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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.34 Lisboa jun. 2012

 

O inevitável declínio do poder americano ou vinho velho em garrafa nova?

 

Luís M. da Vinha

Doutorando em Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Investigador no Núcleo de Investigação em Geografia e Planeamento da Universidade do Minho. As suas principais áreas de interesse são: mapas mentais; processos de decisão de política externa; política externa dos Estados Unidos.

 

Textos discutidos neste artigo

ZBIGNIEW BRZEZINSKI Strategic Vision: America and the Crisis of Global Power Nova York: Basic Books, 2012

ROBERT KAGAN The World America Made Nova York: Alfred A. Knopf, 2012

CHARLES KUPCHAN No One’s World: The West, the Rising, and the Coming Global Turn Oxford: Oxford University Press, 2012

 

A crise financeira e económica encetada em 2008 renovou o debate sobre o poder americano, nomeadamente sobre a sua vitalidade. Depois de vários anos em que os debates académicos, políticos e públicos se centraram na natureza da hegemonia americana, atualmente a discussão foca-se nas suas potenciais fragilidades e limitações. Mais concretamente, a liderança americana da ordem internacional é cada vez mais questionada. Em casos mais extremos, até a continuidade da ordem liberal é contestada. É certo que este debate não é novo. Desde a fundação da república americana que os próprios americanos questionam a vitalidade do seu poder. Os receios sobre a fragilidade do poder americano e a capacidade para assegurarem o interesse nacional inspiraram a consolidação do poder central e a sua projeção nas mais distantes regiões do globo1. As próprias alterações políticas das sucessivas administrações ao longo da Guerra Fria refletiam igualmente as dúvidas dos decisores políticos americanos quanto à relação de poder com o seu principal adversário2. Contudo, os anos decorridos desde a implosão do império soviético serenaram este debate durante quase duas décadas. Pelo contrário, a natureza benigna (ou maligna) da hegemonia americana tornou-se então um dos temas dominantes das relações internacionais, particularmente nos meios académicos americanos.

Porém, o ressurgimento mais recente deste debate não se deve exclusivamente à crise financeira e económica. Os últimos anos da Administração Bush foram já assombrados pela suspeita da perda de poder dos Estados Unidos na cena internacional. Embora as fontes tradicionais do poder, i.e., poder latente e poder militar, evidenciassem a robustez necessária para enfrentar os desafios do futuro, outras fontes de poder pareciam esgotadas. Entre estas estavam a legitimidade e a competência dos Estados Unidos para liderar a ordem global3. As opções políticas tomadas na resposta aos atentados de 11 de setembro de 2001 e as suas consequências expuseram, para muitos, os limites do poder dos Estados Unidos. Contudo, nos últimos anos estas reflexões, a par com a proliferação de um discurso anunciando o surgimento de um conjunto de estados, nomeadamente a China, ao estatuto de potência global, têm intensificado o debate. Nos anos mais recentes proliferaram as obras sobre esta temática, contudo, aquelas que são destacadas neste ensaio são ilustrativas das principais tendências no meio académico norte-americano.

 

A «VISÃO ESTRATÉGICA» DE BRZEZINSKI

No seu registo habitual, o ex-conselheiro de Segurança Nacional de Jimmy Carter, Zbigniew Brzezinski, publica um novo ensaio no qual faz mais um diagnóstico do poder dos Estados Unidos e apresenta um conjunto de recomendações políticas. Consolidando os argumentos expostos no seu anterior ensaio sobre política externa4, Brzezinski volta a alertar para os principais desafios à liderança internacional dos Estados Unidos. Desta vez, em Strategic Vision: America and the Crisis of Global Power5, o autor procura responder a quatro perguntas fundamentais:

• Quais as implicações da redistribuição do poder global de ocidente para oriente?

• Quais as razões para o declínio do poder americano?

• Quais serão as consequências geopolíticas do declínio americano?

• Como poderão os Estados Unidos redefinir os seus objetivos geopolíticos para se reafirmarem como líder da ordem internacional?

