of us foreign policy, 1938-1950», p. 148.

34Krige, John – «Atoms for peace, scientific internationalism, and scientific intelligence», p. 180.

35Westad, Odd Arne – «Bernath lecture: the new international history of the Cold War: three (possible) paradigms», p. 557.

36Ibidem, p. 556.

37Por exemplo, em plenos anos 1930, na União Soviética a percentagem do pibterá atingido então um por cento, enquanto na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos registou 0,1 e 0,4. Nos Estados Unidos, no pós-guerra o Steelman Report definirá a meta de um por cento do pibpara a investigação e as atividades de desenvolvimento experimental e tecnológico. Assim, nos Estados Unidos, os 0,5 por cento do pibseriam atingidos em 1945, valor que passaria para cerca de três por cento nos anos 1960, em pleno apogeu da Big Science. A ocde virá a defender uma meta de um por cento desde os anos 1960, valor definido como fronteira para os países desenvolvidos e que até há bem pouco tempo era a meta em Portugal; entretanto, porém, a Comissão Europeia, em 2002, adotou a meta dos três por cento. Apenas para dar uma noção, Portugal atingiu 1,02 por cento do pibapenas em 2006 – em 1986 ainda andava nos 0,36 por cento; em 1997 estava nos 0,59 por cento. Os Estados Unidos, por seu lado, desde os anos 1980 que estabilizaram nos 2,5-2,7 por cento – passadas portanto as euforias tecnológicas da Guerra Fria.

38Cholakov, Valéry – «Visions of science in the twentieth century». In Beyond the Science Wars: The Missing Discourse about Science and Society. Albany, Nova York: State University of New York, 2000, pp. 123-134.         [ Links ]

39Schmidt, Gustav – «Fifty years of nato as history: perspectives on the tasks ahead». In A History of NATO: The First Fifty Years. Nova York: Palgravre, 2001, vol. 1, p. 7;         [ Links ] Gaddis, John Lewis – Strategies of Containment: A Critical Appraisal of Postwar American National Security Policy, 1982.         [ Links ]

40Evidentemente, num plano interpretativo, o pacto veio confirmar a hegemonia norte-americana no final do conflito mundial, e, naturalmente, servindo esse desiderato da política externa norte-americana; embora, ao mesmo tempo, o Tratado do Atlântico Norte também tenha proporcionado, na perspetiva das nações europeias, uma plataforma de contenção dessa hegemonia americana no palco das relações internacionais.

41NATO – Report of the Committee of Three on Non-Military Cooperation in nato, «”Official Texts” published on the website», 1956. [Consultado em: 15 de novembro de 2011] Disponível em: http://www.nato.int/cps/en/natolive/official_texts_17481.htm

42Schmidt, Gustav – «Fifty years of nato as history: perspetives on the tasks ahead», p. 7.

43Ibidem, p. 116.

44Krige, John – «Atoms for peace, scientific internationalism, and scientific intelligence», pp. 161-181.

45Arquivo da Presidência do Conselho de Ministros (apcm), jnict, Problemas do Meio Ambiente, cx. 2, proc. G-24. 2, Discurso do Presidente Norte-Americano Richard Nixon ao Conselho do Atlântico Norte, datado de 10 de abril de 1969.

46Litwak, Robert S. – Détente and the Nixon Doctrine. American Foreign Policy and the Pursuit of Stability, 1969-1976. Cambridge: Cambridge University Press, 1984, pp. 1 e segs.         [ Links ]

47Ibidem, p. 192.

48Atente-se que o presente estudo não pretendeu ser uma monografia sobre a Comissão invotan, órgão que merecia, só por si, um estudo rigoroso assente na metodologia da história institucional e, em particular, a realizar a partir do fundo documental à guarda da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (fct). Ver dissertação de mestrado em História Contemporânea (ihc) de Paulo Vicente intitulada, precisamente, A Comissão invotan, realizada sob a orientação científica da Prof. Doutora Maria Fernanda Rollo, fcsh – unl, 2012.

