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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.34 Lisboa jun. 2012

 

As eleições intercalares e a política externa da Administração Obama

Midterm Elections and Obama's foreign policy

 

José Gomes André1

Professor auxiliar convidado na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Trabalha atualmente num pós-doutoramento sobre federalismo moderno e contemporâneo. Doutorou-se em Filosofia Política com uma tese sobre o pensamento político de James Madison. Membro do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa. Colabora regularmente com órgãos de comunicação social, na qualidade de comentador político sobre assuntos relacionados com os Estados Unidos da América.

 

RESUMO

Este artigo analisa o potencial impacto que as eleições intercalares de 2010 – as quais geraram uma nova maioria republicana na Câmara dos Representantes e um Senado partidariamente mais equilibrado – produziu na política externa da Administração Obama. São considerados os temas em que houve uma mudança significativa (quer por via de um bloqueio a prioridades políticas da Presidência, quer através de um reforçado apoio aos planos da Administração), bem como as áreas que permaneceram essencialmente inalteradas (e as razões para tal continuidade). Numa secção final reflectimos sobre o carácter ainda provisório de alguns aspectos da nossa própria avaliação.

Palavras-chave: eua, Administração Obama, política externa, eleições intercalares

 

ABSTRACT

This paper examines the potential impact that midterm elections of 2010 – which generated a new Republican majority in the House of Representatives and a more balanced Senate – have made in the Obama administration’s foreign policy. We analyze the themes in which a significant change has occurred (whether by means of a blockage to political priorities of the Presidency, whether through a reinforced support to the administration’s plans), as well as the areas which have remained essentially unaltered (and the reasons for such continuity). In a final section we reflect upon the provisional character of some aspects of our own evaluation.

Keywords: EUA, Obama administration, foreign policy, midterm elections

 

RESULTADOS E CONJECTURAS

Em Novembro de 2010, decorreram nos Estados Unidos da América eleições intercalares (midterms) para a selecção dos 435 futuros membros da Câmara dos Representantes e de 37 senadores federais. Nesse dia, mais de 75 milhões de norte-americanos dirigiram-se às urnas, gerando resultados muito favoráveis ao Partido Republicano, que obteve um ganho líquido de 63 congressistas e seis senadores federais, readquirindo assim a maioria na Câmara dos Representantes (242 republicanos contra 193 democratas), tendo ainda encurtado a sua desvantagem no Senado (47 republicanos contra 53 democratas).

Face às alterações ocorridas no panorama partidário, logo conjecturaram os observadores sobre a possibilidade de estas eleições condicionarem substantivamente as orientações políticas do governo federal. Afinal de contas, durante os primeiros dois anos do seu mandato, Barack Obama contou com um sólido apoio do Congresso (controlado pelos democratas desde 2006), que o assistiu na aprovação de vários pacotes legislativos relevantes, como a reforma do sistema de saúde norte-americano, a aprovação de um programa de estímulo económico e de reformulação das organizações financeiras, entre outros. Face à nova maioria republicana na Câmara dos Representantes, seria a Administração obrigada a rever as suas pretensões?

Esta dúvida extrapolava os limites estritos da política doméstica (onde a câmara baixa tem um papel preponresderante), estendendo-se mesmo à questão dos assuntos externos. Com efeito, embora concentre na figura da Presidência as prerrogativas essenciais desse domínio, o sistema constitucional norte-americano distribui as competências de política externa por três órgãos federais, juntando ao poder diplomático e militar do Presidente a intervenção do Senado na discussão dos tratados internacionais e o importante papel da Câmara dos Representantes na aprovação dos fundos a designar para equipamento militar, missões internacionais e outras acções do país no exterior, cabendo além do mais à câmara baixa a aprovação dos orçamentos federais – o que lhe permite condicionar decisivamente as orientações programáticas gerais da Administração.

Deste modo, a existência de um cenário político-partidário modificado, resultante das eleições intercalares, deu azo a diversas leituras relativamente à hipótese de 2010 marcar um novo rumo na política externa norte-americana. Alguns analistas disseram esperar da Administração Obama uma maior aposta na política externa, traduzível quer na sua elevação a tema prioritário, quer numa abordagem mais intervencionista dos Estados Unidos no palco internacional. Estes observadores, como o editor do Journal of Transatlantic Studies, Alan Dobson, ou o antigo conselheiro da National Security Agency, Paul Feaver, recordaram dois casos históricos em que as eleições intercalares conduziram a um reajustamento na estratégia presidencial: a situação de Bill Clinton, que depois de uma derrota colossal dos democratas nas midterms de 1994 jogou grande parte do seu prestígio político na condução de uma vigorosa agenda internacional; e o caso de George W. Bush, que na sequência do desaire republicano de 2006 demitiu o secretário da Defesa Donald Rumsfeld e inverteu a sua estratégia na Guerra do Iraque, autorizando um reforço massivo de tropas para conter a crescente insurreição naquele país2.

No entender destes analistas, quando um presidente enfrenta uma situação doméstica gravosa, combinada com um cenário eleitoral desfavorável, é sua tendência natural procurar compensar essa fragilidade com uma aposta robusta em matéria de política externa, onde pode exercer a sua autoridade com menos restrições e obter ganhos políticos que alterem a percepção da opinião pública sobre as suas qualidades de liderança. Pois, como afirma Peter Feaver, «num assunto de política externa, um Presidente deveras resoluto pode prevalecer mesmo contra um Congresso oposicionista muito motivado»3. Segundo esta leitura, dever-se-ia portanto esperar de Obama uma postura mais interventiva na política externa, para contrariar a imagem de vulnerabilidade que a comunicação social lhe tinha apensado e reafirmar o seu estatuto de líder reformista numa era de crise.

Em sentido contrário, académicos reputados, como Charles Kupchan, ou diplomatas da craveira de Aaron Miller, previram que os maus resultados eleitorais dos democratas e a eminente fragilidade política do Presidente Obama levariam a Administração a retrair-se ainda mais no plano externo, preferindo concentrar as suas energias na política doméstica. Num artigo para a Foreign Policy com o sugestivo título «Go small and stay home», Miller incentivou o Presidente Obama a recentrar as suas prioridades no debate interno, pois só apostando numa recuperação da economia e numa agenda reformista em áreas muito necessitadas (saúde, educação) poderia obter triunfos políticos significativos.