Na sua habitual narrativa simples e concisa, Brzezinski começa por elucidar como a ascensão de várias potências asiáticas – e.g., China, Índia e Japão – tem contribuído para a dispersão do poder geopolítico. Segundo o autor, esta dispersão de poder acarreta um conjunto de riscos para a paz internacional, pois, contrariamente aos estados da Aliança Atlântica, as novas potências asiáticas são rivais. Na ausência de um poder americano dominante, capaz de conter e gerir as rivalidades regionais, os riscos de instabilidade aumentam exponencialmente. A ampliar o potencial de instabilidade está o despertar político de um conjunto de populações que se encontravam até há pouco tempo politicamente passivos ou reprimidos. O seu ressentimento contra os poderes vigentes pode potenciar amplos distúrbios e conflitos internacionais.

Por sua vez, Brzezinski atribui o declínio do poder global americano essencialmente às opções políticas das recentes administrações americanas. Sendo certo que os problemas domésticos têm uma origem antiga e complexa, o autor salienta um conjunto de seis grandes questões que foram postas a nu pela recente crise financeira e económica e que põem em causa a legitimidade da liderança global dos Estados Unidos – i) a dívida nacional insustentável; ii) os defeitos do sistema financeiro americano; iii) o aumento das disparidades económicas nacionais e a estagnação da mobilidade social; iv) a decadência das infraestruturas nacionais; v) a ignorância dos americanos sobre o mundo; e vi) o aumento do entorpecimento e divisão do sistema político nacional.

Contudo, Brzezinski reconhece que os Estados Unidos ainda têm vários fatores que lhe atribuem um elevado nível de poder latente e que, com uma direção política capaz, podem servir para renovar a liderança americana. Destes, o autor destaca o potencial económico nacional, o potencial de conhecimento e inovação, a dinâmica demográfica, a capacidade de mobilização social, as vantagens geográficas e a atratividade dos seus valores e ideais. Embora reconhecendo estes trunfos, Brzezinski adverte que, em última instância, a renovação americana depende de uma alteração profunda da cultura social americana, designadamente na «forma como os americanos definem as suas aspirações pessoais e o conteúdo ético do seu “sonho” nacional» (p. 63).

Porém, Brzezinski não deixa de reforçar críticas anteriores à Administração Bush6 e responsabilizá-la, em grande medida, pela atual situação de declínio dos Estados Unidos. O autor condena a forma como a Administração respondeu aos eventos de 11 de setembro de 2001 – i.e., o envolvimento militar no Afeganistão, o apoio à intervenção militar israelita na Cisjordânia para liquidar a olp e a invasão do Iraque. Estas opções contribuíram determinantemente para a liderança internacional dos Estados Unidos, pois, segundo Brzezinski, ajudaram «à deslegitimação progressiva da credibilidade presidencial e nacional, bem como à redução significativa da autoidentificação dos aliados americanos com a segurança dos Estados Unidos» (p. 70).

Em resposta à sua terceira questão, Brzezinski alerta para a competição crescente que pode gerar maior conflitualidade entre as principais potências. Os potenciais focos de instabilidade são identificados pelo autor: Geórgia, ilha Formosa (Taiwan), Coreia do Sul, Bielorrússia, Ucrânia, Afeganistão, Paquistão e Israel e o Grande Médio Oriente. Sem a continuação da liderança efetiva dos Estados Unidos a conflitualidade envolvendo estes territórios será difícil de atenuar. Mas outros assuntos de interesse global também serão mais difíceis de resolver, pois a crescente competição entre potências dificultará consensos e cooperação em áreas estratégicas globais como, por exemplo, mar, espaço, ciberespaço, proliferação nuclear, recursos ambientais, alterações climáticas, entre outros. Por fim, Brzezinski reserva a última secção do seu ensaio para as recomendações políticas. O autor considera que os Estados Unidos podem e devem revitalizar o seu poder e garantir o equilíbrio de poder global. Mais concretamente, os Estados Unidos devem assumir uma dupla missão: «promover e garantir uma maior e mais ampla unidade no Ocidente e equilibrar e conciliar as principais potências a Leste» (p. 185). A fórmula apresentada por Brzezinski é a mesma apresentada há mais de uma década no seu livro The Grand Chessboard: American Primacy and Its Geostrategic Imperatives7, que se resume a gerir a estabilidade geopolítica no espaço euroasiático. Os casos mais prementes para a estabilidade euroasiática são, segundo Brzezinski, a estabilização da situação no Afeganistão, a contenção de um Irão nuclear e a resolução do conflito israelo-palestiniano. Embora haja outras fontes de instabilidade na região, a não resolução dos problemas nestes «Balcãs globais» pode levar a um alastramento da instabilidade para a Ásia Central.