49José Frederico Ulrich (1905-1982) formou-se pelo Instituto Superior Té-cnico de Lisboa (1928), colaborando desde cedo com Duarte Pacheco. Fez carreira no Ministério das Obras Públicas, numa época de intensas realizações, vindo mesmo a ser ministro (1947-1954), dando continuidade à obra de Duarte Pacheco. Entre as suas realizações na passagem pelo Governo, assinale-se as construções do Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Em 2 de abril de 1954 deixou o Governo para ser nomeado presidente da Junta de Energia Nuclear, então criada, onde ficaria até 1961, vindo a ser a partir desse momento presidente ex officio da Comissão invotan. Figura respeitada, pertenceu à Câmara Corporativa (procurador desde 1954 a 1955, e vice-presidente 1969-1974).

50Diário do Governo. 1.ª Série, N.º 172, 16 de agosto de 1956.

51Diário do Governo. 1.ª Série, N.º 265, 22 de novembro de 1957.

52Arquivo Histórico da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (ahfct), Fundo invotan, ofício n.º 433/mc/59, endereçado de 11 de agosto de 1959. Várias cópias iguais a este ofício, que em concreto era remetido para o Ministério das Obras Públicas, foram enviadas aos diferentes ministérios, a representar-se na Comissão invotan, comunicando a criação da invotan pelo despacho do ministro da Presidência de 4 de agosto de 1959.

53Ibidem.

54Manuel Coelho Mendes da Rocha (1913-1981) foi um prestigiado professor catedrático do Instituto Superior Técnico e fundador do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (lnec), e diretor do mesmo laboratório entre 1954 e 1974. Em 1941 organizara o Centro de Estudos de Engenharia Civil, posteriormente integrado no lec/lnec (1947). Entre vários cargos, foi também vice-presidente da Comissão de Estudos de Energia Nuclear (1955-1969).

55Ministério dos Negócios Estrangeiros, Arquivo Histórico-Diplomático (mne – ahd), Fundo «Arquivo da Delnato (Bruxelas)», Reuniões do Conselho – Comité Científico, maço 49, proc. n.º 2, 2.4, Ata-resumo invotan-r/1, da primeira sessão datada de 9 de outubro de 1959.

56Carlos da Silva Freire (1907-1961) formou-se no Colégio Militar ascendendo sucessivamente na hierarquia militar. Nos anos 1930 e 1940, relativamente próximo do regime do Estado Novo, participaria em diversas missões, que o levaram a presenciar algumas batalhas da Guerra Civil de Espanha e da Frente Leste da II Guerra Mundial. Frequentou as faculdades de Direito e de Letras de Lisboa (1938-1939) e o Curso de Estado-Maior do Instituto de Altos Estudos Militares. Integrado no Estado-Maior do Exército, será professor catedrático da Escola do Exército (junho de 1943 a dezembro de 1944), bem como professor dos cursos de Estado-Maior no iaem (-1961). Sucessivamente promovido, frequenta diversos cursos de formação no estrangeiro (Intelligence Corps School e Maresfield Camp, em Inglaterra, Curso Superior de Guerra, em Paris). Durante a visita de Franco a Portugal, em outubro de 1949, foi nomeado oficial-às-ordens do general Juan Vigón, um protagonista do programa de energia nuclear espanhol. Depois de fazer um estágio no Estado-Maior francês, vem a chefiar a 3.ª Repartição (Organização) do Estado-Maior do Exército e, mais em concreto, ocupou-se da montagem orgânica da «Divisão nato». Por esta altura, tem frequentes relações com instâncias da nato, sobretudo em Inglaterra e na Alemanha, por causa de assuntos de tecnologia militar, nomeadamente acompanhando a evolução de «domínios de ponta» na balística, no nuclear e na informática. Foi então nomeado presidente de uma Comissão Coordenadora de Investigação para a Defesa (ccid), cuja história se mantém ainda largamente desconhecida. Terá mantido, ao que parece, estreita cooperação com o engenheiro José Frederico Ulrich, enquanto este foi presidente da Junta de Energia Nuclear. Terá mesmo sido credenciado, desde 1957, como podendo manipular informação nato classificada, vindo inclusive a ser nomeado Autoridade Nacional de Segurança. Embora nunca tenha atravessado o Atlântico, terá ido a frequentes reuniões nato na Europa. Por fim, contrariando a imagem de militar de gabinete do Estado-Maior do Exército, depois da eclosão do conflito em Angola e da «abrilada» do general Botelho Moniz, recebeu ordem para comandar a Região Militar desse território. Acabará por falecer no trágico acidente da aeronave Dakota, no Chitado (Angola, 10 de novembro de 1961).