Para o antigo diplomata no Médio Oriente, a política externa norte-americana encontrar-se-ia demasiado condicionada por um cenário há muito corrompido, tendo Obama herdado um conjunto de batalhas exteriores particularmente delicadas (a Guerra do Afeganistão, a difícil situação do Iraque, um Médio Oriente insolúvel, um Irão agressivo como nunca). Na sua relação com Hamid Karzai, Ahmadinejad ou o Hamas, Obama «não encontrará grande consolo e refúgio», escrevia Aaron Miller, para quem o momento actual da política externa norte-americana não permitia acalentar vitórias políticas assinaláveis:

«O mundo herdado pelo Presidente, pelo menos no Médio Oriente e no Sul da Ásia, não se define pela promessa de vitórias militares americanas conclusivas ou acordos que ponham fim a conflitos de forma decisiva; os Estados Unidos já não confrontam um mundo a preto e branco, mas cinzento – com aliados corruptos e tendentes a extorsões, inimigos determinados e muitas vezes indefinidos, conflitos assimétricos, estados falhados ou quase falhados. Não existe aqui grande espaço para heróis [...]»4.

Charles Kupchan chegava a conclusões semelhantes embora EUAndo premissas distintas. Avaliando a correlação de forças em Washington decorrente das eleições intercalares – um Presidente democrata na Casa Branca, uma curta vantagem democrata no Senado e uma clara maioria republicana na Câmara dos Representantes – o professor de Georgetown antevia que a política norte-americana até ao final do mandato de Obama seria caracterizada genericamente por sucessivos bloqueios aos processos decisórios, o que não poderia deixar de tornar Washington «menos ambicioso no exterior»: «Tal sucede simplesmente porque, em períodos nos quais democratas e republicanos são incapazes de obter acordos políticos, a consequência típica é haver menos acção.»5

Muitos analistas recEUAram, porém, quer a previsão «intervencionista», quer a antecipação de uma «retracção» da política externa norte-americana, antes defendendo a ideia de que as eleições intercalares não iriam gerar transformações significativas neste âmbito. Colunistas conhecidos como Leon Hadar e Michelle Brooks, ou académicos como James Lindsay e Richard Haass, consideravam que, apesar da alteração de domínio partidário no Congresso, os Estados Unidos deveriam, no essencial, prosseguir a sua actuação no palco internacional tal como definido pela Administração Obama desde Janeiro de 20096.

Tal continuidade poderia ficar a dever-se a questões institucionais (embora partilhe competências com o Congresso, cabe ao Presidente conduzir os grandes conflitos militares e liderar os processos diplomáticos – a grande parcela da «política externa» propriamente dita), motivos políticos (é mais fácil obter acordos bipartidários na política externa, onde as decisões servem um pretenso «interesse nacional» homogéneo, do que na política interna, onde convivem leituras mais diversas sobre as prioridades legislativas a definir) ou a estratégias eleitorais (os republicanos prefeririam dirigir a sua oposição para temas mais populares, como a crise económica e o desemprego elevado), mas em qualquer dos casos o desfecho deveria ser o mesmo: uma política externa essencialmente inalterada.

 

CONSEQUÊNCIAS E AVALIAÇÕES

A existência deste género de opiniões contraditórias revela apenas quão difícil é fazer análises prospectivas num âmbito tão complexo como a política externa, especialmente se ela for tomada em sentido lato (integrando temas como cooperação internacional, acções militares, comércio, imigração, alterações climáticas, etc.). Ainda assim (ou talvez por isso mesmo), ao avaliarmos as consequências das eleições intercalares na política externa norte-americana, observamos que os vários cenários anteriormente descritos acabaram todos eles por se concretizar parcialmente, produzindo transformações em alguns aspectos (com mais intervencionismo ou mais retracção) e uma inalterabilidade noutros tópicos.

Na verdade, em algumas matérias a existência de uma maioria republicana no Congresso trouxe mudanças sob a forma de bloqueio à agenda política da Administração Obama, em temas como a imigração e as questões ambientais (designadamente as alterações climáticas).

O problema da imigração tem provocado acesos debates em Washington. Por um lado, a existência de grandes fluxos migratórios para os Estados Unidos é uma propriedade constitutiva da nação, tendo contribuído para o seu desenvolvimento cultural, científico, social e humano. No entanto, a existência de um largo número de imigrantes ilegais (estimado em cerca de 11 milhões) e a sua concentração numa área geopolítica sensível (os estados que fazem fronteira a sul com o México) requerem atenção premente.

Neste sentido, o Presidente Obama promoveu na fase inicial do seu mandato a adopção de medidas que facilitassem a concessão de cidadania ou o aumento da prestação de serviços estatais a vários imigrantes ilegais já radicados nos Estados Unidos. Referimo-nos mormente ao «DREAM Act», um projecto-lei que intentava conferir vistos de residência aos filhos de imigrantes ilegais que frequentassem instituições de ensino superior ou o serviço militar, desde que tivessem entrado no país na condição de menores de idade e não tivessem cadastro. Concebido ainda em 2001, mas logo criticado e esquecido pela então maioria republicana, o «DREAM Act» foi readmitido a debate no Congresso em Março de 2009, cumprindo-se os desígnios da Administração que tomara posse poucas semanas antes.

Embora rapidamente aprovado pela Câmara dos Representantes, o diploma sofreu todavia uma oposição feroz por parte de vários senadores (sobretudo republicanos), que o consideraram uma forma sub-reptícia de amnistia. Reforçada pelos resultados eleitorais de 2010, a bancada republicana tem utilizado repetidamente um mecanismo de obstrução (filibuster) para impedir uma votação definitiva na câmara alta, condenando ao insucesso pacotes legislativos como o «DREAM Act» e iniciativas semelhantes.