A estratégia recomendada por Brzezinski passa inevitavelmente por uma maior concertação e cooperação com a Europa na difusão do modelo democrático liberal. Contudo, o autor reclama um maior envolvimento da Turquia e da Rússia, criando um Ocidente ampliado que possa assentar «num quadro de cooperação baseado em valores partilhados e num compromisso democrático genuíno» (p. 153). Por sua vez, o envolvimento americano na Ásia deve procurar manter um equilíbrio entre as principais potências emergentes, sem nunca se envolver diretamente nos conflitos regionais. Pelo contrário, Brzezinski recomenda que os Estados Unidos assumam uma postura próxima daquela que a Grã-Bretanha manteve na Europa ao longo do século xix e que assentava numa política de equilíbrio que evitasse o domínio regional por parte de qualquer uma das potências continentais.

 

KAGAN E O NEOCONSERVADORISMO ASSERTIVO

São poucos os analistas políticos que podem apregoar ter influência sobre o pensamento da política externa das principais figuras dos partidos Republicano e Democrata. Porém, o neoconservador Robert Kagan tem sido referenciado tanto por Mitt Romney (a quem serve de conselheiro político), como pelo Presidente Barack Obama que recentemente afirmava ter sido influenciado pelas suas considerações sobre o papel global dos Estados Unidos.

No centro da atenção está o seu mais recente ensaio, The World America Made8. Tal como Brzezinski, Kagan procura refletir sobre o estado atual das relações internacionais, designadamente o papel dos Estados Unidos. Porém, o autor inicia a sua reflexão retomando uma abordagem previamente apresentada e que salienta a natureza benigna do poder hegemónico dos Estados Unidos9. De facto, para Kagan é a hegemonia americana que tem proporcionado a difusão da democracia, a prosperidade e a paz continuada entre as grandes potências ao longo das últimas décadas.

Os fatores determinantes para a hegemonia americana assentam na sua posição geográfica, sistema económico, modelo de governação democrático, poder militar e, ainda, no caráter do povo americano. Estes fatores permitiram aos Estados Unidos construir uma ordem internacional à sua imagem. Contudo, Kagan reconhece que os americanos têm dificuldade em lidar com as tensões inerentes à liderança global. Segundo o próprio, embora advoguem princípios universais, assentes em leis e instituições internacionais, os americanos tão depressa impõem a sua vontade no mundo como se recolhem das suas responsabilidades. Independentemente deste comportamento «esquizofrénico» (p. 14), os Estados Unidos conseguiram estabelecer (ou melhor impor) há mais de seis décadas os alicerces de uma ordem liberal pacífica ao fortalecer a sua aliança económica e estratégica com a Europa e limitando os conflitos regionais na Ásia.

Todavia, declinando a tese do fim da história, Kagan argumenta que a presente ordem liberal pode ser subvertida. Sugere que a ascensão de potências com regimes autoritários apresenta um desafio ao processo de democratização. Igualmente, os alicerces económicos da ordem liberal também podem enfrentar oposição das potências emergentes. O autor não exclui tão-pouco uma reiteração dos confrontos entre grandes potências.