57Pedro Teotónio Pereira (1902-1972) era considerado próximo de Oliveira Salazar e um pensador do corporativismo do Estado Novo. Foi subsecretário de Estado (1933-1936) e ministro do Comércio e Indústria (1936-1937). Desempenhou ainda um papel importante enquanto embaixador de Portugal em Espanha junto do governo do general Franco, durante a II Guerra Mundial. Após as suas missões diplomáticas, viria a pertencer à administração da Fundação Calouste Gulbenkian, a partir de 1956 – com intervalo no período em que foi ministro da Presidência, voltando ao mesmo cargo após 1961.

58apcm, jnict, Comissão Coordenadora da Investigação para a o.t.a.n., cx. 2, proc. G-24. Paulo Vicente, na sua investigação de mestrado, esclarece que Silva Freire já transmitira estas notas a Botelho Moniz. Preocupado com a «incapacidade de resposta nacional às iniciativas multilaterais», o que desprestigiava o País, e nomeadamente devido ao facto de o Secre-tariado-Geral da Defesa Nacional se encontrar em perfeito alheamento em relação às iniciativas scom, e portanto no seguimento de sugestão prévia de Silva Freire, o então ministro da Defesa Nacional terá dado o primeiro passo oficial ao solicitar junto de Teotónio Pereira a criação de uma Comissão Coordenadora de Investigação Científica – Carta de Botelho Moniz ao Ministro da Presidência, 25 de fevereiro de 1959. Documento do Arquivo da Defesa Nacional (adn). Cf. Vicente, Paulo – A Comissão invotan, p. 49 e segs.

59Fora, com efeito, criada no iac, em 1952 (por Despacho do Ministério da Educação Nacional de 10 de outubro), uma Comissão Provisória de Estudos de Energia Nuclear, com grande protagonismo do Prof. Eng.º Francisco de Paula Leite Pinto (que já desde a década de 1930 se encontrava ligado à jen e depois ao iac). Deste núcleo, criado no seio do iac, nasceria o projeto de criação da Junta de Energia Nuclear (Decreto-Lei n.º 39 580, de 29 de março de 1954).

60O Instituto Nacional de Investigação Industrial foi criado pela Lei n.º 2089, de 8 de junho de 1957, e na dependência do Ministério da Economia. No entanto, vítima de impasses, o inii viria a ser criado apenas pelo Decreto-Lei n.º 42 120, de 23 de janeiro de 1959, junto da Secretaria de Estado da Indústria e com sede em Lisboa. O inii obedecia a um modelo assente no conhecimento tecnológico e na produtividade, um modelo que, em Portugal, terá resultado, sobretudo, do impacto da Agência Europeia de Produtividade, embora a partir do European Recovery Program (Plano Marshall), conforme mostrou Maria Fernanda Rollo, se pressionasse já os governos europeus para a criação de Centros Nacionais de Produtividade. Rollo, Maria Fernanda– «Inovação e produtividade: o modelo americano e a assistência técnica americana a Portugal no pós-guerra», p. 45.

