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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.35 Lisboa set. 2012

 

Tucídides no século xx? Teoria e praxeologia em Raymond Aron

Thucydides in the 20th century? Theory and praxeology in Raymond Aron

 

José Augusto Colen

Licenciado em História pela fcsh – unl, doutorado em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Católica Portuguesa. Foi docente no isec, Lisboa, até 2011 e é, atualmente, investigador convidado no cespra da ehess em Paris.

 

RESUMO

A maioria dos livros políticos de Raymond Aron nas vésperas da Guerra Fria oscila, como a obra de Tucídides, entre a meditação do passado e a prospetiva. Contudo, se é indubitável que o modelo grego o inspirou, Aron não deixou de formular as questões teóricas subjacentes numa grande obra sistemática: a Paix et guerre entre les nations. Este texto procura seguir a génese do modelo de análise subjacente à obra e depois fazer uma breve descrição da sua estrutura, em níveis diferentes. Se bem o interpretámos, Aron desejava construir essa «praxeologia», assente numa lógica combinatória que não envolve necessariamente modelos quantitativos, mas que possa servir de orientação ao estadista ou ao homem político.

Palavras-chave: Raymond Aron, Paix et Guerre entre les nations, Tucídides, praxeologia

 

ABSTRACT

Most of the political books of Raymond Aron on the eve of the Cold War hesitate, as the work of Thucydides, between meditation of the past and prospective. However, if there is no doubt that the Greek model inspired him, Aron did not fail to formulate the theoretical issues underlying this meditation in a large systematic work: Paix et guerre entre les nations. This paper aims to follow the genesis of the analysis model, underlying the work, and then make a brief description of its structure, at different levels. If we interpreted him correctly, Aron wanted to build a “praxeology”, a combinational logic that does not necessarily involve quantitative models and that could serve as a guide for the statesman or politician.

Keywords: Raymond Aron, Paix et Guerre entre les nations, Thucydides, praxeology

 

GÉNESE: BUSCA DE UM MODELO DE ANÁLISE

Tucídides justificava a sua obra com a necessidade de aprender as lições dos acontecimentos, mas nunca explicitou as lições aprendidas com a Guerra do Peloponeso1. A maioria das obras políticas de Raymond Aron escritas nas vésperas da Guerra Fria também oscila entre a meditação do passado e a prospetiva2. São livros de uma história que busca guiar a ação política. É difícil dizer que contêm uma visão sistemática. No entanto, revelou-se impossível ao autor investigar tão longamente o fenómeno da guerra sem formular a teoria subjacente3.

A origem das interrogações teóricas pode estabelecer-se, depois dos livros Le Grand schisme4 e Les Guerres en Chaîne5, num conjunto de artigos dos anos 1950 sobre a metodologia das relações internacionais6. Nesses artigos, onde começa a definir a base conceptual da sua teoria, enumera as questões que uma análise das relações internacionais deve incluir: político-estratégicas, ou político-ideológicas7. E, a partir das variáveis fundamentais que definem o campo diplomático, desenvolve uma análise combinatória das respostas possíveis.

Finalmente, em 1962, esses ensaios acabam por dar origem a uma grande obra teórica e sistemática. É a Paix et guerre entre les nations, a «obra-prima», comparável ao trabalho que os oficiais das corporações apresentavam para se elevar à categoria de mestres8. O centro dessa teoria é uma provocação à ideia, politicamente correta, da Unesco de que «a guerra começa nos corações dos homens».Aron crê que a guerra deve ser antes conceptualizada como fenómeno específico, que ocorre em todas as civilizações, ainda que sob formas muito diferentes, e propõe-se fazer uma sociologia histórica. O conteúdo do livro começa a tomar forma numa conferência de 1957 na London School of Economics, onde parte da afirmação de Comte acerca da incompatibilidade entre a sociedade industrial e a guerra. O texto propriamente dito nasce nas lições da Sorbonne nos anos de 1958 («a teoria») e de 1959 («a sociologia»)9, que se vertem nas primeira e segunda partes da obra. As lições são emitidas pela Radio Sorbonne e transcritas. Em 1960-1961 está de licença sabática em Harvard e, quando regressa, redige depressa as secções sobre a «história» e a «praxeologia».Estas quatro partes, a teoria (conceitos e sistemas), a sociologia (busca de determinantes e regularidades), a história (da idade atómica), e a praxeologia (teoria ou antinomias da ação diplomática e estratégica), que constituem o grosso das densas páginas do extenso livro, são precedidas de uma introdução longa, que desenha os diferentes níveis de análise, e termina com uma nota final, que é uma crítica das aplicações da teoria dos jogos às relações internacionais. É uma construção imponente como uma catedral gótica e é certamente a sua obra mais ambiciosa. Mesmo que à morte julgue ter exagerado o alcance do seu contributo, não há dúvida que tentou elaborar uma referência teórica para a política internacional. As relações internacionais eram já uma disciplina académica nos Estados Unidos. Contudo, se «tempos conturbados incitam à meditação»10, nenhuma «grande obra», dizia ele, tinha surgido ainda comparável à República e à Política, suscitadas pela crise da cidade grega, ou ao Leviatã e ao Tratado Teológico-Político que nascem no período das guerras de religião11. Embora já não faltassem livros e manuais, estes tendiam a ser descritivos, e «nenhuma ciência se limita a descrever ou narrar»12. Os especialistas, como em todas as disciplinas científicas, desejam «atingir proposições gerais, criar um corpo de doutrina»13, distinguindo regularidades e aspetos acidentais. Para isso não basta a referência ao quadro espacial ou geográfico, utilizado pela geopolítica, então corrente. Outra limitação das obras então existentes é que os teóricos (como Morgenthau) tendiam a concentrar-se nos elementos racionais da estratégia e Aron, pelo contrário, defende que se deve procurar uma perspetiva sociológica, incluindo também os aspetos «irracionais», que permita superar a dicotomia entre realismo maquiavélico e idealismo ou moralismo14. Aron, procedendo da análise formal à determinação das causas e à aplicação a uma conjuntura singular, a idade atómica, «espera exemplificar um método, aplicável a outros objetos»15 da teoria política. Começa por tentar clarificar qual o objeto da teoria. As relações internacionais não têm fronteiras traçadas na realidade, mas as outras ciências humanas, como a economia, não as têm também. As relações entre estados exprimem-se pelas ações de «indivíduos simbólicos», o soldado e o diplomata16, e possuem um traço específico que a define: a «sombra da guerra». Enquanto no interior do Estado há monopólio da violência legítima, aos estados reconhece-se a legitimidade da guerra. Esta é a diferença essencial entre a política interna e a externa: a primeira assenta sobre a subordinação do homem ao governo da lei, a última aceita a pluralidade dos centros da força armada e visa «a simples sobrevivência dos estados face à ameaça virtual criada pela existência dos outros estados»17. Quer dizer, em termos hobesianos, que os estados ainda não saíram do estado de natureza18.