Em sentido inverso, os sectores republicanos vêm defendendo intensamente a necessidade de controlar as inconveniências da imigração ilegal, recomendando o incremento da acção policial e das manobras de vigilância, ora em relação àqueles que se encontram já indevidamente nos Estados Unidos, ora a potenciais imigrantes futuros. Inicialmente sugeridas apenas pelas franjas mais radicais do Partido Republicano, estas posições severas têm contudo vindo a recolher cada vez mais adeptos. A Administração Obama procurou concentrar a discussão política na eventual extensão de benefícios aos imigrantes integrados no tecido produtivo e social, mas a coesão e tenacidade da estratégia republicana tornou predominantes no debate político as sugestões de teor repressivo contra esses mesmos indivíduos7.

Na realidade, vozes até aqui «moderadas» têm vindo no último ano e meio a radicalizar a sua posição, insistindo na necessidade de aumentar o controlo policial das fronteiras, antes de se discutirem eventuais políticas de assimilação dos imigrantes. Desde 2010 têm sido consideradas no Senado propostas polémicas – como a detenção de imigrantes suspeitos na base do questionável método de racial profiling; ou o desejo expresso pelo senador republicano John Boozman (eleito nas intercalares pelo Arkansas) de repelir o 14.º Aditamento à Constituição (a chamada equal protection clause) para assim restringir os direitos de cidadania aos filhos de imigrantes ilegais que todavia tenham nascido no país8.

Devido à sua posição minoritária (e antecipando um previsível veto do Presidente Obama) a bancada republicana não conseguiu aprovar tais propostas, mas foi politicamente bem-sucedida quer ao recentrar o debate sobre imigração nas ideias de maior repressão policial e controlo fronteiriço, quer ao bloquear as pretensões da Administração federal relativamente à integração dos imigrantes ilegais.

Os resultados das eleições intercalares trouxeram dificuldades renovadas à Administração Obama também no campo da legislação ambiental. Trata-se de uma área onde o actual Presidente pretendia encetar transformações profundas, promovendo leis rigorosas quanto à emissão de gases de estufa, incentivando a utilização das energias renováveis, financiando programas de investigação para o desenvolvimento de tecnologias não poluentes e estimulando uma acção concertada entre as agências ambientais, as autoridades estaduais e as grandes indústrias para combater as alterações climáticas. Durante a primeira parte do seu mandato, Obama encontrou contudo grandes focos de resistência às suas pretensões, quer no Congresso (mesmo contando com uma maioria democrata), quer por parte de empresas influentes – que alertam para os efeitos potencialmente nocivos destas políticas ambientais no tecido económico norte-americano. Este último argumento tem sido repetido sistematicamente pela maioria dos republicanos, que vêem nas leis restritivas às emissões de gases poluentes um ónus demasiado pesado para as empresas americanas, uma vez que as obriga ora a pagarem pesadas multas pelo recurso a tais emissões, ora a investirem avultadas somas para assentarem a sua produção em tecnologias «verdes».

Neste quadro, poucas foram as propostas da Administração federal a recolher um apoio alargado no Congresso, com destaque para a recEUA do Senado em considerar favoravelmente o ambicioso projecto-lei conhecido nos Estados Unidos como cap-and-trade – uma espécie de «mercado» de troca de emissões de gases poluentes que incentiva economicamente as empresas e as indústrias a reduzir as ditas emissões e a atingir uma maior eficácia energética. Este programa – apresentado sob a forma de um projecto-lei denominado «American Clean Energy and Security Act» – permitiria a introdução nos Estados Unidos de uma regulamentação ambiental em tudo semelhante aos acordos estabelecidos no Protocolo de Quioto e no Regime Comunitário de Licenças de Emissão da União Europeia (RCLE-UE), mas o Senado federal nunca deu luz verde ao projecto, mesmo após a Câmara dos Representantes o ter aprovado.

Com o aumento dos republicanos no Congresso – entre os quais se encontra um elevado número de opositores ao reforço da protecção ambiental por via legislativa – tornou-se virtualmente impossível a adopção deste género de políticas. Ademais, podem até estar em caEUA os compromissos assumidos pela Administração Obama no que concerne ao controlo das emissões de gases poluentes – em virtude dos acordos informais estabelecidos nas cimeiras de Copenhaga e da Cidade do México (que pretendem reduzir aquelas emissões em 17 por cento até 2020). Tal sucede porque os republicanos no Congresso têm vindo no último ano e meio a contestar sistematicamente as actividades da epa (Environmental Protection Agency), a qual impôs apertados regulamentos ambientais a várias indústrias, supervisionando a exploração mineira de carvão e restringindo a emissão de gases poluentes.

Nas palavras do congressista republicano Edward Whitfield, a «epa está a levar a cabo uma alteração dramática da política energética e ambiental do país, que produzirá ondas de choque na economia»9. Na mesma linha, um outro congressista (Lee Terry) acEUA a epa de ser uma «agência trapaceira [rogue agency]», que «cria regras de uma maneira rápida e furiosa, afectando a capacidade da nação para gerar electricidade»10. Face a este género de declarações, não surpreende que após as eleições intercalares tenham sido apresentadas várias propostas no Congresso para limitar a intervenção daquela agência federal – criando mais obstáculos à agenda ambiental da Administração Obama.

Os resultados eleitorais de 2010 não trouxeram porém apenas más notícias para o actual Presidente. Se em alguns temas a nova maioria republicana gerou bloqueios consideráveis, noutras questões registou-se um espírito de colaboração entre o Congresso e a Administração, porventura até mais forte do que o vivido nos dois anos anteriores entre democratas e Obama. Assim sendo, registam-se também aqui mudanças em resultado das eleições intercalares, já não sob a forma de bloqueio (como os casos previamente mencionados), mas por via de um novo apoio à agenda política da Casa Branca.

Os casos mais relevantes da reforçada cooperação entre republicanos e a Administração federal ocorreram nas políticas comerciais (externas), na intervenção norte-americana no Afeganistão e na estratégia antiterrorismo em geral. O primeiro domínio refere-se ao desejo da Presidência em combater a estagnação económica e uma balança comercial deficitária através da celebração de diversos acordos bilaterais (mormente com a Coreia do Sul, o Panamá e a Colômbia), promovendo as trocas comerciais com estes apetecíveis mercados. Uma vez que tais acordos pressuporiam a extinção de certas tarifas proteccionistas, os sindicatos norte-americanos encetaram duras críticas aos desejos da Administração, a qual foi até final de 2010 incapaz de cortejar o apoio do Partido Democrata (habitualmente alinhado com aqueles sindicatos) para os seus desígnios.

