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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.34 Lisboa jun. 2012

 

História dos Estados Unidos

 

Daniel Marcos

Investigador de pós-doutoramento do ipri – unl. É doutor em História Moderna e Contemporânea, especialidade em História das Relações Internacionais no Período Contemporâneo pelo Instituto Universitário de Lisboa (iscte – iul), onde desenvolveu uma tese sobre as relações luso-americanas no princípio da Guerra Fria. É assistente convidado no Departamento de Estudos Políticos da fcsh – unl.

 

Jean Edward Smith

Eisenhower in war and Peace

Nova York, Random House Publishers, 2012, 950 pp.

Um «militar estadista», foi assim que o marechal Montgomery qualificou o comandante supremo das Forças Aliadas na Europa durante a II Guerra Mundial. Na mais recente biografia do general Dwight David Eisenhower, que mais tarde se tornou o 34.º Presidente dos Estados Unidos, esta é, talvez, a caracterização que mais justiça lhe faz.

O historiador Jean Edward Smith, que anteriormente havia escrito as biografias dos generais Ulysses Grant e Lucius Clay, bem como do Presidente Franklin D. Roosevelt, procura, nesta nova obra, desafiar definitivamente a ideia de que Eisenhower foi um líder militar bem-sucedido, mas antes um político medíocre. Para Smith, tal não foi assim e Ike é colocado, a par de Roosevelt, como um presidente bem-sucedido, capaz de comandar os destinos do seu país ao longo dos oito anos em que os Estados Unidos não se viram envolvidos em conflitos militares. Quer ao nível doméstico como em termos externos, Eisenhower reforçou o papel internacional dos Estados Unidos no contexto da Guerra Fria. Fazendo uso dos seus atributos como comandante militar, capaz de delegar ao mesmo tempo que assumia totalmente a responsabilidade pelas decisões mais difíceis, foi durante a sua presidência que a Guerra da Coreia chegou ao fim em 1953 após um arrastado conflito que se mantinha desde o início da década. No tocante às relações com a União Soviética, Eisenhower contribuiu para não agravar o conflito sem, contudo, ser capaz de evitar a corrida aos armamentos de ambas as potências. Adicionalmente, Eisenhower foi capaz de reforçar a aliança transatlântica ao mesmo tempo que tomou uma posição de força contra os seus aliados durante a crise do Suez, em 1957. De forma menos bem-sucedida, Smith dá crédito a Eisenhower por ter sido capaz de retirar progressivamente o apoio das potências ocidentais em relação à questão colonial. Já no plano interno, Ike fica com os louros de ter evitado que o Partido Republicano retornasse à defesa do isolacionismo, ao mesmo tempo que equilibrou o défice norte-americano e apostou no desenvolvimento tecnológico do país. Finalmente, a sua presidência facilitou a aplicação das políticas de dessegregação.

Mas o que ressalta desta biografia é a ligação que Smith faz entre a vida profissional de Eisenhower e a sua ascensão ao mais alto cargo político norte-americano. Para este biógrafo, o percurso militar de Eisenhower é fundamental para compreender a sua presidência. Ao longo de quarenta anos, o jovem do interior do estado do Kansas tornou-se um hábil oficial de Estado-Maior, que serviu com os mais nomeados generais norte-americanos, desde o herói da I Guerra John Pershing até Douglas MacArthur, passando por George Marshall. O serviço no staff destes generais ensinou a Eisenhower a arte da liderança e diplomacia que muito contribuiu para o seu sucesso como comandante supremo aliado. Mais do que um comandante de exércitos no terreno, Eisenhower era um conciliador que constantemente buscava o equilíbrio e o compromisso, fazendo o difícil parecer fácil.

 

Steven Brady

Eisenhower and Adenauer: Alliance Maintenance under Pressure, 1953-1960

Lanham, MA, Lexington Books, 2010, 277 pp.

Até 1945, nenhuma razão histórica apontava para a necessidade ou vantagem de um aprofundamento da relação entre os Estados Unidos e a Alemanha. Para além de uma relação comercial sólida e um tradicional movimento migratório da Alemanha para o Novo Mundo poucos poderiam antever que, após o final da II Guerra Mundial, as relações entre os Estados Unidos e a República Federal da Alemanha iam caminhar para o estabelecimento de uma aliança. O mais recente livro de Steven Brady propõe-se analisar os desafios, dificuldades e crises que a aliança germano-americana teve no seu período de consolidação, após o estabelecimento da República Federal da Alemanha em 1949. Por outras palavras, Brady pretende preencher o vazio na historiografia norte-americana e germânica no tocante aos anos em que Dwight Eisenhower e Konrad Adenauer lideravam os destinos dos seus países, entre 1953 e 1961.