Kagan relembra que no passado outros processos de democratização e abertura de mercados foram revertidos. De facto, a conservação e crescimento da atual ordem liberal deve-se à forma como os Estados Unidos utilizaram e geriram o seu poder desde o final da II Guerra Mundial. Desta forma, a onda de democratização global só foi possível devido ao uso do poder americano para garantir que os regimes democráticos emergentes não sucumbissem a forças opositoras. De forma semelhante, ao assegurar a abertura de mercados à escala global os Estados Unidos contribuíram para o crescimento económico generalizado. Esta postura intervencionista e expansionista foi tolerada, segundo Kagan, devido a dois fatores distintos: a natureza contida do poder americano e a sua necessidade. Mais concretamente, os outros estados «têm aceitado o poder americano não por afeto ou admiração, mas antes por interesse próprio» (p. 62). A alternativa à hegemonia americana é, para Kagan, uma ordem menos estável e potencialmente mais conflituosa. Admitindo, embora com muitas reservas, que algumas potências ascendentes possam querer manter certos elementos da ordem liberal, Kagan questiona-se sobre as suas capacidades. O autor defende que mesmo a manutenção de uma ordem económica liberal implica um compromisso efetivo em assegurar a abertura dos mercados, nomeadamente na disponibilidade e capacidade para recorrer à força para o conseguir. Poucos são os estados que se encontram em condições para o alcançar sem ser os Estados Unidos.

Porém, o ensaio de Kagan termina numa nota de confiança no poder americano. Partindo de uma perspetiva realista sobre as fontes de poder, o autor salienta que os Estados Unidos ainda mantêm um nível de poder económico e militar capaz de assegurar uma posição de destaque na liderança global. Segundo o autor, o crescimento económico de outros estados não deve implicar uma necessária perda de poder ou influência dos Estados Unidos. Aliás, muitas das potências ascendentes são parceiros estratégicos dos Estados Unidos e continuarão a sê-lo no futuro (nomeadamente quando confrontados com outras potências). Mesmo a dívida externa dos Estados Unidos não os impede de manter os atuais níveis de despesa nas áreas da segurança e defesa.

Em última instância, para Kagan, a manutenção da hegemonia global dos Estados Unidos é uma questão de análise de custos vs benefícios: «se encararmos este exercício de contabilidade com seriedade, os custos de manutenção desta posição [hegemónica] não pode ser contabilizada sem considerar os custos de a perder» (p. 129). De facto, o grande receio do autor é exatamente a ausência deste raciocínio por parte dos americanos. Kagan inquieta-se com a possibilidade de os americanos, tal como noutros períodos do passado, desobrigarem-se das suas responsabilidades globais.

UM MUNDO SEM UMA HEGEMONIA GLOBAL

Verdade seja dita, o académico da Universidade de Georgetown, com carreira feita no Departamento de Estado americano e no National Security Council na era Clinton, Charles Kupchan10, há vários anos que mantém uma perspetiva coerente sobre o declínio do poder global dos Estados Unidos. No seu mais recente ensaio, No One’s World: The West, the Rising, and the Coming Global Turn11, Kupchan alerta para o fim do domínio material e ideológico do Ocidente. No seu lugar o autor antecipa um mundo marcado pela difusão de poder e diversificação política. Neste sentido, a palavra de ordem nas relações internacionais será, cada vez mais, competição:

«O sistema internacional emergente será caracterizado por vários centros de poder, bem como múltiplas versões de modernidade. Pela primeira vez na história um mundo interdependente existirá sem um centro de gravidade ou um guardião global. Uma ordem global, se emergir, será uma amálgama de culturas políticas diversas e conceções competidoras da ordem doméstica e internacional» (p. 3).

Esta realidade já foi reconhecida pelo Ocidente. Todavia, o autor diverge da opinião dominante de que é possível induzir as potências ascendentes a integrar-se na ordem liberal internacional, assumindo os seus valores. Kupchan sugere antes que as potências ascendentes procurarão ajustar a nova ordem internacional aos seus interesses e valores. Por conseguinte, o Ocidente terá de negociar a construção desta nova ordem, cedendo nalguns dos seus pressupostos atuais. Mas o principal desafio global será a gestão desta transformação de forma pacífica.

