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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.34 Lisboa jun. 2012

 

As perceções de insegurança sino-americanas1

Sino-american insecurity perceptions

 

Alexandre Carriço

Tenente-coronel de Infantaria. Assessor de estudos e investigador do Instituto da Defesa Nacional. Mestre em Relações Internacionais e doutorando em Ciência Política com especialização em Relações Internacionais (estudos asiáticos). Tem publicado extensivamente sobre questões de segurança e defesa da República Popular da China.

 

RESUMO

Este artigo analisa as perceções de insegurança sino-americanas, argumentando-se que, embora difícil, não é impossível alcançar uma relação estrategicamente mais estável. o que parece estar ainda por materializar no diálogo entre os dois países é um conceito integrativo e abrangente de integração que incorpore conceitos comuns face à crescente complexidade e multiplicidade dos desafios políticos, económicos, militares e tecnológicos que se vislumbram. a conciliação destas duas versões de excecionalismo é o maior desafio que se apresenta às relações bilaterais no século xxi.

Palavras-chave: Estados Unidos da américa, república Popular da China, perceções, segurança

 

ABSTRACT

The article analyses the sinoamerican insecurity perceptions arguing that a more strategically stable relationship, although difficult to accomplish, is not impossible to achieve. What seems to lack in the bilateral dialogue is an integrative and comprehensive concept of interaction – yet to materialize – capable of incorporating common concepts which necessary to deal with the growing complexity and multiplicity of the political, economic, military and technological challenges envisioned. the conciliation of these two versions of exceptionalism is the greatest challenge to the bilateral relationship in the 21st century.

Keywords: united States of america, People’s republic of China, perceptions, security

 

Nos últimos vinte anos os atritos no plano da segurança entre a república Popular da China (rpc) e os Estados Unidos da américa têm ocorrido com maior frequência2, ainda que se dissipem posteriormente sem danos substantivos para as relações bilaterais.

Esta fenomenologia tem tido uma preponderância relevante no discurso oficial de segurança de ambos os estados, bastando para tal atendermos à leitura dos Livros Brancos da Defesa Nacional da República Popular da China e às edições da Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos, entre outros.

Desde 2001 que Pequim acelerou o seu programa de modernização militar numa lógica de internal balancing face aos Estados Unidos, com o intuito de incrementar a sua capacidade de dissuasão regional face às «interferências territoriais» (lingtu ganrao) de Washington sobre as áreas marítimas de interesse da China, pela demonstração da capacidade e determinação em defender a sua soberania territorial.

A opção por esta aceleração da modernização militar chinesa foi facilitada pelo crescimento do seu poder económico e pela acentuação de uma política mais assertiva dos Estados Unidos que levou ao aprofundamento das suas alianças com o Japão, a austrália, as filipinas, a tailândia e a Coreia do Sul (criticada ao abrigo do Novo Conceito de Segurança da China – Xin anquanguan – formulado em 1997), à intervenção militar no afeganistão e no iraque, a uma política de maior apoio a taiwan através da aprovação de sucessivos pacotes de vendas de armamento (o último dos quais em outubro de 2011), e ao desenvolvimento de um sistema nacional e regional de defesa antimíssil. Esta perceção de insegurança foi recentemente agravada, quando, em final de 2011, a secretária de estado norte-americana Hillary Clinton declarou que a região da ásia-Pacífico seria a partir de agora a prioridade dos Estados Unidos 3, reforçando a credibilidade e o prestígio de Washington perante os compromissos assumidos com os seus aliados regionais, de acordo com a arquitetura de segurança de hub and spoke.

Para a China esta redefinição das prioridades geopolíticas dos Estados Unidos visa em última análise conter e/ou limitar o crescimento do seu poder e influência no seio do sistema internacional, obstando no processo à noção que se começa a generalizar (particularmente em Pequim) de que a superpotência entrou numa fase de «declínio elegante»4.

Mas o facto de os atritos bilaterais continuarem a suceder-se espelha um choque de perceções de autoimagem das respetivas elites políticas e opinião pública. Ou seja, enquanto no caso dos Estados Unidos se assiste a um défice de autoconfiança e a uma certa autocomiseração discursiva face à China, o fenómeno é inverso entre a população chinesa, o que consubstancia uma reversão do padrão histórico das respetivas imagens5.

Com efeito, parece estar a ser sedimentado ao nível das elites e da opinião pública de ambos os países a noção de que o crescimento do «Poder Nacional abrangente – pna ou zhonghe guoli)» e da ascensão da China no sistema internacional, está a acelerar a redistribuição do poder no sistema internacional no sentido de uma verdadeira multipolaridade (duo jihua), mas que por enquanto continua a ser caraterizado como um sistema de «uma superpotência e várias grandes potências (yichaoduoqiang6.

Esta mútua confluência de interesses e prioridades entre os Estados Unidos e a rpc sobre a região da ásia-Pacífico somada às disputas territoriais marítimas entre a China e a maioria dos países da região – alguns deles aliados dos Estados Unidos – e à questão de taiwan, acentua um dilema de perceções (uma subvariante do tradicional dilema de segurança) obrigando a uma remoldagem das respetivas políticas de segurança e das estratégias de defesa nacional.

Ou seja, a incerteza que cada um alberga quanto às verdadeiras intenções do outro, quanto ao incremento ou perda de preponderância ou primazia, quanto ao prestígio e credibilidade em termos de influência global e mais concretamente regional, potencia uma maior competição bilateral no âmbito da segurança e defesa, que acaba por se repercutir decisivamente numa redução dos níveis de confiança mútua7.

 

A PERCEÇÃO DE (IN)SEGURANÇA NAS RELAÇÕES SINO-AMERICANAS

No plano político a perceção é descrita como um mecanismo psicológico que conduz à definição de uma situação e a um subsequente processo de tomada de decisão. A perceção das intenções de outrem pode ser particularmente difícil de descortinar pois está associada a «estados mentais» que apenas podem ser inferidos por evidências indiretas, conduzindo a erros de perceção. Assim, a má perceção pode não ser sinónimo de um fracasso da política, mas pode afetar nalguns casos as opções disponíveis8.

As perceções são importantes em termos de políticas externas dos estados pois modelam e condicionam o leque de opções, sendo a escolha da política a seguir o resultado da concatenação de respostas percecionadas, intenções e capacidades de outros estados. Como a política externa dos estados é feita por indivíduos, existe ainda uma tendência inevitável para que os que estejam ligados ao processo de tomada de decisão política procurarem um padrão de consistência nas suas perceções e em projetá-lo no futuro, pois qualquer tomada de decisão racional torna-se impossível sem a assimilação de quantidades significativas de informação que são «encaixadas» em crenças preexistentes9.

Neste contexto de individualização do processo de tomada de decisão, não deve ser subalternizada a dimensão etnocêntrica e cultural relativa à especificidade dessas mesmas crenças, as quais podem modelar diferentemente tanto o pensar como o percecionar da realidade de segurança.

De acordo com Richard Nisbett, existe entre asiáticos e ocidentais um quadro psicológico e mental distinto que modela as diferentes formas de perceção e de pensamento:

«os chineses acreditam na mudança constante, com avanços e recuos. têm em atenção um conjunto de eventos e procuram inter-relações entre os objetos [físicos, animais e humanos] defendendo que não se consegue entender uma parte sem se compreender o todo, que por si só é mais complexo do que parece. Os ocidentais vivem num mundo mais simples e determinista, focando a sua atenção nos objetos e nos indivíduos em detrimento da envolvente, julgando que podem controlar os acontecimentos porque conhecem as regras que governam o comportamento desses objetos.»10

Estas diferenças podem ser uma consequência do emprego de distintos instrumentos quanto à compreensão do mundo. Com efeito, enquanto os chineses desenvolveram um pensamento dialético para compreenderem as relações entre objetos e acontecimentos, o pensamento lógico da herança ocidental grega privilegiou os nexos causais, onde o importante são os objetivos/fins e não os processos11.

Se Samuel huntington vaticinou um clash of civilizations, pode-se questionar se a um nível mais primordial não existe um clash of mentalities and perceptions potenciador em última análise de um dilema de perceções de insegurança.

Como sublinha Jervis, «a natureza da política internacional é multilateral e interativa. ou seja, não se lida com um estado que perceciona a envolvente externa como passiva, mas com muitos estados que se percecionam e reagem entre si»12.

A comunicação neste ambiente complexo é efetuada através do envio e receção de sinais. os estados enviam sinais intencionais que correspondem às suas perceções e intenções bem como sinais não intencionais, em resultado de erros inadvertidos de comunicação. Ao mesmo tempo recebem sinais e tentam interpretá-los o mais corretamente possível, mas tal não impede que haja sempre uma maior ou menor faixa de incerteza quanto às verdadeiras intenções do outro.

Por outras palavras, e aplicado diretamente à díade sino-americana, o facto de os chineses serem mais sensíveis à envolvente externa no plano da segurança e defesa por definirem de uma forma mais contingente e menos flexível os seus interesses nacionais e a defesa da sua soberania territorial (reflexo da ocupação territorial por potências estrangeiras durante o «Século da humilhação»), pode condicionar mais assertiva e negativamente as suas perceções de insegurança relativamente às intenções dos Estados Unidos.