Raymond Aron define em seguida os níveis de análise a aplicar a este objeto, teoria, sociologia, história, e praxeologia, por analogia com a economia ou o desporto19, para concluir que não há apenas um objetivo (maximização da utilidade, vitória), mas vários fins. Palavras equívocas como «interesse nacional», que ora significam segurança, ora poder, podem esconder mas não apagar essa pluralidade, que obsta a uma ciência que seja um mero cálculo dos meios. Oque não impede de elaborar uma teoria do tipo racional, mas «na ausência de um objetivo unívoco da conduta diplomática, a análise racional das relações internacionais não está em posição de se transformar numa teoria global»20.

Anotemos aqui uma ideia que parece essencial. É costume observar que «a ciência política assumiu com frequência que o homem político persegue o interesse público. A economia assume que todos os homens perseguem os seus interesses privados»21. As tentativas de aplicar os métodos da economia à esfera política aceitam o pressuposto de que o comportamento dos agentes é racional e interesseiro. Tal como na economia esta «simplificação é necessária para a previsibilidade do comportamento»22. Justificar-se-ia porque os comportamentos não racionais não formariam nenhum padrão. Outros autores não são tão taxativos23, mas a preocupação (aqui expressa por Mueller) em manter um só «modelo de homem» e evitar uma situação «Hyde e Jeckill» está muito difundida entre os autores que buscam uma ciência social quantificada24.

Aron, ao invés, não só não deseja evitar tal dicotomia, como defende a ideia ainda que o homem é «muitas coisas», estratega, diplomata, governante, cidadão, e persegue fins diferentes em diferentes áreas. Oque não obsta à descrição de padrões de comportamento, nem impede a sua «estilização» conceptual. Defende mesmo a incorporação das dimensões não racionais na formação de modelos de ação. É nesse sentido que fala da sua teoria da guerra como um trabalho de «sociologia histórica»25.

 

ESTRUTURA: UMA TEORIA COM DIFERENTES NÍVEIS

A primeira parte da obra começa por uma discussão dos conceitos26. Aron parte da definição de guerra de Clausewitz, «ato de violência para compelir o oponente a fazer a nossa vontade»27, para mostrar que a distinção entre estratégia, arte de vencer, e diplomacia, arte de convencer, é apenas relativa, comportando ambas um elemento psicológico: só está vencido aquele que se reconhece como tal. Depois distingue as guerras absolutas das guerras reais – por exemplo: diferentes armas se usam em diferentes circunstâncias – e a reciprocidade da relação entre guerra e intenções políticas. Se a guerra é «a política por outros meios», não só a política governa a conceção do conflito no seu conjunto, mas orienta a condução das batalhas concretas. Inversamente, é igualmente verdade que as políticas se adaptam aos meios disponíveis.

Desejando evitar equívocos e falsas analogias verbais, distingue poder, força e potência28: o poder político é uma relação humana, a força é o conjunto dos meios, as armas do Estado; os estados que reconhecem as respetivas soberanias não têm poder ou autoridade sobre os outros. Esta destrinça parece-lhe fundamental. Em controvérsia com Morgenthau tenta depois uma enumeração, que não seja historicamente datada, dos «fatores de potência» e sugere três: o meio geográfico; os recursos; a capacidade de ação coletiva. Todos estes fatores contribuem para a «potência do Estado», que depende tanto do teatro de operações, como da sua capacidade para usar os meios que tem à sua disposição. O mesmo aparelho conceptual pode servir também para a análise das unidades políticas em tempo de paz. Os meios considerados legítimos, todavia, alteram-se em tempo de guerra. Em paz, ainda assim, uma «diplomacia total» inclui meios económicos, infiltrações (balcanização), métodos psicológicos (violência simbólica) e o favorecimento da guerrilha ou do terrorismo.

As tentativas de quantificação, todavia, parecem-lhe votadas ao fracasso: o conceito de potência, mesmo claramente definido, escapa à medição, que se rodeia sempre de incertezas29.