Curiosamente, o reforço dos republicanos no Congresso por via das eleições intercalares foi a chave para solucionar este impasse. Tradicionalmente críticos de restrições artificiais ao funcionamento do mercado e adeptos de doutrinas comerciais liberais, os republicanos tinham já demonstrado no passado capacidade para colaborar com um Presidente democrata nesta matéria, auxiliando Bill Clinton a aprovar mais de trezentos acordos comerciais bilaterais durante a década de 1990, medidas essas que os especialistas consideraram vitais para estimular a economia norte-americana.

Tal sucedeu novamente com a Administração Obama, tendo o Congresso validado os referidos acordos em Outubro de 2011, que o Presidente logo de seguida assinou11. Ao analisarmos a votação na Câmara dos Representantes, facilmente compreendemos como foi decisivo o apoio da «nova maioria» republicana: os acordos com a Colômbia, o Panamá e a Coreia do Sul receberam, respectivamente, os votos favoráveis de 231, 234 e 219 republicanos e de apenas 31, 66 e 59 democratas12.

De igual modo, o actual Presidente beneficiou com o reforço da bancada republicana no que respeita aos seus planos para a Guerra do Afeganistão. Embora envolvido num cenário político interno complexo, marcado por uma divisão profunda (ambicionando os democratas uma retirada rápida do país e os republicanos uma presença militar mais vincada e duradoura), Obama sempre pareceu estar mais próximo das pretensões republicanas, designadamente ao considerar que os Estados Unidos necessitavam de fortalecer súbita e consideravelmente o dispositivo militar no terreno para extinguir os focos de resistência, bem como para pôr cobro à violência e corrupção gritantes no país. A decisão de proceder a um aumento expressivo de tropas durante o ano de 2010 (mais 30 mil homens no terreno) concretizou essa estratégia, sob um coro de críticas dos democratas, que durante a primeira fase do mandato de Obama criaram vários obstáculos à alocação de fundos para o esforço de guerra no Afeganistão.

Apesar de se ter mantido fiel à promessa de iniciar a retirada das tropas em meados de 2011 (o que veio a ser anunciado formalmente em Junho desse ano), a Administração continuou a defender o prolongamento das missões no terreno, propondo incrementar as acções de contra-insurgência – particularmente com operações cirúrgicas de desmantelamento de células terroristas (EUAndo em especial veículos aéreos não tripulados [drones]), recorrer à utilização de dispositivos militares alternativos (como empresas privadas de segurança), participar mais activamente nos esforços de nation-building (nomeadamente no treino das forças policiais afegãs, bem como no estabelecimento de infra-estruturas básicas no país) e ainda reforçar o combate às diversas formas de corrupção existentes no Afeganistão.

Este plano multifacetado – que já produziu alguns resultados salientes (a morte de bin Laden, a destruição de vários centros operativos da Al-Qaida, o enfraquecimento da insurreição afegã, entre outros) – tem sido apoiado principalmente pelas forças republicanas no Congresso, as quais, tanto por motivos ideológicos (sendo defensores de uma política externa musculada), como políticos (pois foram os principais apoiantes da Guerra do Afeganistão desde o seu início, em 2001), estão mais próximas do roteiro traçado pela Administração Obama do que as hostes democratas. Neste sentido, as eleições intercalares impulsionaram os objectivos da Presidência, como previra no passado Max Boot (especialista em defesa e segurança do Council on Foreign Relations):

«Até aqui [Outubro de 2010], os republicanos têm dado um sólido apoio ao Presidente Obama no Afeganistão. A maior parte da oposição vem do Partido Democrata. Com mais republicanos [no Congresso], podemos presumir que haverá mais apoio para o esforço de guerra, o que é positivo. Isso enviará também uma mensagem do poder americano para a região [...]; significativos ganhos republicanos [nas eleições intercalares] serão um sinal da seriedade e do compromisso americano, o que ajudará nesta matéria.»13

O facto de muitos congressistas e senadores republicanos terem conferido apoio à Administração Obama não nos deve surpreender. Tal como referimos, o tema da política externa – porque assenta na defesa dos interesses da União norte-americana – presta-se por definição à existência de consensos políticos, alicerçados em torno de um interesse nacional que importa acima de tudo preservar. A este propósito, sirvam de exemplo os eventos ocorridos em torno do novo Tratado start, o qual visa prosseguir políticas de não proliferação nuclear, bem como reforçar os regimes de verificação e controlo no terreno entre os Estados Unidos e a Rússia. Com efeito, este acordo promovido pela Administração Obama (e assinado pelo Presidente em Abril de 2010) gozou do patrocínio dos principais líderes democratas, mas pôde apenas ser aprovado devido ao imprescindível apoio de 13 senadores republicanos, que o votaram favoravelmente no fim de Dezembro de 2010 (possibilitando assim a necessária maioria de dois terços dos votos no Senado).

Ademais, como alerta Alan Dobson, há um outro aspecto que tipicamente fomenta este género de acordos bipartidários na política externa: a existência de um complexo cenário político-económico nacional e internacional que exige um elevado sentido de responsabilidade dos agentes políticos, potenciando o que o professor de Dundee chama de «consensos induzidos por situações de crise» [crisis-induced consensus]14. Trata-se de uma espécie de estado de excepção no quadro político que reclama processos decisórios mais resolutos e transversais, por oposição a cenários de divisão partidária ou demorados debates estratégicos – usualmente mal recebidos pela opinião pública nas referidas situações de crise política e económica severa, que têm dominado a agenda mediática nos últimos anos.

A (re)introdução de lógicas consensuais no discurso e prática políticos, bem como o apoio dos republicanos a várias opções da Administração Obama, levaram assim a que diversos aspectos da política externa norte-americana tenham permanecido essencialmente inalterados após as eleições intercalares. Tal sucedeu em grande parte porque a política externa, como mencionámos, depende maioritariamente do Presidente, o qual tem demonstrado neste domínio reger-se por um pensamento estratégico de fundo. Efectivamente, a opção de Obama por uma abordagem externa com grande enfoque diplomático – sublinhando os mecanismos de colaboração internacional, multilateralismo e estabelecimento de parcerias em diversas regiões do globo – surge como fruto de um planeamento estruturado e não como mera reacção circunstancial a pressões momentâneas, sendo por isso naturalmente propenso a uma continuidade.

