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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.34 Lisboa jun. 2012

 

Politica Externa Brasileira

 

Carmen Fonseca

Investigadora do ipri – unl e assistente convidada do Departamento de Estudos Políticos da fcsh – unl, onde prepara uma tese de doutoramento sobre política externa brasileira.

 

Celso Amorim

Conversas com Diplomatas

São Paulo, Benvirá, 2011, 600 pp.

Celso Amorim, diplomata, é, atualmente, ministro da Defesa do Brasil tendo sido ministro das Relações Exteriores nos governos do Presidente Lula da Silva. Com ampla experiência em organizações internacionais, tinha sido designado recentemente para a Embaixada em Londres quando foi convidado a assumir a pasta das Relações Exteriores onde ficou durante os oito anos do governo do Presidente Lula.

O livro Conversas com Diplomatas (apresentado quando pensava já ter abandonado a atividade pública, embora ainda viesse a assumir a pasta da Defesa em agosto de 2011) reúne 20 textos do ministro das Relações Exteriores. Grande parte dos textos diz respeito a palestras dadas apenas aos alunos do curso para diplomatas (embora apenas a partir de 2006; até então, «por força de contingências técnicas», não foi possível transcrever as palestras), e portanto trazidos a público pela primeira vez com este livro, e que inclui também os momentos de debate entre os alunos e o então ministro. O posfácio reproduz a sua comunicação na cerimónia de transmissão do cargo ao atual ministro das Relações Exteriores, António Patriota. Em suma, estão compiladas neste livro aquelas que foram as linhasmestras da política externa do Brasil entre 2003 e 2010, ou, como o autor refere, «um mosaico vivo, mas imperfeito, da nossa atividade diplomática no governo Lula».

Os textos apresentados concentram-se em temas como as negociações sobre a alca; as negociações nas várias rodadas da omc; as Nações Unidas; a integração sul-americana e as relações com a região, incluindo a situação no Haiti (e a importância de «ter um entorno pacífico em nossa região»); as relações do Brasil com a África e o Médio Oriente, e a questão concreta do acordo com o Irão. A descrição das negociações no quadro da omc ocupa uma parte considerável dos textos apresentados. Amorim refere que essas negociações foram muitas vezes entendidas como sendo uma «obsessão» do Brasil, mas o embaixador justifica o empenho nesse organismo pela importância do sistema multilateral; pela questão da solução de controvérsias; por permitir «discutir de maneira ampla a questão agrícola»; porque a complexidade de negociações «cria uma relação de forças mais equilibrada» e porque a própria estrutura comercial externa do Brasil é diversificada e por isso não «conviria ao Brasil colocar todos os ovos em uma única cesta – o que ocorreria com a Alca ou com a União Europeia».

As mudanças alcançadas, frequentemente referidas pelo Presidente Lula da Silva, são o fio condutor destes textos, porque se há alguma coisa de que o embaixador Celso Amorim se orgulha é de que contribuiu para mudar a ideia de que «as questões globais só podem ser decididas entre os países ricos».

 

Rubens Barbosa

O Dissenso de Washington

Rio de Janeiro, Agir, 2011, 384 pp.

Rubens Barbosa, diplomata brasileiro que serviu em algumas das principais Referências 149 embaixadas brasileiras, teve como último posto da sua carreira a embaixada brasileira em Washington onde esteve entre 1999 e 2004, acompanhando o Presidente Fernando Henrique Cardoso e fazendo a transição para o Presidente Lula da Silva. Nos oito capítulos que compõem a obra, o embaixador Rubens Barbosa cumpre três tarefas. Simultaneamente apresenta-nos um relato das suas memórias como embaixador em Washington e uma análise, enquanto interveniente direto, das relações entre o Brasil e os Estados Unidos. A isto, junta, no capítulo 7, já como observador externo, uma análise crítica das relações entre os dois países e da política externa brasileira, entre março de 2004 e 2011. Ficamos assim com um panorama das relações Brasil-Estados Unidos que cobre praticamente os últimos quinze anos.