Aron ensaia também uma enumeração dos fins visados na política externa: segurança, poder e glória, que têm como objeto, respetivamente, o espaço, os homens e as almas e que lhe parecem «supra-históricos» ou mesmo «eternos». Todavia, «se a conduta diplomática nunca é apenas determinada pela relação de forças, se a potência não é o âmbito da diplomacia como a utilidade a da economia, então a conclusão legítima é que não há teoria geral das relações internacionais, comparável à teoria geral da economia»30.

O autor conclui a teoria com a caracterização dos sistemas internacionais. «Sistema internacional», na sua definição é «o conjunto constituído pelas unidades políticas que mantêm, umas com as outras, relações regulares e que são suscetíveis de ser implicadas numa guerra geral»31. É o cálculo das forças face a uma guerra possível, tal como é feito pelos principais estados, que define a configuração desse sistema. O seu primeiro traço é ser sempre oligopolístico: há uns poucos atores que têm o poder de determinar o sistema, em vez de apenas o «sofrer» passivamente. A sua configuração resulta da combinação de duas variáveis: a relação de forças (multipolar ou bipolar são formas típicas)32 e a homogeneidade do sistema (unidades da mesma natureza ou distintas)33. É importante relembrar que a teoria de Aron, formada no contexto de um mundo bipolar, é uma das poucas teorias de relações internacionais, incluindo as formalizações baseadas no jogo entre dois players, que resistiu bem à sua dissolução, porque desde o início identificou esse sistema como uma «constelação transitória»34.

Os sistemas multipolares assentam em diferentes equilíbrios, que podem ser invertidos por alterações das alianças. A Grécia da Guerra do Peloponeso é paradigma dessas inversões. Mas a própria Europa, desde o fim das guerras de religião até à Revolução Francesa, constitui um sistema internacional multipolar e homogéneo: a balança das potências é constituída por monarquias absolutas com alianças entre si. Desde 1945, porém, o sistema internacional é bipolar e muito heterogéneo, apesar de a Carta das Nações Unidas reconhecer a todos os estados uma homogeneidade jurídica artificial e atribuir um assento igual na sua assembleia a estados-continentes e a pequenas nações quase tribais.

Devem distinguir-se claramente os sistemas internacionais dos sistemas «transnacionais»35, que abarcam os fenómenos que se incluem hoje sob a designação de «globalização», económica ou cultural. Estes últimos são constituídos por relações entre os «indivíduos» que constituem os estados e são reguladas pela lei internacional privada. A sociedade helénica de Tucídides, baseada em trocas comerciais, migrações, crenças comuns e organizações (jogos, oráculos) que atravessam fronteiras, seria um caso típico.

O sistema internacional, por contraste, é regulado, não por leis privadas, mas pela lei internacional pública, que assenta em tratados entre estados. Ambas as leis podem parecer semelhantes aos juristas, mas há uma diferença significativa: a lei internacional não tem interpretação indisputada nem sanções efetivas. Pode declarar-se uma guerra ilegal e considerá-la um crime36, como se fez aquando da Liga das Nações, mas não passa de um formalismo jurídico, rapidamente abandonado, se não há possibilidade de obrigar à aplicação da lei.

Raymond Aron esforça-se por enunciar os elementos que definem uma configuração de forças, ora bipolar, ora multipolar: i) a caracterização dos atores; ii) a mobilização de recursos; iii) a natureza dos conflitos; iv) o diálogo entre as potências. E os que definem a homogeneidade ou heterogeneidade dos sistemas: i) a extensão; ii) os regimes políticos; iii) a rivalidade ou diálogo. E analisa as regras ou princípios da estratégia37. Todos estes fatores são complementares entre si e desenham uma «constelação histórica», na qual se dá uma dialética da paz e da guerra.

Registe-se o uso da expressão «constelação» para designar um agregado individual e irrepetível, de recorte conceptual. Estas constelações não são objetos, são recortes sobre o real, como os «tipos ideais» weberianos, e traduzem-se, quando muito, numa categorização. Uma tipologia desse género pode, por exemplo, considerar três tipos de paz: por equilíbrio, por hegemonia, ou pelo império. E também três tipos de guerra: interestadual, imperial, ou infraestadual. Na guerra o «princípio» definidor é tradicionalmente a potência. Mas a mudança da tecnologia de guerra acrescenta outros dois princípios possíveis: a paz pelo terror, e a paz por satisfação38. A «lei dos antagonismos» traduz-se em estratégias de dissuasão, persuasão e subversão. Na interseção destes princípios encontra-se a «Guerra Fria»39. Esta é essencialmente diferente das outras constelações históricas do passado, porque nunca houve até então um sistema internacional à escala do planeta.

No segundo nível de análise, Raymond Aron procura descobrir os determinantes por detrás da aparente anarquia das relações internacionais – espaço, população e recursos – e segue o percurso das «regularidades» sociológicas em três âmbitos: nações, civilizações e a humanidade.

O protótipo deste género de análise, hoje clássico no âmbito dos estudos empíricos sobre a democracia, é o da relação entre regime e guerra ou regime e crescimento económico40. Para Aron, os resultados da observação:

«não comportam senão lições negativas. Deveriam pôr em guarda atores e historiadores contra as perspetivas sistemáticas e parciais; não nos proporcionam nenhuma proposição geral, lei ou constância, relativa à conduta estratégico-diplomática seja acerca de um tipo de unidade política, seja de um regime económico, social ou militar»41.