Estamos pois ante uma dúvida perene. Pode não existir qualquer razão objetiva que torne a confrontação entre os Estados Unidos e a China uma inevitabilidade, mas perceções erradas ou simples diatribes linguísticas tornam-na mais provável. Ou seja, o desenvolvimento de capacidades militares conduzidas pela China e encaradas como defensivas é interpretado como ameaçador e desestabilizador do status quo regional, obrigando a ações de dissuasão por parte dos Estados Unidos, as quais são percecio- nadas como de contenção do poder e influência regional da China, obrigando por sua vez a um novo reforço das suas capacidades militares «defensivas», que são encaradas pelos Estados Unidos como potencialmente ofensivas ao abrigo da relativa ambiguidade do conceito estratégico de defesa ativa da China (como veremos mais à frente).

Em resumo, a dimensão das perceções mútuas de insegurança associada ao mecanismo de self-fulfilling prophecies13gera um processo de mútuas desconfianças e de caraterização ambivalente da segurança, a qual é patente no discurso nos Livros Brancos da Defesa Nacio-nal da China, na Estratégia de Defesa Nacional dos Estados Unidos e nos relatórios anuais do Departamento de Defesa dos Estados Unidos sobre o Poder Militar da rpc.

No entanto, tal não deixa de ser paradoxal pois apesar de ambos os países se sentirem seguros e confiantes face ao seu futuro bem como à respetiva preponderância no sistema internacional (mais patente no caso da China), e de deterem interesses complementares em muitas áreas, continuam a divisar – e por vezes a empolar – permanentes ameaças a essa mesma segurança e estabilidade, não se escusando a apontarem a origem dessas potenciais ameaças às formulações estratégicas do outro.

Se dúvidas existissem quanto à omnipresença tectónica de mútuas suspeitas relativamente às intenções de cada um no plano da segurança regional basta atendermos as declarações de hu Jintao e Wen Jiabao em 2001; a um editorial da revista Qiushi (em busca da verdade) publicada pelo Comité Central do pcc em setembro de 2011; e, no mês seguinte ao artigo de Hillary Clinton na revista Foreign Policy; ao editorial de li hongmei no Jiefangjun Bao (Diário do exército Popular de libertação), relativamente à tournée asiática do secretário da Defesa dos Estados Unidos, leon Panetta; e, por fim, a um artigo do major-general luo Yuan, para confirmamos a incontornável persistência destas perceções mútuas de insegurança14.

Estas perceções de insegurança refletem-se em questões como a reunificação de taiwan, o défice comercial dos Estados Unidos, a poluição ambiental, a segurança energética, a modernização militar da China, o reforço da presença militar dos Estados Unidos na ásia-Pacífico, a política cambial e os direitos humanos, que são as questões que mais preocupam ambos os países por ordem decrescente de importância.

Os desafios associados à necessidade de os Estados Unidos e da rpc efetuarem uma gestão correta das perceções mútuas de segurança foram reconhecidos em 2011 pelo subsecretário de estado norte-americano, William Burns, e pelo embaixador da China nos Estados Unidos, Zhang Yseui, ao descreverem, respetivamente, o futuro das relações bilaterais como um grande desafio para ambos os países:

«Nos próximos anos isto será um enorme desafio para os dois países. Nem o conflito nem a cooperação são inevitáveis… as escolhas que cada um de nós faz influenciam enormemente os resultados e as apostas não têm que ser mais elevadas. ambos os países têm muitos pontos em comum e diferenças importantes, as quais requerem o aprofundamento da comunicação, da transparência e da confiança para evitar desentendimento e prevenir crises.»15

acrescentando que

«a China e os Estados Unidos devem continuar a construir confiança estratégica e gerir adequadamente as diferenças e os desentendimentos… a China e os Estados Unidos são diferentes quanto ao sistema político, valor social, tradições históricas e culturais, o que pode conduzir a desentendimentos e desconfianças na intenção estratégica de casa um. É imperativo alterar a velha maneira de pensar e começar a construir as relações China-Estados Unidos com base numa visão global e numa perspetiva estratégica e de longo prazo. Se trabalharmos em conjunto como parceiros, poderemos, ambos, emergir como vencedores.»16

Mas serão as diferenças mencionadas por ambos os diplomatas assim tão acentuadas? A figura 1 elenca comparativamente os respetivos valores, interesses vitais, princípios de política externa, estratégias de segurança e defesa nacional, metodologia de avaliação das ameaças, e estratégias e doutrinas militares dos Estados Unidos e da China, permitindo-nos constatar que no plano macropolítico, e na sua essência, elas não são assim tão divergente (pelo menos semanticamente), sendo até complementares em algumas áreas. O cerne do desfasamento percetivo parece resultar da forma como cada um deles os operacionaliza, o que tem repercussões mais polarizadoras ao nível da interação bilateral no plano estratégico, especialmente na área da segurança e defesa regional asiática.

 

Figura 1

Comparação entre os Estados Unidos e a China

 

VALORES SOCIOCULTURAIS

No que concerne a este critério verificamos que estamos perante uma relativa consonância na defesa de alguns valores (igualdade e independência) e um entendimento distinto quanto à forma de operacionalização de outros (liberdade, democracia e desenvolvimento).

O dilema percetivo resulta de duas versões moralistas e proselitistas assentes num autodenominado excecionalismo. o proselitismo e messianismo norte-americano (por vezes de cariz unilateralista e coercivo) tende a colidir com a visão confucionista/chinesa de uma comunidade internacional (ou grande comunidade – datong) em paz e harmonia (hexie) global e nacional, sendo a harmonia um eufemismo para estabilidade global e unidade e estabilidade nacional, onde se pretende reduzir as incertezas e aumentar a previsibilidade, numa concetualização que é um misto de idealismo (unidade na diversidade) e realismo17.

Verdade seja dita que a autoperceção moralista da China não fica atrás da norte-americana, mas possui uma dimensão essencialmente interna, ao contrário da dimensão mais externa e proselitista dos Estados Unidos. O país perceciona-se a si próprio como único na sua natureza pacífica e defensiva, com todas as suas ações, por defensivas, a poderem ser justificadas pelas suas autoperceções de justiça e moralidade.

Quando os Estados Unidos tentam transpor e aplicar à China um tipo de discurso assente na defesa absoluta da liberdade, democracia e defesa dos direitos humanos, Washington colide com a força gravítica civilizacional e cultural daquela que também desenvolveu valores e conceitos particulares – especialmente o confucionismo – tidos como alternativos e mais apelativos no contexto asiático.

Uma outra dissonância tem origem na diferente natureza dos respetivos regimes políticos. Esta tentativa de indução externa de valores por parte da potência hegemónica faz com que a China resista aos argumentos ocidentais de impugnação da sua reputação internacional com base no seu «deficiente registo» de respeito pelos direitos humanos, nomeadamente quanto ao seu défice democrático e de liberdade de expressão dos seus cidadãos18, o que leva a China a acusar frequentemente os Estados Unidos de terem critérios duplos de avaliação (shuangchong biaozhun)19.

Para Pequim, a democracia num país é gerada internamente, não imposta externamente20, pois, como afirmou Deng Xiaoping, «os direitos nacionais (guo quan) são mais importantes que os direitos humanos, sobrepondo-se sempre os primeiros aos últimos»21.

A visão prevalecente na China admite que existe um aspeto universal dos direitos humanos, interdependente e mutuamente reforçado por vetores políticos, económicos, sociais e culturais. o direito à subsistência é uma pré-condição para o direito ao desenvolvimento e outros direitos culturais, civis e políticos. Se o objetivo de um país é a democracia, a liberdade e a defesa dos direitos humanos, a fórmula fundamental passa pela sua promoção do desenvolvimento económico, do progresso e da estabilidade da sua sociedade.

No campo dos valores socioculturais o problema das perceções que existe quanto à interpretação e avaliação da China baseia-se no léxico das experiências ocidentais, o que, por definição, exclui tudo o que é específico da China: ou seja, o que faz a China é o que ela é, não o que queremos ou pretendemos querer que ela seja ou venha a ser.

 

INTERESSES VITAIS

Neste ponto denota-se imediatamente uma diferença estrutural: os estados unidos assumem uma forte dimensão de política externa na modelação e defesa dos seus interesses vitais, enquanto a China deixa transparecer uma preocupação prioritariamente interna nessa mesma modelação, ainda que reconheça que para a consecução dos seus interesses seja imprescindível uma envolvente externa pacífica.

Tal deriva do facto de os Estados Unidos partirem do pressuposto que a sua sociedade e a sua integridade territorial se encontram vincadamente definidas e estabilizadas, enquanto Pequim continua a descortinar riscos significativos e permanentes a este tipo de desiderato: crescentes assimetrias sociais; impacto crescentemente negativo que a poluição ambiental tem no desenvolvimento económico nacional; as tendências separatistas do tibete e de Xinjiang; a reunificação de taiwan; as disputas territoriais com o Japão (ilhas Diaoyu/ /Senkaku) e com alguns países da asean (sul do mar da China).