Da leitura do livro ressaltam alguns pontos. Primeiro, o desconhecimento absoluto por parte da elite norte-americana sobre o Brasil, considerado pelo embaixador como o principal obstáculo que teve que ultrapassar no sentido de aproximar os dois países. Segundo, e decorrente do anterior, o esforço que o embaixador fez para reverter aquela situação, tentando diferenciar o Brasil dos restantes países da região. Por fim, uma avaliação em geral positiva do Presidente Lula, mas uma crítica forte à ideologização e partidarização que, no entender do embaixador, caracterizou a condução da política externa brasileira, especialmente face aos Estados Unidos sendo evidente, frequentemente, o pendor antiamericanista de alguns setores do Governo.

No período em que esteve na Embaixada em Washington, Rubens Barbosa identifica como momento alto o apoio norte-americano ao Brasil durante a crise de 2000-2002 (como não havia feito meses antes com a Argentina); como momento mais «complexo e delicado» as negociações em torno da alca nos últimos meses de 2003; e como momento de maior crispação entre os dois países, a questão do nuclear iraniano e o Acordo Irão-Turquia-Brasil. O embaixador aponta uma série de erros na gestão, por parte da diplomacia brasileira, deste acontecimento e o impacto direto na relação do Brasil com os Estados Unidos, referindo mesmo que o diálogo entre os homólogos dos Negócios Estrangeiros foi «interrompido» a partir deste momento devido à «recíproca falta de confiança».

Ao longo do livro transparece um certo incómodo na forma como a sua substituição em Washington se processou (parecendo haver alguma pressa por parte do Itamaraty na renovação dos postos no exterior), uma certa frustração com o rumo que a relação bilateral entre os dois países tomou, mas, ao mesmo tempo, a confiança de que os Estados Unidos já não percecionam o Brasil do mesmo modo, aquando da sua chegada a Washington.

 

Octavio Amorim Neto

De Dutra a Lula. A Condução e os Determinantes da Política Externa Brasileira

Rio de Janeiro, Elsevier, 2011, 200 pp.

Com base num modelo pouco utilizado para estudar a política externa brasileira – o modelo quantitativo –, Octavio Amorim Neto, professor na Fundação Getulio Vargas, apresenta-nos neste livro uma forma alternativa de ler a atuação internacional do Brasil. A formação em Ciência Política na Universidade da Califórnia justifica em parte a inclinação para a utilização deste tipo de análise – que é amado por uns e odiado por outros. Centrando-se na percentagem anual de votações na Assembleia Geral das Nações Unidas em que os votos do Brasil e dos Estados Unidos coincidiram, Amorim Neto propõe-se a analisar a influência das estruturas institucionais, do contexto político e do contexto internacional na formulação da política externa do Brasil. O largo intervalo temporal, entre 1946 e 2008, abarca 18 mandatos presidenciais e alterações significativas nas várias dimensões referidas. O ano de 1946 é representativo na política externa brasileira porque, entre outros motivos, o Presidente da República é pela primeira vez eleito de forma «competitiva e popular», as atribuições do poder legislativo são reforçadas, é criado o Instituto Rio Branco (para a formação dos diplomatas), e, internacionalmente, o Brasil procurava obter «os louros políticos de sua participação na II Guerra Mundial como aliado dos Estados Unidos» tendo sido por isso um dos fundadores da onu.

O enquadramento do tema do livro é feito, teoricamente, no primeiro capítulo, e na primeira parte do segundo capítulo, onde apresenta «as grandes interpretações da política externa brasileira» assim como alguns estudos que utilizaram o mesmo modelo de análise. Explicam-se depois as linhas metodológicas utilizadas (conceitos e cálculos efetuados para o caso brasileiro), a recolha e seleção da informação retirada da base de dados United Nations General Assembly Voting Data, sendo possível obter um panorama geral da política externa brasileira que é consensual com a literatura académica e que reflete a «incansável diminuição de convergência entre o Brasil e os Estados Unidos» no período em apreço.