O fio condutor desse pensamento centra-se na leitura de um novo equilíbrio de forças em termos internacionais, que se sucedeu ao «bipolarismo» da Guerra Fria e ao «unipolarismo » dos anos 1990 (quando os Estados Unidos emergiram como a única superpotência mundial). Referimo-nos ao surgimento nos últimos anos de um quadro multipolar, no qual os Estados Unidos partilham um lugar proeminente juntamente com outros países de grande capacidade demográfica, altos índices de crescimento económico e vincada relevância geopolítica (como o Brasil, a Rússia, a Índia e a China)15. Trata-se de um peculiar cenário sobre o qual Obama tem discursado e escrito em várias ocasiões, apelando à necessidade de os Estados Unidos reconhecerem a emergência destas novas potências e de com elas estabelecerem estratégias de cooperação, em vez de reagirem de modo agressivo e unilateral, hostilizando aqueles e outros actores internacionais de relevo. Recordemos a este respeito uma famosa intervenção de Obama na campanha eleitoral presidencial de 2008:

«Estamos num momento decisivo da nossa história. Podemos escolher o caminho da guerra interminável e da acção unilateral, e minar a nossa força e as nossas posições. Podemos escolher o caminho do isolamento e ceder a nossa liderança. Ou podemos enfrentar o medo e o perigo de cabeça erguida, com esperança e força; com um propósito comum, com uma América unida, e com uma caEUA comum com velhos aliados e com novos parceiros.»16

O que está em caEUA, segundo o actual Presidente, não é o desejo de que os Estados Unidos se rendam a uma espécie de irrelevância internacional, mas antes a necessidade premente de os norte-americanos se adaptarem a este novo quadro internacional multipolar, procurando preservar uma posição dominante num tabuleiro de xadrez onde várias peças se movem em simultâneo. Ora, no entender de Obama, tal objectivo só poderá ser alcançado se os Estados Unidos se envolverem numa lógica de diálogo com estas novas (e graduais) potências, procurando compreender as suas prioridades e influenciar as suas decisões estratégicas.

A aposta na criação de relações próximas com estes países, traçada pela Administração Obama, não representa portanto uma dinâmica de resignação ou retracção internacional, mas antes um reequacionamento do papel dos Estados Unidos no mundo, manifestando o desejo de auscultar os (inevitáveis) parceiros, pois sem a sua contribuição e/ou influência, os Estados Unidos ficariam numa posição de fraqueza ao enfrentarem os grandes desafios do século xxi, como o terrorismo, as alterações climáticas, a revitalização da economia mundial, o combate à pobreza, o controlo de um agressivo Irão e de uma imprevisível Coreia do Norte, etc.

Uma vez que este programa está solidamente organizado e assenta sobretudo no trabalho diplomático (supervisionado exclusivamente pelo Presidente e seus colaboradores próximos), os Estados Unidos prosseguiram uma abordagem multilateral na política externa, independentemente do partido que dominava o Congresso, transformando o G20 num fórum permanente de cooperação económica (alargando os mais importantes círculos de decisão político-económica), reforçando o seu peso diplomático no Sudeste Asiático (com a participação dos eua na East Asia Summit, por exemplo) e encetando programas cooperativos com rivais tradicionais como a Rússia e a China.

Este último caso, embora problemático (devido às discordâncias ideológicas entre americanos e chineses, além de conflitos relativamente à política monetária da China), mereceu particular atenção, tendo Hillary Clinton, a secretária de Estado, insistido publicamente na necessidade de contrariar a ideia de que a China constitui um «adversário » dos Estados Unidos, sendo ao invés um importante parceiro económico, com quem os americanos «iriam trabalhar arduamente para construir bases de entendimento em áreas com preocupações comuns e oportunidades partilhadas»17.

No delicado caso da crise líbia, a Administração Obama excluiu igualmente a possibilidade de uma intervenção unilateral, preferindo antes reabilitar o papel das Nações Unidas (que com a Resolução do Conselho de Segurança 1973, votada favoravelmente pelos Estados Unidos, sancionou futuros actos de acção militar na Líbia), integrando posteriormente o auxílio dos Estados Unidos aos rebeldes líbios no quadro geral da intervenção militar da nato naquele país.

Por outro lado, uma vez que a União Europeia é tida por Obama como um interlocutor fundamental neste novo quadro internacional multifacetado, os Estados Unidos procuraram também manter uma colaboração próxima com Bruxelas. Alguns analistas sublinham que as relações transatlânticas são hoje preteridas pelos Estados Unidos em favor das ligações com os países asiáticos ou com a Rússia18, mas como referiu João Vale de Almeida (embaixador da ue nos Estados Unidos) numa entrevista em 2010, «o mundo necessita que os Estados Unidos e a União Europeia dialoguem de forma abundante e concordem no maior número de assuntos possíveis, fortalecendo a sua relação»19. O Presidente Obama viria a corroborar esta opinião no final de 2011, afirmando que os Estados Unidos «apoiavam o projecto europeu e apoiavam o euro»20, manifestando o desejo de colaborar de perto com as autoridades europeias para apaziguar tanto quanto possível os efeitos nocivos da crise económica na esfera transatlântica.

INCÓGNITAS E DESAFIOS

Ao apreciarmos o impacto das eleições intercalares na política externa da Administração federal, não devemos esquecer que algumas decisões tomadas na «segunda fase» do primeiro mandato de Barack Obama terão sobretudo implicações de médio ou longo prazo. Ainda que as eleições de 2010 não tenham levado a alterações radicais imediatas na política externa norte-americana, pode suceder portanto que as conquistas republicanas nessas eleições (especialmente se forem mantidas e/ou reforçadas em 2012 e 2014) venham a ter importantes repercussões no futuro. Embora não pareça prudente dizê-lo desde já, é pois possível que o ciclo eleitoral de 2010 venha a ser visto como um momento decisivo na (re)definição da política externa dos Estados Unidos.