Para Pequim, a política de defesa nacional da China contribui para a salvaguarda e prossecução dos interesses vitais e tem como objetivos a preservação da segurança nacional; para a proteção dos interesses associados ao desenvolvimento do país; e para a continuação de um desenvolvimento abrangente, coordenado e sustentável da defesa nacional e das forças armadas em ligação com o desenvolvimento económico do país22. Se associarmos a esta caracterização o facto de, desde 2004, uma das «Missões históricas das forças armadas chinesas na nova etapa do século xxi» (Xin shiji xin jiedauan wojun lishi shiming) ser a de apoiar a salvaguarda e defesa dos interesses nacionais23, tal faz com que haja um papel cada vez mais assertivo do epl nas questões de defesa da soberania, particularmente expressas no crescente número de incidentes envolvendo navios e aviões militares chineses com congéneres norte-americanos, japoneses, filipinos e vietnamitas. Estas ações são encaradas pelos Estados Unidos como potencialmente desestabilizadoras e revisionistas do status quo regional acentuando a necessidade do seu offshore balancing.

 

PRINCIPIOS DA POLITICA EXTERNA

Em termos de objetivos da política externa, os dois países não apresentam conflitos de interesse particularmente insanáveis. O objetivo central da política externa dos Estados Unidos continua a ser o de garantir que nenhum estado desafie o seu papel dominante como líder global24.

A China conviveu até recentemente com bastante facilidade com este desiderato de uma «unipolaridade benigna» procurando «evitar danos sem promover ativamente os seus interesses nacionais» (yi bihai weizhu)25. Esta postura tem sofrido alterações tectónicas no contexto regional, com Pequim a mostrar-se cada vez mais assertiva e desafiadora desta preponderância norte-americana mas que a coloca ante um dilema: almeja ser uma superpotência, mas reconhece que por enquanto os obstáculos ainda são grandes, pelo que resiste a uma antecipação prematura de tal desiderato, preferindo por enquanto salvaguardar o excepcionalismo da sua identidade nacional e caracterizar-se como um país em desenvolvimento.

Ou seja, no que respeita aos princípios das respetivas políticas externas constatamos que apesar da diferença semântica enfatizam prioritariamente uma dimensão internacional cooperativa, ainda que de maior low profile (tao guang yang hui) por parte da China, de acordo com o preceituado por Deng Xiaoping de o país não procurar a liderança (buyao dangtou), mas em consonância com o formulado por hu Jintao, de se assumir cada vez mais como uma «potência responsável» (fuzeren de daguo) mas com objetivos limitados e pragmáticos26.

A grande diferença normativa centra-se na interpretação do conceito de respeito pela soberania integral dos estados e de não ingerência nos assuntos internos dos mesmos, com a China a ter uma posição mais conservadora e em linha com a concetualização tradicional de soberania expressa na Carta das Nações unidas, demonstrando fortes reservas no que concerne aos mais recentes emolumentos da onu quanto ao direito de intervenção humanitária e da responsabilidade de proteger – que encara como violadores de dois dos seus cinco princípios da coexistência pacífica27.

Para Pequim, o direito internacional é um conjunto de normas incompletas que dão ao direito interno dos estados espaço para o complementarem, pelo que um e outro devem coexistir harmoniosamente. Como a ordem internacional vigente continua a ser pautada por uma primazia dos Estados Unidos no sentido de remodelarem o direito internacional numa direcção que visa conferir um estatuto de menoridade à soberania dos estados face a questões como o respeito e defesa dos direitos humanos, tal acaba por originar na China a perceção de que tal ordem não é particularmente justa28. Como declarou hu Jintao, na assembleia Geral da onu em 2005,aquando das comemorações do 60.º aniversário da organização:

«Como habitualmente, a China irá, com base nos objetivos e princípios da Carta das Nações unidas, participar ativamente nos assuntos internacionais e cumprir com as suas obrigações internacionais, assim como trabalhar com outros países na construção de uma novaordem política e económica internacional que seja justa e racional»29 (itálico do autor).

Tal «injustiça» só poderá começar a ser mitigada através de uma transição na distribuição de poder no sistema internacional em prol de uma multipolaridade, o qual tenderá a ser mais justo, por refletir assim uma dinâmica de maior «pluralidade democrática».

Esta perceção tem sido expressa nas várias edições dos livros Brancos da Defesa Nacional e espelhada em declarações de académicos chineses alertando que «o futuro estatuto dos Estados Unidos e o seu papel no sistema internacional dependem da sua interação política com o mundo. A China, juntamente com as outras potências, deve promover de forma natural a transição de poder no sistema internacional»30.

 

ESTRATÉGIAS DE SEGURANÇA E DEFESA NACIONAL

No que concerne às respetivas estratégias de segurança e defesa nacional estas são muito similares nos seus princípios e na identificação dos riscos e ameaças que ambos os países enfrentam (excetuando as referências ao separatismo e à defesa da soberania territorial por parte da China, não mencionadas no caso dos Estados Unidos).

Se os Estados Unidos estipulam na sua estratégia de segurança nacional a defesa e a propagação dos seus interesses de segurança, da prosperidade, de valores e da ordem internacional vigente, numa expressão mais proativa e interventiva no sistema internacional, a China tem optado por uma abordagem menos assertiva.

Mas quando a administração de Barack Obama definiu recentemente o século xxi como «o século do Pacífico» e restabeleceu as prioridades dos Estados Unidos em direção a esta região mantendo o strategic reassurance31 face à China este novo redirecionamento foi encarado como um multilateral offshore balancing que irá aumentar a sua perceção de insegurança.

Tal agudiza a grande diferença entre as respetivas estratégias, resultante da forma como Washington continua a privilegiar relações de segurança e defesa com base em alianças, consubstanciando uma política liminarmente recusada e criticada por Pequim classificando-a como uma lógica ultrapassada pelo novo contexto internacional de forte interdependência onde, através de conceitos como confiança mútua (huxin) benefícios (huli), igualdade (pingdeng) e coordenação (xiezuo), é possível desenvolver estratégias de mútuo benefício ou win-win (shuangying), consubstanciadas em parcerias estratégicas (zhanlue huoban guanxi)32e mecanismos institucionais multilaterais cooperativos com países vizinhos33, os quais devem ser acompanhados (yilin wei ban) e/ou cooptados (yulin wei shan) no sentido de se lhes transmitir amizade (mulin), riqueza (fulin) e segurança (anlin)34.

Esta é uma «estratégia calculista assente em três objetivos: o primeiro, e principal, a preservação da estabilidade e ordem interna e do bem-estar da população; o segundo, a defesa contra ameaças e riscos à sua soberania e integridade territorial; e o terceiro, a obtenção e manutenção de um estatuto de influência como superpotência»35. Denota-se, pelo que foi descrito, que a rpc, tal como os Estados Unidos, é um país propenso a slogans (kouhao) e princípios (yuanze) retirados de um «ideário próprio e excepcionalista» quando formula a condução das suas relações com outros estados. Mas quando os slogans e princípios são operacionalizados no plano da estratégia, há dúvidas que persistem quanto à existência de uma verdadeira grande estratégia por parte da China e desta face aos Estados Unidos36.

 

METODOLOGIA DE AVALIAÇÃO DE AMEAÇAS MILITARES

Ao nível estratégico e operacional detetamos uma maior polarização das respetivas perceções em termos de insegurança, as quais são resultado de conceções distintas quanto ao entendimento da ameaça o que dá lugar a diferentes estratégias e doutrinas militares

Quando se efetua uma avaliação de ameaças à segurança de um estado devemos ter em atenção a existência de um processo biunívoco de elaboração das mesmas. No caso da díade sino-americana a base de partida pode-se revelar como potencialmente fragilizadora das conclusões: a China está cada vez mais forte, a China tem vulnerabilidades substantivas, os estados unidos têm problemas severos, e os Estados Unidos permanecem fortes e com grande capacidade de autorregeneração. Sobrevalorizando um atributo sem corrigir os restantes irá certamente produzir conclusões erróneas. o exagero do potencial a médio/longo prazo da China irá alimentar uma perceção de ameaça por parte dos Estados Unidos, tal como a subestimação das capacidades chinesas pode potenciar tentativas irresponsáveis de pressão sobre a China ou uma incapacidade em prever uma resposta mais determinada por parte de Pequim. uma subestimação do potencial norte-americano por parte da China pode originar comportamentos excessivamente assertivos e imprudentes. Ou seja, se a rpc e os Estados Unidos não tiverem um sistema de avaliação realista das respetivas capacidades e vulnerabilidades, tal pode dar azo a erros de cálculo na avaliação de ameaças e riscos.

Empiricamente, a alteração da estrutura e da geoespacialidade do Produto interno Bruto (pib) da China, a necessidade de dissuadir uma eventual declaração de independência de taiwan, o receio de uma intervenção militar dos Estados Unidos em defesa de taipé, uma ansiedade resultante da vulnerabilidade da sua capacidade de dissuasão nuclear, uma crescente preocupação com a segurança dos fluxos estratégicos de matérias-primas para a China, a crescente necessidade de garantir a proteção, segurança e evacuação dos seus cidadãos espalhados pelo mundo, em regiões particularmente instáveis , líbia, etiópia, Sudão, Nigéria, Paquistão, ásia Central) e uma maior disponibilidade de recursos financeiros, todos conjugados, têm justificado o incremento substancial das capacidades do epl, o que gera um ciclo de ação-reação de perceção de insegurança mútua.