61apcm, jnict, Comissão Coordenadora da Investigação para a o.t.a.n., cx. 2, proc. G-24, Nota/Relatório para o Ministro de Estado Adjunto da Presidência do Conselho, com data de 2 de outubro de 1968.

62Arquivo do Instituto Camões (aic), Livro de Actas da Direcção do Instituto de Alta Cultura de 1956 a 1960, acta da 95.ª Sessão da Direcção do iac de 6 de novembro de 1959.

63aic, Livro de Actas da Direcção do IAC de 1960 a 1963, acta da 113.ª Sessão da Direcção do iac de 11 e 25 de outubro de 1961.

64apcm, jnict, Comissão Coordenadora da Investigação para a o.t.a.n., cx. 2, proc. G-24, Informação n.º [20/59], emitida pela Inspeção Superior da Mobilização Civil, assinada pelo técnico de 2.ª classe Rogério Batista Canha e Sá, e destinada ao secretário Geral da Presidência do Conselho, a despacho do ministro de Estado adjunto da Presidência do Conselho, na altura ainda ministro da Presidência, Pedro Teotónio Pereira, com data de 30 de julho de 1959.

65Ibidem.

66Henriques, Luísa – The Dynamics of a National System of Innovation and the Role of the Non-Profit Space: Portugal as a Research Laboratory, pp. 141 e segs.; Ruivo, Beatriz – As Políticas de Ciência e Tecnologia e o Sistema de Investigação, pp. 92 e segs. e 280 e segs.

67Rollo, Maria Fernanda, Queiroz, Maria Inês, Brandão, Tiago, e Salgueiro, Ângela – Ciência, Cultura e Língua em Portugal no Século XX. Da Junta de Educação Nacional ao Instituto Camões, pp. 145 e segs., pp. 195 e segs. e pp. 210 e segs.

68Câmara, António de Sousa da, A Planificação. Separata de Revista Agronómica, 1949; em particular veja-se Parecer n.º 21/V, Constituição e Regulamentação do Conselho Superior das Investigações Científicas e das Relações Culturais (Projeto de decreto-lei n.º 512), Relator Marcelo Caetano (Presente ao Governo em 7 de novembro de 1951), pp. 253 e 255.

69A partir do período do final dos anos 50, e depois durante os anos 60, os «sistemas nacionais de ciência» atravessaram um momento em que, em parte devido ao choque do Sputnik (primeiro satélite artificial, outubro de 1957, lançado pela União Soviética), se (re)equacionaram os pressupostos das suas políticas científicas o que, do ponto de vista institucional, conduziu a uma profunda reestruturação da organização da ciência, mormente tendo em vista uma coordenação das investigações e inclusive tendo em vista, em termos genéricos, uma maior racionalização dos recursos nacionais. Em Espanha, regista-se a criação da Comisión Asesora de Investigación Científica y Técnica (caicyt), em 1958 e, em 1963, surgia ainda outra entidade de coordenação, a Comisión Delegada del Gobierno de Política Científica. Naturalmente nos Estados Unidos houve desenvolvimentos nesse sentido (Special Assistant for Science and Technology, em 1957, depois o Federal Council for Science and Technology, em 1959, e, mais tarde, no gabinete executivo do Presidente, um Office of Science and Technology, em 1962). Também em França se assistiu à criação de um esquema organizacional claramente preocupado com a coordenação e racionalização dos recurso científicos e técnicos nacionais – um Comité Interministériel de la Recherche Scientifique (cirs, em 1960), um Comité Consultatif de la Recherche scientifique et technique (ccrst, em 1962), e uma Délégation Générale de la Recherche Scientifique et Technique (dgrst, em 1961). Com o mesmo propósito, na Grã-Bretanha criava-se mesmo um Ministério para a Ciência (em 1959), que, contudo, não viria a contar com ministério, apenas com ministro. Para mais bibliografia de orientação, cf. Brandão, Tiago – A Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (1967-1974). Organização da Ciência e Política Científica em Portugal, p. 61, nota 220.