Partindo de uma análise focada na forma como as pressões internacionais no princípio da Guerra Fria moldaram a evolução da questão alemã e o estabelecimento de uma arquitetura de segurança no Ocidente cuja base foi a nato, o livro realça as grandes tensões existentes entre os principais aliados. Assim, ficamos a perceber a importância que a Administração Eisenhower sempre deu à necessidade de conciliar o reforço da ligação com a Alemanha sem pôr em causa os interesses e os receios franco-britânicos. Fazendo uso de uma pesquisa multiarquivística, com a utilização de fontes norte-americanas, alemãs e russas, podemos dizer que um dos principais pontos fortes deste livro assenta na ligação que o autor fez entre a importância dos fatores internos para a formulação da política externa alemã e norte-americana. Tal é exemplificado pelo apoio que a Administração Eisenhower deu à defesa de Adenauer em relação à reunificação da Alemanha. A defesa desta ideia foi fundamental para a eleição do chanceler ao longo dos anos 1950.

O trabalho desenvolvido por Steven Brady acaba por demonstrar que, apesar da liderança norte-americana no Ocidente durante a Guerra Fria, tal não implicava que Washington ditasse aos seus aliados as políticas a seguir. Se durante o período da détente esta perceção era clara, com este livro ficamos a perceber que mesmo durante os anos áureos das relações transatlânticas, isto é, os anos 1950, tal já era assim. Ainda que a rfa estivesse, de certa forma, refém das potências ocupantes, Brady demonstra de que forma Konrad Adenauer procurou esquivar-se de uma relação de tutelagem em relação aos Estados Unidos, procurando influenciar a política norte-americana nas cimeiras entre as quatro potências ocupantes e onde se debateu a possibilidade da reunificação alemã. O mesmo sucedeu em 1955, com o chanceler alemão a envidar esforços no sentido de garantir a inclusão da rfa na nato, numa ação que claramente reposicionou a jovem república alemã no sistema de arquitetura europeu da Guerra Fria.

 

John Lewis Gaddis

George F. Kennan. An American Life

Nova York, The Penguin Press, 2011, 784 pp.

Desde 1981, o historiador John Lewis Gaddis preparou cuidadosamente a biografia do diplomata e historiador George Frost Kennan. Trinta e um anos depois, o resultado foi a publicação de uma monumental monografia, onde estão retratados os mais importantes momentos da vida de Kennan. Para tal, Gaddis teve acesso privilegiado quer com o próprio biografado, quer com os seus papéis pessoais pessoais, dos quais se destacam os seus diários e cerca de trezentas e trinta caixas de materiais agora disponibilizados na biblioteca da Universidade de Princeton.

Esta obra teve, no seu início, um objetivo claro de retratar o percurso político e académico de Kennan, mas, à medida que o tempo foi passando, rapidamente se tornou um trabalho com um forte enfoque pessoal. Acompanhando a cronologia da vida do biografado, Gaddis concentra-se naturalmente no período a partir dos anos 1930, quando Kennan é nomeado para estabelecer a nova Embaixada dos Estados Unidos na União Soviética, em 1933. A partir deste momento, o jovem Kennan aprofundou as suas capacidades diplomáticas, ao mesmo tempo que adquiriu uma importante capacidade de análise dos assuntos soviéticos, tornando-se um verdadeiro especialista nas questões relacionadas com Moscovo. Ao longo da II Guerra Mundial, Kennan percorreu várias chancelarias europeias, acompanhando a evolução e internacionalização da posição norte-americana no mundo, em particular na Europa. Desta experiência destacamos a passagem pela legação norte-americana em Lisboa onde, por dois anos, Kennan muito contribuiu para o estabelecimento de uma base norte-americana nos Açores. Ainda que de forma nem sempre ortodoxa (Kennan, em dado momento, recusou seguir uma diretiva presidencial para abordar diretamente o Governo português sobre as necessidades norte-americanas nos Açores, em detrimento de uma aproximação mais cautelosa onde os britânicos desempenhariam um papel de intermediários dos interesses de Washington), foi em Lisboa que os dotes de grande estratega despontaram em Kennan, salienta Gaddis.