Conceptualmente, uma ameaça militar é entendida como o produto das intenções pelas capacidades, mas existem diferenças entre o enfoque analítico dos Estados Unidos e da China. Enquanto os primeiros centram a sua análise nas capacidades e por isso nos meios do adversário, a China focaliza-se nas intenções e nas vulnerabilidades do mesmo

o que faz com que desenvolva prioritariamente estratégias dissimétricas. Enquanto os Estados Unidos dão prioridade à microanálise, a rpc enfatiza a macroanálise. Enquanto nos Estados Unidos se releva excessivamente a tecnologia, na rpc ela é contextualizada e equilibrada em termos de cultura estratégica com noções de autocultivação e contenção de comportamentos.

Por fim, as definições norte-americanas de ameaças militares são mais redutoras, por não incluírem a defesa da soberania territorial como uma prioridade absoluta, ao contrário da conceção chinesa que refere «os efeitos negativos, os perigos e os danos para os interesses nacionais originados por outras nações, onde se incluem as ameaças à soberania nacional, à sobrevivência do estado e à sua segurança e desenvolvimento»37.

 

ESTRATÉGIA E DOUTRINAS MILITARES

Neste parâmetro as diferenças são igualmente marcantes. os Estados Unidos assentam a sua iniciativa global na preservação da sua liberdade de ação ao nível do controlo dos global commons e do acesso a regiões consideradas importantes para a sua segurança nacional, sendo que parte deste acesso é materializado pelo fortalecimento e expansão das alianças e parcerias regionais38. as suas forças armadas estão estruturadas, equipadas e preparadas para obterem uma «vitória decisiva» num teatro de operações, tendo de contemplar planos para a eventualidade de conduzirem operações em simultâneo noutro teatro de operações do globo.

A salvaguarda da estabilidade e segurança internacional por parte dos Estados Unidos baseia-se na sua capacidade de projeção militar convencional através da denominada estratégia de forward presence que divide o globo em áreas de responsabilidade geográfica atribuídas a cada um dos cinco comandos regionais (Pacífico, Central, europeu, Norte e Sul).

No caso particular do Comando do Pacífico, os Estados Unidos estabeleceram e renovaram recentemente uma série de acordos destinados a facilitar o acesso das suas forças navais a portos de diversos países da região com os quais mantêm relações de cooperação bilateral (Singapura, Brunei, Malásia e Vietname), com aliados (Japão,

Coreia do Sul, filipinas, austrália e tailândia), e têm vindo a modernizar as infraestruturas e a reforçar os meios militares na ilha de Guam, com o objetivo de aumentarem a sua capacidade de dissuasão e de expansão das possibilidades de cooperação marítima regional39 numa renovada e intensificada atividade que tem merecido os mais diversos reparos por parte da China, que as encara como manobras de containment e de cerco, contra-argumentando que tais ações norte-americanas só potenciam uma maior conflitualidade marítima regional40.

A sua doutrina militar assenta em três pressupostos: o de quick/decisive victory e os mais recentes conceitos de joint air-sea battle e de prompt global strike – ambos destinados a vencer adversários de acordo com o mais alargado espectro de operações militares, mas

especialmente aqueles equipados com capacidades sofisticadas de negação de acesso marítimo e aéreo (i.e., China)41.

No caso da China, as missões históricas das forças armadas são conduzidas segundo uma estratégia militar de defesa ativa (jiji fangiu), cujos preceitos operacionais assentam em dois vetores: (i) se atacada, certamente contra-atacará (ren ruo fan wo, wo bi fan ren), aceitando conduzir batalhas iniciadas por outros mas seguindo uma estratégia própria; e (ii) dar prioridade à iniciativa em termos de ações e preparativos militares anteriores ao eclodir de guerras, e uma vez estas eclodidas desenvolver todos os esforços no sentido de conter a sua escala, intensidade e dimensão geográfica42 de acordo com a doutrina militar de «Vencer guerras locais sob condições de infomecanização» ante potenciais adversários tecnologicamente superiores43.

Esta doutrina tem como base o referencial da guerra popular e o emprego sinérgico de meios associados às tecnologias de informação por parte das forças militares, bem como a combinação de meios políticos, económicos, diplomáticos, culturais e jurídicos sempre num racional justificativo de autodefesa44.

Esta estratégia de defesa ativa, também denominada de «defesa ativa offshore» (jijidejinhai fangyu), está expressa nas «linhas estratégicas Militares Nacionais para o Novo Período» (Xin shiqi guojia junshi zhanlue fangzhen) e pressupõe que a China só recorrerá à força militar em defesa da sua soberania e integridade territorial, salvaguardando a possibilidade de recurso à preempção ao abrigo do conceito de «defesa ativa», sendo a «negação de acesso» uma das opções. Os objetivos da estratégia de negação de acesso são basicamente os seguintes: (i) demonstrar a determinação da China em recorrer à força militar face a uma eventual declaração de independência de taiwan, ao abrigo do preceituado na lei anti-Secessão aprovada em 2005; (ii) em caso de recurso à força, erodir a capacidade e a determinação de resistência de taiwan; (iii) incrementar a perceção dos custos associados a uma intervenção militar dos Estados Unidos e aliados regionais, fomentando uma maior indecisão política; (iv) compelir estados da região a negarem o acesso dos Estados Unidos a bases navais existentes nos seus respetivos territórios.

 

OBSERVAÇÕES FINAIS

As perceções de insegurança que chineses e norte-americanos possuem relativamente ao outro têm sido particularmente voláteis e antagónicas. Correndo o risco de uma excessiva simplificação, pode dizer-se que onde os norte-americanos veem democracia, os chineses veem caos; onde os norte-americanos veem repressão, os chineses veem ordem e estabilidade; onde os Estados Unidos veem poluição ambiental e manipulação monetária,

Os chineses veem desenvolvimento económico e emprego; quando os americanos defendem a liberdade religiosa e autodeterminação, os chineses interpretam-no como uma interferência nos seus assuntos internos; os norte-americanos podem ter perdido a Guerra do Vietname, mas não têm qualquer tipo de experiência, por mais remota que seja, comparável ao que foi o «século da humilhação» da China. Em resumo, as perceções mútuas têm-se dividido entre aceitação e rejeição, admiração e contemporização.

Os chineses têm um dictum que descreve lapidarmente a relação de duas pessoas cujas vidas estão interligadas intimamente mas que não conseguem ou não querem comunicar entre si: «a mesma cama, sonhos diferentes» (tong chuang, yi meng). Não existe melhor caracterização para a relação entre os Estados Unidos e a China45.

Desde 1949 que as relações sino-americanas passaram de uma lógica de containment, para uma de engagement limitado na década de 1970, e desde o início deste século para um hedging (cooperando entre si em áreas onde podem fazer; e pressionando, dissuadindo-se e contendo-se mutuamente em áreas onde entendem que o devem fazer), reflexo da existência de um padrão de continuidade de perceções de insegurança bilateral, maioritariamente de suspeitas quanto às respetivas intenções.

As opções políticas de ambos os países têm preconizado sempre uma maior ou menor dimensão de mútua dissuasão oscilando entre um hedging e um containment. Este dualismo tem mais desvantagens que vantagens pois os advogados do hedging tendem a menorizar as diferenças persistentes no plano da segurança bilateral, enfatizando demasiado as vantagens do engagement. Os defensores do containment não são melhores na apresentação de soluções pois creem na inevitabilidade de um conflito e menosprezam os avanços e alguma convergência relativa no plano da cooperação de segurança.

Esta sintomatologia é descrita na perfeição pelo almirante norte-americano richard Mies, quando afirma: «o grande perigo nos Estados Unidos é que muitas pessoas escrevem muitas coisas diferentes, e do nosso ponto de vista o perigo é que os chineses às vezes selecionam em quem confiam e em quem não confiam», um fenómeno que na China existe na mesma proporção e com idêntico impacto, ilustrado pelo facto de face aos Estados Unidos o Zhongnanhai ter aperfeiçoado uma dupla tática denominada popularmente yi liangshou dui liangshou («usar as duas mãos para lidar com as duas mãos da outra parte»)46.

Na prática, significou que face às políticas americanas de peaceful engagement e de hedginga China utiliza uma «mão» flexível e cooperativa (diplomacia e economia) para mitigar potenciais atos hostis, mas a outra «mão» estará preparada para fazer frente (através do epl) e derrotar políticas de containment e separatismo, fomentadas quer externa quer internamente, o que é a completa antítese dos elementos discursivos contemporâneos de paz e harmonia enfatizados pela sua liderança.

Em termos práticos, a China procurou nos últimos vinte anos invalidar os argumentos políticos e as manobras de pressão regional por parte dos Estados Unidos através do desenvolvimento de uma relação e de um diálogo mais cooperativo em termos de segurança, com recurso a soluções negociadas assentes em princípios de obtenção de compromissos com países vizinhos evitando que estes pudessem vir a tornar-se potencialmente hostis, isto ao abrigo de uma «política periférica de boa vizinhança» (zhoubian mulin zhengce)47.