Contra Spengler e Toynbee também não deteta padrões óbvios na evolução das civilizações42, para além da banalidade de que nascem e morrem. E, num ensaio de antropologia da guerra43 contesta que do reconhecimento de que o homem é agressivo por natureza se possa deduzir que faz a guerra por instinto. É talvez contrário à natureza humana que o perigo da violência seja definitivamente removido, porque os homens preferem às vezes a revolta à humilhação44, mas daqui só decorre que não têm fundamento nem os mitos otimistas, nem os pessimistas.

A «catedral gótica» a que comparámos a sua teoria inclui ainda, como arcos botantes assentes nos contrafortes, um nível histórico sobre a conjuntura da Guerra Fria. Apalavra «História» é enganadora: na terceira parte da Paix et guerre retoma a análise dos efeitos que as novas bombas atómicas têm sobre o panorama estratégico, que embora não alterem nem a natureza dos homens, nem a das unidades políticas45, têm no entanto consequências importantes sobre as suas relações. A secção histórica da obra é pois sobretudo uma análise das convenções não escritas da Guerra Fria.

 

PRAXEOLOGIA: ENTRE OS CONSELHOS AOS PRÍNCIPES, O ESTUDO DOS MEIOS E A PAZ PERPÉTUA

A abóbada da construção, todavia, é o esforço por delimitar o que pode ser a dimensão política prática ou normativa que se deduz da teoria.

Uma teoria não é um acumulado de enunciados. Se é capaz de desvendar um «mecanismo», torna-se capaz de retirar corolários práticos46. [Toda a teoria em ciências sociais]

«contém em si implicações normativas. Mas segundo a natureza das condutas humanas de que a teoria é a compreensão sistemática, a passagem das proposições de facto aos imperativos reveste um caráter diferente e os imperativos são conselhos, mais ou menos incertos, ou preceitos, fundados sobre regularidades ou evidências»47.

Para Raymond Aron uma teoria das relações internacionais não pode senão ter o primeiro tipo de corolários normativos, o que poderíamos chamar «conselhos aos príncipes» por oposição ao saber dos «confidentes da Providência» que julgam deter o segredo íntimo da realidade política. Esta possui, ao menos, dois motivos de indeterminação: a existência de situações singulares e irrepetíveis e a pluralidade dos fins48.

A última parte da obra debruça-se, portanto, sobre as antinomias que resultam de uma história violenta e de um ideal pacífico. Começa por abordar a oposição, comum sobretudo na literatura americana (Kennan, Morgenthau), entre idealismo e realismo no âmbito internacional49, e depois o problema do pacifismo nas circunstâncias da idade termonuclear50. Estes textos são uma apologia da prudência, virtude do estadista, que considera a situação particular, prefere a limitação da violência à punição, e é capaz de definir objetivos alcançáveis e não destituídos de sentido ou formulados como slogans («um mundo seguro para a democracia»). Condena no mesmo ato o pacifismo absoluto, preferindo uma moral da responsabilidade à moral da convicção.

Os capítulos que dedica ao problema dos meios, i. e., a esboçar uma estratégia que tenha as melhores hipóteses de sucesso, dado o duplo objetivo de não originar uma guerra total e não sucumbir51, são escritos a partir da perspetiva das democracias liberais. Formulam o núcleo de uma praxeologia para um mundo bipolar. Os textos finais, mais filosóficos, sobre a paz pela submissão à lei internacional e a paz pelo império, procuram examinar as condições de submissão dos estados à lei. A solução alternativa seria a submissão a um império completo. Ambas lhe parecem utopias contrárias à natureza do homem: não há sociedade sem inimigos.

O modelo teórico de Aron deve muito à escola americana de relações internacionais, mas revela também uma forte influência do esforço de teorização da guerra de Clausewitz52. Mais tarde, porém, reconhece que a utilização que fizera dos modelos do autor prussiano, quer na Espoir et peur du siécle, quer na Paix et guerre, o tinha deixado insatisfeito53. Por isso regressará a Clausewitz, em busca de uma teoria da praxis que deixe espaço para a mudança histórica, o acaso e a paixão humana54. A segunda parte desta nova obra será uma análise do tratado em função de três antíteses ou pares de conceitos: meios e fins, moral e física, defesa e ataque; e a terceira parte é uma análise do que chama a «teoria projetada»: a análise das relações entre teoria e leis, teoria e história e teoria e doutrina55. Esta nova obra contém talvez o exemplo mais acabado do que poderia vir a ser uma teoria política de corolários normativos (uma praxeologia).

A contribuição de Raymond Aron para o estudo das relações internacionais é provavelmente um dos aspetos da sua obra melhor estudados56. Hoffmann afirma que, por contraste com os estudos anglo-saxónicos, a teoria aroniana é simultaneamente mais audaciosa e mais modesta. A audácia está na apresentação de uma teoria geral a partir do que considera a especificidade das relações internacionais57. A modéstia radica não só no enfraquecimento do poder determinante do sistema internacional sobre as unidades, mas sobretudo na ideia de que é impossível transformar a disciplina num ramo de ciência hipotético-dedutivo de forma matemática análogo à economia58.