Referimo-nos em particular ao desejo da Administração – fortemente instigada pelos republicanos – em reduzir consideravelmente os gastos federais nas áreas da defesa e da política externa, de forma a combater a galopante dívida pública dos Estados Unidos, bem como os seus crescentes défices. Tal pretensão figura nos principais documentos estratégicos emitidos pela Presidência, que aposta numa «revisão fundamental» da intervenção norte-americana nos cenários internacionais (tomada em sentido lato), através da redução de uns impressionantes 400 mil milhões de dólares em gastos no sector da defesa21. O Congresso apoia genericamente estas orientações, tendo por sua vez sugerido diminuir a habitual concessão de verbas emanada da câmara baixa federal para o Pentágono e apresentado documentos orçamentais que circunscrevem os fundos existentes para várias missões internacionais.

Com o patrocínio (e a pressão) do Congresso, a Administração federal tem vindo assim a pôr em prática um vasto plano de contenção financeira no âmbito da política externa, que começou por aplicar cortes na ajuda a países em desenvolvimento (em programas de educação, assistência humanitária e oferta de serviços de saúde), mas que prevê no médio prazo consignar igualmente limitações aos gastos com programas de nation-building em áreas intervencionadas pelos Estados Unidos, reduções dos efectivos militares em vários continentes (nomeadamente nas bases europeias e em outras zonas actualmente sem conflitos bélicos), diminuição dos gastos em operações de vigilância, limitação do corpo diplomático, entre outras medidas de teor semelhante.

Ainda que compreensíveis à luz da crise económico-financeira que abala de forma particular o mundo ocidental, estas orientações têm implicações severas em toda a organização externa norte-americana e por consequência nos alinhamentos estratégicos do poder mundial. Se em alguns casos essas implicações são sobretudo simbólicas (a redução de bases militares na Europa, por exemplo), noutros elas significam uma efectiva retracção da influência norte-americana, que pode comprometer os seus interesses futuros em áreas estratégicas vitais (designadamente o Médio Oriente e a Ásia) – como tem sublinhado Robert Kagan:

«devem culpar-se tanto a Administração Obama como o Congresso [...] por elaborarem uma estratégia orçamental de Defesa que não é comensurável com os objectivos e interesses estratégicos americanos. [...] Caso não sejam invertidos, os cortes profundos que ameaçam a Defesa irão minar de forma prolongada a posição dos Estados Unidos no mundo. Eles irão mesmo prejudicar os esforços da Administração Obama para transformar os Estados Unidos num interveniente mais consistente na Ásia»22.

Ao reduzirem a margem de manobra das autoridades americanas no palco internacional, os cortes previstos poderão abrir as portas a renovadas posições de força de competidores imprevisíveis (sendo a China e o Irão os casos mais evidentes), que certamente anseiam por um enfraquecimento da posição americana para afirmarem as suas pretensões estratégicas, as quais contemplam uma agenda económica, mas também objectivos políticos, territoriais e militares. Não será necessário insistir para os potenciais riscos inerentes a tal situação de instabilidade em zonas sensíveis do globo, nem para as eventuais consequências globais de um reenquadramento do contexto internacional assente na progressiva diminuição da influência norte-americana.

Embora primariamente delineado pela Administração Obama, este reposicionamento estratégico tem uma relação mais próxima com as eleições intercalares do que um primeiro olhar sugere, dado que o núcleo de apoio fundamental a estas restrições financeiras reside precisamente na bancada republicana, alargada em 2010 com fervorosos defensores de uma política de contenção nos gastos da Defesa23. A maioria está associada ao Tea Party, que apesar da sua diversidade e descentralização organizativa, conjuga uma mensagem intransigente no domínio do conservadorismo fiscal com um discurso predominantemente isolacionista na política externa.

No entender de Michael Gerson, trata-se de uma nova geração de políticos, ansiosa por actualizar os princípios do «jacksonianismo» (uma das quatro grandes tendências ideológicas dos norte-americanos no domínio da política externa, a par do «hamiltonianismo », o «jeffersonianismo» e o «wilsonianismo», segundo o historiador Walter Russel Mead24). Quais os seus princípios? Em traços largos, uma curiosa mescla de nacionalismo, populismo e isolacionismo, alicerçada numa crença inabalável na superioridade moral dos Estados Unidos e na desconfiança das instâncias internacionais, às quais porém juntam um vincado anticentralismo e um ardente desejo de conter as despesas de Washington também no campo da defesa. Numa das ironias em que a política é frequente, este grupo, caracterizado por uma veemente aversão ao Presidente Obama, tem sido um importante aliado da Administração no delineamento do novo quadro de restrição financeira na política externa dos Estados Unidos.

A eleição de vários congressistas e senadores associados ao Tea Party adensou um fenómeno que a jornalista e historiadora Anne Applebaum designou de «desaparecimento dos moderados»25. Na realidade, a radicalização do discurso político nos últimos anos tem afastado dos partidos personalidades tendencialmente «centristas», substituídas por figuras polarizadoras, que se impõem pelo seu discurso polémico e muitas vezes populista. Durante décadas confinados a cargos menores ou a posições ideológicas minoritárias, estes políticos têm assumido uma crescente preponderância nos dois principais partidos norte-americanos, conferindo uma maior agressividade ao debate político em Washington.

Efectivamente, é hoje comum encontrar em lugares proeminentes figuras como Ileana Ros-Lehtinen, a actual presidente do House Committee on Foreign Affairs, conhecida pelas suas posições radicais em política externa. Feroz advogada de um conservadorismo fiscal, esta congressista republicana da Florida defende a redução dos serviços diplomáticos e a limitação das missões humanitárias – «estratégias falhadas enraizadas na arcaica abordagem pós-Segunda Guerra Mundial»26, nas suas palavras. Ao mesmo tempo, Ros-Lehtinen é defensora de uma política externa agressiva, recomendando a adopção de sanções políticas e económicas à China, uma intervenção militar no Irão e a rejeição de qualquer diálogo com o regime cubano (pretendendo limitar os voos de americanos para Cuba e taxar fortemente o envio de dinheiro para esta ilha)27.