No entanto, persistem quatro fontes de desconfiança mútua entre os Estados Unidos e a China, as quais se não forem devidamente mitigadas poderão metastizar-se e ter um impacto negativo em termos de segurança regional asiática: (i) a definição da relação bilateral fora do contexto win-win advogado pela China; (ii) os erros de cálculo quanto ao poder de cada um face ao outro; (iii) a perceção de uma China revisionista; e (iv) a perceção de uma competição direta entre ambos, com mecanismos dinâmicos de ação-reação48.

Washington e Pequim têm definido a sua relação como positiva, construtiva e abrangente que desejavelmente deverá servir de alavancagem para uma parceria estratégica de partilha de responsabilidades globais, num sistema internacional que os tem beneficiado no geral, independentemente da existência de alguns elementos que na perspetiva de ambos, ainda que sob ângulos diferentes, carecem de aperfeiçoamento.

Esta estabilidade estratégica (zhanlue wending) e «equilíbrio positivo»49 são ilustrados pelas declarações do Presidente Barack Obama, ao definir a relação bilateral como:

«uma relação positiva, construtiva e compreensiva que abre a porta à parceria na base dos assuntos globais-chave do nosso tempo – recuperação económica e desenvolvi- mento de energia limpa; evitar a difusão das armas nucleares e a praga da mudança climática; promover a paz e a segurança na ásia e em todo o mundo… o nosso mundo está agora profundamente interligado… o poder no século xxi já não é um jogo de soma zero… os Estados Unidos não procuram conter o crescimento da China… Nós congratulamos a China enquanto membro forte, próspero e bem-sucedido na comu- nidade das nações – uma China que se representa nos direitos, forças e criatividade dos próprios chineses.»50

A posição da China face ao sistema internacional tem sido de «participação construtiva e reforma gradual», envolvendo-se na promoção de mecanismos multilaterais como forma de incremento da sua influência. No entanto, Pequim ainda tem de aperfeiçoar a sua participação em fora multilaterais destinados a coordenarem respostas integradas e internacionais a desafios globais, enquanto os Estados Unidos têm de aceitar verdadeiramente a influência e o papel cada vez mais crescente que aquela detém na solução desses mesmos desafios. Sem uma cooperação mútua, não haverá progressos.

A política de «ambiguidade (mohu) estratégica» de Washington relativamente à questão de taiwan é um pivot da persistência desta perceção de insegurança chinesa, sendo que, de acordo com um recente editorial do Diário do Exército Popular de Libertação, Pequim vê a posição norte-americana em termos de segurança regional e global e a ação da China com

«um caráter dual: por um lado, pretende que esta assuma uma responsabilidade partilhada na gestão de crises e da segurança regional e internacional, mas, por outro lado, vê com receio a ascensão da China como potência, desenvolvendo um conjunto de ações que visam na realidade, e apesar da retórica, contê-la, através de uma política de alianças regionais, de continuação da venda de armas a taiwan e de implementação de um sistema de defesa antimíssil»51.

Para o general Peng Guangqian,

«a nova estratégia dos Estados Unidos face à China tem seis elementos: (i) encara a China como um alvo conflitual; (ii) tem o Japão e a austrália como aliados estratégicos-chave; (iii) estabelece o incremento da sua presença militar em bases no Pacífico ocidental; (iv) visa a preservação dos valores ocidentais; (v) visa a conservação do sistema de containment económico dominado pelos Estados Unidos; e (vi) pretende separar a China dos países vizinhos.»52

Os dois últimos anos marcaram uma agudização deste dilema das perceções de insegurança, a qual tem sido expressa de forma semanticamente «engenhosa» em documentos oficiais de ambos os governos. Na última edição do Livro Branco da Defesa Nacional da China, a envolvente de segurança e defesa asiática foi descrita como sendo cada vez mais volátil e ameaçadora, com referências diretas aos Estados Unidos.

A Quadrennial Defense Review, o Annual Report to Congress: Military and Security DevelopmentsInvolving the People’s Republic of China e a National Security Strategy, quando se referem à situação de segurança no contexto regional asiático, são uma mirror image das perceções de insegurança norte-americana face à China.

O que estes documentos ilustram é que no campo da segurança e defesa, e na respetiva dimensão estratégica regional – independentemente das declarações de boas intenções sistematicamente repetidas aquando das visitas presidenciais e dos encontros multilaterais – as omnipresentes e persistentes perspetivas distintas quanto ao papel e influência de cada um dos países no sistema internacional em geral, e na ásia em particular, agudizam as poucas mas substantivas diferenças que existem entre ambos no plano dos valores socioculturais, dos respetivos interesses vitais e dos princípios de política externa, acentuando as diferenças mais significativas que existem ao nível estratégico e doutrinário militar, o que pode dificultar, em situações particulares, a gestão de crises bilaterais53 e a obtenção de compromissos (especialmente no que concerne a disputas territoriais marítimas – área definida pela China como um interesse vital)54.

Dada esta polarização estratégico-operacional e a definição geograficamente abrangente do que é interesse vital para a China, tal pode alimentar uma maior instabilidade regional ao longo da linha que parte das ilhas Diaoyu/Senkaku, passa pelo rochedo de Socotra, continua em taiwan e inclui o Sul do mar da China – numa «linha de fratura» que servirá de teste ao estatuto, prestígio, credibilidade e legitimidade interna (no caso da China) e externa (no caso dos Estados Unidos) de ambos os países na região acentuando ainda mais o dilema de segurança regional em resultado de estratégias e doutrinas militares diametralmente opostas.

Neste contexto, a grande dúvida que se coloca aos Estados Unidos é assim se os objetivos da China são limitados regionalmente ou ilimitados, pois o atual processo de modernização militar da China, particularmente da sua Marinha e força aérea, deverá ter em atenção as preocupações que geram junto dos seus vizinhos asiáticos, área onde se centra o seu enfoque geoestratégico e militar.

Do lado da rpc as incertezas não são menores. A quando da realização, a 18 de dezembro de 2011, do fórum sobre a revisão da Política Diplomática da China e Perspetivas futuras, Yuan Peng, diretor do instituto de estudos americanos do instituto de relações internacionais Contemporâneas da China, elencou quatro desafios às relações bilaterais:

«a necessidade de se construir uma cooperação bilateral a longo prazo, que está agora mais vulnerabilizada desde a morte de osama bin laden e da retirada norte-americana do iraque, ao mesmo tempo que se receia que a complementaridade da economia e do comércio entre os dois países venha a ser afetada mais negativamente; a política de alianças e de cooperação na segurança e defesa dos Estados Unidos com países que têm disputas territoriais com Pequim; a relação com a rússia, em que Moscovo espera que a China seja mais assertiva, podendo afetar a parceria estratégica bilateral; e a alteração da visão estratégica, pois se na era de Deng Xiaoping a estratégia era aprender com a tecnologia norte-americana e absorver capital estrangeiro, depois de Deng passou a ser “competição e cooperação”. Qual a direção que a China deverá agora tomar? Não é claro.»55

Mencio referiu que um estado sem inimigos ou ameaças externas está condenado. Numa reformulação de 2006, o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao, afirmou: «Pensar no perigo que nos rodeia, garantirá a nossa segurança. Pensar que o caos sucede, irá garantir-nos a paz. Pensar no porquê do fracasso de um país garantirá a nossa sobrevivência.»56

Para alguns meios académicos e militares chineses este pessimismo obriga ao desenvolvimento de uma grande estratégia tendo como adversário os Estados Unidos, o que, apesar dos desafios que estes materializam, pode não fazer sentido57, porque o comportamento de segurança da China não visa atualmente contrabalançar ou substituir o poder militar norte-americano na ásia ou noutros pontos do globo, pois a sua perceção sobre as vantagens associadas ao atual sistema suplantam as desvantagens58.

Agora que os Estados Unidos voltaram a definir a ásia-Pacífico como a sua área geográfica prioritária e essencial para o seu próprio crescimento económico, a necessidade de preservar uma estabilidade geoestratégica regional com Washington como pivot, tornou-se mais incontornável59.

O centro de gravidade do sistema internacional deslocou-se do atlântico para o Pacífico, mas a forma como esta transferência de poder será efetuada não depende das forças determinísticas da história mas das decisões que os líderes regionais, mais especificamente norte-americanos e chineses, venham a tomar em relação ao outro.

É expectável que a China assuma mais responsabilidades no plano internacional, mas a comunidade internacional deve chamar a si a responsabilidade de ajudar a China60, processo do qual os Estados Unidos não se podem alhear mas também não devem induzir coercivamente.

A China continua a ser um país misterioso e pouco familiar para a maioria dos norte-americanos, com diferenças culturais, políticas e linguísticas que acentuam percepções incorretas, incompreensão e potenciais erros de cálculo61. Dada a magnitude dos interesses estratégicos em jogo, não existe um substituto para um processo percetivo que não seja informado, sofisticado e menos politizado, que requer tempo (muito tempo) e que não pode abdicar de uma análise vertical (através da história do seu desenvolvimento) e horizontal (através das diversas regiões do país) de forma a poder enquadrar os enormes progressos e desafios internos da China e o modo como estes moldam o seu comportamento em termos de política externa e de segurança.