Quando Aron escreve os primeiros textos propriamente teóricos59 este território é até então ocupado essencialmente por historiadores e juristas, menos frequentemente por economistas. Em França este terreno foi, pode dizer-se, desbravado por Aron60, mas a sua abordagem é também original quando comparada com os estudos americanos que o precedem: é mais vasta e mais subtil. De facto, impressiona a vastidão de horizontes, que não foge ao diálogo com as grandes obras de filosofia política clássicas, incluindo Hobbes, Rousseau, Espinosa e Kant.

Com uma linhagem «realista» ou pragmática que se inicia em Tucídides, Maquiavel, Hobbes ou Weber e representada pelos contemporâneos Hans Morgenthau e George Kennan, Aron compartilha a importância atribuída à força, à necessidade do seu cálculo, a natureza utópica de uma «moral da lei» ou de uma paz pelo direito, o peso reconhecido aos fatores geopolíticos e até uma certa «personificação» da inteligência do Estado. Diferencia-se da Realpolitik porque não crê na busca do poder pelo poder, como essência de toda a política, distinguindo entre os equívocos do poder interno e externo, potência como fim e como meio, e desmistificando conceitos como o de «interesse nacional» e análogos, que considera essencialmente ideológicos.

Também não retira consequências normativas fortes, ao contrário dos teóricos americanos: as lições da história são precárias. Nem sequer considerava firme a distinção entre «variáveis endógenas e exógenas»61, porque não se podem reduzir as relações entre os estados a meras relações de força. Considera, sobretudo, que duas questões, a natureza do regime e a ligação entre guerras civis e interestaduais, têm grande poder explicativo. Por outro lado, distingue mais claramente o campo interestadual do sistema económico mundial, que refere antes à sociedade transnacional e não avalia como um jogo de soma nula. Por isso, também não pertence à chamada «escola da interdependência», que mistura os dois domínios – devido ao ceticismo de Aron em relação à subjacente teoria do imperialismo, no fundo leninista.

O distanciamento da escola realista, contudo, não o insere na escola moralista ou idealista, à maneira de Kant, mesmo se nunca perfilha o amoralismo realista, nem a moral do combate62. Com efeito, levanta tanto «o problema maquiavélico», o dos meios legítimos, como «o problema kantiano», o da paz universal. As consequências normativas da teoria são definidas pela antinomia entre ideal pacífico e história violenta, as restrições da ação do homem de Estado «responsável pelos interesses do seu país num mundo onde o recurso à força continua a ser possível e legítimo, e a exigência moral que protesta contra a anarquia sangrenta do meio internacional e aspira à paz universal»63.

Mas exaspera-se face às receitas fáceis do idealismo pacifista, que ignoram o peso das restrições da ação e creem ser possível resolver o problema político de uma vez por todas. Estranha as análises do observador situado em Sirius. Põe-se na posição do homem de ação e pergunta-se sobre «o que faria?», sabendo que não há obrigação moral de fazer o impossível. Tem, mesmo assim, uma moral a propor, a moral da sabedoria, e extrai corolários normativos concretos, ainda que situados numa conjuntura definida, talvez não universalmente válidos64. Cada um dos problemas «comporta múltiplas soluções, nenhuma absurda, nem perfeita»65. O que não significa que todas sejam equivalentes e que tout comprendre c’est tout excuser. A razão não pode apreciar os arranjos complexos de um sistema político segundo um único critério, mas nem por isso deve abdicar gratuitamente dos seus poderes66.

E Aron também não conclui que seja fecunda a aproximação da teoria política à ciência económica, nomeadamente pela utilização de conceitos como a «lógica da escolha», o princípio do equilíbrio67, ou variáveis exclusivamente quantitativas. Chega a afirmar que tal género de modelos «não oferece uma imagem simplificada ou esquemática das condutas políticas, deforma, falsifica essas mesmas condutas»68. Na sua visão, embora se possam livremente definir quaisquer modelos, desde que sejam a posteriori testados, tais modelos não estão de acordo com o sentido subjetivo que os agentes atribuem às suas condutas, o que o politólogo pode fazer, ora para mostrar a hipocrisia e cinismo que proliferam na história ou, em alternativa, para confrontar modelos e realidade. Mesmo este outro uso, mero instrumento heurístico, corre sempre o risco de «sob pretexto de definir uma teoria abstrata», sugerir, como única verdadeira, uma interpretação cínica do jogo político.

Que alternativa propõe então Aron a estas abordagens more geometrico? Os estudiosos das relações internacionais, e em geral os cientistas políticos, podem ser também detentores de uma «verdade prática» ou praxeológica. Por exemplo: a estratégia do general é causa objetiva da derrota, a intelligentzia movida por ideias gerais e sem experiência de governação que opta pelo romantismo da revolução violenta é uma «raça de revolucionários» que impede a moderação de um regime. O nível de vida económico faz sobreviver as democracias; estas são o sistema que melhor garante os direitos. O poder corrompe, os interesses concentrados prevalecem sobre os dispersos. Este saber prático não é um «esboço de ciência», pois acompanha-se de muitas restrições mentais na sua generalidade, como todo o saber de experiência.

Há um lugar para um saber praxeológico mais formal que se desvenda nos intervalos entre as intenções e os resultados, mas convém ter em conta que esses objetos, «cortados à medida da teoria», não são as coisas realmente existentes, são abstrações que se substituem ao concreto e a junção só se dará no infinito, quando a química substituir a cozinha na confeção dos pratos. Isto pode parecer imperfeito e muito pouco científico, mas não impede o estudioso de tentar mobilizar todos os recursos das ciências, mesmo os que ainda não estão disponíveis.