70Compreenda-se, porém, que a criação da invotan não foi o único episódio que contribuiu para a implantação dessa lógica da coordenação aplicada à política científica. Assim, além da experiência da invotan, é de sublinhar também a experiência, em termos de prática administrativa, que o percurso e respetiva criação e ação da Junta de Energia Nuclear (1952/1954-) igualmente propiciou; bem como, em certos aspetos, a ação que o próprio Instituto de Alta Cultura (enquanto descendente da Junta de Educação Nacional de 1929) não deixou de desempenhar no campo da organização da ciência já desde os remotos anos 1930. Entre estas instituições científicas existiam porém, claramente, diferenças quanto ao grau de implicação do Estado e de envolvimento e concertação de atores públicos. Vide os trabalhos de Jaime da Costa Oliveira, mas em particular Rollo, Maria Fernanda, Queiroz, Maria Inês, e Brandão, Tiago – «Pensar e mandar fazer ciência. Princípios e pressupostos da criação da Junta de Educação Nacional na génese da política de organização científica do Estado Novo»; Rollo, Maria Fernanda, Queiroz, Maria Inês, Brandão, Tiago, e Salgueiro, Ângela – Ciência, Cultura e Língua em Portugal no Século XX. Da Junta de Educação Nacional ao Instituto Camões, 2012.

71Por exemplo, tenha-se presente que, à imagem da Junta de Energia Nuclear, a invotan funcionou com um esquema organizacional de representação setorial, ensaiando-se em órgão colegial uma prática de coordenação entre os diversos ministérios e respetivos serviços e entidades tuteladas.

72mne – ahd, Fundo «Arquivo da Delnato (Bruxelas)», Reuniões do Conselho – Comité Científico, maço 49, proc. n.º 2, 2.4, Ata-resumo invotan-r/1, da primeira sessão datada de 9 de outubro de 1959.

73A apcm, pc-gsepe, jnict, pt/sgpmc/aos/361/8, Ofício n.º 264, remetido pelo presidente da jnict, Prof. Eng.º Francisco de Paula Leite Pinto, ao Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, datado de 4 de fevereiro de 1970.

74António Gião (1906-1969), formado pelas universidades de Coimbra (1923-1925) e de Estrasburgo (1925-1927), era engenheiro geofísico e de ciências físicas com trabalhos de relevo na previsão do tempo e na astrofísica (desenvolvidos em Bergen e em Paris), que lhe conferiram, então, renome internacional nas questões da meteorologia e da geofísica. Desempenhou algumas missões de natureza científica e fez parte da Commission Internationale pour l’Étude des Nuages e da Commission Internationale de Climatologie. Até 1940 residiu em Paris, onde trabalhou no Office National Météorologique de France. Foi professor catedrático da Faculdade de Ciências de Lisboa e dirigiu até à data da sua morte o Centro de Cálculo Científico da Fundação Calouste Gulbenkian.

75António Gouveia Portela (n. 1918) formou-se em engenharia pelo Instituto Superior Técnico (1940) e frequentou cursos de Engenharia Nuclear na Reator School de Horwell. Catedrático do Instituto Superior Técnico de Lisboa, onde orientou o Laboratório de Ensaios, manteve contactos estreitos com industriais, tendo sido diretor de investigação da Companhia União Fabril e engenheiro do Laboratório de Ensaios Mecânicos do Instituto Português de Combustíveis.