O que parece faltar por enquanto no diálogo bilateral é um conceito integrativo e abrangente de interação que incorpore conceitos comuns face à crescente
complexidade e multiplicidade dos desafios políticos, económicos, militares e tecnológicos que se vislumbram, como fica patente na entrevista dada pelo Presidente Barack Obama62 e num artigo publicado uma semana antes pela revista oficial do pcc (Qiushi), que critica a iniciativa de estabelecimento da Parceria transPacífico (ptp) «como uma manobra de criação de uma área de comércio livre sob controlo de Washington, fomentando a divisão da ásia ao excluir a China, fragilizando a Comunidade do este asiático e exponenciando a competição entre o modelo de comércio livre da asean-China e o da ptp»63. Parece-nos inevitável a assunção de uma lógica de enmeshment bilateral para a qual o mecanismo de Diálogo estratégico é um ótimo ponto de partida, pois passou a ter desde 2011 uma dimensão de segurança que se juntou às anteriores vertentes económica e estratégica, num passo que foi reconhecido por ambas as partes como um avanço significativo no sentido de uma melhor compreensão mútua. No entanto, este mecanismo continua a ser usado como um instrumento de arremesso cada vez que uma das partes perceciona uma infração por parte da outra ao preceituado para a condução deste diálogo (i.e., venda de armas a taiwan pelos Estados Unidos), o que tem levado à suspensão temporária do diálogo no âmbito militar, ainda que posteriormente seja retomado.

Um artigo publicado a 13 de fevereiro de 2012 no jornal Xuexi Shibao (tempos de estudo) reconhece estas dificuldades de comunicação e as desconfianças existentes entre ambos. Nele é advogada a necessidade de existir um controlo político mais apertado sobre as diferenças entre a China e os Estados Unidos. Deve haver um cuidado redobrado por parte dos líderes políticos e diplomáticos em evitarem linguagem passível de gerar más interpretações e danificarem as relações de confiança bilateral. Ao nível da opinião pública, é sugerido um «direcionamento ativo» de modo a que visões radicais e hostis de um país face ao outro não alimentem más perceções ou novos desentendimentos64.

Em suma, uma relação estrategicamente mais estável ainda que difícil de alcançar não é de todo impossível, devendo passar por uma maior subordinação dos respetivos interesses e aspirações nacionais relativamente à visão de uma nova ordem global, algo de que nem um nem outro têm por enquanto uma experiência prática, pois assumem que os seus valores e interesses são únicos e que devem servir de inspiração a outros povos, devendo assim moldar a evolução dessa ordem. a diferença centra-se na respetiva metodologia proselitista, com os Estados Unidos a optarem por mecanismos de indução coerciva e a China a optar por mecanismos de indução/persuasão sob o lema de win-win (shuangying) approaches.

A conciliação destas duas versões de excepcionalismo é o maior desafio que se apresenta às relações sino-americanas no século xxi, pois pragmática e realisticamente nenhum dos países conseguirá dominar o outro ou moldar a ordem internacional à sua imagem. Por outro lado, um conflito entre ambos irá exaurir de tal forma as respetivas sociedades que as condenará a um significativo downgrade na escala de poder e de preponderância internacional, algo que nenhum quer, nem ninguém deseja.

 

NOTAS

1 O artigo não representa a posição do Instituto da Defesa Nacional, sendo da responsabilidade exclusiva do autor.

2 São exemplos desta maior frequência na ocorrência de atritos bilaterais: o incidente com o navio chinês Yinhe em 1993; a crise de Taiwan de 1995-1996; o bombardeamento acidental da embaixada chinesa em Belgrado em 1999; o incidente com o avião EP-3 dos Estados Unidos em abril de 2001; uma série de pequenos incidentes com forças navais de países da asean no Sul do mar da China e com a Marinha japonesa no Leste do mar da China desde 2004; o incidente da emersão de um submarino chinês perto da esquadra do porta-aviões norte-americano Kitty Hawk no Leste do mar da China em novembro de 2006; o teste antissatélite da China em janeiro de 2007 (que deixou bastantes detritos em órbita terrestre); o incidente com os navios de pesquisa hidrográfica dos Estados Unidos Impeccable, em março de 2009, e Victorious, no mês seguinte; o silêncio chinês relativamente ao teste nuclear da Coreia do Norte em maio de 2009, ao afundamento por um míssil norte-coreano do navio da marinha de guerra sul-coreana(Cheonan) em abril de 2010, à morte de civis sul-coreanos em consequência de uma preparação de artilharia norte-coreana sobre a ilha de Yeonpyeong em novembro do mesmo ano; os progressos registados e anunciados em dezembro de 2010 no programa de enriquecimento de urânio por parte da Coreia do Norte; e a reação excessiva de Pequim às declar ações dos E stados Unidos aquando da reunião de julho de 2010 da asean de que não permitiria condicionamentos à livre circulação marítima no Sul do mar da China.

3 Clinton, Hillar y – America’s Pacific Century. [Consultado em: 3 de novembro de 2011]. Disponível em: http://www.foreignpolicy.com/articles/2011/10/11/americas_pacific_century.         [ Links ]

4 Glaser, Bonnie, e Morris, Lyle – Chinese Perceptions of U.S. Decline and Power. [Consultado em: 8 de fevereiro de 2012]. Disponível em: http://www.jamestown.org/programs/chinabrief/single/?tx_ttnews5Btt_news5D=35241&cHash=db9748f805 .         [ Links ]

5 A China é vista por quase 50 por cento da amostra das várias sondagens como um competidor direto dos Estados Unidos, uma percentagem que se reflete quase na mesma proporção nas sondagens chinesas relativamente à imagem dos Estados Unidos. No entanto, entre 2001 e 2009 a imagem dos Estados Unidos perante os chineses deixou de ser classificada predominantemente como de «poder e riqueza» para passar a contemplar em percentagens quase idênticas imagens como «poder e riqueza», «arrogância», «democracia e liberdade» e «polícia mundial ». As sondagens norte-americanas foram conduzidas em 2007 pelo Comittee of 100 e em 2010 pelo Chicago Council on Global Affairs e pelo Pew Research Center, enquanto que as sondagens chinesas foram conduzidas pelo Horizon Group em 2001, 2003 e 2009. Todas estão disponíveis para consulta nos respetivos sítios institucionais.

6 Jin, Canrong – «The US Global Strategy in the post-Cold War era and its implications for China-US relations: a Chinese perspective». In Journal of Contemporary China. Londres. Vol. 19, N.º 27, 2001, p. 311.         [ Links ]

7 Hachigian, Nina, e Peng, Yuan – «The U.S. -China expectations gap:an exchange». In Survival. Londres. Vol. 52, N.º 4, pp. 67-86;         [ Links ] Friedberg, Aaron – A Contest for Supremacy: China, America, and the Struggle for Mastery in Asia. Nova York: W. W. Norton, 2011.         [ Links ]

8 Jervis, Robert – Perception and Misperception in International Politics. Nova Jérsia: Princeton University Press, 1976, p. 8.         [ Links ]

9 Jervis, Robert – Perception and Misperception in International Politics, p. 145;         [ Links ] Heuer, Richard – «Strategic deception and counter-deception: a cognitive process approach». In International Studies Quarterly. São Francisco. Vol. 25, N.º 2, p. 299.         [ Links ]

10 Nisbett , Richard – The Geography of Thought: How Asians and Westerners Think Differently and Why. Nova York: Free Press, 2003, p. xiii.         [ Links ]

11 Por exemplo, o conceito de shi (empregue normalmente para descrever a configuração da ordem internacional) é um dos três pilares fundamentais para uma boa compreensão e condução da política externa do país – sendo os outros dois a identidade nacional e a estratégia. A compreensão do shi tem sofrido uma evolução acentuada nos últimos dez anos tendo-se tornado mais plural e diversificada; apesar de ser percecionado como geralmente mais positivo para o país, este começa agora a ter de enfrentar situações mais complexas e difíceis no seio do sistema internacional. Zhu, Liqun – China’s Foreign Policy Debates. [Consultado em: 12 de dezembro de 2011]. Disponível em: http://www.iss.europa.eu/uploads/media/cp121China_s_Foreign_Policy_Debates.pdf , pp. 11-12.         [ Links ]

12 Jervis, Robert – Perception and Misperception in International Politics, p. 33.         [ Links ]

13 Caracterizado como «uma falsa definição de uma situação que torna a originalmente falsa conceção numa realidade». Merton, Robert – Social Theory and Social Structure. Nova York: Free Press, 1957, p. 423.         [ Links ]

14 Nathan, Andrew, e Gilley, Bruce – China’s New Rulers: The Secret Files. Nova York: New York Review of Books, 2002, pp. 207-208.         [ Links ] Sem autor (s.a.) – What Does China Tell the World in Its Peaceful Development White Paper?. [Consultado em: 14 de novembro de 2011]. Disponível em: http://www.qstheory.cn/lg/rpzm/gj/201109/t20110908_108915.htm ;         [ Links ] Clinton, Hillary – America’s Pacific Century;         [ Links ] Li, Hongmei – Pentagon Chief Distorted Story of Chinese Military. PLA Daily. [Consultado em: 5 de novembro de 2011]. Disponível em: http://english.chinamil.com.cn/;         [ Links ] Luo, Yuan – The Major External Threats to Us Are from the U.S. China Gate. [Consultado em: 8 de novembro de 2011]. Disponível em: http://www.wenxuecity.com/news/2011/10/03/1487698.html.         [ Links ]

15 Burns, William – Containment or Engagement? Experts Share thoughts on U.S.-Sino Relations at the Fifth China-U.S. Relations Conference. Disponível em: http://www.bjreview.com/report/txt/2011-10/26/content_400818.htm.         [ Links ]

16 Z hang, Yesui – Chinese Ambassador Calls for Proper Handling of Disagreements. Disponível em: http://www.bjreview.com/report/txt/2011-10/24/content_400280.htm.         [ Links ] Ambas as comunicações foram efetuadas na edição de 2011 da China-U.S. Relations Conference, Texas A&M University, 23 de outubro. [Consultadas em: 3 de novembro de 2011].