Admitindo que não é o primeiro académico a antecipar o declínio da primazia do Ocidente, Kupchan alega que o seu ensaio é o primeiro a prospetivar a nova ordem através de uma análise das dinâmicas de longue durée (p. 5). Desta forma, o ensaio de Kupchan difere dos anteriores pelo seu enquadramento mais académico, focando grande parte do trabalho nas explicações das dinâmicas envolvidas neste processo. Consequentemente, cerca de metade do seu ensaio é dedicado à descrição dos agentes e processos subjacentes à ascensão do Ocidente e à difusão dos principais predicados do seu modelo político, i.e., democracia liberal, capitalismo industrial e nacionalismo secular.

fragilidade e fragmentação das tradicionais fontes de poder no Ocidente foram determinantes para a ascensão e consolidação do seu poder global. A queda do império soviético parecia prenunciar a afirmação incontestável do domínio do modelo liberal. Contudo, pouco mais de uma década decorrida, assistiu-se a uma alteração radical da avaliação que se fazia do sucesso do Ocidente e do seu modelo político. Esta reapreciação decorre dos obstáculos e retrocessos que os Estados Unidos e a Europa têm vindo a enfrentar. Simultaneamente, o desenvolvimento e a afirmação das potências emergentes em áreas tão diversas como a economia, a indústria, o comércio e a tecnologia, revelam uma tendência que marca o fim da predominância global do Ocidente.

Esta nova dinâmica cria nas potências ascendentes novas aspirações e pretensões ao nível internacional. Naturalmente, o autor previne que a competição entre estas potências e o Ocidente aumentará no sentido em que cada uma procurará estabelecer os seus princípios, estatuto e interesse geopolítico. Kupchan acrescenta que desta competição resultarão várias versões de modernidade, ou seja, inúmeras conceções de modelo político. Neste sentindo, o autor desafia a tese de que o modelo político das potências emergentes aproximar-se-á cada vez mais do modelo democrático ocidental. Pelo contrário, Kupchan argumenta que cada uma perseguirá vias de desenvolvimento e modelos de governação distintos, procurando introduzi-los na reorganização do sistema internacional. Particularmente marcante será a tendência para solidificar formas centralizadoras de poder – e.g., regimes autocráticos, teocráticos, tribais, de patronagem, populistas, etc. Em suma, o mundo que se avizinha «não marchará ao passo do Consenso de Washington, do Consenso de Pequim, ou do Consenso de Brasília. Não marchará segundo qualquer consenso. Pelo contrário, o mundo encaminha-se para um dissenso global» (p. 145).

Porém, tal como os anteriores autores, Kupchan não deixa de identificar o caminho para uma revitalização do poder ocidental. Sendo certo que o Ocidente não voltará a conseguir recentrar o foco do poder global, o autor relembra que pode contribuir significativamente para moldar a nova ordem global. Para o conseguir, o Ocidente terá de ter sucesso em duas tarefas essenciais: i) recuperar a sua vitalidade política e económica, enquanto retém a sua unidade; e ii) adotar uma estratégia e um conjunto de princípios que servirão de base a um consenso entre o Ocidente e as potências emergentes.

A primeira tarefa obriga a que os diferentes atores no Ocidente se voltem a entender em matérias essenciais. A reaproximação entre os Estados Unidos e a Europa é importante. Contudo, é imprescindível que a Europa consiga evitar as forças de renacionalização que se têm manifestado nos últimos anos. Igualmente determinante é o restabelecimento de um consenso alargado entre as duas principais forças políticas nos Estados Unidos sobre o seu papel no sistema internacional. Kupchan alerta ainda para a necessidade de enfrentar outros problemas que, embora menos discutidos, são essenciais – e.g., resolver o problema da insolvência, aumentar a coesão social, reforçar o populismo progressista, reequilibrar os meios com os objetivos da sua política externa.

A segunda tarefa resulta da necessidade de garantir uma transição pacífica para uma nova ordem internacional. Se é certo que as potências emergentes não desejam a continuação da hegemonia ocidental, pouco acordo existe sobre o que a deve substituir.