76Miranda, Sacuntala de – Portugal e a O.C.D.E.: Expansão Económica e Planificação Educativa, Coimbra: Atlântida Editora, 1978, p. 6.         [ Links ]

77A metodologia Frascati constitui o primeiro corpo de categorias, conceitos e tipologias definido para a prossecução de estudos estatísticos na área da «Investigação e Desenvolvimento» (I&D). Foi de um Colóquio da ocde realizado em Frascati (Itália), entre 17 a 21 de junho de 1963, para revisão e aprovação do trabalho que viria a ser publicado com o título La Mesure des Activités Scientifiques et Techniques. Méthode Type Proposée pour les Enquêtes sur la Recherche et le Développement, que nasceu então o principal manual de estatística para a área da I&D., e que viria a ficar conhecido como Manual de Frascati. A ocde foi sem dúvida outro fórum internacional que contribuiu largamente para a implantação de lógicas de «racionalização e coordenação» na prática político-administrativa da organização da ciência em Portugal.

78Ruivo, Beatriz – «A investigação em Portugal – reunião do Comité Científico da nato em Lisboa». In Diário de Lisboa. Ano ii, N.º 72, 1966, pp. 17-18.         [ Links ]

79Brandão, Tiago – A Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (1967-1974). Organização da Ciência e Política Científica em Portugal; Rollo, Maria Fernanda, Queiroz, Maria Inês, Brandão, Tiago, e Salgueiro, Ângela – Ciência, Cultura e Língua em Portugal no Século XX. Da Junta de Educação Nacional ao Instituto Camões,.

80Jaime da Costa Oliveira (1939-) licenciou-se em Ciências Físico-Químicas pela Universidade de Lisboa (1961) e doutorou-se em Física Nuclear pela Universidade de Paris (1969). Além de uma vasta experiência profissional no setor dos laboratórios do Estado, em particular na área da energia nuclear, tem importante obra no âmbito da história da energia nuclear em Portugal – A Energia Nuclear em Portugal. Uma Esquina da História. Santarém: O Mirante, 2002; O Reactor Nuclear Português. Fonte de Conhecimento, Santarém: O Mirante, 2005.

81apcm, jnict, cx. 2, proc. G-24, Parecer jnict n.º 1 052, datado de 14 de novembro de 1969, endereçado ao ministro de Estado Adjunto, Eng.º Alfredo Vaz Pinto, pelo próprio presidente da jnict, Francisco de Paula Leite Pinto.

82Salazar, António de Oliveira– «A escola, a vida e a Nação». In Discursos e Notas Políticas, vol. i (1928-1934), Coimbra: Coimbra Editora, [s. d.], pp. 302-303.         [ Links ]

83Ibidem, pp. 302-303.

84Ibidem, p. 303.

85Ibidem, p. 277.

86apcm, pc-gsepe, jnict, pt/sgpcm/aos/g-370/3, Nota sobre a instalação da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, com dupla datação de 7 e 9 de fevereiro de 1970, assinada por Francisco de Paula Leite Pinto, seu presidente, em que se relata algumas etapas da instalação da jnict, bem como alguns aspetos do seu funcionamento.

87Em conversa e depoimento de Jaime da Costa Oliveira – 7 de maio de 2010.

88Crawford, Elisabeth, Shinn, Terry, e Sorlin, Sverker – «The nationalization and denationalization of the sciences: an introductory essay». In Crawford, Elisabeth, Shinn, Terry, e Sorlin, Sverker (Coord.) – Denationalizing Science: The Contexts of International Scientific Practice. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 1993, p. 22.         [ Links ]

89Ibidem, p. 23.

90Ibidem, p. 24.

91Ibidem, p. 25

92Gago et al., «A ciência e a defesa em Portugal – Elementos para uma agenda de estudos futuros», p. 492.

93DOEL, Ronald E. – «Scientists as Policymakers, Advisors, and Intelligence Agents: Linking Contemporary Diplomatic History with the History of Contemporary Science». In SÖDERQUIST, Thomas (coord.) – The Historiography of Contemporary Science and Technology. Amsterdão: Harwood Academic 1997, p. 216.         [ Links ]

94Ibidem, p. 216.