17 Yu, Xintian – «Harmonious world and China’s path for peaceful development». In Zhongch un, Wang, e Senlin, Chen (eds.) – World Security Environment. Pequim: College of Defense Studies, National Defense University, pla, p. 6.         [ Links ]

18 Foot, Rosemary – Rights beyond Borders: The Global Community and the Struggle over Human Rights in China. Oxford: Oxford University Press, 2002, p. 2.         [ Links ]

19 Por exemplo, os Estados Unidos também aplicam a pena de morte e não existem limitações à posse de armas por parte dos cidadãos norte-americanos, o que potencia as elevadas taxas de criminalidade existentes no país. Para uma crítica do Ministério dos Negócios Estrangeiros à política de direitos humanos e à liberdade de informação na internet universalmente advogada pelos Estados Unidos, mas que também as violam no plano interno, leia-se Liu, Weimin – Ministry of Foreign Affairs: United States Should Stop Pointing Fingers. [Consultado em: 27 de dezembro de 2011]. Disponível em: http://news.xinhuanet.com/world/2011-12/13/c_111239921.htm.         [ Links ]

20 White Paper on Political Democracy. Information Office of the State Council of the People’s Republic of China. [Consultado em: 17 de novembro de 2011]. Disponível em: http://www.chinadaily.com.cn/english/doc/2005-10/19/content_486206.htm .         [ Links ]

21 Deng, Xiaoping – Deng Xiaoping Wenxuan (Estudos Selecionados de Deng Xiaoping). Vol. 3. Pequim: Renmin chubanshe, 1993, pp. 347-348.         [ Links ]

22 Peng, Guangqian, Zhao, Zhiyin, e Luo, Yong – China’s National Defense. Singapura: Cengage Learning Asia, 2010, p. 23.         [ Links ]

23 Os restantes interesses são: garantir a continuidade do poder do Partido Comunista Chinês; garantir uma segurança robusta que salvaguarde o desenvolvimento nacional durante o impor tante período de oportunidade estratégica (até 2020); e desempenhar um papel importante na salvaguarda da paz mundial e na promoção de um desenvolvimento comum. Peng, Guangqian, Zhao, Zhiyin, e Luo, Yong – China’s National Defense, pp. 67-68.         [ Links ]

24 The White House – National Security Strategy. [Consultado em: 17 de novembro de 2011]. Disponível em: http://www.whitehouse.gov/sites/default/files/rss_viewer/national_security_strategy.pdf , p. 2.         [ Links ]

25 Yong, Deng – «Conception of national interests: Realpolitik, liberal dilemma, and the possibility of change». In Deng, Yong, e Wang, Fei-Ling (eds.) – In the Eyes of the Dragon: China Views the World. Lanham: Rowman & Littlefield, 1999, p. 62.         [ Links ]

26 Yong, Deng – China’s Struggle for Status: the Realignment of International Relations. Nova York: Cambridge University Press, 2008, pp. 53-54.         [ Links ] Note-se no entanto que a expressão responsible stakeholder formulada por Robert Zoellick em 2005 deixou de ser utilizada pela Administração de Barack Obama. Este conceito parte do pressuposto que a China está bem integrada no sistema internacional, que um conjunto de problemas globais requer a cooperação da China com vista à sua resolução, e que tal cooperação é possível em inúmeras áreas. No último parágrafo do seu mediático discurso, o sub-secretário de Estado norte-americano afirmou que «podemos cooperar hoje com a China, mesmo que estejamos a trabalhar para que tenhamos uma China democrática amanhã». Zoellick , Robert – Wither China: From Membership to Responsibility: Remarks to National Committee on U.S.-China Relations. [Consultado em: 12 de novembro de 2011]. Disponível em: http://www.ncusr.org/files/2005Gala_RobertZoellick_Whiter_China1.pdf        [ Links ]

27 Ainda que a sua posição seja normalmente neutra aquando de votações de resoluções no Conselho de Segurança da onu que visam sancionar o recurso à força, optando normalmente pela abstenção. Kent, Ann – Beyond Compliance: China, International Organizations, and Global Security. Stanford: Stanford University Press, 2007;         [ Links ] Johnston, Alastair Iain – Social States: China in International Organizations, 1980-2000. Nova Jérsia: Princeton University Press, 2008.         [ Links ]

28 Yan, Xuetong, e Sun, Xuefeng – Zhongguo Jueqi Jiqi Zhanlue (A Ascensão da China e a sua Estratégia). Pequim: Beijing Renmin Chubanshe, 2005, p. 5.         [ Links ]

29 Hu, Jintao – Written Speech by H.E. Hu Jintao President of the People’s Republic of China at the High-level Plenary Meeting of the United Nations’ 60th Session. [Consultado em: 9 de dezembro de 2011]. Disponível em: http://www.fmprc.gov.cn/eng/wjdt/zyjh/t213091.htm.         [ Links ]

30 Yu, Xintian – «Harmonious world and China’s path for peaceful development». In Zhongch un, Wang, e Senlin, Chen (eds .) – World Security Environment, p. 13.         [ Links ]

31 Steinberg, James – China’s Arrival: The Long March to Global Power. [Consultado em: 9 de dezembro de 2011]. Disponível em: http://www.cnas.org/files/multimedia/documents/Deputy20Secretary20JamesSteinber2720September2024,20200920Keynote20Adress20Transcript.pdf.         [ Links ]

32 Para uma relação atualizada das parcerias estratégicas e mecanismos de cooperação bilateral que a China tem com os países vizinhos consulte-se o sítio do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China (http://www.mfa.gov.cn/chn/gjhdq/default.htm).

33 Yang, Wanming – «On the concept of comprehensive security». In Zhongch un, Wang, e Senlin, Chen (eds.) – World Security Environment, p. 35;         [ Links ] Zhang, Yunling, e Tang, Shiping – «China’s regional strategy ». In Shambaugh, David (ed.) – Power Shift: China and Asia’s New Dynamics. Berkeley: University of California Press, 2005, p. 50.         [ Links ]

34 Chien-Min, Chao, e Chih-Chia, Hsu – «The worldviews of the Chinese leadership and Sino-U. S. relations». In Zhao, Suisheng (ed.) – China and the United States: Cooperation and Competition in Northeast Asia. Nova York: Palgrave Macmillan, 2009, pp. 91-93.         [ Links ]

35 Swaine, Michael, e Tellis, Ashley – Interpreting China’s Grand Strategy: Past, Present, and Future. Santa Mónica: rand, 2000, p. x.         [ Links ]

36 Wang, Jisi – «China’s search for a grand strategy: a rising great power finds its way». In Foreign Affairs. Vol. 90, N.º 2, 2011, p. 68.         [ Links ] Zhang e Tang discordam desta perspetiva pessimista e afirmam que a grande estratégia da China é definida pela frase «preservar e moldar uma envolvente de segurança, económica e política conducente ao desenvolvimento económico, social e político da China» (Zhang, Yunling, e Tang, Shiping – «China’s regional strategy», p. 48).         [ Links ] Chien-Min e Chih-Chia defendem que a grande estratégia é a de «um mundo harmonioso» que tem como ingredientes principais a segur ança comum (gongtong anquan), a prosperidade mútua (gongtong fanrong) e as relações harmoniosas (hexie guanxi) (Chien-Min, Chao, e Chih-Chia, Hsu – «The worldviews of the Chinese leadership and Sino-U. S. relations», p. 87.         [ Links ] Estes são confirmados pelo White Paper on China’s Peaceful Development de 2011 que é o documento oficial que melhor define uma «grande estratégia » para o país. Information Office of the State Council of the People’s Republic of China – White Paper on China’s Peaceful Development. [Consultado em: 8 de dezembro de 2011]. Disponível em: http://www.gov.cn/english/official/2011-09/06/content_1941354.htm.