Nesse caso, segundo o autor, o Ocidente ainda tem a capacidade para garantir um grau significativo de estabilidade global, pois ainda constitui a parceria global mais importante. Assim, segundo Kupchan, cabe ao Ocidente aproveitar esta oportunidade para liderar o processo de redefinição das regras da nova ordem global. Isto implica naturalmente trabalhar com as potências emergentes na definição de um consenso alargado sobre quais os princípios fundamentais para orientar as relações internacionais no século xxi. Dos princípios possíveis, o autor sugere que o Ocidente deve trabalhar para estabelecer um consenso na definição de legitimidade e soberania, na representatividade e eficácia das instituições internacionais da governação global, na descentralização da responsabilização regional e na gestão da globalização económica.

Em última instância, Kupchan alerta para a necessidade de os Estados Unidos retomarem a lógica da política de grandes potências. Isto implica uma circunspeção do uso do seu poder. Desta forma, os Estados Unidos devem encarar o surgimento de novos centros de poder como uma oportunidade para reequilibrar as suas capacidades com as suas necessidades e com a vontade dos americanos.

VINHO VELHO EM GARRAFA NOVA?

Há debates que teimam em repetir-se. Ainda há menos de uma década alguns dos mais proeminentes analistas políticos norte-americanos atestavam o poder inigualável dos Estados Unidos. Em 2002, o historiador Paul Kennedy assegurava que nunca nenhuma outra potência tinha conseguido obter tamanha disparidade de poder como acontecia então com os Estados Unidos12. Porém, não antes do mesmo autor ter prognosticado, alguns anos antes, o fim do império americano na sua magistral obra The Rise and Fall of the Great Powers13. A convicção académica de Kennedy vacilou novamente quando em 2009 afirmava no Wall Street Journal que afinal a hegemonia dos Estados Unidos estava condenada devido à sua «sobre-extensão » imperial14.

De forma semelhante, há cerca de uma década, Fareed Zakaria celebrava a «unipolaridade compreensiva» que os Estados Unidos detinham no dealbar do século xxi15. Nenhuma outra potência tinha conseguido atingir uma disparidade de poder tão significativa desde o auge do Império Romano. Contudo, volvidos poucos anos, o mesmo Zakaria16 alertava para uma nova configuração do poder global que ditaria um «mundo pós-americano ». Neste novo mundo os Estados Unidos serão cada vez mais desafiados no exercício do seu poder e contestados na liderança da ordem liberal internacional.

Outros analistas e comentadores revelam a mesma propensão para a deambulação analítica. Em boa verdade, esta é uma tendência histórica do debate político americano. Como afirmado acima, a análise sobre a condição do poder americano tem sido uma constante do seu debate político, sofrendo variações na orientação e nas recomendações. O mesmo acontece com os ensaios em consideração. Cada autor examina o poder global dos Estados Unidos sob uma lente diferente e prospetiva caminhos distintos.

Brzezinski e Kagan revelam maior otimismo na capacidade de os Estados Unidos regenerarem a sua liderança global. Ambos encontram a principal alavanca desta renovação internamente. É na renovação doméstica que os Estados Unidos encontram o seu vigor. Por sua vez, Kupchan apresenta um futuro mais condicionado, no qual os Estados Unidos podem simplesmente tentar influenciar a construção de uma nova ordem global.

Independentemente das suas diferenças, os três autores partilham a convicção de que os Estados Unidos têm um papel determinante no futuro. Seja a liderar a ordem internacional ou a ajudar a moldá-la, nenhum admite que os americanos se possam distanciar dos assuntos globais. Nenhum tão-pouco assume que os Estados Unidos podem beneficiar com uma redistribuição do poder global17. O «impulso messiânico» que Kagan18 anteriormente identificou como tão determinante no temperamento americano está enraizado nas reflexões dos três autores. Em todos os ensaios os Estados Unidos são determinantes para a paz global.