Se bem interpretámos Aron, o que ele desejava construir seria essa praxeologia, uma lógica combinatória que não envolve necessariamente modelos quantitativos, que servisse de orientação ao estadista ou ao homem político. Um modelo do que pode vir a ser «uma praxeologia» das relações internacionais pode ainda, cinquenta anos depois, encontrar-se na Paix et guerre, mesmo que ele próprio o considerasse um modelo inacabado. Que o considerasse inacabado é para nós um desafio e um estímulo.

 

NOTAS

1Nicolas Baverez (Raymond Aron: un moraliste au temps des ideologies. Paris: Flammarion, 1993),         [ Links ] por exemplo, sugere este paralelo entre Raymond Aron e Tucídides.

2Cf. Gaspar, Carlos – «Raymond Aron and the origins of the cold war». In Political Reason in the Age of Ideology. Essays in Honour of Raymond Aron. New Brunswick e Londres: Transaction Pub., 2007.         [ Links ]

3Raymond Aron, (Mémoires. Paris: Julliard, 1993, p. 451) recorda que esta reflexão tem já raízes nos anos de Londres.         [ Links ] Dessa época data um artigo de 1942, onde se questiona sobre o seu direito a formular juízos confiantes, quando não sabia quase nada sobre assuntos militares.

4Aron, Raymond – Le Grand schisme. Paris: Gallimard, 1948.         [ Links ]

5Aron, Raymond – Les Guerres en chaîne. Paris: Gallimard, 1951.         [ Links ]

6Os artigos mais importantes na ponte entre a análise da história e a formulação teórica da Paix et guerre são: «Des comparaisons historiques», que não foi publicado na altura em que foi escrito, pois Aron sentia-se num impasse ; «De la paix sans victoire» (1951) ; «En quête d´une doctrine de la politique étrangère» (1953) ; «À l’age atomique, peut-on limiter la guerre?» (1955). Foram todos reunidos com outros estudos posteriores em Aron, Raymond – Études politiques. Paris: Gallimard, 1972, pp. 426-494.         [ Links ] Cf. Colquhoun, Robert – Raymond Aron. The Sociologist in Society: 1955-1983. Londres: Sage Publications Ld., 1986, vol. 2. pp. 165 e segs.         [ Links ]

7Hoffmann, Stanley – «Raymond Aron et la théorie des relations internationales». In Politique étrangère. Paris. N.º 4, 2006, p. 724.         [ Links ] Em suma são «três questões objetivas: a determinação do campo, a configuração das relações de potência do campo, a técnica de guerra; e três questões subjetivas ou ideológico-políticas: o reconhecimento recíproco ou não, das unidades, relações entre política interna e externa, sentido e fim desta última».

8Aron explicou-se: «Uma vez regressado à Universidade, tentei unir numa só obra as lições de um passado recente, a análise do presente e conselhos aos atores. espectador mas comprometido, esforçava-me por concluir uma teoria da ação.» (Aron, Raymond – Mémoires, p. 305).

9A versão datilografada dos dois cursos da Sorbonne já contém, substancialmente, as primeira e segunda partes do texto do livro. Cf. Aron, Raymond – «Paix et guerre (I)», Bibliothèque nationale de France, Section de Manuscrits, NAF 28060, 1958-1959, e «Paix et guerre (II)», Ibidem, 1959-1960.

10Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations. Paris: Calmann-Lévy, 1992, p. 13.         [ Links ]

11Ibidem, pp. 13-14.

12Ibidem, p. 14.

13Ibidem.

14Sobre o conceito de virtù e a atração de Aron pelos maquiavélicos veja-se o artigo de Morgado, Miguel – «The threat of danger: decadence and virtù». In Political Reason in the Age of Ideology. Essays in Honour of Raymond Aron. New Brunswick e Londres: Transaction Pub., 2007, pp. 227-241.         [ Links ] A referência fundamental sobre a leitura feita por Aron de Maquiavel continua a ser Audier, Serge – Machiavel, conflit et liberté. Paris: Ed. EHESS e Vrin, 2005.         [ Links ]

15Aron, Raymond – Paix et guerre entre les nations, p. 16.

16Ibidem, pp. 17-18.

17Ibidem, p. 19.

18Ibidem, p. 20. Embora o traço específico da disciplina seja a alternativa da guerra e da paz, não exclui do seu âmbito o estudo do nascimento e morte dos estados, nem as modalidades de troca ou as relações entre nações e impérios. A intuição central que comanda a construção é que o uso da coação constitui o núcleo do «político».

19Ibidem. A analogia com o desporto encontra-se nas pp. 20-23, e com a economia nas pp. 23-27. O contraste com a abordagem psicológica nas pp. 27-28.

20Ibidem, p. 29.