Os dois capítulos seguintes exploram o que «determina as variações, inter e intrapresidenciais» identificadas após a compilação da informação. Por um lado, os presidentes, o Congresso e os partidos políticos, e por outro, o Itamaraty (que corresponde à diplomacia) e as Forças Armadas. No final de cada uma destas análises o autor formula algumas proposições que são verificadas no quinto capítulo. As conclusões que Octavio Amorim Neto obtém das diversas análises que efetua validam a premissa que defende o «progressivo distanciamento do Brasil em relação aos Estados Unidos». O peso que cada um dos fatores tem sobre aquela tese é o que aqui é fulcral, e que Amorim Neto define de cunho neorrealista. Os fatores de poder militar e económico são os que mais influenciaram a política externa entre 1946 e 2008, depois a «variável burocrática », onde se inclui a diplomacia, e, por fim, a política interna, ou seja, «a força ministerial dos partidos de esquerda». Mas foi o papel adquirido pelos militares que significou, entre 1967 e 1979, um «impressionante afastamento das posições diplomáticas» entre os Estados Unidos e o Brasil.

 

Letícia Pinheiro e Carlos R. S. Milani (org.)

Política Externa Brasileira. As Práticas da Política e a Política das Práticas

Rio de Janeiro, Editora FGV, 2012, 352 pp.

Neste livro, Letícia Pinheiro e Carlos Milani reúnem contributos que permitem compreender como «o processo decisório, a diversidade temática e a dinâmica política» ajudam a explicar a política externa brasileira, afastando a ideia, durante muito tempo consensual, de que a política externa é explicada apenas por um único indivíduo ou instituição. Esta obra reflete por isso a diversidade de atores que influencia a formulação da política externa brasileira e é resultado da investigação desenvolvida, a partir de 2006, na rede «Expansão, Renovação e Fragmentação das Agendas e Atores de Política Externa». O objetivo é demonstrar a importância para a análise da política externa de considerar «diferentes atores», «distintos temas e uma pluralidade de perspetivas teórico metodológicas».

Os dez capítulos que compõem o livro (de autores que vêm das áreas das relações internacionais, da diplomacia, mas também da gestão e da medicina) estão agrupados em cinco áreas temáticas, direitos humanos, cultura, educação, saúde e paradiplomacia, sendo objetivo dos organizadores que aquela estrutura reflita o debate entre «as políticas públicas de caráter doméstico e o campo da política externa brasileira».

Com base nas áreas temáticas referidas, e dadas as características de organização e dimensão territorial do Brasil, é curioso atentar na parte referente à «paradiplomacia ». Esta parte inclui um capítulo sobre a dimensão nacional da política externa brasileira e um outro sobre a ação internacional dos governos subnacionais. O primeiro centra-se no gradual desenvolvimento da política externa ao nível dos governos estaduais e dos governos municipais brasileiros através da institucionalização de mecanismos coordenados. A autora identifica a «cooperação internacional, captação de recursos e promoção comercial e económica» como os principais temas das suas agendas. Mónica Salomón conclui que no Brasil a «paradiplomacia chegou para ficar», embora seja uma tendência muito associada ao Partido dos Trabalhadores. O capítulo seguinte analisa com mais pormenor esta questão e conclui que embora a emergência do Brasil na cena internacional e a globalização tenham feito com que a política externa passasse «a ser tema de debate e interesse popular», a reação dos governos subnacionais não foi proporcional. Entre outros motivos, alberto Kleiman indica o não reconhecimento da «cooperação descentralizada» pelo Ministério das Relações Exteriores. As principais conclusões alcançadas com a investigação resumem-se à ideia de que existe «uma pluralidade de atores e agendas » na política externa brasileira – atores estatais não tradicionais, atores não estatais e interesses de diferentes grupos e setores – originando uma «complexidade crescente do processo decisório».