Até ao momento, Obama tem resistido a este tipo de discurso virulento, mas permanece uma incógnita, que é a de saber de que forma a generalização mediática e política de tais doutrinas poderá conduzir a alterações relevantes no posicionamento da Administração até ao final deste ano (e para além dele, caso Obama obtenha um segundo mandato), em matérias delicadas como a política para o Médio Oriente ou as relações com o Irão, entre outras. Até porque a opinião pública parece alinhar com aquele argumentário agressivo, colocando (ainda) maior pressão à Presidência, que tem seguido uma simples táctica de contenção (para isolar internacionalmente o Irão, contando com o apoio da Rússia para controlar a circulação de material nuclear). Com efeito, segundo as sondagens mais recentes, 61 por cento dos americanos identificam a ameaça iraniana como «crítica»; 56 por cento defendem que os Estados Unidos devem atacar o Irão caso existam provas de que estão a ser construídas armas nucleares nesse país (39 por cento são contra); 54 por cento dos inquiridos receiam que as autoridades americanas tenham já demorado demasiado tempo a agir; 62 por cento consideram que os Estados Unidos devem estar ao lado de Israel caso este país decida bombardear o Irão; e quando questionados sobre a nação cujo poder militar mais receiam os inquiridos responderam em primeiro lugar «Irão», à frente de outras potências aparentemente mais relevantes como a China ou a Rússia28.

No contexto de uma reflexão prospectiva, não devemos ignorar a importância da opinião pública – a qual «define limites a todo o governo, e é o verdadeiro soberano em todos [os governos] livres», nas famosas palavras de James Madison29. Na realidade, apesar de os governantes beneficiarem de uma (necessária) autonomia operativa, continuam a estar dependentes do juízo popular, sendo permanentemente forçados a ajustar as suas posições em função dos interesses do eleitorado.

Ora, os estudos de opinião revelam uma sociedade norte-americana mergulhada no pessimismo, frustração, impaciência e enorme incerteza. Os dados recolhidos nas eleições intercalares de 2010, através de sondagens à boca da urna, são conclusivos: 73 por cento dos eleitores estavam insatisfeitos com o governo federal, 90 por cento descreviam o estado da economia como «mau» ou «péssimo», 61 por cento consideravam que o país «está no rumo errado» – dados que pouco ou nada mudaram até ao momento. Até os números relativos à política externa (uma área onde a acção governativa é tendencialmente elogiada pelos eleitores, quando comparada com a política doméstica) mostram um descontentamento geral e sobretudo uma apreensão vincada face aos desafios futuros30.

Perante tais dados, facilmente percebemos que uma das mais difíceis tarefas da próxima administração – seja ela chefiada por Obama ou um outro candidato vencedor em Novembro de 2012 – será lidar com a imensa pressão de uma opinião pública particularmente susceptível e potencialmente imprevisível, face a um desolador e persistente cenário político interno e externo. A nosso ver, este contexto explosivo exige do governo federal uma cabal demonstração das suas virtudes políticas, resistindo aos impulsos radicais do momento e traçando um plano de acção estratégica ponderada. No domínio da política externa, isso significa, acima de tudo, aprender com as lições do passado (e a década de 1930 é aqui a referência máxima), rejeitar a tentação fácil do proteccionismo comercial ou do isolacionismo político, recEUAr acções militares desnecessárias e procurar soluções concertadas com os parceiros internacionais. É um desafio de monta, reconheçamos. Mas como dizia o grande revolucionário Thomas Paine31, «estes são os tempos que põem à prova as almas dos homens»...

 

NOTAS

1 A pedido do autor este texto não adopta as normas do Novo Acordo Ortográfico.

2 Cf. Dobson, Alan – «What could the us mid-term election results mean for nato?», Disponível em: http://www.nato.int/docu/review/2010/View-America/US-Mid-Term-Election/EN/index.htm;         [ Links ] Feaver, Peter – «What are foreign-policy consequences of the midterm election results?». Disponível em: http://shadow.foreignpolicy.com/posts/2010/11/03/what_are_foreign_policy_consequences_of_the_midterm_election_results?wpisrc=obnetwork [consultados em 07/05/2012].

3 Cf. Feaver, Peter – «What are foreign-policy consequences of the midterm election results?».

4 Miller, Aaron – «Go small and stay home». In Foreign Policy. Disponível em: http://www.foreignpolicy.com/articles/2010/11/01/go_small_and_stay_home [Consultado em: 7 de Maio de 2012]         [ Links ].

5 Kupch an, Charles, citado por Lobe, Jim – «Obama foreign policy likely to face Republican challenges». Disponível em: http://ipsnews.net/news.asp?idnews=53453. [Consultado em: 7 de Maio de 2012].

6 Cf. Hadar, Leon – «Post-midterms foreign policy: will they make a difference? ». Disponível em: http://www.huffingtonpost.com/leonthadar/post-midterms-foreign-pol_b_771962. html; Brooks, Michelle – «No major foreign policy shift after u.s. midterm election ». Disponível em: http://archives.uruguay.usembassy.gov/EUAweb/2010/10-208EN.shtml; Lindsay, James citado por Cook, Steven – «The midterm elections and mideast foreign policy». Disponível em: http://blogs.cfr.org/cook/2010/11/03/the-midterm-elections-and-mideast-foreign-policy Haass, Richard – «American foreign policy after the mid-term elections ». Disponível em: http://www.project-syndicate.org/commentary/haass33/English [todos consultados em: 7 de Maio de 2012].

7 Sirva de exemplo a famosa lei aprovada no Arizona («Support Our Law Enforcement and Safe Neighborhoods Act»), que obriga todos os estrangeiros a transpor tarem permanentemente consigo documentos que provem estarem legalmente naquele estado, pune severamente quem der abrigo ou transporte a imigrantes ilegais, e confere uma autoridade discricionária às forças de segurança, uma vez que estas podem revistar qualquer indivíduo que considerem suspeito de ser um imigrante ilegal, em qualquer circunstância e sem um mandado judicial.

8 Cf. Rawlins, Aimee – «Immigration and the midterm elections». Disponível em: http://www.cfr.org/publication/23225/immigration_and_the_midterm_elections.html [Consultado em: 7 de Maio de 2012]         [ Links ].