21Mueller, Dennis C. – Public Choice III. Nova York: Cambridge Univ. Press, 2005, p. 1.         [ Links ]

22Downs, Anthony – An Economic Theory of Democracy. Nova York: Harper & Row Publishers, 1957, p. 4.         [ Links ]

23Segundo Buchanan e Tullock, a participação individual nas escolhas públicas não implica «nenhuma motivação estreitamente hedonística ou de interesse próprio (self interest)». Afirmam pelo contrário que «o indivíduo representativo nos nossos modelos pode ser egoísta ou altruísta ou qualquer combinação intermédia». Cf. Buchanan, James M., e Tullock, Gordon – The Calculus of Consent. Logical Foundations of Constitutional Democracy. Ann Arbor: Ann Arbor Paperback, 1967, p. 4.         [ Links ]

24Não é todavia certo que a ciência económica só funciona se «a motivação económica é suficiente para tornar as previsões e a explicação possíveis» (cf. Ibidem p. 18), visto que outros mecanismos que não a «motivação» podem selecionar as empresas mais eficientes, como a concorrência ou a necessidade. A ambiguidade do conceito de motivação económica é criticada por Hirschman, Albert – Exit, Voice, and Loyalty, Responses to Decline in Firms, Organizations and States. Cambridge (Ma) e Londres: Harvard University Press, 1970, p. 10,         [ Links ] que observa que já não é claro o que é que as empresas de negócios, em especial as grandes corporações, maximizam: lucros, crescimento, quotas de mercado ou boa vontade das comunidades, ou um compósito.

25Observe-se também que, na sua visão, a possibilidade de constituir uma ciência como cálculo de meios depende de uma definição unívoca dos fins ou valores perseguidos pelos agentes.

26ARON, Raymond – Paix et guerre entre les nations, pp. 33-179.

27Ibidem, p. 33.

28Ibidem, pp. 58-62. Cf. Malis, Christian – Raymond Aron et le débat stratégique français, 1930-1966. Paris: Ed. Economica, 2005,         [ Links ] e, especialmente, o texto muito breve mas útil, Malis, Christian – «Raymond Aron et le concept de puissance», 2003, http://www.Stratisc.Org/act/ Malis_POWERII.html        [ Links ]

29ARON, Raymond – Paix et guerre entre les nations, pp. 72 e segs. Este problema de operacionalidade e medição é certamente um dos motivos porque a sua teoria recebe hoje menos atenção da ciência política empírica e do olvido de algumas das suas teses. Por outro lado, a «sede de medição» (na expressão de Hayek, F. A. von – The Counter-Revolution of Science. Studies on the Abuse of Reason. Indianopolis: Liberty Press, 1979),         [ Links ] nem sempre acrescenta informação. Por vezes misturam-se na contabilidade das guerras os fenómenos mais heterogéneos sob a mesma etiqueta. Veja-se, por exemplo, Rummel, R. J. – «Democracies really are less warlike than other regimes». In European journal of international relations. Vol. I, 1995,pp. 457-479.         [ Links ]

30ARON, Raymond – Paix et guerre entre les nations,p. 102.

31Ibidem, p. 103.

32Ibidem, pp. 104 e segs.

33Ibidem, pp. 108 e segs.

34Se quisermos ver até que ponto a surpresa do fim do mundo bipolar fez regressar a teoria ao estádio em que estava no imediato pós-guerra basta pensar nas duas teorias mais populares no «pós-queda-do-muro», a história acabou: Fukuyama, Francis – O Fim da História e o Último Homem. Lisboa: Gradiva, 2007,         [ Links ] ou, pelo contrário, a história regressou ao mesmo de sempre: Huntington, Samuel P. – O Choque das Civilizações e a Mudança na Ordem Mundial. Lisboa: Gradiva, 1999.         [ Links ] Em geral, voltou-se nas relações internacionais à mistura de narração com profecia. Vejam-se, por exemplo, os aliás muito interessantes, Zakaria, Fareed – O Mundo Pós-Americano. Lisboa: Gradiva, 2008,         [ Links ] e Garton-Ash, Timothy – Free World. Londres: Penguin, 2004.         [ Links ] Muita da literatura anterior passou a ser hoje completamente irrelevante.

35ARON, Raymond – Paix et guerre entre les nations, pp. 113 e segs.

36Ibidem, p. 119.

37Ibidem, cap. v, pp. 133-156.

38Ibidem, pp. 157-179. Cf. a afirmação da essência dialética do político: a lei dos antagonismos.

39Ibidem, p. 179.

40O pressuposto comum a todos é que o regime democrático tem uma relação constante (isto é, independente da evolução histórica), com a guerra ou o desenvolvimento, que as estatísticas podem revelar.

41ARON, Raymond – Paix et guerre entre les nations, p. 308.

42Ibidem, pp. 317-325.

43Ibidem, cap. xi, pp. 338-364.

44Ibidem, p. 364.

45Ibidem, pp. 367-379.

46Pelo contrário, a Public Choice apresenta as suas análises como descritivas ou explicativas – por oposição a normativas. Buchanan, James M., e Tullock, Gordon – The Calculus of Consent. Logical Foundations of Constitutional Democracy, p. VI, por exemplo, não estão a tentar, nas suas palavras, «escrever uma constituição “ideal” para a sociedade» e mesmo o pressuposto individualista não deve ser confundido com valores orientadores das ações a escolher: não só não é preciso tomar posição a respeito dos últimos fins ou critérios de escolha (Ibidem, p. vii), como a teoria dos mercados funciona, quaisquer que sejam os fins dos agentes: Paulo «pode estar a agir por amor de Deus, da igreja local, dos amigos ou de si mesmo» (Ibidem, p. 18). No entanto não se excluem as aplicações e testes das teorias. Por isso na prática uma parte da investigação é de facto normativa. Cf. Mueller, Dennis C. – Public Choice III, pp. 427 e segs.

47ARON, Raymond – Paix et guerre, p. 563.

48Ibidem, p. 179.

49Ibidem, p. 565 e cap. xix, pp. 567-596.

50Ibidem, p. 565 e cap. xx.