De volta à União Soviética em 1944, Kennan acompanhou o final da guerra e o princípio da Guerra Fria em Moscovo, consolidando a sua posição enquanto especialista em questões soviéticas. Daí a importância que o famoso Longo Telegrama que Kennan escreveu em fevereiro de 1946 teve para a política externa norte-americana até à queda do Muro de Berlim. Para Gaddis, o alerta de Kennan sobre a necessidade de os Estados Unidos reformularem a sua política em relação à União Soviética no pós-guerra, procurando um meio caminho entre uma proposta de appeasement e a confrontação aberta, muito contribuiu para que em Washington a doutrina da contenção soviética acabasse por vigorar. Para o biógrafo, o papel desempenhado por Kennan no princípio da Guerra Fria deu-lhe totalmente o crédito como um dos maiores estrategas da política externa norte-americana. Neste sentido, Gaddis acabou por desvalorizar que entre 1960 e 1980 Kennan se tenha tornado um dos principais críticos da posição internacional dos Estados Unidos, em particular do envolvimento no Vietname e na corrida aos armamentos nucleares.

 

Nicholas Thompson

The Hawk and the Dove. Paul Nitze, George Kennan, and the History of the Cold War

Nova York, Picador, 2010, 403 pp.

Tal como George F. Kennan, Paul Nitze esteve profundamente envolvido desde o princípio ao fim da Guerra Fria na formulação da política externa norte-americana. Ambos emergiram para uma posição de proeminência política nos agitados dias em que a Cortina de Ferro caiu sobre a Europa, assistindo à divisão da Alemanha em duas e à passagem da União Soviética de aliada a inimiga dos Estados Unidos. Nas décadas seguintes, os dois estiveram envolvidos, direta ou indiretamente, nos grandes marcos do conflito bipolar, dos quais se destacam o Plano Marshall, a Guerra da Coreia, a corrida aos armamentos nucleares, o Vietname, a détente, os acordos salt e, por fim, a glastnot e a dissolução da urss. O grande objetivo deste livro é explicar, de forma comparativa, as carreiras públicas destas duas figuras que, apesar de terem opiniões bastante divergentes, tinham a uni-los a amizade e o respeito mútuo. Para o autor, Nicholas Thompson, neto de Paul Nitze, as duas personalidades eram diametralmente opostas. Enquanto Nitze era um insider diligente, que considerava ser fundamental trabalhar com as burocracias para as poder transformar, Kennan era um pensador, que baseava as suas ideias na história. As diferenças entre os dois são salientadas no título da obra. Paul Nitze é descrito como um falcão que acreditava que a melhor forma de os Estados Unidos evitarem o holocausto nuclear era superiorizarem-se, pela quantidade e desenvolvimento tecnológico, em relação à União Soviética. Com uma invejável capacidade de organização, Nitze trabalhou ou foi consultor de todos os presidentes norte-americanos desde Franklin Roosevelt até George H. W. Bush. Contudo, devido a características pessoais truculentas,nunca chegou a alcançar postos ministeriais, apesar das suas qualidades. Não raras vezes acabou despedido, despromovido ou forçado a demitir-se ao longo da sua preenchida carreira.

Já Kennan é aqui descrito como uma pomba, que ao longo de quarenta anos defendeu que os Estados Unidos deviam pôr fim à dependência da sua segurança nacional no armamento nuclear e contra o envolvimento norte-americano em guerras de baixa intensidade, como o Vietname. Colocou-se, assim, como um dos principais críticos da política externa norte-americana durante a Guerra Fria ainda que tenha sido, indiscutivelmente, um dos seus principais ideólogos. Se Kennan via o containment como uma estratégia política que tinha como objetivo combater uma ameaça política, Nitze transformou-a numa estratégia militar cujo fim último era pôr cobro a uma ameaça de cariz militar.

Apesar disto, as suas divergências quanto à estratégia dos Estados Unidos acabaram por diminuir com o passar dos anos. Como Thompson salienta, o final da Guerra Fria libertou a veia mais liberal de Nitze, levando-o a condenar o envolvimento dos Estados Unidos na Guerra do Golfo em 1991 (considerava que o regime iraquiano poderia ser contido através de sanções e de um bloqueio económico). Mas foi o apelo público para a diminuição do arsenal nuclear dos Estados Unidos em 1999, que Nitze ajudara a construir, que juntou definitivamente os dois homens no mesmo lado da barricada, ainda que no final das suas vidas (Nitze e Kennan morreram com apenas seis meses de diferença).