37 Whiting, Alan – «The pla and China’s threat perceptions». The China Quarterly. Vol./N.º 146, 1996, p. 599.         [ Links ]

38 Quadrennial Defense Review. U.S. Department of Defense. [Consultado em: 27 de julho de 2011]. Disponível em: http://www.defense.gov/qdr/images/QDR_as_of_12Feb10_1000.pdf, p. 13.         [ Links ]

39 Ibidem, p. 34.

40 «Understanding the forces behind the U.S. policy». In Guangzhou Daily, 6 de novembro de 2011. [Consultado em: 12 de dezembro de 2011]. Disponível em: http://gzdaily.dayoo.com/html/2011-11/06/content_1521550.htm;         [ Links ] S.a. – What’s Behind the High Profile U.S. “Return to the Asia Pacific”?. Xinhua, November 16th. [Consultado em: 12 de dezembro de 2011]. Disponível em: http://news.xinhuanet.com/world/2011-11/16/c_122288378.htm.         [ Links ]

41 Quadrennial Defense Review, U.S. Department of Defense. [Consultado em: 27 de julho de 2011]. Disponível em: http://www.defense.gov/qdr/images/QDR_as_of_12Feb10_1000.pdf, pp. 31-32.         [ Links ]

42 Peng, Guangqian, Zhao, Zhiyin, e Luo, Yong – China’s National Defense, pp. 116 e 76-77.         [ Links ]

43 People’s Republic of China Ministry of National Defense – China’s National Defense in 2008. Pequim. [Consultado em: 27 de novembro de 2011]. Disponível em: http://www.mod,gov.cn/database/whitepapers/2008.htm.         [ Links ]

44 Peng, Guangqian, Zhao, Zhiyin, e Luo, Yong – China’s National Defense, pp. 116 e 73;         [ Links ] Carriço, Alexandre – De Cima da Grande Muralha: Política e Estratégias de Defesa Territorial da República Popular da China, 1949-2010. Lisboa: Prefácio, 2006, pp. 470-471.         [ Links ]

45 Lampton, David – Same Bed Different Dreams: Managing U.S.-China Relations, 1989-2000. Berkeley: University of California Press, 2001, p. ix.         [ Links ]

46 Citado em Sa alman, Lora – China & the U.S. Nuclear Posture Review. The Carnegie Papers. [Consultado em: 3 de março de 2012]. Disponível em:http://pt.scribd.com/doc/49855154/China-and-the-U-S-Nuclear-Posture-Review, p. 34.         [ Links ]

47 Yan, Xuetong – Zhongguo de Jueqi, Guoji Huanjing pingguo [A Ascensão da China: Uma Avaliação da Envolvente Internacional]. Tianjin: Tianjin Renmin Chubanshe, 1998, p. 283.         [ Links ]

48 Lampton, David – Power Constrained: Sources of Mutual Strategic Suspicion in U.S.- China Relations. Seattle: National Bureau of Asian Research, 2010, p. 6.         [ Links ]

49 Sutt er, Robert – Positive Equilibrium in USA-China Relations: Durable or Not?. Janus.Net N.º 1. [Consultado em: 3 de março de 2012]. Disponível em: http://observare.ual.pt/janus.net/images/stories/PDF/vol2_n1/en/en_vol2_n1_art1.pdf.         [ Links ]

50 Obama, Barack – Town Hall Meeting with Future Chinese Leaders. Remarks, Museum of Science and Technology, Xangai, 16 de novembro. [Consultado em: 6 de março de 2012]. Disponível em: http://www.whitehouse.gov/the-press-office/remarks-president-barack-obama-town-hall-meeting-with-future-chinese-leaders.         [ Links ]

51 The Dual Character of US Policy toward China. People’s Liberation Army Daily, 12 de setembro de 2011. [Consultado em: 6 de março de 2012]. Disponível em: http://www.mod.gov.cn/big5/opinion/2011-09/12/content_4297235.htm.         [ Links ]

52 Peng, Guangqian – Shaojiang: Bu paichu youren liyingwaihe zhijie zhongguo de keneng xing (Major-General não Descarta a Possibilidade de Traidores ao Serviço dos eua Poderem Desmembrar a China). Huanqiu shi bao (Global Times), 26 de dezembro. [Consultado em: 6 de março de 2012]. Disponível em: http://mil.huanqiu.com/Observation/2011-12/2289744.html.         [ Links ]

53 Também porque estamos per ante estruturas e processos de tomada de decisão em situação de crise completamente distintos tais as diferenças político-culturais que permeiam os respetivos processos. Para uma análise sobre este tema, as diferentes conceções de crise e impacto nas perceções mútuas cf. Swaine, Michael, Zhang, Tuosheng, e Cohen, Danielle (eds.) – Managing Sino-American Crises: Case Studies and Analysis. Washington: Carnegie Endowment for Peace, 2006.         [ Links ]

54 Note-se, por exemplo, em julho de 2010 e repetido a 18 de novembro de 2011, aquando da reunião da asean com, respetivamente, o ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Yang Jiechi, e o primeiro-ministro Wen Jiabao, a avisarem os estados da região para não efetuarem coordenações com potências externas (i.e., Estados Unidos) na gestão das disputas territoriais que têm com a China, devendo as negociações serem conduzidas no plano bilateral. A mensagem não foi tida em consideração pelos países da asean que, com o apoio dos Estados Unidos, inseriram este tema na agenda, para descontentamento de Pequim. Buckley, Chris – China Looks across Asia and Sees New Threats. Reuters, 10 de novembro. [Consultado em: 14 de março de 2012]. Disponível em: http://www.reuters.com/article/2011/11/10/us-china-asia-idUSTRE7A91CY20111110.         [ Links ]

55 Yuan, Peng – Yuan Peng: wangluo huo cheng zhong mei guanxi yinbao dian xu guangkong weiji (Yuan Peng: Relações China-eua em rede ou com necessidade em se controlar um ponto de viragem em direção a uma crise). Ifeng, 19 de dezembro. [Consultado em: 18 de março de 2012]. Disponível em: http://news.ifeng.com/mainland/detail_2011_12/19/11427081_0.shtml.         [ Links ]

56 cctv-1 – prc’s Premier Wen Jiabao News Conference. Foreign Broadcast Information Service (fbis), 14 de março de 2006, FBIS-CPP20060314070001. [Consultado em: 6 de agosto de 2009]. Disponível em: https://www.lexisnexis.com.         [ Links ]

57 Zhang, Weiwei – Expert: Six Countermeasures to the U.S. Challenges; Hurry up and Turn the Bad Situation Around. Global Times, 18 de novembro. [Consultado em: 23 de janeiro de 2012]. Disponível em: http://mil.huanqiu.com/Observation/2011-11/2184378.html.         [ Links ]

58 Aquando da última reunião da Associação Chinesa de Relações Internacionais, em Lanzhou em 2010, a conclusão consensual a que chegaram os cientistas políticos chineses foi que «a China não deve confrontar os eua; nem desestabilizar o sistema internacional em geral; não deve empregar a ideologia como guia da sua política externa; não deve liderar o “campo antiocidental”; não deve entrar em conflito com outros países, mesmo quando a razão lhe assiste; deve efetuar compromissos e concessões aprender mais com o jogo dos benefícios mútuos; não deve abdicar da defesa intransigente dos seus interesses vitais relativos à unificação nacional; deve fornecer bens públicos ao sistema internacional e aperfeiçoar a sua imagem tirando vantagens de eventos globais.» Glaser, Bonnie – A Shifting Balance: Chinese Assessments of U.S. Power. [Consultado em: 18 de março de 2012]. Disponível em: http://csis.org/files/publication/110613_glaser_CapacityResolve_web.pdf , p. 13.         [ Links ]

59 The White House – Sustaining U.S. Global Leadership: Priorities for 21st Century Defense. [Consultado em: 5 de março de 2012]. Disponível em: http://www.defense.gov/news/Defense_Strategic_Guidance.pdf, p. 2.         [ Links ]

60 Wang, Jisi – «China’s search for a grand strategy: a rising great power finds its way», p. 79.         [ Links ]

61 Para mitigar este défice de perceções e de conhecimento mútuo os Estados Unidos e a China concordaram em que até 2014 100 mil estudantes norte-americanos possam estudar na China. No entanto, a assimetria ainda é grande pois a China teve em 2010 158 mil alunos a estudar nos Estados Unidos. «100,000 Strong Initiative », Center For Global Education And Leadership. [Consultado em: 5 de março de 2012]. Disponível em: http://www.dc-cgel.org/programs/100,000-strong-initiative.

62 Zakaria , Fareed – Inside Obama’s World: The President talks to TIME about the changing nature of American power. [Consultado em: 5 de março de 2012]. Disponível em: http://swampland.time.com/2012/01/19/inside-obamas-world-the-president-talks-to-time-about-the-changing-nature-of-american-power/#ixzz1kGU93v5I.         [ Links ]

63 Meiguo chong fan yazhou zhanlue dui jingji geju yingxiang shenyuan(Ásia: Estratégia dos EUA para voltar a controlar a economia global). Qiushi, 13 de janeiro de 2012. [Consultado em: 9 de março de 2012]. Disponível em: http://www.qstheory.cn/jj/hqsy/201201/t20120113_134730.htm.         [ Links ]

64 Wang, Gonglong – Guankong fenqi: Zhong mei guanxi de xin linian (Controlo das Diferenças: O Novo Conceito para as Relações Sino-Americanas). Xuexi Shibao (Tempos de Estudo). [Consultado em: 9 de março de 2012]. Disponível em: http://www.studytimes.com.cn/2012/02/13/02/02_35.htm.         [ Links ]