A recordação do pronunciamento de Daniel Bell sobre o «fim do excepcionalismo americano» no final da Guerra do Vietname alerta-nos para o risco de prever o futuro das relações internacionais19. É certo que há dinâmicas internacionais que podemos identificar e através das quais podemos conjeturar sobre as tendências potenciais. Todavia, previsões deterministas são desaconselhadas. Caso contrário, corremos o risco de no futuro nem uma garrafa nova poder encobrir o sabor a vinho velho.

 

NOTAS

1 Kagan, Robert – Dangerous Nation: America’s Foreign Policy from its Earliest Days to the Dawn of the Twentieth Century. Nova York: Vintage Books, 2007;         [ Links ] Oren, Michael – Power, Faith, and Fantasy: America in the Middle East, 1776 to the Present. Nova York: W.W. Norton & Company, 2007.         [ Links ]

2 Gaddis, John Lewis – Strategies of Containment: A Critical Appraisal of American National Security Policy during the Cold War. Nova York: Oxford University Press, 2005.         [ Links ]

3 Leffler, Melvyn, e Legro, Jeffery (eds.) – To Lead the World: American Strategy after the Bush Doctrine. Oxford: Oxford University Press, 2008        [ Links ]

4 Brzezinski, Zbigniew – Second Chance: Three Presidents and the Crisis of American Superpower. Nova York: Basic Books, 2007.         [ Links ]

5 Brzezinski, Zbigniew – Strategic Vision: America and the Crisis of Global Power. Nova York: Basic Books, 2012.         [ Links ]

6 Cf. Brzezinski, Zbigniew – Second Chance: Three Presidents and the Crisis of American Superpower.         [ Links ]

7 Brzezinski, Zbigniew – The Grand Chessboard: American Primacy and Its Geostrategic Imperatives. Nova York: Basic Books, 1998.         [ Links ]

8 Kagan, Robert – The World America Made. Nova York: Alfred A. Knopf, 2012.         [ Links ]

9 Kagan, Robert – «Power and weakness ». In Policy Review. 113, 2002, pp. 3-28;         [ Links ] Kagan, Robert – «The benevolent empire». In Foreign Policy. 111, 1998, pp. 24-35.         [ Links ]

10 Kupch an, Charles – The End of the American Era: US Foreign Policy and the Geopolitics of the Twenty first Century. Nova York: Alfred A. Knopf, 2002;         [ Links ] Kupch an, Charles – «Life after Pax Americana». In World Policy Journal. Vol. 16, N.º 3, 1999, pp. 20-27;         [ Links ] Kupch an, Charles – «After Pax Americana: benign power, regional integration, and the sources of a stable multipolarity ». In International Security. Vol. 23, N.º 2, 1998, pp. 40-79.         [ Links ]

11 Kupch an, Charles – No One’s World: The West, the Rising, and the Coming Global Turn. Oxford: Oxford University Press, 2012.         [ Links ]

12 Kennedy, Paul – «The eagle has landed». In Financial Times, 2002.         [ Links ]

13 Kennedy, Paul – The Rise and Fall of the Great Powers: Economic Change and Military Conflict from 1500 to 2000. London: Unwin Hyman, 1988.         [ Links ]

14 Kennedy, Paul – «American power is on the wane». In The Wall Street Journal, 2009.         [ Links ]

15 «America: an empire to rival Rome?», BBC, 2004. Disponível em: http://news.bbc.co.uk/2/hi/americas/3430199.stm

16 Zakaria, Fareed – The Post-American World. Nova York: W.W. Norton & Company, 2008        [ Links ]

17 Cf. Da Vinha, Luís – «The empire strikes back or prospects for us foreign policy after the global financial and economic crisis?». In GEO-Working Papers. 22, 2011, pp. 5-42;         [ Links ] Huntington, Samuel – «The lonely superpower ». In Foreign Affairs. Vol. 78, N.º 2, 1999, pp. 35-49.         [ Links ]

18 Kagan, Robert – «Neocon nation: neoconservatism, c. 1776». In World Affairs Vol. 170, N.º 4, 2009, pp. 13-35.         [ Links ]

19 Bell, Daniel – «The end of American exceptionalism». In The Public Interest. 37, 1975, pp. 193-224.         [ Links ]