51Ibidem, p. 565 e caps. xxi e xxii.

52Esta influência tinha começado tardiamente, pois apesar dos contactos anteriores – recorda o entusiasmo de Herbert Rosinski em 1930 e os comentários de Staro, na France Libre – Aron tinha lido Clausewitz só em 1955. Cf. Aron, Raymond – Penser la guerre, Clausewitz, I, L’âge européen. Paris: Gallimard, 1989, p. 10.         [ Links ]

53ARON, Raymond – Mémoires, p. 647. É essa insatisfação que o levará depois, uma vez mais, a gastar três anos a escrever uma nova obra, que apresenta como uma tentativa de «reconstruir as diligências intelectuais de Clausewitz através das versões sucessivas do seu maximum opus». O que Raymond Aron identificara imediatamente em Clausewitz – núcleo que, como observou Stanley Hoffmann, é muito semelhante ao do seu próprio projeto – é o esforço do autor prussiano por formular um sistema conceptual sobre as realidades da guerra. A sintonia advém da comum rejeição das teorias que não reconhecem o papel das emoções, ou das virtudes, bem como dos sistemas de regras formais que julgam encontrar uma causa única no desenlace da guerra.

54Aron, Raymond – Penser la guerre, Clausewitz, I, pp. 21-26. A primeira parte da obra aroniana é uma exposição cuidadosamente apoiada na correspondência pessoal da vida do militar e professor de estratégia alemão, com o objetivo de apresentar as suas «experiências vividas», seguida de um estudo, a partir dos escritos, da formação do seu pensamento entre 1804 e 1830. Por fim apresenta a síntese final, procurando analisar o sistema conceptual da obra em função das suas definições de guerra. Discute, em controvérsia com Delbruck sobre os diferentes tipos de conflito, rejeitando a ideia de que Clausewitz formula uma filosofia «irracional» da ação, ou faz a apologia da violência.

55Aron remete para longas notas muitas sugestões e o detalhe erudito. Nas suas memórias considera-o um dos seus melhores livros científicos, ao mesmo tempo que lamenta o segundo tomo, que não passa de um ensaio. O segundo volume de facto tem uma natureza muito diferente. Já não é uma interpretação «positivista», mas uma tentativa de aplicar a teoria ao século xx. No início persegue diversos tópicos relacionados com o uso de Clausewitz: aniquilação e atrição, a influência do autor em Lenine e Hitler, e a inversão da afirmação de que a guerra é a política por outros meios, o povo em armas; comenta sucessivamente 1871, Mao e a resistência. Uma segunda parte, intitulada «Le pari sur la raison», é uma interpretação da política na atualidade. As suas teses mais importantes são análogas à praxeologia da Paix et guerre.

56Na nossa opinião entre os melhores estudos estão os textos reunidos em Hoffman, Stanley – Janus and Minerva: Essays in the Theory and Practice of International Politics (Boulder e Londres: Westview Press, 1987),         [ Links ] que retoma muitos dos anteriormente agrupados em The State of War: Essays on the Theory and Practice of International Politics. 2.ª edição. Nova York, Washington e Londres: Frederick A Praeger, Publishers, 1966.         [ Links ] Mas deve ler-se igualmente pelo menos a excelente obra de Piquemal, Alain – Raymond Aron et l’ordre international. Paris: Albatros, 1978,         [ Links ] e entre as mais recentes a publicação de uma tese doutoral, Launay, Stephan – La pensée politique de Raymond Aron (Paris: PUF, 1995), dedica quase dois terços do texto às relações internacionais.

57ARON, Raymond – Paix et guerre entre les nations, p. 28. Noutra formulação cf. aron, Raymond – Études politiques, p. 363.

58Hoffman, Stanley – «Raymond Aron et la théorie des relations internationales». In Politique étrangère. N.º 4, 2006, p. 725.         [ Links ] Mas não se poderia dizer o mesmo da teoria económica quando esta abandona o utilitarismo, à maneira de Hayek, ou reconhece a pluralidade dos fins, à maneira de Hirshmann?

59Stanley Hoffman («Raymond Aron et la théorie des relations internationales», pp. 723-734) lembra que qualquer tentativa de caracterizar o contributo científico de Aron neste domínio deve distinguir não só o jornalismo e a teoria, mas também a teoria dos relatos históricos e estudos de história das ideias, distinções nem sempre fáceis.

60Ibidem, p. 724.

61ARON, Raymond – Études politiques, pp. 379-380.

62ARON, Raymond – Paix et guerre entre les nations, p. 595.

63Hoffman, Stanley – «Raymond Aron et la théorie des relations internationales», p. 725.

64ARON, Raymond – Paix et guerre entre les nations, p. 596.

65ARON, Raymond – «Histoire et philosophie», Bibliothèque Nationale de France, Section de Manuscrits, NAF 28060, Leçon 11, p. 191.

66Cf. Berlin, Isaiah – «Does political theory still exist?». In Hardy, Henry (ed.) – Concepts and Categories. Philosophical Essays. Londres: Penguin Books, 1981, p. 172.         [ Links ]

67Sobre os conceitos de sistema e equilíbrio no terreno político cf. Barry, Brian – Sociologists, Economists and Democracy. Chicago: University of Chicago Press, 1978, pp. 168-173.         [ Links ]

68ARON, Raymond – «À propos de la théorie politique (1962)». In Les sociétés modernes. Paris: PUF, 2006, pp. 586-587.         [ Links ]