9 http://www.reuters.com/article/2011/03/04/us-epa-emissions-bill-idUSTRE7226UJ20110304.

10 Cf. http://www.foxnews.com/politics/2011/09/23/house-gop-passes-bill-targeting-epa-regulations/#zz1tH6N2TDL.

11 Cf. http://iipdigital.usembassy.gov/st/english/inbrief/2011/10/20111021123055eiznekcam0.9893152.html#axzz1tI0MskPq [Consultado em: 7 de Maio de 2012].

12 Cf . http://en.mercopress.com/2011/10/13/us-congress-approves-free-trade-agreements-with-colombia-panama-and-s-korea [Consultado em: 7 de Maio de 2012].

13 Boot, Max – «The road to negotiations with Afghanistan». Disponível em: http://www.cfr.org/publication/23171/road_to_negotiations_in_afghanistan.html [Consultado em: 7 de Maio de 2012]         [ Links ].

14 Cf. Dobson, Alan – «What could the us mid-term election results mean for nato? ». Disponível em: http://www.nato.int/docu/review/2010/View-America/US-Mid-Term-Election/EN/index.htm [Consultado em: 7 de Maio de 2012]         [ Links ].

15 Sobre este assunto, cf. Zakaria , Fareed – O Mundo Pós-Americano. Tradução portuguesa. Lisboa: Gradiva, 2008.         [ Links ]

16 Obama, Barack – «Discurso de 19 de Março de 2008». In Olive, David (org.) – Uma História Americana: Os Melhores Discursos de Barack Obama. Lisboa: Esfera do Caos, 2008, pp. 275-276.         [ Links ]

17 Hillar y Clinton em declarações à imprensa a 17 de Fevereiro de 20 09. Disponível em: http://www.theaustralian.com.au/news/clinton-reaffirms-japanese-alliance/story-e6frg6t6-1111118873910. [Consultado em: 7 de Maio de 2012].

18 Cf. Raposo, Henrique – Um Mundo sem Europeus. Lisboa: Guerra e Paz, 2010 (bem como a ampla bibliografia citada no livro a este propósito).         [ Links ]

19 Cf. entrevista de João Vale de Almeida ao Deutsche Welle, 12 de Novembro de 2010. Disponível em http://www.dw-world.de/dw/article/0,,6221014,00.html. [Consultado em: 7 de Maio de 2012].

20 Barack Obama em conferência de imprensa de 24 de Novembro de 2011. Disponível em: http://www.businessweek.com/news/2011-11-24/obama-says-firewall-needed-to-show-europe-stands-behind-euro.html [Consultado em: 7 de Maio de 2012].

21 Cf. http://www.defence.pk/forums/military-forum/103687-EUA-defense-spending-cut-us-400-billion-2023-a.html; http://www.defense.gov/news/Defense_Strategic_Guidance.pdf; http://www.cfr.org/defense-strategy/panettas-remarks-defense-strategic-review/p26978. [Consultados em: 7 de Maio de 2012].

22 Kagan, Robert, entrevista à Foreign Policy. Disponível em: http://www.foreignpolicy.com/articles/2012/01/23/grading_obama_s_foreign_policy?hidecomments=yes. [Consultado em: 7 de Maio de 2012].

23 A este respeito, os republicanos enfrentam um complexo dilema, relativo ao seu desejo de harmonizar medidas de austeridade interna com uma política externa eminentemente robusta, que necessita de fundos chorudos. Na realidade, insistir na necessidade de limitar as verbas destinadas à defesa enfraqueceria severamente a imagem do Partido Republicano como a força política tradicionalmente mais preocupada com os temas da segurança e da afirmação externa dos Estados Unidos – imagem essa que demorou décadas a construir e que lhe vale hoje uma impor tante parcela do eleitorado norte-americano.

24 Cf. Gerson, Michael – « A post-midterm look at u.s. Foreign Policy». Disponível em: http://newsok.com/article/3512487 [Consultado em: 7 de Maio de 2012]         [ Links ]. Cf. também o livro de Mead, Walter Russell – Special Providence: American Foreign Policy and How it Changed the World. Nova York: Routledge, 2002.         [ Links ]

25 Cf. Applebaum, Anne– «The disappearance of the moderate moderates». Disponível em: http://fullcomment.nationalpost.com/2010/10/27/anne-applebaum-the-disappearance-of-moderate-moderates/ [Consultado em: 7 de Maio de 2012]         [ Links ].

26 Ileana Ros-Lehtinen, comunicado oficial emitido a 8 de Dezembro de 2010. Disponível em: http://republicans.foreignaffairs.house.gov/press_display.asp?id=1657. [Consultado em: 7 de Maio de 2012].

27 No essencial, estamos pois perante uma recuperação do discurso neoconservador seguido pela anterior Administração Bush, como atestam as seguintes afirmações de Ros-Lehtinen: «My worldview is clear: isolate and hold our enemies accountable, while supporting and strengthening our allies. I support strong sanctions and other penalties against those who aid violent extremists, brutalize their own people, and have time and time again rejected calls to behave as responsible nations. Rogue regimes never respond to anything less than hardball», Ileana Ros-Lehtinen, comunicado oficial emitido a 8 de Dezembro de 2010. Disponível em: http://republicans.foreignaffairs.house.gov/press_display.asp?id=1657. [Consultado em: 7 de Maio de 2012].

28 Cf. http://www.pollingreport.com/iran.htm;http://www.gallup.com/poll/125996/View-Iran-Critical-Threat-Interests.aspx. [ambos consultados em: 7 de Maio de 2012].

29 Madison, James – Public Opinion [1792], Papers of James Madison, vol. 14, University Press of Virginia, p. 170.         [ Links ]

30 Cf. http://edition.cnn.com/ELECTION/2010/results/polls/#USH00p1; http://www.gallup.com/tag/Presidential%2bJob%2bApproval.aspx e ainda http://www.gallup.com/poll/151628/congress-ends-2011-record-low-approval.aspx [Consultados em: 7 de Maio de 2012].

31 Paine, Thomas – The American Crisis I. In Collected Writings. Nova York: Library of America, 1995, p. 91.         [ Links ]